As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor. escrita por Yang


Capítulo 11
Um pedido de desculpas.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/352699/chapter/11

#Narrado por Daniel#

Meu celular toca. São seis horas da manhã. E hoje tem aula, e eu sinto que se não levantar da cama agora, não levanto nunca mais. Está uma forte chuva lá fora. E está um clima tão agradável pra continuar dormindo. E eu não quero levantar, mas Salomão late e isso me assusta. Eu acabo de cair da cama.

– Daniel! levanta filho, você vai se atrasar. – grita a minha avó,

– mas tá chovendo muito! Não sei se vou pra aula debaixo dessa chuva!

Ela entra no quarto e me vê no chão. Estou completamente jogado e todo enrolado com o lençol. Salomão está deitado em cima de mim. E acabo de perceber que ele está gordo.

– Daniel?

– Oi... – digo a ela. – não consigo respirar.

– Sai Salomão! Anda! – grita ela. Salomão saiu de cima de mim e eu finalmente consigo me levantar. – Daniel, vá se arrumar. A chuva já está passando! – nesse momento ouvimos um trovão muito barulhento, contrariando a ideia de que a chuva está passando. – Vamos menino.

– está bem, está bem! – resmungo.

Tomo banho rápido. A água está bem mais gelada hoje do que nos outros dias. Me visto e sigo para a cozinha, esperando que minha avó tenha feito alguma coisa pra comer.

– Daniel, coma rápido se não você vai se atrasar.

– Hum-hum. – falo enquanto estou mastigando o pão. – cadê o Leandro?

– ainda dormindo. E a propósito, ele percebeu os vinte reais que você pegou dele.

– Dane-se! – respondo. Ela me olha repreendendo, e garanto que o olhar dela assusta. – Eu já vou. Tchau!

A chuva está forte ainda, e eu tenho que seguir por um caminho que tenha cobertura. Leandro quebrou todos os nossos guarda-chuvas. Ainda me esqueci de ver a hora antes de sair de casa. Provavelmente estou bem atrasado.

Chegando ao meio-fio para atravessar a rua da escola, encontro Diana, se protegendo da chuva com um pedaço de papelão. Ela me vê e eu a distraio. Nos olhamos até que um caminhão passa e lhe dá um banho dos pés a cabeça. Ela está encharcada e muito suja. Ela cospe a água que entrou na boca. Eu estou me segurando para não rir, mas isso está ficando difícil.

Eu caio na gargalhada e só então percebo que estou ficando molhado tanto quanto ela. Ela atravessa a rua para o outro lado onde tem cobertura. Eu a sigo para me proteger também. Eu olho para ela e começo a rir novamente.

– Isso não tem graça. – diz ela séria e desapontada.

– é claro que tem. – Eu olho em volta e percebo que estamos sozinhos. O portão da escola fecha. Já são mais de sete horas. – Estamos ferrados.

Ela se senta em uma caixa de madeira, e como um golpe trágico do destino, a caixa quebra. Eu começo a rir mais ainda e depois de um tempo percebo que ela está prestes a chorar. E eu faço o inacreditável.

– Desculpa. – digo a ela enquanto a ajudo a se levantar. – desculpa por ontem, por antes de ontem e por hoje. – ela me olha. Parece não acreditar no que está ouvindo.

– me desculpa por ter te chamado de idiota também. – diz ela.

Ficamos ali, parados e calados. A rua estava deserta por conta da chuva. Só passavam carros e a cada caminhão que passava eu controlava o riso.

Tínhamos perdido aula, e a chuva não parava. Eu estava cansado de ficar em pé e creio que ela também. Peguei a caixa de madeira quebrada e forrei um lugar para sentar. Ela fez o mesmo.

– o que tinha de importante pra hoje? – perguntei a ela.

– Íamos começar a ler os livros de literatura. – respondeu.

– que droga. – disse. – Mas, “Memórias póstumas de Brás Cubas” é... Legal. – olhei pra ela que estava apertando as próprias mãos.

– dom casmurro também. – ela me olhou e sorriu. E o sorriso dela me fez retribuir com outro sorriso.

Eu estava entediado. A chuva não passava e só estávamos os dois ali. Antes conversar com ela do que morrer de tédio.

– sobre o que fala Dom Casmurro? – perguntei.

Ela me olhou, espantada com a minha vontade de puxar assunto.

– É a história de um homem chamado Bento que narra a sua vida desde que era um rapaz até os dias em que ele escreve o livro. – responde ela.

– Hum. E por que, Dom Casmurro? Eu nunca ouvi falar de “casmurro”. – digo.

Ela solta uma gargalhada muito bonita. Do tipo de gargalhada que te dá vontade de rir também, mesmo sem saber o motivo.

– Tem vários significados. Pode ser teimoso, cabeça dura, retraído... – ela faz uma pausa e ri novamente. – grosseiro! – e agora ela não para de rir, e a chuva parece ter aumentado na medida em que a risada dela evoluiu.

– O que tem de engraçado nisso? – pergunto.

Ela respira fundo e apoia a cabeça no muro da casa em que estamos sentados.

– Eu só me lembrei de algo muito engraçado. – diz ela.

– e eu não posso saber o que é? – Eu a encaro, da mesma forma que a encarei ontem. Ela me olha e depois desvia a atenção para o chão e o encara.

– não sei...

– pois agora eu quero saber. – implico.

Ela coloca os cabelos para um só lado e eu então vejo o colar dela. Está escrito “sonhadora” e é realmente muito bonito.

– Você foi grosseiro comigo no dia em que tentei te conhecer. E eu te apelidei de casmurro.

Eu olhei pra ela tentando assustá-la, querendo demonstrar que estava zangado, mesmo não estando de verdade. Ela ficou pasma. Eu sorri e gargalhei. E acho que isso foi um alívio pra ela.

– gostei desse apelido. – disse a ela.

– que bom, pensei que fosse morrer. – ela gargalhou de novo. Eu estava gostando cada vez mais do som da risada dela. E isso estava me assustando.

Ela parou de rir e depois pareceu pensar em alguma coisa. Talvez na mesma coisa que eu.

– Uma coisa é verdade: você é medrosa. Se não fosse, não teria saído tão desesperada daquele beco naquela noite. – ela não disse nada, apenas assentiu com a cabeça. – e eu não sou um “marginalzinho”. Eu sou pior que isso.

– Não parece. – disse ela.

– É porque você não me conhece.

– Acredito que você seja um daqueles caras que cansaram de esperar a resposta para alguma coisa. O tipo de cara que busca refúgio em caras do mesmo tipo. E que usa palavrões como argumentos, porque na verdade não tem argumentos. Usa toda essa pose de sério e de sarcástico, mas na verdade temia pedir desculpas a uma garota que desafiou você. E você é apenas um rapaz de dezessete anos que tenta se encaixar em alguma coisa que faça sentido pra você. Um rapaz que só quer encontrar um lugar no mundo onde as pessoas não apontem seus erros...

Eu temia estar de boca aberta, pois ela tinha toda a razão. Ela havia me definido como ninguém. Ela me conhecia mais do eu mesmo. Ela estava me assustando cada vez mais. Falou coisas que eu jamais ouvi de ninguém. É como se ela me conhecesse há muito tempo. E eu não sabia o que falar.

Ela levantou-se e só então percebi que a chuva havia passado.

– Tchau Daniel. – disse ela despedindo-se.

– Diana, espera. – disse a ela. Ela virou-se e me encarou. Fiquei calado por um tempo até que falei. – eu estava enganado. Você não é medrosa, nem um pouco.

– Obrigada, Casmurro. Até amanhã.

E ela seguiu para o ponto de ônibus. E eu continuei ali, até entender tudo o que eu havia feito e falado. Ela não era o tipo de garota que havia julgado. Ela era mais que isso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Nem Um Pouco Felizes Histórias De Amor." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.