Forever Charmed escrita por Bella P


Capítulo 9
Vinte e Cinco Semanas




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Interlúdio

Ryuichi

Eu queria um banho e cama, não necessariamente nesta ordem, mas desejava desesperadamente por ambos. Por isso, quando joguei a precaução as favas e bruxuleei direto do aeroporto de Tóquio para o quarto de Tatsuha, em Kyoto, no meio da madrugada, foi porque a situação estava feia o suficiente para o meu cérebro ter perdido toda e qualquer noção de bom senso.

Eu estava em uma maratona suicida de gravações de uma série na qual tinha assinado um contrato antes mesmo de Tatsuha ficar grávido, atrelada as gravações de um novo CD e contratos de shows em algumas cidades do Japão. Fora as participações em programas de TV, entrevistas para divulgar o drama que estava prestes a ser lançado, entre outras coisas. E tudo isto estava me matando. Não literalmente, claro!

Mas eu havia concordado com essa loucura. Geralmente não costumava engatar tantos trabalhos ao mesmo tempo porque da última vez que fiz isto fui parar no hospital por causa da estafa, mas eu queria deixar tudo adiantado para quando o bebê nascesse e a previsão para isto acontecer era no início de setembro.

Tatsuha havia trancado a faculdade quando a barriga começou a crescer de maneira que não dava mais para ser escondida simplesmente por roupas, e ele se recusava a usar qualquer feitiço glamour para disfarçar a sua condição. Tinha medo de que a magia de alguma forma afetasse de maneira negativa o bebê. Quando o nosso curandeiro disse que a criança nasceria por cesária na clínica de obstetrícia que ele possuía em Tóquio e que planejava marcar a cirurgia para o final de agosto, início de setembro, Tatsuha achou a data perfeita.

Segundo ele, ainda teria chances de retornar a faculdade e manter os estudos em dia. E eu? Eu seria o pai que ficaria em casa nos primeiros meses cuidando do bebê.

Achei um acordo justo. Tatsuha deu uma pausa na vida dele por causa da gestação, por que, então, eu não faria o mesmo com a minha? Dividir responsabilidades. Algo que aprendemos a fazer desde que o nosso filho resolveu nos dar uma lição de moral sobre ouvir e compreender um ao outro. E por isso da minha agenda lotada.

Soltei um suspiro cansado, praticamente arrastando a minha carcaça para o banheiro atrelado ao quarto de Tatsuha, enquanto retirava as minhas roupas pelo caminho o mais silenciosamente possível para não acordá-lo.

Praticamente gemi de prazer quando o jato de água morna tocou os músculos tensos das minhas costas e me perguntei se conseguiria dormir em pé sob o chuveiro. E acho que dormi. Ou ao menos cochilei, porque em um piscar de olhos eu estava sob a ducha, no outro estava com a testa apoiada no azulejo frio e eu nem me lembro de ter me movido.

Em gestos lentos, quase parando, me ensaboei, me lavei, fechei o chuveiro, recolhi a toalha e me sequei de qualquer maneira. Escovei os dentes de maneira muito mal escovada e voltei para o quarto, indo até o closet, enquanto largava a toalha sobre uma cadeira, e revirei algumas gavetas a procura de uma roupa para dormir. Tatsuha com certeza não iria gostar de encontrar a bagunça que eu estava deixando no quarto quando acordasse, mas eu lidaria com a fera depois de uma noite bem dormida.

Acabei encontrando uma camisa de malha e uma calça de moletom na gaveta que ficava no que estava se tornado o meu lado do armário. Tatsuha e eu nunca chegamos e discutir seriamente essa coisa de morarmos juntos, dividir o mesmo teto. Até porque, ele não pretendia deixar esta casa tão cedo. Ou talvez nunca. Tatsuha nasceu na mansão e estava decidido a viver nela até a sua morte. E havia toda a questão de que precisava ter ao menos um dos Encantados vivendo nos terrenos do templo. Era isso que mantinha o nexus, a energia neutra que havia sob a mansão, pendendo para o lado do bem.

Além do mais, Tatsuha gostava de Kyoto. Apesar das suas fugas na adolescência para Tóquio, em nenhum momento ele expressou vontade de se mudar permanentemente para a capital do país. Ele havia me dito isto em uma de nossas conversas durante as dezenas de encontros que tivemos quando começamos a namorar.

E eu? Eu estava começando a considerar a mansão o meu lar também.

Claro que ainda mantinha o meu apartamento em Tóquio pois nem sempre dava para eu ficar indo e voltando de Kyoto. Às vezes eu estava cansado demais até mesmo para bruxulear e outras vezes tinha um compromisso cedo que sabia que correria o risco de perder se acordasse pela manhã com Tatsuha ao meu lado. Nós sempre acabávamos nos distraindo de uma maneira ou de outra. E também haviam as aparências a serem mantidas.

Eu poderia ser rico, mas as pessoas começariam a contestar o fato de que todo santo dia eu estava em Kyoto quando o meu trabalho era em Tóquio. O bilhete do trem bala não tinha o mesmo preço do metrô e não é como se a mídia soubesse que eu tinha poderes mágicos e a capacidade de me transportar para qualquer canto do mundo em segundos.

Vesti a calça e a camisa e arrastando os pés fui até o lado da cama que não estava ocupado, erguendo as cobertas e entrando sob elas. Soltei um longo suspiro ao sentir todos os meus músculos relaxarem sobre o colchão macio e pisquei quando Tatsuha, como se sentindo a minha presença na cama, virou sob a coberta e passou um braço sobre a minha cintura, me puxando para mais perto dele. Ou ao menos tentando.

A barriga agora era praticamente uma barreira entre nós e o bebê me tirou uma das minhas posições favoritas de dormir: agarradinho ao Tatsuha. Mas eu não reclamava, muito. Porque próximos assim, com a barriga dele contra a minha, eu podia sentir a criança se movimentando e isso me fazia sorrir feito um idiota.

Eu nunca pensei que seria pai. Na verdade, eu nunca pensei que teria isto: uma família. Sempre estive mais preocupado com a minha carreira e todo o meu tempo era tão tomado por ela que a ideia nunca passou pela minha cabeça. Nunca fui um cara de planejar o futuro, sempre gostei de curtir o momento, o presente e tive os meus relacionamentos com homens e mulher. Alguns mais duradouros, outros nem tanto. Mas nenhum sério o suficiente para eu pensar: “okay, está na hora de sossegar o facho e me estabilizar”.

Quando conheci Tatsuha, apesar do “amor a primeira vista” característico dos dragões que encontram os seus parceiros, ainda sim passamos por todos os estágios iniciais de um relacionamento. Exigências dos irmãos dele. Tatsuha só tinha dezessete anos e, como eu, só teve relações passageiras no passado. E apesar de tudo que passamos juntos em tão pouco tempo, ele ainda era um fã. Um fã que não era mais tão deslumbrado por mim, mas ainda sim um fã. Quem garantiria que a coisa de “amor a primeira vista” tinha funcionado com ele da mesma maneira que funcionou comigo?

Logo, assim que ele se formou no colégio, vieram os encontros. No começo coisas simples: saídas ao cinema onde eu usava sempre um disfarce simplório mais eficiente, idas a parques, casa de jogos, lugares que Tatsuha gostava de frequentar e que, às vezes, me fazia me sentir um idiota. Eram lugares divertidos, mas que gritavam na minha cara claramente a idade do meu namorado e então a insegurança batia como um tapa dolorido nas minhas bochechas.

Eu tinha espírito jovem, mas ainda sim era um homem de mais de trinta anos e com uma mente mais madura, fruto de alguém que viveu e viu muitas coisas. Tatsuha ainda tinha muito o que aprender. E esses pensamentos sempre me tiravam o sono à noite. No entanto, eu descobri o quanto era idiota meses depois do nosso namoro começar, quando auxiliei pela primeira vez os irmãos a combater um demônio. E foi então que eu percebi que Tatsuha era jovem, mas não era tão inocente quanto eu achava.

Por que seria? Alguém que luta contra demônios desde criança, que testemunhou o assassinato da própria mãe, não era tão ingênuo assim. Tatsuha era jovem de idade, mas tinha maturidade o suficiente para, às vezes, me surpreender com tamanha sabedoria e me fazer me sentir um idiota por causa dos meus medos tolos.

E agora cá estávamos nós. Seis anos depois e formando uma família. Algo que eu jamais pensei que aconteceria comigo. Eu jamais pensei que seria do tipo que botaria a carreira em stand by por causa da criaturinha que eu sentia mexer na barriga de Tatsuha. Eu que sempre fui um viciado em trabalho desde o dia em que o NG assinou contrato com uma grande gravadora antes de Tohma resolver ele próprio criar a sua.

Tentei me aproximar mais de Tatsuha, mas o nosso filho realmente tornava a tarefa difícil. Nosso filho. Pensei com a mente enuviada pelo cansaço e felicidade besta. Mal posso esperar para segurar essa criança no colo. Torço para que ela seja igualzinho a “mãe”, por assim dizer. Que ela tenha os cabelos negros e sedosos de Tatsuha, os seus lindos e expressivos olhos castanhos e o sorriso que fazia borboletas revoarem na minha barriga.

É, eu sei, eu sou um tolo apaixonado. Fazer o quê.

- Ryuichi. - pisquei quando ouvi Tatsuha me chamar em um sussurro, com os olhos ainda fechados. Estava sonhando ou realmente estava acordado? - Você está fazendo de novo. - engoli uma risada.

Ultimamente eu tinha adquirido a mania de observar Tatsuha dormir. Ele dizia que era a coisa mais esquisita que já tinha visto alguém fazer e que eu nunca deveria ter cedido a pressão de assistir a uma maratona de Crepúsculo com Shuichi. Afinal, eu era muito mais foda que Edward Cullen (palavras de Tatsuha) e Tatsuha jamais seria uma Bella Swan. Ele tinha muito mais estilo e era muito mais descolado do que ela.

- Não tenho culpa que o seu charme me faz ficar embasbacado. - ri, me aproximando o máximo que pude e conseguindo roçar os meus lábios contra os dele. Quando me afastei, vi que os seu belos olhos estavam abertos e me mirando intensamente.

- Você está dizendo coisas piegas e se está fazendo isto é porque está com sono. Vá dormir Ryuichi.

- Bêbado ou com sono, esses são os melhores momentos para a minha inspiração atacar. - ele me deu um riso de escárnio, ajeitando-se na cama de maneira que conseguiu apoiar a cabeça em meu ombro. O aroma gosto do xampu dele rapidamente chegou ao meu olfato.

- Pois é. Eu ainda não acredito que Sleepless Beauty é fruto de uma noite de porre. - deitei de costas na cama de modo que consegui trazer o corpo de Tatsuha para mais perto do meu e ele logo me fez de travesseiro gigante ao envolver as suas pernas na minha, me abraçar pelo peito e acomodar a barriga em minha cintura.

- Deu certo, não deu? - brinquei enquanto percorria os dedos pelos fios macios do cabelo dele.

Ficamos em silêncio por um tempo, comigo acariciando os cabelos dele e com Tatsuha acariciando a pele do meu quadril por sob a blusa que eu usava. O bebê pareceu ter finalmente encontrado uma posição que o agradasse porque parou de se mexer, talvez indo dormir. Um sono que havia fugido de mim subitamente no momento em que comecei a divagar sobre a minha vida e as graças que estava recebendo.

- Tatsuha? - chamei baixinho e recebi somente um resmungo como resposta, indicação de que ele estava quase voltando ao mundo dos sonhos. - Casa comigo? - perguntei e prendi a respiração, esperando por uma resposta. Nas leis mortais uma união entre nós não era reconhecida. Mas, no mundo mágico, todas as uniões eram válidas independente de raça, sexo ou espécie. E como éramos seres mágicos, essas leis eram as que mais nos importavam.

Um minuto se passou sem ele dizer nada e pensei por um momento de desespero que Tatsuha tinha dormido. E se ele dormiu, estava ferrado, porque eu não sabia se teria coragem de refazer o pedido pela manhã.

Mas então, senti os dedos dele apertarem o meu quadril e o peito dele subir em uma longa inspirada de ar.

- Sim. - veio a resposta tão baixa que se não fossem pelos meus sentidos draconianos apurados, acho que não ouviria. Mas eu ouvi. Ouvi e senti uma bolha de pura felicidade estourar em meu peito e espalhar por todo o meu corpo de maneira gostosa, me fazendo relaxar ainda mais sobre a cama.

Acho que o novo CD do Nittle Grasper acabava de ganhar uma nova faixa. Mas deixaria para escrevê-la amanhã. Afinal, estava tão feliz que a inspiração não iria embora tão cedo. Na verdade, acho que ela ficará aqui para sempre. 


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