Forever Charmed escrita por Bella P


Capítulo 10
Trinta e Uma Semanas




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A Marca da Fênix

Ayaka

Uma das coisas que eu mais detesto no submundo são os seus intermináveis corredores e labirintos e o fato de que todas as paredes de pedra parecem ser as mesmas: lascadas pelo tempo, com manchas que eram restos mortais de demônios e marcas de queimadura ocasionadas por uma bola de energia ou fogo. Além do que, não dava para bruxulear, flamejar, piscar ou o que seja de qualquer ponto. Até mesmo demônios eram paranoicos e colocavam barreiras aqui e acolá.

Ofeguei ao dobrar mais uma esquina, apoiando as minhas costas na pedra fria e retirando a minha mão do meu abdômen, apenas para ver esta manchada com o sangue que não queria estancar de jeito nenhum. Me odiei por um momento. Por ter baixado a minha guarda e por ter deixado aquele demônio idiota me atingir. Minha mãe ficaria tão orgulhosa... Ou não.

Bati com a cabeça levemente na parede enquanto tentava ouvir um som que fosse de passos ou coisa parecida. Nada. Somente o silêncio imperava por ali. E até mesmo o silêncio me irritava. Quietude demais no submundo sempre era suspeita.

Considerei por um minuto somente ficar ali, recuperando o fôlego, mas então os passos pelos quais eu esperava finalmente ecoaram pelas paredes e eu pressionei de novo o meu ferimento com a mão e voltei a correr.

Confesso que havia sido estupidez a minha ter vindo ao submundo caçar demônios. Mas, havia feito um acordo com os Uesugi. Quero dizer, com dois deles: Mika e Eiri.

Para esclarecer melhor a situação basta saber de uma só coisa: sou uma Fênix.

O que são Fênix?

Bruxas assassinas cuja balança moral sempre pende para o lado de quem paga mais.

É uma tradição passada de mãe para filha. Um ensinamento que vem de gerações e que nunca foi quebrado... Até agora. Até o dia em que a minha mãe se apaixonou por um jovem sacerdote do templo Usami. Apaixonou-se, casou-se com ele, tiveram uma filha e ela resolveu largar tudo para trás e tornar-se definitivamente uma pessoa de bem. Sendo considerada a partir desse dia uma traidora do clã.

Entretanto, mesmo renegando as suas raízes, ela ainda me ensinou a ser uma mercenária de primeira categoria e para aliviar o karma ruim que imperava sobre a nossa família, achou uma boa ideia arrumar um contrato de casamento com os Uesugi.

Por anos eu cresci com dois propósitos na vida: fazer sempre o bem e me tornar a esposa ideal para Eiri. Doce, recatada e obediente. Era uma maneira de limpar o nosso karma, trazer uma energia positiva para nós a fim de evitar que demônios continuassem nos perseguindo, ou até mesmo parentes, para nos matar. Casar com um Uesugi tornaria a nossa linhagem poderosa e boa e também nos protegeria.

Isso até que um empecilho foi colocado em nossos planos e esse empecilho se chamava Shuichi Shindou.

Confesso que na época considerei matá-lo. Sem brincadeira. Afinal, você pode tirar uma Fênix do lado escuro da força, mas não consegue tirar a escuridão da Fênix. Mas então eu percebi que Shindou conseguiu uma façanha que em todos os anos em que eu conhecia Eiri (antes e depois do incidente com Kitazawa) não consegui: fazer Eiri feliz. Realmente feliz.

A felicidade poderia não aparecer estampada no rosto de Eiri, mas eu não precisava ser empata como ele para senti-la emanando de cada poro de seu corpo. E então a consciência que a minha mãe fez questão de me ensinar a ter desde menina resolveu gritar em meu ouvido dizendo que eu já tinha perdido aquela batalha antes mesmo de começar a briga, e com isto terminei o noivado.

E foi então que eu percebi que embora adorasse os irmãos Uesugi (cresci com eles, então eles eram como uma extensão da minha família), embora adorasse Eiri, não o amava da maneira que ele merecia ser amado, que Shuichi o amava. Além do mais, bancar a filha perfeita estava se provando, a cada ano que passava, um atentado a minha real natureza.

Fênix não são mulheres passivas, feitas para cederem a ordens e obedecerem parceiros. Somos guerreiras, sobreviventes. A nossa origem vinha desde a famigerada caça as bruxas que aconteceu em Salém. Existíamos para lutar e não para ficarmos bancando as mocinhas indefesas. E com o fim do noivado, veio o fim das amarras que me sufocavam e que eu, por anos, nem soube que estavam lá e percebi que eu não precisava de um Uesugi para equilibrar o meu karma, eu podia fazer isto sozinha.

Eu era uma bruxa como qualquer outra que se escolhesse usar os meus poderes para proteger Inocentes, assim o faria.

E era por isso que eu estava aqui.

Mika e Eiri pediram a minha ajuda, sem o conhecimento de Tatsuha é claro, para manter um olho no submundo agora que Tatsuha estava chegando a reta final da gravidez.

Os demônios estavam agitados diante da prole mágica poderosa que estava para chegar, bolando ataques aos Encantados, ataques esses que eu consegui frustrar antes mesmo que acontecessem. Como uma Fênix, não seria estranho para os demônios me verem andando entre eles. Como disse antes, meu clã era conhecido por sua moral ambígua e não é como se todo o demônio fosse saber que eu era a filha da “Fênix traidora”. E quando descobriam, já era tarde demais. Só que, desta vez, eles perceberam a cilada antes mesmo de eu dar o bote e agora a ferrada nesta história era eu.

Dobrei mais uma esquina, me encolhendo atrás de uma grande rocha e tirando vagarosamente do cano da minha bota a adaga que sempre usava. Com um meneio de pulso, a girei na palma da minha mão, fazendo a lâmina descansar em meu ante braço enquanto observava atentamente as sombras se moverem no chão. E quando elas se aproximaram o suficiente do meu esconderijo, ataquei.

Em um pulo sai de detrás da pedra e enterrei a adaga na barriga do dono da primeira sombra: um demônio de baixa categoria, e o vi desaparecer em chamas. O que o acompanhava ainda tentou um ataque, um soco mal empregado, mas mesmo ferida eu ainda não tinha ficado idiota. Desviei facilmente do punho dele e com força dei-lhe uma joelhada nas costelas, o que o fez gemer de dor e curvar-se por completo. Girei a adaga novamente na palma da minha mão e a enfiei direto no coração dele e com isto ele também sumiu em chamas.

Senti a pontada na minha barriga assim que a adrenalina abaixou um pouco e sabia que se eu não saísse logo dali iria ser a minha última caçada, e eu não estava disposta a morrer tão cedo. Não quando ainda tinha coisas pendentes para resolver.

Que tipo de coisas? Uma somente, e ela até tinha nome: Hiroshi Nakano.

Eu disse que o fim do noivado com Eiri teve as suas vantagens. Me fez me descobrir, me libertar de um compromisso que no fim só me faria infeliz e me fez conhecer Hiro. O problema era que a minha jornada de auto conhecimento causou algumas mudanças que, infelizmente, não o incluía.

Hiro poderia ser o guitarrista de uma banda de sucesso, mas ele era tão tradicional quanto qualquer outro homem japonês em certos aspectos. Entre eles o fato de que procurava uma parceira recatada e do tipo dona de casa. Eu não era nem um e nem outro e, infelizmente, nos últimos seis anos desde que começamos a nos relacionar o fazia acreditar que a Ayaka que ele conhecia era a verdadeira Ayaka. Não esta que no momento fugia pelo submundo com um ferimento na barriga, vestia uma calça jeans justa, baby look e jaqueta de couro que fazia par com botas de couro cujas solas faziam um barulho abafado a cada pisada, praticamente anunciando à todos a minha posição.

A Ayaka que ele conhecia era a dos vestidos com babados, penteados delicados e expressões suaves. Era a Ayaka que há seis anos o enrolava em um relacionamento usando desculpas de que ainda era muito cedo para se comprometer. Primeiro era por causa da faculdade, depois porque eu queria me estabilizar no emprego, depois porque ele precisava se estabilizar com a banda e etc. Tudo para simplesmente não dizer à ele que a mulher por quem ele estava apaixonado tinha acabado de matar um demônio a sangue frio.

Dobrei mais uma esquina, soltando um suspiro de alivio quando percebi que mais a frente a magia da barreira se encerrava e que eu finalmente poderia bruxulear para fora daqui.

Acelerei o passo na intenção de chegar lá o mais rápido possível, mas tive que frear bruscamente quando um demônio piscou na minha frente e lançou uma bola de fogo sobre mim. Percebi que a coisa estava ficando feia quando a minha reação foi lenta demais e a bola de fogo conseguiu atingir o meu braço, abrindo um buraco na minha jaqueta favorita e queimando a minha pele de maneira dolorosa.

Engoli um rosnado de fúria e com a energia que me sobrava conjurei uma bola de alta voltagem e lancei no demônio como retaliação. Vi a bola cruzar o espaço entre nós em alta velocidade e acertar em cheio o otário que piscou abobalhado antes de explodir. Eu precisava realmente sair daqui. Tinha perdido muito sangue a agora a dor da queimadura junto com a da facada que levei estava nublando os meus sentidos.

Aos tropeços, finalmente cheguei ao ponto onde as barreiras mágicas se encerravam e com a visão escurecendo não pude deixar de ter um último pensamento antes de bruxulear para fora dali:

Se fosse para morrer, ao menos queria ter como última imagem o rosto de Hiro.

E talvez tenha sido por isso que ao invés de ir parar na Mansão Uesugi, eu fui parar no meio da sala de estar do apartamento de Hiro, o pegando de surpresa por completo e somente ouvindo um chocado “Ayaka?!” ser dito por ele antes de eu desmaiar.

Eiri

Eu me sentia como se tivesse voltado a adolescência. Aqui, no sofá da sala de estar da mansão, em plena tarde de quinta-feira, dando uns amassos no meu namorado. Mas, quem estava se importando? Certamente que eu não.

Não quando Shuichi gemia longamente sob mim enquanto eu desabotoava lentamente a camisa dele, deixando o seu peito amostra enquanto sugava com a minha boca o seu lábio inferior. Dei um discreto sorriso, ainda mais quando o vi rolar os olhos e dar um longo suspiro de prazer enquanto percorria com as pontas dos dedos a sua pele pálida e macia.

Larguei o lábio dele, vendo com prazer que o mesmo estava vermelho e inchado por causa do meu recente “ataque” e desci os meus beijos pelo seu queixo, deslizando a minha boca por sobre o pescoço dele até chegar a altura dos ombros onde dei um merecido chupão que sabia que deixaria marca. Uma marca que não poderia ser escondida por golas de camisa, somente com maquiagem pesada.

Bom, eu gosto quando o mundo inteiro sabe que o cantor que está sobre o palco, por quem aquele bando de adolescentes histéricas babam, gritam e ficam sonhando à noite, tem dono. E um dono possessivo por sinal.

– Eiri... - Shuichi gemeu o meu nome em um tom rouco e eu senti um arrepio gostoso percorrer todo o meu corpo.

Fazia pouco tempo que ele tinha mudado a forma de tratamento em relação à mim diante da minha própria insistência. Cansei de ouvi-lo gritar Yuki daquela maneira aguda e irritante e, além do mais, a nossa relação finalmente progrediu de uma maneira positiva e estávamos juntos há quase sete anos. Então, era hora de acabar com as formalidades.

– Shhh... - sussurrei contra a pele quente dele.

Estávamos sozinhos em casa. Ryuichi tinha ido com Tatsuha a uma consulta ao obstetra. O manuscrito do meu livro finalmente tinha sido entregue à editora e eu estava com tempo livre e Shuichi havia recebido de K uma tarde de folga porque Sakano, aparentemente, fez alguma coisa que despertou o tesão de Winchester no meio do trabalho e o fez sumir com o namorado sem maiores explicações.

Então, quando Shuichi apareceu na mansão dizendo que finalmente tínhamos um dia só para nós, depois de duas semanas praticamente sem nos vermos por causa da nossa rotina pesada de trabalho, o arrastei para a sala e o arremessei direto no sofá e comecei o meu ataque. Precisava liberar o estresse causado pelo prazo de entrega do novo livro e Shuichi surgiu na hora perfeita para isso acontecer.

Desci a minha boca para um dos mamilos rosados, começando a circundá-lo com a minha língua, alternando lambidas com chupões e Shuichi contorceu-se sob mim, o que me fez fechar os dedos em seus quadris e pressioná-lo contra as almofadas do sofá para mantê-lo no lugar.

– Eiriiii... - ele gemeu mais uma vez, arfando e tentando manter-se parado, mas fracassando obviamente. E eu vi por entre os meus cílios que as bochechas dele já estavam ficando rosadas e ele mordia o lábio inferior tentando evitar produzir mais sons.

Tsc. Isso não era bom. Eu gostava quando ele gemia, quando ele gritava, principalmente quando ele gritava o meu nome. Shuichi evoluiu muito com os anos, deixou de ser aquele garoto tímido saído da adolescência que eu conheci. Ganhou confiança, era mais firme em suas decisões e não mais ruborizava cada vez que transávamos.

No começo eu achava as reações dele irritantes. Afinal, ele que começou com aquela loucura toda, então por que ficava agindo feito uma mocinha virgem cada vez que íamos para cama? Até que eu percebi que ele era virgem quando descobri que Shuichi, antes de mim, só teve uma namorada na época da escola e eles nunca chegaram aos finalmente. E eu? Eu tinha experiências positivas e negativas no assunto e não era muito bom em bancar o professor e com isto perdia a paciência fácil.

E aí a transa tornava-se uma coisa mecânica e sem prazer algum e frustrado diante da frustração que eu sentia emanar de Shuichi, eu o chutava para fora de casa porque não queria reconhecer naquele momento a minha falha. Até o dia em que eu tomei vergonha na cara e resolvi que era hora de encarar o problema, mesmo que este fosse me dar uma puta enxaqueca.

Resolvi usar os meus poderes com Shuichi.

Resolvi, durante o sexo, captar cada coisa que ele estava sentindo e assim usar ao meu favor.

Foi a melhor transa que nós tivemos. Foi a primeira vez que realmente fizemos amor.

Shuichi remexeu-se mais uma vez quando eu abandonei um mamilo e fui dedicar a minha atenção ao outro e senti a ereção dele, confinada em suas calças, roçar contra o meu quadril. Dei um sorriso maldoso e deslizei sobre o corpo dele, voltando a atacar o seu pescoço enquanto encaixava a minha coxa entre as pernas dele e começava a friccionar a sua excitação.

O resultado foi imediato. Shuichi ofegou deliciosamente e agarrou-se aos meus cabelos, começando a rebolar sob mim à medida em que eu aumentava o meu ritmo.

– Eiri... Por favor. - adorava quando ele implorava.

Mordisquei o lóbulo da orelha dele e me afastei um pouco para mirar o seu rosto rosado de prazer e os olhos azuis semicerrados que brilhavam como duas estrelas. O beijei mais uma vez, batalhando com a sua língua antes de encerrar o beijo com mais um chupão do lábio inferior dele e larguei o seu quadril, abrindo o botão da calça jeans que ele usava.

O som do zíper sendo aberto ecoou na sala e logo eu fui abaixando pouco a pouco as calças de Shuichi, deixando a mostra a cueca e a ereção que deixava uma silhueta no tecido. Quando o jeans já estava a meio caminho das coxas dele, senti o mesmo vibrar e a música Rage Beat começar a tocar.

Troquei um olhar com Shuichi que tinha erguido um pouco a cabeça do sofá e vi que ele tinha as sobrancelhas franzidas.

– Não! Esqueça! Ignore. - até porque, ele não era o único prestes a explodir aqui. Eu também estava a um passo de jogar tudo as favas e partir para os finalmente. Mas queria prolongar o nosso encontro. Geralmente eles eram tão rápidos por causa da falta de tempo que me fazia esquecer que quanto mais longa as preliminares, melhor ficava o sexo.

– Pode ser K. - Shuichi falou com a voz ainda rouca.

– Foda-se! - ele riu enquanto eu terminava de tirar a sua calça e a jogava sobre a mesa de centro. Rage Beat continuou tocando por mais um minuto até que finalmente parou e eu suspirei de alívio, voltando a cobrir o corpo de Shuichi com o meu enquanto sentia os dedos dele em minha camisa, a desabotoando.

Trocamos mais um beijo de tirar o fôlego, com as minhas mãos indo até a bainha da cueca dele, começando a penetrar sob o tecido, sentindo a pele quente de Shuichi, deslizando pelo quadril até chegar onde eu queria. E quando eu fechei os dedos na ereção dele e o vi rolar os olhos mais uma vez, jogando a cabeça para trás com um longo gemido, Rage Beat voltou a ecoar na sala.

– Ignore! - murmurei contra o pescoço dele enquanto o acariciava languidamente.

– Pode... - Shuichi ofegou, grunhiu e mexeu-se de maneira cadenciada para acompanhar os meus movimentos. - ser importante.

– Não me interessa. - com a mão que não o envolvia, puxei a cueca de modo a trazê-la para o meio de suas coxas, liberando de vez a ereção dele. Rage Beat continuava a tocar como uma trilha sonora irritante ao fundo.

– Se for K... - mais um gemido longo e rouco. - Ele tem uma magnum.

– E eu tenho magia. - rebati enquanto Shuichi, agora, desabotoava e abria as minhas calças. Para alguém que estava preocupado demais com quem poderia estar ligando, ele parecia mais interessado em me ver nu do que atender o telefone.

O celular parou de tocar, finalmente, somente para no segundo seguinte voltar a fazer escândalo.

Rosnei e soltei Shuichi, saindo de cima dele e sentando do outro lado do sofá.

– Atende logo essa bosta! E se não for nada importante, tenha ciência de que alguém será devidamente amaldiçoado nos próximos cinco segundos. - ele riu e inclinou-se sobre o corpo para pegar a calça sobre a mesa. Desviei o olhar de Shuichi porque vê-lo praticamente nu e excitado estava me fazendo perder o controle de novo e aumentando a minha vontade de isolar o celular dele no lago de peixes.

– Hiro? - o ouvi cumprimentar o infeliz que teve a ousadia de nos interromper, assim que ele atendeu o celular.

Tinha que ser Nakano. Aquele bastardo filho da mãe parecia farejar essas situações somente para me frustrar. O que Ayaka tinha visto nele?

Grunhi quando vi Shuichi puxar a cueca e vesti-la, desfazendo todo o meu trabalho, e levantei do sofá em um pulo, ignorando o olhar intrigado dele. Eu precisava de um cigarro, ou ao menos um banho bem gelado não só para abaixar o meu fogo como também diminuir o meu ódio. Transformar Nakano em frango e dá-lo para Tatsuha cozinhar não me faria ganhar pontos positivos com Shuichi. Infelizmente ele era apegado demais a aquele guitarrista fajuto com aspirações a ser Jimi Hendrix.

– O quê? Hiro! Fale mais devagar. O que tem a Ayaka-san? - o nome da Ayaka me fez parar a meio caminho da cozinha e dar meia volta, retornando a sala onde Shuichi ouvia o que quer que Nakano estava lhe dizendo com uma expressão confusa no rosto. - Ferida? Se ela está ferida, por que não a levou para o hospital? - Ayaka ferida? Como assim? - Por que ela apareceu do nada na sua sala? - Shuichi arregalou os olhos e me olhou com um brilho acusador neles.

Ops, parece que eu esqueci de contar este pequeno detalhe para ele. E antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, tirei o celular de suas mãos e o trouxe a minha orelha.

– Nakano! - falei em um tom contrariado e isto interrompeu o tagarelar histérico dele de pronto.

– Yuki? Que diabos! Eu estava falando com o Shuichi...

– O que você quis dizer com Ayaka ter surgido do nada na sua casa?

– Isso o que você ouviu. - ele me respondeu irritado. Que direito ele tinha de estar irritado se foi ele que interrompeu uma tarde de foda que eu estava planejando ter com Shuichi? - Eu estava na sala da minha casa e Ayaka surgiu em pleno ar, do nada, com um ferimento na barriga e um no braço, e desmaiou.

– E você não chamou a ambulância por quê?

– Porque sei lá o que pode acontecer se ela for levada ao hospital, o que eles podem descobrir. Por acaso você ignorou a parte em que eu disse que ela surgiu do nada na minha sala? - ele praticamente gritou no meu ouvido.

– E por que ligou para o Shuichi? - quero dizer, Shuichi estava em Kyoto mas, mesmo se não estivesse, que ajuda ele poderia ser?

– Porque Shuichi foi dos escoteiros até os dezoito anos. Ele tem treinamento em primeiros socorros. - mirei os meus olhos largos em Shuichi. Esse Shuichi? Meu namorado foi um escoteiro? O sujeito que é capaz de queimar água quando a bota para ferver? - Você quer fazer o favor de devolver o telefone para ele? Ayaka está aqui inconsciente e o ferimento na barriga não para de sangrar. Acho que foi facada...

– Nakano, chame a Mika. - silêncio por alguns segundos.

– O quê? Yuki, não sei se você sabe, mas mesmo que tenhamos contrato com a NG, ainda não fiquei íntimo de Tohma Seguchi ou da mulher dele. Além do mais, não tenho o contato da Mika-san e em que ela me ajudaria? Ela não era formada em artes...

– Cala a boca e me escuta! Não é ligar para ela, pense nela e a chame pelo nome.

– O quê?

– Faça isso se não quiser ver Ayaka morta! - e desliguei antes que ele pudesse dizer qualquer outra besteira ou ficar me contestando, nos fazendo perder um tempo precioso.

– Yuki... - encolhi levemente os ombros.

Shuichi não mais se dirigia a mim como Yuki, mas sim como Eiri. Salvo em raras exceções e uma delas era quando ele estava irritado comigo

– Algo que você esqueceu de me dizer sobre a sua ex-noiva? - várias coisas eu esqueci de dizer, como o fato de que Ayaka é muito mais do que parece ser, mas esse tipo de assunto não é algo que você insere aleatoriamente em uma conversa. Tipo:

“E então? Como foi o seu dia? Sabia que Ayaka é uma bruxa de um clã de assassinos de aluguel? O meu dia foi bom, obrigado.”

Não, acho que não ia rolar.

– Melhor se vestir. - disse, mudando descaradamente de assunto enquanto jogava a calça jeans de Shuichi sobre ele. - Vamos ter visita. - e não esperei por resposta, apenas dei as costas para ele e subi apressado as escadas para o sótão, ajeitando calça e camisa no caminho.

Ayaka havia sido treinada desde pequena para ser uma grande combatente. Pelo que sei, a mãe dela foi a melhor guerreira de seu clã e por isso o mesmo a considerava traidora em dose dupla: por ter largado os seus ensinamentos para viver com um mortal e desperdiçar o seu talento por causa disso. Logo, para ela ter sido pega por demônios a coisa deveria estar complicada e como sei que Ayaka estava no submundo mantendo os olhos e ouvidos abertos por Mika e eu, pressinto que algo grande estava por vir.

Algo grande e perigoso.

Tatsuha

– Como assim outros? - olhei para o Dr. Sakamoto como se ele tivesse perdido o juízo. Os meus olhos largos com certeza mostrando que em nada tinha me agradado a recente informação. Qual informação? A de que eu seria capaz de gerar outros rebentos de Ryuichi além deste que me fazia parecer uma orca encalhada.

– Pensei que você tinha dito à ele. - Dr. Sakamoto mirou os seus olhos violetas em Ryuichi que me deu um sorriso sem graça como resposta.

– Me dito o quê? - divergi meu olhar do velho dragão para o outro dragão, também conhecido como o meu namorado/noivo e que tinha uma cara de quem estava prestes a fugir do consultório.

– Er... - Ryuichi gaguejou, o que não era bom. Ryuichi era um homem confiante, orgulhoso, seguro de si e, às vezes, arrogante. Quando ele gaguejava e fazia aquela cara de bundão era porque estava tremendo nas bases e sabia que a minha reação para o que ele fosse dizer seria uma bela de uma explosão. Literalmente uma explosão. De preferência com ele explodindo.

– Desembucha Sakuma! - rosnei e vi com prazer ele pular no lugar de pavor, ainda mais que o porta canetas sobre a mesa do consultório estourou em milhares de caquinhos. O Dr. Sakamoto nem ao menos piscou diante disto, com certeza estando mais do que acostumado com pacientes diferentes.

Quando eu fiquei grávido e finalmente aceitei essa nova realidade, a minha primeira preocupação foi em como eu iria monitorar esta gestação e, principalmente, como eu daria a luz. Não é como se eu pudesse correr para o primeiro hospital quando entrasse em trabalho de parto e solicitasse uma cesária. Não se eu não quisesse virar objeto de pesquisa da comunidade científica mundial. E, diferente da minha mãe que me teve no conforto do nosso lar porque uma tempestade de neve resolver assolar Kyoto no dia do meu nascimento, prendendo todos dentro na mansão, eu não tinha os aparatos necessários para parir esta criança em casa.

E foi quando Ryuichi me disse que não haveria problemas pois o representante do clã dos Dragões da Cura, dentro do Conselho dos Dragões, indicou o filho e a nora, ambos médico e enfermeira respectivamente, para serem aqueles que iriam me acompanhar nesta gestação. Aparentemente o Dr. Sakamoto tinha uma clínica em Tóquio que atendia tanto mortais quanto criaturas e seres mágicos, sendo a parte da clínica dedicada a magia protegida dos olhos curiosos dos mortais através de vários feitiços.

Afinal, seria muito interessante explicar as futuras mamães na sala de espera o que eu fazia ali no meio delas sendo eu um homem.

Esta consulta estava sendo umas das últimas que eu tinha marcado com o Dr. Sakamoto, com ele avaliando o crescimento do bebê, novamente não conseguindo distinguir o sexo pelo ultrassom, nos informando que a criança está maior que o esperado para uma gestação de trinta e uma semanas e que, talvez, eu tenha uma gestação mais draconiana do que humana. As gestações draconianas tinham um período menor de tempo do que a humana, e sugeriu marcar a cirurgia para o final de agosto pois não queria arriscar deixar completar trinta e seis semanas.

Sakamoto também explicou que diferente das suas pacientes mortais, iria usar o seu poder de cura para fechar o corte da cirurgia pois não queria sobrecarregar os meus músculos caso eu quisesse ter mais filhos. E foi aí que começou esta discussão.

– Ryuichi... - sibilei, fuzilando Ryuichi com o olhar e ele soltou um suspiro derrotado, percebendo que não poderia fugir da verdade por muito tempo.

– Quando ficamos sabendo da gravidez eu procurei o Conselho para saber o que esperar dela. Quero dizer, você é um homem e com certeza uma gravidez poderia causar complicações ao seu organismo e tudo mais. Mas então o Conselho me explicou que todos os prós e contras foram pesados e que eles pediram ajuda a um especialista no assunto e que seria capaz de conceder a você esse dom sem causar grandes efeitos colaterais.

– Especialista no assunto? - eu sei que havia clãs de dragões poderosos dentro do Conselho, mas não creio que algum deles seja poderoso o suficiente para alterar a natureza humana desta maneira.

Ryuichi murmurou alguma coisa sob a respiração, algo que eu não consegui compreender, o que me irritou mais ainda.

– Fala pra fora Sakuma! - o repreendi e ele ruborizou.

– Inari. - pisquei uma, duas, três, quatro vezes para ele e cutuquei o ouvindo com a ponta do meu dedo, porque acho que não o ouvi bem.

– Como é?

– Eu disse que o Conselho pediu a ajuda de Inari-sama. - comecei a rir. Tive que rir, porque essa era a única reação que eu conseguia ter no momento.

– Está querendo me dizer que a culpa do meu atual estado é uma deusa alcoviteira? Como assim?

– Lembra quando tivemos o problema com Sakano? Eu falei que tinha aprendido sobre kitsunes em meu treinamento com a Sra. Mihara. - engoli a risada quando o vi coçar a orelha em um gesto nervoso. Ele mentiu para mim. O filho da mãe mentiu para mim. - Na verdade eu fiquei sabendo sobre raposas quando procurei o Conselho para saber mais sobre a sua gravidez. Aparentemente existe uma lenda de uma raposa macho que era capaz de engravidar. Se é verdade, eu não sei. Mas Inari ainda é a deusa da fertilidade, entre tantas outras atribuições, e ela concordou com o Conselho que o meu clã era importante demais para extinguir e decidiu ajudar. Afinal, uma das formas dela menos conhecida é a de um dragão.

– E o que isso tem a ver com o fato de que podemos ter mais rebentos além deste? - apontei para a minha barriga enorme e Ryuichi encolheu os ombros, abrindo a boca para dizer algo, mas foi o Dr. Sakamoto quem me respondeu.

– Imagine uma mulher que sonha em ser mãe, ter ao menos de dois a três filhos. Entretanto, anos de casamento se passaram, ela e o marido já tentaram tudo e nada, desde receitas caseiras milagrosas a tratamento especializado. Então, em um ato de desespero, ela vai a um templo de Inari e reza por um milagre. Um filho pelo menos, ela não espera mais nada. E então, meses depois, ela se descobre grávida. Alegria completa. A gestação é perfeita, a criança é perfeita e agora ela é feliz. Então, anos depois, ela se descobre grávida novamente e a mulher percebe que vai ter o sonho dela realizado.

– História linda doutor. - zombei. - Mas aonde o senhor quer chegar?

– O que o Dr. Sakamato quer dizer Tatsuha, é que quando Inari abençoa, ela abençoa. Não é uma coisa que ela dá e tira. É algo permanente. - Ryuichi explicou e quando a implicação das palavras dele finalmente foram processadas pela minha mente, eu ergui a mão em um gesto rápido, apontei para ele e o explodi.

Sakamoto pulou no lugar e arregalou os olhos. Ri de escárnio. Parece que os pacientes dele ainda podiam surpreendê-lo.

– Droga Tatsuha! - Ryuichi resmungou quando se reconstruiu depois de ter virado confetes. - Por que fez isto?

– Para você aprender a não enfiar o seu pinto onde não é chamado! - rosnei. - O bishounen aqui é você, então porque eu que estou sofrendo com isto? - ofeguei ao pensar em algo e mirei olhos largos no Dr. Sakamoto. - Eu não vou começar a ovular e ter ciclos menstruais como as mulheres, vou? - porque isso seria o cúmulo da humilhação.

Soltei um suspiro aliviado quando Sakamoto fez que não com a cabeça.

– Acho que, no seu caso, é algo latente. Quando Inari abençoa mulheres inférteis ela só faz funcionar algo que já está lá. Com você ela teve que criar todo o mecanismo e eu também tive que consultar o Conselho para saber o que esperar da sua gravidez. Eles me disseram que assim que a criança nascer o seu útero – encolhi os ombros diante da palavra. Deuses, agora eu tinha um útero. Que vergonha. - vai entrar em um estado de latência, se encolher do tamanho de uma noz e assim permanecer até outro ciclo draconiano acontecer.

– Ciclo draconiano? - perguntei com uma sobrancelha arqueada e Sakamoto nada disse, apenas mirou Ryuichi que se encolheu tanto do outro lado do consultório que parecia querer sumir. - Ryuichi?

– Er... Assim como os kitsunes, dragões também têm ciclos de acasalamento. - ele estava tão vermelho que achei que iria entrar em combustão espontânea.

Como assim ciclo? Não lembro de Ryuichi ficar tão sexualmente excitado a ponto de perder o controle como aconteceu com Sakano.

– Você não me viu perder o controle porque quando eu tive o meu primeiro ciclo depois de readquirir os meus poderes e eu já tinha clamado um parceiro. Logo, não tive tantos problemas assim. Mas acho que você deve se lembrar das vezes em que eu estava cheio de tesão e você achou que era apenas saudades por causa do tempo em que passamos separados.

Oh! Bons tempos esses. Então era Ryuichi no cio do que simplesmente de fogo. Bom saber. O sexo com ele nesse período era sempre um dos melhores.

– E agora que o dragão em Ryuichi sabe que o parceiro é capaz de conceber herdeiros, cada vez que o ciclo dele ocorrer ele vai querer fecundá-lo. A magia de Ryuichi irá retirar automaticamente o útero do estado de latência e prepará-lo para a fertilização. - Dr. Sakamoto explicou e eu arregalei os olhos, me apoiando nas laterais da cadeira de exame e ajeitando-me de maneira a sentar melhor.

– Não. Não! Se eu me lembro bem, esses ciclos de Ryuichi ocorrem de três em três meses. Eu não quero correr o risco de simplesmente ter filho saindo pelo ladrão. - falei horrorizado, já imaginando o bando de filhotes correndo pela casa e me enlouquecendo. Já me bastava este que mal nasceu, não estava preparado psicologicamente para outros.

Sakamoto riu, o bastardo.

– Felizmente certas precauções podem impedir que isto aconteça. Coisas simples como não ser o passivo na hora do sexo durante o ciclo ou Sakuma usar camisinha reforçada. - Sakamoto continuou, ainda com aquele tom de divertimento na voz.

É, ria da minha desgraça. Se eu pudesse o explodia, mas não estou certo se os meus poderes teriam nele o mesmo efeito que tinham em Ryuichi. Deixei o meu corpo cair mole sobre a cadeira, pensando na encrenca em que eu tinha me metido. Nestas horas eu gostaria de ter os poderes de Eiri, assim me safaria dessas roubadas antes de me meter nelas.

O celular de Ryuichi tocando me tirou do meu momento de auto comiseração e rolei os olhos para vê-lo atender o aparelho e começar uma conversa com quem fosse do outro lado da linha.

– A gestação está progredindo bem, mas quero vê-lo na próxima semana Tatsuha. - Dr. Sakamoto disse, chamando a minha atenção para ele. - Com a proximidade do parto, quero acompanhar em intervalos menores a evolução do bebê. - o vi mexer em algumas folhas quem estavam em suas mãos, resultado dos exames de sangue que ele mandou fazer e um laboratório associado a clínica, usando um pseudônimo feminino para mim para não levantar suspeitas. - Os resultados dos exames de sangue estão bons, mas confesso que estou um pouco preocupado com a oscilação da sua pressão. Anda tendo estresse ultimamente? - o olhei como se ele fosse retardado.

Estresse? A minha vida era um estresse desde que nasci. Eu era um Encantado, esqueceu? Demônios não criavam bom senso e consideração e deixavam de atacar a mim e aos meus irmãos só porque eu estava grávido.

– Esqueça. Tente evitar mais aborrecimentos.

– Como, posso saber? - cruzei os braços sobre o peito em desafio. Se ele tivesse uma solução para o meu problema, eu era todo ouvidos.

– Tenho certeza de que a maioria dos seus problemas com demônios podem ser resolvidos pelos seus irmãos ou Ryuichi, sem precisar da sua ajuda. - abri a boca para protestar, mas engoli as palavras quando vi o olhar de repreensão dele sobre mim. - Ryuichi me disse que você tem a mania de tomar a frente de tudo. Então não o faça. Deixe que os seus irmãos façam isso por você. Não vai te matar relaxar um pouco. Não queremos correr o risco de um parto prematuro, queremos? - se ele queria me assustar com isto, conseguiu.

Não, eu não queria que a minha vida doida afetasse o meu filho. Tinha ciência de que ele jamais teria uma vida completamente normal, tendo os pais que tem, mas ao menos eu poderia tentar.

Ouvi Ryuichi despedir-se da pessoa no telefone e me olhar com uma expressão preocupada. E nós ainda nem tínhamos saído do consultório médico para os problemas começarem a nos atormentar. É doutor, parece que a sua recomendação não iria colar.

Com um suspiro, desci da mesa de exame, sendo auxiliado por Ryuichi e Sakamoto, e fui para trás do biombo trocar de roupa, levando mais tempo do que normalmente levava para colocar um simples par de calças, camisa e tênis. A falta de equilíbrio e o peso extra realmente não estavam facilitando a minha vida.

– Minha esposa ligará mais tarde para marcar a próxima consulta. - Sakamoto disse assim que eu sai detrás do biombo, terminando de colocar a minha jaqueta, e mal pude me despedir direito dele e Ryuichi já estava nos bruxuleando de volta para a mansão.

– Sua avó não te deu educação não? - perguntei quando surgimos no meio da sala de visitas.

– Tatsuha! - franzi as sobrancelhas diante da voz familiar e virei lentamente para ver Ayaka vir até mim e me abraçar apertado, ou ao menos tentar se não fosse a barriga enorme entre nós.

– Ayaka? - falei surpreso. Não que não estivesse feliz com a visita dela, estava. Mas Ayaka estava praticamente trajando as suas roupas femme fatale e tinha o rosto sujo de fuligem, o que significava uma coisa: ela esteve no submundo. E pelas manchas de sangue que via na barra da camisa dela e na manga de sua jaqueta, não foi uma visita feliz.

– Que cara é essa? Não está feliz em me ver? - ela me deu aquele sorriso cheio de dentes, tão largo que eu podia ver os sisos dela. E quando eu via os sisos de Ayaka era porque ela tinha aprontado algo e estava tentando esconder de mim. A conhecia desde que usávamos fraldas, sabia melhor do que ninguém desvendar as caras e bocas dela.

– Estaria se você não tivesse parecendo que acabou de perder uma briga. - e desviei o olhar da figura dela desleixada para Eiri com a testa franzida e Mika e Shuichi com expressões preocupadas. - O que está acontecendo? - porque Ryuichi também fazia uma cara nada amigável.

Shuichi, Eiri, Mika, Ayaka e Ryuichi se entreolharam e depois voltaram-se para mim e foi Mika que resolveu, depois de um minuto de silêncio com eles me olhando, soltar o verbo.

– Tatsuha, nós achamos melhor que você vá para a Escola de Magia, ficar lá até o bebê nascer.

– Por quê? - eles se entreolharam de novo.

– Eu ouvi rumores durante as minhas caçadas no submundo. - Ayaka começou a explicar. - Rumores de que um grupo de demônios planeja sequestrá-lo e mantê-lo cativo pois querem os poderes do bebê. Aparentemente eles estão tentando trazer A Fonte de volta do mundo dos mortos. - senti a minha cabeça ficar leve e o mundo rodar por um momento a minha volta enquanto todos gritavam:

– Tatsuha!

– Eu estou bem. - murmurei com a voz falha, deixando Ryuichi me guiar até o sofá e sentando nele.

A Fonte? Queriam o meu filho para ressuscitar A Fonte?

– O que é a fonte? - ouvi Shuichi perguntar diante do turbilhão de sentimentos que me sufocavam. Pavor sendo o mais intenso deles.

– Não “a fonte”, mas A Fonte. A Fonte de Todo Mal. É um demônio de nível superior que há alguns anos tornou-se o líder absoluto do submundo. Levamos dois anos para finalmente conseguirmos derrotá-lo. - Eiri explicou e isto me trouxe memórias desagradáveis do tempo em que A Fonte ascendeu ao poder, quando eu tinha treze anos, e a nossa vida virou um inferno completo. Ataques por todos os lados, todos querendo derrotar os Encantados, único empecilho de A Fonte ascender ao mundo mortal e dominá-lo totalmente.

Foram dois anos de treinamento árduo, dia após dia em combates que apesar de nos levarem a exaustão, nos ajudava a aprimorar os nossos poderes. O meu pai intensificou os meus treinamentos espirituais, o que ajudou a desenvolver ainda mais a minha magia. Procuramos aliados onde pudemos procurar e por fim, no auge de uma grande batalha onde eu pensei que seria o nosso fim, finalmente conseguimos derrotar A Fonte.

Foi festa na mansão Uesugi, no mundo mágico por inteiro, por praticamente três dias. Foi quanto conseguimos derrotar A Fonte que a fama dos Encantados se consolidou de vez. Quando fomos reconhecidos como uma ameaça concreta a ponto de certos demônios nem ao menos cogitarem em nos enfrentar enquanto outros, tolos, achavam que poderiam se tornar a nova Fonte se nos derrotasse.

Todos aprenderam de maneira difícil que não estávamos para brincadeiras, jamais.

E agora queriam usar o meu filho para subirem na hierarquia do submundo? Mas de jeito nenhum!

– Mas, tipo, eu não preciso ser banido para a Escola de Magia. Quero dizer, Ayaka disse que eram somente rumores. Sabe como demônios são fofoqueiros e mentirosos.

– Eram rumores Tatsuha até eu esbarrar há algumas horas com os ditos demônios. Os que estão planejando em trazer A Fonte de volta. - senti um arrepio descer a minha espinha.

– Tatsuha, não discuta, apenas ouça por favor. Não vai ser por muito tempo, apenas até resolvermos esse problema e depois você volta para casa. - Ryuichi me disse enquanto segurava as minhas mãos trêmulas entre as suas, tentando oferecer algum conforto, mas eu sei que ele não estava tendo muito sucesso.

– É A Fonte. Da última vez levamos dois anos e o Poder dos Três para extingui-lo.

– Isso foi há nove anos, Tatsuha. - Eiri também tentou me confortar e eu pude sentir a sua empatia expandir pela sala, instaurando em mim uma sensação de calma que eu não conseguia sentir por mim mesmo. - Somos mais poderosos do que éramos há nove anos. Além do mais, A Fonte ainda não foi ressuscitada, eles precisam de você para isso. Então acho que o Poder dos Dois, um dragão e uma Fênix vão conseguir resolver esse problema.

Já sentia uma dor de cabeça começar a me perturbar e soltei um longo suspiro.

Sem estresses, foi o que o médico disse. Eu não podia me estressar.

– Eu vou arrumar as minhas coisas. - declarei, levantando do sofá com a ajuda de Ryuichi e seguindo escada acima para o meu quarto com ele ainda no meu encalço.

– Tatsuha, me desculpe. - ele disse assim que entrei no quarto e fui para o closet, retirando uma bolsa de viagem de uma das prateleiras e começando a arrumá-la com algumas peças de roupas.

– Por quê? Não é você que está tentando reviver A Fonte.

– Sim. Mas eu o coloquei na situação em que o tornou apto a ter os poderes para revivê-lo.

– Ryuichi. - parei a meio caminho de colocar uma calça dentro da bolsa e me virei para olhá-lo, parado na entrada do closet e com uma expressão de cão sem dono. - A culpa não foi sua, apenas de uma deusa alcoviteira e de um bando de dragões mexeriqueiros. Mas... - pausei, indo até ele e acariciando as suas bochechas com as pontas dos meus dedos. - eu estou feliz. - ele me olhou descrente. - Eu posso gritar, fazer drama, escândalo, te explodir, mas eu estou feliz. Por você, por ter você, e por ter o nosso filho. - o beijei suavemente nos lábios e o ouvi suspirar.

– Eu juro que não vou deixar ninguém te machucar, ou ao nosso bebê. - sorri para ele, o abraçando pelos ombros e apertando o corpo dele o máximo que eu pude contra o meu. E quis ficar neste momento íntimo, aproveitando o meu Ryuichi enquanto podia, antes dele sumir com os meus irmãos pelo submundo em uma caçada frenética, mas um estrondo que sacudiu todas as paredes da casa nos fez nos separar em um pulo.

Olhei com os olhos largos para ele, ainda mais que outro estrondo ecoou por todos os cômodos e Shuichi entrou esbaforido no quarto, com os olhos largos de pavor.

– O quê... - Ryuichi ainda começou a dizer, mas demônios simplesmente flamejaram no meu quarto e começaram a atacá-lo. Vários, dezenas deles, mais do que o cômodo podia comportar. E então o caos imperou.

Bolas de fogo e energia começaram a voar para todos os lados, congelei uma a meio centímetro do rosto de um Shuichi paralisado e aproveitei que Ryuichi distraía alguns demônios e fui correndo até o meu cunhado, o segurando pelo pulso e o puxando porta afora, o tirando da linha de tiro da bola quando essa descongelou e estourou na parede do corredor.

Segui caminho em direção ao sótão, onde o Livro das Sombras estava, ainda arrastando Shuichi atrás de mim, mas parei de súbito quando dois demônios bruxulearam na minha frente. Consegui, em uma reação rápida, explodir o primeiro, mas o segundo foi capaz de fugir do meu tiro em um girar de corpo e avançar sobre mim, apenas para cair como um peso morto no chão quando Shuichi quebrou um jarro de flores na sua cabeça.

– Tatsuha! - alguém gritou o meu nome, mas na confusão que estava acontecendo, não fazia a mínima ideia de quem foi. Senti uma pontada de dor na minha perna e percebi que tinha acabado de ser atingido por uma bola de fogo na coxa, o que me fez cambalear e afetar o meu equilíbrio já ruim.

Só não fui ao chão porque desta vez foi Shuichi que me segurou e me puxou.

Abrindo caminho entre demônios que bruxuleavam, flamejavam e piscavam dentro da mansão, seguimos caminho para o sótão, comigo já perdendo o fôlego e sentindo o cansaço pesando sobre mim por causa da gravidez.

O sótão estava vazio quando chegamos e rapidamente apressamos o passo na direção do Livro das Sombras, quando dois demônios surgiram na nossa frente. Explodi um e Shuichi em um gesto rápido que me surpreendeu, pegou a primeira poção que viu na estante de poções e arremessou no outro, o extinguindo de pronto. Garoto sortudo por ter pego a poção certa no calor do momento.

– Tatsuha! - Ayaka bruxuleou no sótão junto com três outros demônios e os olhos de Shuichi quase saíram de sua cabeça quando ele viu a minha amiga simplesmente descer o cacete nos demônios e extingui-los um a um, até que mais apareceram. - Você precisa ir para a Escola de Magia agora! - gritou enquanto mantinha os demônios ocupados e eu corri para o Livro, o folheando freneticamente.

– O que você está fazendo? - Shuichi sussurrou para mim em um tom apavorado, mas eu vi que nas mãos dele havia frascos de poções. Todas as poções básicas para derrotar demônios. Talvez, mais cedo, ele não teve somente pura sorte, mas soubesse realmente o que estava fazendo. Eiri deveria estar ensinando alguma coisa ou outra para ele. Esperto isso, muito esperto.

– Há um feitiço no Livro que invoca a porta de acesso para a Escola de Magia, eu só preciso achá-lo. - e da próxima vez decorá-lo para emergências como essas.

Ouvi uma explosão e senti o cheiro de fumaça e vi que Shuichi tinha acabado de extinguir um demônio. Voltei a atenção para o Livro e finalmente achei o feitiço.

– Tatsuha! - Shuichi gritou no meu ouvido e eu pulei de susto quando senti braços envolverem o meu peito.

Arregalei os olhos e levei as mãos para trás do meu corpo, tentando atingir qualquer parte que fosse do demônio que me prendia, mas parecia que as minhas explosões não surtiam efeito. Percebi que o mundo começava a desfocar em frente aos meus olhos, sinais do início de um teletransporte mágico, e senti dedos fecharam firmemente em meu pulso antes do sótão desaparecer e o ambiente mudar para algum templo demoníaco no submundo.

O demônio que havia me capturado me soltou com força e me empurrou para dentro de uma jaula, na qual entrei aos tropeços, trazendo comigo aquele que pegou carona no bruxulear do demônio ao se agarrar em meu pulso.

Assim que a porta da jaula fechou com um estrondo atrás de mim, virei para ver grandes e largos olhos azuis me mirarem com pavor e percebi que o meu colega de aprisionamento era Shuichi. Tentei explodir aquela jaula, mas tudo o que consegui foi ter o meu poder rebatido de modo que Shuichi e eu tivemos que nos separar em um pulo se não quiséssemos ser explodidos. E assim que a magia se dissipou, uma gargalhada ecoou pela caverna.

– Você não mudou nada com os anos Tatsuha.

Arregalei os olhos quando reconheci a voz mas, pior ainda, quando reconheci a criatura que saiu das sombras, exibindo o seu rosto marcado por cicatrizes para nós.

Isto era impossível. Ele estava morto. Nós havíamos o derrotado e ninguém simplesmente ressuscitava depois de um feitiço dos Encantados.

– Kitazawa. - ofeguei, sentindo que isso era pior do que enfrentar A Fonte novamente.

Muito pior.


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