Forever Charmed escrita por Bella P


Capítulo 3
Cinco Semanas


Notas iniciais do capítulo

Eu não lembrava se a maioridade legal no Japão era vinte ou vinte e dois anos. Contudo, para se encaixar melhor no enredo, eu usei vinte e dois anos.



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A Canção da Sereia

Tatsuha

– Eiri? - chamei ao entrar na cozinha, levando a mão a barriga quando a senti revirar novamente, ameaçando expulsar o pouco do jantar da noite passada que ainda tinha persistido em ficar nela. Meu irmão me ignorou, como normalmente fazia, mais concentrado em seja lá o que ele estivesse medindo com tanto zelo sobre a panela fumegante no fogão. - Eiri? - chamei mais uma vez, com o meu estômago revirando, e recebi como resposta um “shush”. Um arroto involuntário subiu pela minha garganta, acompanhado pela náusea, e eu cruzei os olhos quando vi a minha boca expelir um pequena chama seguida de um rastro de fumaça acinzentada.

Eiri permaneceu concentrado em seja lá o que ele estivesse cozinhando, o que em outros tempos me daria muito medo visto que o meu irmão era uma negação neste ramo, e ignorando totalmente o pequeno show que eu tinha dado agora há pouco. O vi erguer um coador sobre a panela, derramando sobre o mesmo um líquido viscoso cor caramelo, fazendo o cheiro que já estava impregnado na cozinha aumentar, o que piorou a minha náusea. Irritado, recolhi uma frigideira que estava sobre a bancada e sem perdão a joguei no chão.

O resultado foi imediato. Eiri perdeu a concentração diante do barulho, acrescentando mais do que deveria na panela, e uma pequena explosão ocorreu.

– Porcaria! - praguejou, balançando a mão para espalhar a fumaça que a explosão tinha causado. - Está querendo nos matar? - resmungou, me mirando com um olhar contrariado que eu rebati com o meu próprio olhar de desagrado.

– Me desculpe, mas parece que ultimamente para eu conseguir a atenção de alguém nesta casa preciso ocasionar alguma explosão. - e com isto recolhi a frigideira, a colocando na boca da panela e abafando aquele cheiro horroroso. - E o que é isto que você está fazendo?

– Uma poção. - a resposta me fez piscar abobalhado. Eiri e poções não se misturavam, com o perdão do trocadilho, já que ele nunca foi muito bom em fazê-las.

– Você não está criando outra poção para transformar o seu editor em um galo, está? - bons tempos. Ainda lembro claramente o dia em que isto aconteceu. Um editor novo que estava aporrinhando Eiri com as suas constantes críticas teve um gostinho nada agradável do que era enfurecer o meu irmão. Pena que ele não reteve nenhuma memória de sua experiência penosa depois que o efeito da poção passou.

– Não. Eu pensei... - o mirei com descrença. Pensar? Quando Eiri fazia isto era perigoso, ideias nada convencionais costumavam sair daquela cabeça genial e geralmente eram de dar medo. - Já que estou aqui, por que não praticar? - quis correr gritando pela minha vida, mas me mantive bravamente no lugar.

– Eiri, é legal que você esteja focalizando os seus esforços na magia depois de tanto tempo, mas eu pensei que o fato de você ter voltado para casa foi para procurar paz e tranquilidade, buscar inspiração para o seu novo livro. Não empestear a mansão com esse cheiro horrível.

– Desde quando você tem olfato sensível?

– Desde que o meu adorado namorado resolveu plantar a sua semente do mal magicamente dentro da minha pessoa. - resmunguei, levando mais uma vez a mão a minha barriga e ignorando a risada dele de deboche diante da minha fatalidade. Novamente a sensação de arroto subiu pela minha garganta e mais uma vez cruzei os olhos para ver o fraco jorro de chamas seguido pelo rastro de fumaça sair da minha boca.

– O que foi isso? - Eiri apontou para mim com uma expressão confusa no rosto.

– Isto é uma das últimas que este bebê resolveu aprontar comigo. Porque o fato de eu estar carregando um filhote de dragão em um corpo que não foi biologicamente feito para isto, junto com as constantes náuseas matinais e intolerantes dores no peito não fosse o suficiente.

– E você acha que isso é normal?

– Eu não sei! - soltei exasperado. Nada em mim, ultimamente, estava próximo de ser normal. - Me diga você. Você é um Livro das Sombras ambulante, provavelmente tem todos os exemplares da Escola de Magia decorados em sua cabeça. Me diga você se isto é normal!

– Não faço ideia. - deu de ombros e eu rolei os olhos. Que ajuda maravilhosa ele tinha sido. - O que Ryuichi diz sobre isso? - o mirei com raiva.

– Ainda não estou falando com aquele traíra. - Eiri me olhou descrente. Eu andava da pá virada com Ryuichi nos últimos tempos, e tinha mais do que motivos para isto. Ele usou a sua magia de dragão anormal para me engravidar e não interessa o que ele diga sobre ter sido um acidente. Não estava com humor para lidar com ele no momento. - Certo, vez ou outra ele liga, fala e fala pedindo mil perdões, mas quando eu resolvo falar sobre isto! - e com isto apontei para a minha barriga. - A única coisa que ele tem a me dizer é: “desculpe amor, tenho que desligar”.

– Ainda bem que não tenho desses problemas com o Shuichi. - nisto eu sorri maldosamente para ele.

– Dobre a língua ao falar aniki. Conhecendo a nossa sorte, vai que Shuichi seja uma fada encantada que resolva fazer o mesmo com você? - provoquei, sem efeito, porque tudo o que Eiri fez foi recolher um cigarro do bolso e o levar a boca.

– Probabilidade zero, já que eu não fico por baixo como uns e outros. - me olhou acusador, com um sorriso de escárnio no rosto.

– Você se atreva a acender essa porcaria... - ameacei, erguendo a minha mão e em um gesto rápido ele guardou novamente o cigarro. E foi quando o silêncio tomou a cozinha que percebemos o som de televisão ligada vir da sala de visitas. Rapidamente seguimos o barulho, somente para ver Mika sentada no sofá assistindo com interesse o noticiário da tarde. - Você não tem televisão em casa? - provoquei e pela segunda vez naquele dia recebi um “shush” como resposta.

– Olhem. - ela apontou para a tela onde uma repórter local relatava um incêndio que estava ocorrendo em um sobrado no centro comercial de Kyoto.

– E? - perguntei desinteressado até que vi o que tinha chamado tanto a atenção de Mika. Saindo de entre a fumaça, atrás da repórter, estava Ryuichi carregando uma mulher desacordada nos braços. - Desde quando ele resolveu bancar os bombeiros?

– Que bom que ele bancou. - Mika respondeu, pegando o controle da televisão e a desligando. - Segundo os Anciões, aquela mulher estava destinada a ser um futuro anjo da luz branca. Se ela tivesse morrido no incêndio, nunca teria feito as boas ações que a fariam ganhar as suas asas.

– Sim. Agora o problema vai ser explicar para as autoridades o que ele estava fazendo lá. - resmunguei e quase pulei de susto quando ouvi a voz do mencionado atrás de mim.

– Salvando uma vida? - girei sobre os pés, mirando Ryuichi com raiva. Ele podia fazer algum barulho quando resolvesse bruxulear por aí. - O sobrado era ao lado do hotel onde eu estou. A versão para as autoridades é que eu estava voltando do ensaio da minha turnê quando ouvi os gritos.

– E essa é a versão real? - Mika perguntou com uma sobrancelha erguida.

– Em partes. A parte que o local já estava tomado pelas chamas e a mulher desacordada foi relativamente alterada, assim como foi o modo que eu consegui entrar e sair. - sinceramente, era só o que nos faltava, pensei com desagrado, mais atenção da mídia sobre nós por causa dos atos heroicos de Ryuichi. Se todo o escândalo que foi quando descobriram sobre o nosso relacionamento não tivesse sido o bastante.

Senti outro arroto irritante subir pela minha garganta e segundos depois a chama e fumaça que já estavam se tornando familiares saíram pela minha boca.

– O que foi isso?

– Isto é o que a sua semente do mal anda fazendo comigo nos últimos dias.

– Semente do mal? Tatsuha, quantas vezes eu já falei para não se referir ao bebê...

– Eu sonhei com relógios e vulcões noite passada. Por acaso isto é normal? - o cortei antes que ele começasse com toda aquela ladainha de não me referir ao bebê com nomes pejorativos. O problema era que não era ele sofrendo nas mãos deste feto. Era eu! Maldita hora que eu cedi, por uma única vez que fosse, aos caprichos de Ryuichi e deixei que ele fosse o ativo. Olha a encrenca que me deu. Se Sakuma engravidasse com certeza todos achariam isto normal, porque ele é praticamente um poço de progesterona no corpo de um homem com aquelas feições delicadas e rostinho andrógeno. Mas eu? Eu não tinha chegado a tanto!

– Bem, não sei, talvez, sabe-se lá o que se passa na sua cabeça.

– Pois eu sei o que se passa na minha cabeça agora. - e com isto sacudi as mãos, o explodindo e vendo com prazer ele estourar em pequenos confetes escamosos púrpura e esverdeados.

Isto foi algo que descobrimos por acidente em um ataque, quando mirei os meus poderes na pessoa errada, e agora usava em minha vantagem em momentos como este. Ryuichi era imune a ambos os meus poderes. Ele não congelava e quando explodia era para segundos depois se refazer sem nenhum arranhão.

– Por que você fez isto? - soltou irritado, o que me contrariou mais ainda.

– Porque o covarde do meu namorado nunca está aqui para me apoiar quando eu mais preciso. - funguei, sentindo as lágrimas começarem a inundar os meus olhos.

– Ah não, não o choramingo.

– Ryuichi Sakuma! Eu tenho poderes crescendo dentro de mim, poderes que pela ordem natural das coisas não deveriam estar aqui e dos quais eu não sei nada. - sacudi o dedo indicador na direção dele e o vi recuar um passo, olhando temeroso para mim. - Então eu tenho todo o direito de choramingar! - silêncio seguiu-se ao meu resmungo.

– Então?! - que Mika interrompeu prontamente quando o mesmo tornou-se desconfortável. - Eu irei ao hospital ver como está a dama em apuros e curá-la, alguém quer vir comigo?

– Eu! - Ryuichi se ofereceu de pronto. Claro que ele seria o primeiro a se candidatar, tudo para fugir do que estava acontecendo conosco no momento. - Quero ver como ela está.

– Eh, eh... - Mika fez uma expressão sem graça, com certeza por não querer ser a válvula de escape do Sakuma neste momento delicado. - Tem certeza? - perguntou para ele e depois apontou para mim, o idiota com os hormônios descontrolados e as lágrimas nos olhos.

– Você não se importa se eu for, se importa? - e ele ainda tinha a ousadia de fazer essa pergunta idiota.

– Não! - soltei em mais um choramingo. - Vai! - e fiz um gesto de dispensa, cruzando os braços sobre o peito e virando o rosto para não vê-lo partir como estava se tornando de costume ultimamente.

– É só que o incêndio foi suspeito e eu acho que tem origem demoníaca, então eu quero me certificar de que tudo esteja bem enquanto vocês se certificam se pode ter um demônio atrás daquela moça.

– Falou o especialista. - debochei ao ouvir o que ele disse. Até há alguns anos ele preferia ficar longe de demônios a enfrentá-los, agora procurava briga com eles. Que ironia.

– Me desculpe Tats... - o fuzilei com o olhar, o desafiando a dizer aquele apelido ridículo que ele criou e que em outros tempos eu poderia até achar meigo. -... suha. Tatsuha. - ele ainda ousou dar um passo para frente e tentar um beijo de despedida, mas tudo o que fiz foi virar o rosto e ignorar o gesto de afeto até que ouvi o som da orbitação de Mika indicando que eles foram embora visitar a tal Inocente.

– Quer que eu traga o traseiro escamoso dele de volta para cá? - Eiri murmurou no meu ouvido e eu fiz uma negativa de cabeça.

– Não. Se ele estiver certo temos um demônio para caçar. Além do mais... O cheiro do perfume dele estava me dando vontade de vomitar.

Ryuichi

– Você fugiu feito um covarde na primeira oportunidade que lhe foi dada.

– Eu sei

– E sabe também que não pode continuar fugindo para sempre?

– Eu sei.

– Tatsuha está com tanto medo quanto você Sakuma, talvez ainda mais já que é ele que está sofrendo diretamente essas mudanças.

– Eu sei! - quase gritei, mas me controlei a tempo pois me lembrei que estávamos em um hospital, lugar onde gritos não eram tolerados.

– Bom. Só queria ter certeza que você soubesse mesmo disto. - Mika respondeu com uma expressão desgostosa.

Desde que orbitamos para cá, usando como ponto de pouso o armário de um zelador, que ela estava me dando sermão atrás de sermão. O problema era que ela não precisava acrescentar lenha na fogueira da minha consciência extremamente culpada. Eu sabia que Tatsuha estava sofrendo, estava em crise, estava apavorado e precisava de mim, mas eu também estava em pânico. Esse tipo de coisa não acontecia. Mesmo que magia fosse algo agora comum em minha vida, até onde sei, onde aprendi, homens não engravidavam por causa dela.

Mas obviamente que o Destino resolveu pregar uma piada sem graça conosco. Eu era o último da espécie, precisava gerar herdeiros, mas como o meu parceiro escolhido era um homem isso se tornaria impossível, certo? Errado. Meus ancestrais resolveram burlar todas as leis da natureza e fizeram que o impossível acontecesse. Uma noite, bastou uma noite somente regada a vinho e comemorações devido aos vinte e dois anos recém completos do meu namorado e comigo o convencendo a mudar os papéis para a coisa toda sair dos eixos.

E agora eu tinha um bruxo ligeiramente grávido nas minhas mãos que no momento me odiava com todo o seu ser e que cada vez que me via na sua frente, ou me explodia ou começava a chorar e eu nunca sabia o que era pior.

– Vamos. - o chamado de Mika me fez acordar dos meus devaneios e me vi sendo puxado por ela na direção do quarto da mulher que salvei mais cedo. Mas, ao entrar no mesmo, algo nos surpreendeu. Uma bela mulher estava inclinada sobre a paciente desacordada, acariciando de maneira languida os cabelos curtos dela, e com um sorriso predatório no rosto.

– Ei! - chamei, atraindo a atenção do que seria o demônio, se as vestes justas de couro pretas fossem alguma indicação, e quando ela me viu, algo pareceu brilhar em seus olhos porque em um momento ela estava perto da enferma, no outro na minha frente e segurando o meu rosto com força, estalando os seus lábios cheios e vermelhos contra os meus enquanto uma melodia suave ecoava em meus ouvidos.

Senti o meu pulmão pegar fogo, não como se estivesse faltando ar nele, mas como se estivesse sendo queimado, e achei que iria desta para a melhor se não fosse a reação rápida de Mika ao usar o suporte de intra venoso para bater no demônio e afastá-lo de mim.

– Mas o quê... - a voz surpresa de Tatsuha me surpreendeu também, pois de onde ele tinha surgido foi a primeira pergunta que me veio à cabeça enquanto eu tentava recuperar o fôlego. - Beija isso sua vadia. - o tom irritado foi o único aviso antes dele erguer as mãos para explodir a mulher. Mas o que aconteceu chocou a Mika e a mim.

Ao invés de tornar-se cinzas, o que estourou sobre a cabeça do demônio foi uma chuva de fogos de artifícios coloridos que fizeram Tatsuha arregalar os olhos e levar a mão a barriga.

– Oh... bebê malvado. - murmurou e a demônio sorriu, dando um tapa nele que o arremessou contra a janela e fez O meu coração vir a boca e os minutos seguintes foram os mais agitados e mais rápidos da minha vida.

Mika usou o suporte de metal do IV e o atravessou pela a barriga do demônio, o que não a matou mas a fez bater em retirada, e depois orbitou a vítima para segurança enquanto eu bruxuleei atrás de um Tatsuha em queda livre, aos gritos, e mudei a nossa trajetória para que nós caíssemos em uma caçamba cheia de sacolas de lavanderia do hospital.

– Fogos de artifício? Eu a atingi com fogos de artifício? - ele rosnou para mim, livrando-se com dificuldade das sacolas e saindo aos tropeços da caçamba.

– Tatsuha... - o chamei, também saindo com dificuldade da caçamba por causa dos sacos.

– Eu já estou farto! Eu tolero as náuseas, tolero as dores, mas não tolero ninguém brincando com os meus poderes!

– Tatsuha...

– E o que você – ele virou-se em um estalo, apontando o dedo para mim e eu recuei um passo, somente por precaução. Eu sabia o quanto aquele dedo podia ser perigoso quando Tatsuha estava de mau humor. - estava fazendo beijando aquela vagabunda?

– Eu...

– É isso? Você vem, planta a sua semente do mal em mim e depois resolve fugir com a primeira criatura surgida de um catálogo de roupas de couro que aparece?!

– TATSUHA! - gritei, porque aparentemente naquela família gritar era o único jeito de fazer esses irmãos calarem a boca. - Primeiro: ela me atacou, não tive nada com isso. Segundo... Como diabos você apareceu no hospital?

– Eu ouvi aquela canção fuleira que ela estava cantando e no segundo seguinte – nisto ele bateu as mãos, gerando um alto som estalado. - pimba! Eu estava lá vendo você se atracando com ela.

– Eu não estava me atracando com ela.

– Não foi o que me pareceu.

– Quer saber? Eu cansei! Cansei dos seus resmungos, dos seus choramingos, das suas reclamações. Você acha que isto é fácil para mim? Pois não é! Eu tenho uma carreira, eu sou uma pessoa pública, e tenho que dividir a mesma entre as minhas obrigações como guardião do tempo, como namorado e como pessoa. E agora, para completar, a magia resolve pregar esta peça na gente e eu não faço a mínima ideia de como vou explicar à imprensa de onde eu arrumei um filho! Já imaginou as especulações que isto iria criar?

– Sua carreira? Você só pensa na sua carreira, na sua imagem, na sua vida! Mas e eu? Eu sou a aberração da natureza! Eu sou o que terei que parir esta criança sabe-se lá como! Eu sou o maior prejudicado aqui e você não faz ideia de como eu me sinto!

– E você não faz ideia de como eu me sinto! - e então, para a nossa surpresa, senti algo atingindo o meu corpo, um raio de luz, que fez o mesmo com Tatsuha, nos arremessando para longe um do outro. - O quê... - me ergui do chão atordoado, me sentindo tonto e nauseado, e arregalei os olhos quando um arroto brotou da minha garganta e estourou na minha boca, lançando um fraco jorro de fogo e fumaça.

– Ei! - Tatsuha gritou do outro lado do beco, apontando para mim. - Eu deveria estar fazendo isso. - e sem aviso desapareceu por alguns segundos no lugar e reapareceu novamente. - Okay, o que foi que aconteceu?

– Eu não sei, mas só sei que não é nada bom. - resmunguei, me levantando aos tropeços e vendo o meu mundo rodar por alguns segundos antes de tudo parar de volta no lugar.

– Ryuichi? Você está bem? Ficou pálido de repente.

– Não. Parece que uma revolução está acontecendo no meu estômago e... - outro arroto fora do comum interrompeu a minha reclamação e isto pareceu ser o suficiente para fazer Tatsuha rir.

– Isto é perfeito. Você está com os meus sintomas de gravidez.

– O quê?

– Parece que você está com os meus sintomas de gravi...

– Eu entendi esta parte. O que não entendi é por que eu estou com os seus sintomas. - o vi franzir as sobrancelhas pensativo.

– Não faço a menor ideia. Melhor irmos para casa, não podemos nos arriscar com alguém vendo você arrotando fogo, não fora do seu formato original. - ele segurou no meu braço, juntando o meu corpo no dele, e eu me preparei para nos bruxulear para fora dali. Entretanto, quando um minuto passou sem nada acontecer, percebi que tinha acontecido mais coisas do que eu simplesmente ter ganhado de presente o enjoo do Tatsuha. - Ryuichi?

– Quando eu arrotei, você bruxuleou.

– O quê?

– Você desapareceu por uns segundos, logo depois de sermos atingidos por aquela luz.

– Então se você está com o meu enjoo...

– Você está com os meus poderes.

– Que maravilha! - mas ele não parecia maravilhado, parecia mais irritado. - E como isso funciona? Quero dizer, esse negócio de bruxulear?

– Bem... Você basicamente imagina para onde quer ir e vai. - e foi isso o que ele fez. Em um segundo estávamos no beco atrás do hospital, no outro estávamos aparecendo no meio da sala de estar da casa dos Uesugi e Tatsuha me soltou, o que foi uma boa ideia porque a vontade que me veio de vomitar quase não me deu tempo de correr até o banheiro mais próximo.

Eu realmente estava começando a odiar isto.

Tatsuha

Eu tive que rir quando vi Ryuichi correr atrapalhado em direção ao banheiro e fiz uma careta de nojo quando pude ouvir da sala os sons que ele estava fazendo ao colocar tudo que consumiu nesta manhã para fora.

– Ehhh... O que foi isso? - Mika apontou para onde Ryuichi tinha ido se refugiar com tanto desespero e agora dava um olá amigável a um velho conhecido meu: o vaso sanitário.

– Aparentemente Ryuichi adquiriu o meu enjoo matinal. - respondi com divertimento.

– E você adquiriu o quê? Os poderes dele? - Eiri rebateu e eu dei de ombros, vendo que Ryuichi tinha retornado para a sala com uma tonalidade verde doentia em seu rosto coberto por uma fina camada de suor.

– Não sei dizer exatamente. Antes disto acontecer – apontei para o meu namorado que parecia que ia desmaiar a qualquer momento. - eu tinha bruxuleado até aquele hospital quando ouvi aquela canção vagabunda e peguei Ryuichi no flagra se agarrando com o demônio. Mas eu acho que isso foi obra do bebê.

– E o que aconteceu depois disso?

– Bem... - e eu expliquei a Eiri sobre o ataque, sobre Mika orbitando com a mulher que tinha sido vítima do demônio mais cedo, do bebê fazendo gracinhas com os meus poderes, o voo raso que dei janela afora do hospital, sobre Ryuichi me salvando, a discussão, o raio de luz que nos atingiu e que resultou na situação de agora e sobre Ryuichi botando os bofes para fora e eu achando graça disto.

E ao fim do meu relato, Mika começou a rir.

– O que foi? Qual é a graça? - perguntou um Ryuichi miserável, indo se sentar no sofá.

– O bebê fez com vocês o que qualquer terapeuta de casal teria feito. - ela se explicou e eu troquei olhares confusos com um Ryuichi pálido. - Está fazendo vocês experimentarem o que o outro está passando.

– Então isso significa... - olhei para a minha barriga com as sobrancelhas franzidas. Será que o bebê tinha mudado de casa também?

– Só há um meio de saber. - e sem aviso Eiri pegou um vaso de decoração e o arremessou em cima de Ryuichi que soltou um grito e ergueu as mãos em um gesto defensivo, o que fez o vaso explodir a meio caminho da cabeça dele. Sinceramente, Eiri tinha que parar com essa mania de treinamento de choque para ativar poderes alheios.

– Seus poderes estão funcionando bem nele. - Mika apontou para um Ryuichi de olhos largos, ainda mais pálido, e ofegante no sofá. - Então o bebê só trocou os poderes, não de lugar. - droga. E eu já tinha criado esperanças.

– E cadê... A mulher que foi a causa de toda essa confusão? - perguntei ao ver que a mulher que salvamos mais cedo não estava em nenhum lugar a vista.

– Eu a curei e a encaminhei as autoridades. - Mika se explicou.

– As autoridades? Com que desculpa? - perguntei incrédulo.

– Usei um pouco de pó da memória na polícia. Eles a estão mantendo sob proteção porque aparentemente ela é a terceira pessoa vítima deste tipo de ataque.

– Ataque?

– O marido dela morreu no incêndio, mas os pulmões dele já estavam queimados antes do fogo começar. Foi um processo de dentro para fora, como se ele tivesse engolido fogo, o que creio que seja como o nosso demônio mata as suas vítimas. Queima o marido com um beijo e depois a esposa em um incêndio. Desta vez a esposa foi salva por Ryuichi, então ela pode querer terminar o trabalho.

– Então vamos procurá-la... - parei quando ouvi um eco dentro da minha cabeça, algo que foi aumentando progressivamente até se tornar várias vozes misturadas a flashes de imagens que me fizeram ficar tonto. - Uou! O que foi isso? - falei, tentando me apoiar em algo e olhando a minha volta assustado. Ryuichi ergueu-se do sofá com uma expressão preocupada, aproximando-se de mim um pouco menos pálido do que estava antes.

– O que foi?

– Vozes, estou ouvindo vozes, alguém está me chamando. - ele fez uma careta desgostosa.

– Alguém parece em pânico, preocupado ou algo parecido?

– Como eu vou saber? O que diabos está acontecendo?

– Bem... Devem ser os filhotes.

– Os o quê?

– Dragões desgarrados de seus clãs que precisam de guias. Geralmente o antigo Conselho dos Dragões elege alguns Dragões seniores para serem os guias dos novatos. - ah, eu havia esquecido que a organização social dos Dragões era completamente independente do restante do mundo mágico.

Eles não respondem aos Anciões como nós, eles tinham os seus próprios, assim como não tinham anjos da luz branca, mas sim dragões mais experientes que guiavam os mais novos quando esses não tinham alguém da própria família para fazer o trabalho. Ryuichi teve um dragão guia anos atrás, a Sra. Mihara, logo depois que o ajudamos a se livrar do Caçador e quando ele decidiu manter os seus poderes ao invés de selá-los. Agora era a vez dele fazer o mesmo.

– Okay... - sacudi a cabeça, tentando me achar dentro do emaranhado de vozes ecoando na minha mente.

– E então? - Ryuichi me perguntou ansioso. - Alguém está com problemas?

– Como eu vou saber? Você ouve essas vozes o tempo todo?

– Basicamente. Não é muito útil durante shows, mas depois de um tempo aprendemos a filtrar os chamados importantes dos outros.

– E como você faz isso?

– Concentrando.

– Concentrando... - parei quando ouvi alguém gritar em desespero na minha mente. - Certo, alguém em pânico, alguém em muito pânico. - tentei me concentrar, diferenciar este chamado dos outros, até que alguma coisa ficou distinta na minha mente. Uma voz, uma imagem que foi se formando aos poucos. - Certo, eu tenho que ir.

– Mas e quanto ao demônio? - Mika protestou.

– Ryuichi tem os meus poderes, ele ajuda vocês. - rebati. Que ajuda eu seria se agora eu era um dragão? Ah minha nossa, somente esperava não me transformar em um enorme lagarto que cospe fogo. Achava isso sexy no meu namorado, imponente, mas não creio que escamas e chifres combinavam com a minha pessoa.

– O quê? - a cor que estava voltando para o rosto de Ryuichi sumiu de novo. - Como eu vou fazer isto?

– Apenas... se concentre. - e com isto bruxuleei de encontro ao meu protegido em desespero.

Ryuichi

Vi Tatsuha sumir em frente aos meus olhos e entrei em desespero. Eu? Extinguir demônios? Certo que fiz isto uma vez, mas foi há anos, e eu não fazia nem ideia de por onde começar a usar os poderes do Tatsuha e, no momento, a única coisa que eu queria era me deitar para ver se este maldito enjoo passava.

– E então irmãozinho, – o tom de deboche de Eiri me fez dar uma careta de desagrado. - pronto para chutar o traseiro de alguns demônios? - quis vomitar de novo só diante da perspectiva enquanto era alvo da graça de Mika e Eiri.

– Vou ver se encontro o tal demônio no Livro das Sombras. - Mika saiu as pressas da sala, ainda rindo, me deixando sozinho sob o olhar debochado de Eiri.

– O que foi? - perguntei contrariado ao perceber que ele estava me olhando demais. Ele apenas deu um sorriso de escárnio e sacudiu levemente a cabeça.

– É só que... Meu sobrinho, ou sobrinha, é um gênio. - caçoou e eu o mirei ainda mais contrariado. Eu estava considerando, agora, que esta criança era um gênio do mal, isso sim, se as dores que ela me deu, o enjoo horrível e essa mania de ficar arrotando fogo fosse alguma indicação.

– Eu encontrei o demônio. - o retorno de Mika com o Livro das Sombras me fez esquecer qualquer coisa que eu pudesse dizer de atravessado para Eiri. - A Sereia foi uma bela mulher que tomou como amante um homem casado. Quando o vilarejo onde eles moravam descobriu sobre o caso, o homem saiu ileso das acusações. A mulher foi queimada sob as provocações das outras mulheres do vilarejo e o seu ódio a transformou em um demônio que agora se vinga delas matando os homens e queimando as mulheres no mesmo fogo que a consumiu.

– Que doce. - Eiri debochou.

– Nada que uma boa poção não resolva. - Mika fechou o livro em um estalo, dirigindo-se a cozinha e nós a seguimos. Em minutos ela tinha todos os ingredientes separados e a panela já esquentava sobre o fogão, emitindo um cheiro que estava piorando ainda mais a minha náusea.

– Você parece meio verde. - Eiri provocou enquanto jogava outra erva dentro da panela, o que tornou o cheiro ainda mais forte.

– Não... - quis dizer, mas fechei a boca porque tinha a sensação de que se a abrisse botaria tudo para fora de novo. Até o cheiro do meu perfume estava me enjoando.

Para o meu completo alívio, Tatsuha bruxuleou na cozinha carregando, curiosamente, um galo sob o braço.

– O que é isso? - Mika riu.

– Nem queira saber. - foi a resposta dele enquanto soltava o galo para correr pela cozinha. - Desde quando você fala francês? - disparou a pergunta para mim e eu pisquei por um momento, sem entender, até que lembrei o que ele tinha ido fazer no meu lugar por estar com os meus poderes.

– Bem, nós falamos a língua que os nossos protegidos falam.

– Quase seis anos juntos e somente agora você me diz isso?

– Bem...

– Espera aí! - ele me interrompeu com um erguer de mãos. - Alguém em pânico, com problemas... Ohh, problemas muito grandes. Eu tenho que ir.

– Não! Tatsuha, espera! Você precisa me ajudar com esse seu enjoo.

– Não dá, tem alguém precisando urgentemente de mim. - a vingança realmente era doce, pelo que eu estava vendo. Agora era eu o desesperado por atenção e Tatsuha o sem tempo. É, eu já estava começando a entender a moral desta confusão.

– Mas... - ainda tentei protestar, mas ele já estava bruxuleando para fora da cozinha.

– Tente bolachas. - foi a última coisa que ouvi antes dele sumir de vez.

– Bem... - Mika veio até mim com um sorriso de orelha a orelha, colocando um pacote de bolachas na minha frente e um bloco e uma caneta. Os irmãos pareciam estar adorando, mais do que da conta, a minha situação atual. - Aqui estão as suas bolachas e aqui está o papel e a caneta para preparar o feitiço para convocar a Sereia.

– Eu? Escrever feitiços, mas... - tentei protestar pela segunda vez, em vão, pois Mika me ignorou em favor de olhar para o teto com uma expressão preocupada.

– Eu preciso ir, os Anciões estão me chamando. - declarou, sumindo em uma chuva de orbes antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.

– Eu vou preparar a barricada para quando invocarmos a Sereia. - Eiri ainda tinha aquele tom de deboche e divertimento na voz. - Então é bom o feitiço ser bem feito. - dei uma careta para ele da qual ele riu enquanto saía da cozinha com o frasco da poção pronta nas mãos.

Por minutos eu fiquei ali, mordiscando bolachas e escrevendo verso atrás de verso até me dar por satisfeito. Com um sorriso, saí da cadeira em um pulo com a folha na mão e fui procurar Eiri na sala, o encontrando sentado junto a mesa de jantar que havia sido virada e colocada no portal de acesso entre a copa e o corredor.

– Consegui. - estendi para ele o meu feitiço e ele o pegou, passando os olhos por sobre os versos para logo depois soltar uma risada.

– Sakuma... É um feitiço, não uma canção. Sereia o seu lugar é no mar e as chamas que lhe queimaram irão crepitar... E eu achava que as rimas do Shuichi eram ruins. - fiz uma expressão de desagrado diante do descaso dele referente ao meu feitiço. Eu dei o meu melhor, okay? E ele não tinha o direito de dizer essas coisas para mim.

– O que está acontecendo? - ouvi Mika perguntar atrás de mim após reaparecer em uma chuva de orbes.

– O que está acontecendo? É que vocês não me dão o menor valor. Aqui estou eu, com esses poderes que eu não entendo, com os quais estou tentando lidar, querendo dar o meu melhor e o que vocês fazem? - apontei para Eiri que agora tinha saído de detrás da mesa. - Riem de mim. - resmunguei inconformado, indo para a sala de visitas e me jogando no sofá, abraçando uma de suas almofadas contra o peito. - O que está acontecendo comigo?

– Querido... - Mika sentou-se na mesa de café e colocou uma mão confortadora sobre o meu joelho. - É o choramingo. São os hormônios tomando conta do seu corpo.

– Eu pensei... Pensei que ele só estava exagerando.

– Bem vindo a nossa vida. Quero dizer, Tatsuha está experimentando o que uma mulher sofre, e agora você. - ela riu, mas eu não achei a menor graça.

Então era por isso tudo que Tatsuha passava? Não era à toa que ele estava sempre de mau humor. Não era somente o fato fora do normal de ele estar carregando uma criança, gerando um bebê, eram as mudanças em geral. Se quando entramos na puberdade enlouquecemos com as mudanças do nosso corpo, deveria ser pior ainda quando coisas assim aconteciam já na fase adulta. E era horrível.

– O que os Anciões queriam? - Eiri interrompeu os meus lamentos e antes que Mika pudesse responder, Tatsuha surgiu atrás do sofá.

– Como assim a nossa Inocente fugiu? - ouvi o resmungo dele.

– Nossa, as notícias viajam rápido, em qualquer plano. - Mika retrucou contrariada. - Bem, eu não sei. Ela entrou em pânico quando as autoridades explicaram para ela o que estava acontecendo, que ela corria perigo.

– Mika, pensei que você tinha dito que ela ficaria segura com a polícia! - às vezes Tatsuha sabia bancar o irmão mais velho assustador e mandão.

– Eu também! Os Anciões me pediram para ir atrás dela, ajudá-la, porque ela está confusa.

– E? Por que você ainda não foi?

– Porque nós temos um demônio para combater. - Tatsuha suspirou, dando a volta pelo sofá e sentando-se ao meu lado.

– Mika, você sabia ao aceitar a proposta dos Anciões para ser um anjo guia o que isso implicava.

– Sim. Mas agora eu tenho que ser anjo da guarda, bruxa, professora e esposa tudo ao mesmo tempo. Estou sobrecarregada aqui. - tinha que dar razão a Mika. Desde que ela voltou a atuar na sua área de formação – artes – como professora, o tempo dela sempre andava curto. Mas ela sempre soube o quanto as coisas ficariam ainda mais complicadas se também aceitasse ser um anjo da guarda, e mesmo assim o fez. Então por que estava reclamando disto agora?

– Mika. - Tatsuha rolou os olhos. - É a nossa compaixão, não os nossos poderes, que nos difere dos demônios.

– Eu sei aniki – debochou. - eu sei.

– Então?

– Estou indo. - e com isto ela sumiu em uma chuva de orbes.

– Sabe. - comecei. - Você é bom nesse negócio de orientar as pessoas. - Tatsuha sorriu, o que fez borboletas revoarem em meu estômago cada vez que ele sorria para mim.

– Obrigado. E... Onde está o Eiri?

Shuichi

Eu realmente gostaria muito de saber onde estava o Ryuichi, pois todos os contatos que eu tentava com ele tornavam-se em vão.

O telefone no meu ouvido emitia o tom constante de chamada enquanto eu perambulava pelos bastidores da nossa turnê em conjunto. Nittle Grasper e Bad Luck, a primeira turnê em parceria das duas bandas em comemoração aos quinze anos do NG. A nova e velha geração unidas mostrando que o tempo não era barreira para os fãs. Ou ao menos essa seria a intenção se o vocalista do NG não tivesse desaparecido durante o intervalo do ensaio, aparecido misteriosamente no incêndio no sobrado ao lado do nosso hotel e depois desaparecido de novo, o que fez a imprensa ficar ainda mais alvoroçada.

A chamada caiu na caixa postal... de novo, e eu cogitei por um momento ligar para o Tatsuha. Estávamos em Kyoto, talvez fosse uma possibilidade o Ryuichi estar com ele, isso se eles tivessem feito as pazes. Por algum motivo que Yuki recusa-se a me contar, aparentemente o irmão dele e Sakuma-san estavam com uma crise no relacionamento que o próprio Ryuichi também evitava comentar.

Fechei o celular com força, com a minha impaciência aumentando junto com a quantidade de mensagens que eu deixei na caixa postal de Ryuichi. O show era amanhã, a passagem de som não foi feita corretamente e por algum motivo que eu não conseguia entender Tohma, aquele que deveria estar dando mais chiliques do que eu, não parecia em nada abalado com o fato de que o seu vocalista havia desaparecido.

Se fosse comigo ele não faria aquela cara de paisagem enquanto os outros ficavam perguntando para ele onde estava Ryuichi Sakuma.

– Você parece impaciente. - virei-me aos tropeços ao ouvir a voz, com o meu queixo indo ao chão ao ver a bela mulher de corpete, calça justa e botas de couro negras perto da mesa de som. Ela sorriu para mim, um sorriso que fez os seus olhos azuis claríssimos se iluminarem e a passos langorosos veio em minha direção. E então, uma canção inebriante começou a ecoar no local, algo que era tão lindo que tonteava os meus sentidos.

A vi se aproximando mais, tocando o meu rosto com as pontas de seus dedos, a canção sendo praticamente sussurrada ao meu ouvido e então, no segundo seguinte, percebi que ao invés de estar nos bastidores do show, estava em outro lugar com colunas desgastadas, teias de aranha, velas praticamente queimadas e com uma cama forrada por cobertas multicoloridas e para a qual a bela mulher me empurrava enquanto acariciava os meus cabelos.

– Shuichi... - ouvi alguém chamar e olhando por cima do ombro dela, vi Eiri na entrada daquele lugar estranho. Quis correr até ele, pedir por ajuda, por algo lá no fundo me dizia que tinha alguma coisa errada naquela situação, mas a canção, a bela mulher e as carícias me faziam ficar parado no lugar enquanto apreciava o show que ela fazia.

– Isso... - a voz melodiosa entorpeceu ainda mais o meu cérebro, me fazendo perder o controle da realidade. - Ceda-se a mim... E mate aquele bruxo. - assenti levemente com a cabeça e a obedecendo, levantei da cama, indo até onde um Eiri estático, hipnotizado, estava. Com um gesto brusco o agarrei pelos ombros e o arremessei sobre a cama, com uma força que minha a mente nem se deu ao trabalho de questionar de onde tinha surgido.

– Shindou! - Eiri pareceu ter acordado do transe diante do meu ataque, preparando-se para levantar e se defender, mas eu não permiti, porque no segundo seguinte estava sobre ele e sem nenhuma piedade as minhas mãos se fecharam em sua garganta e começaram a esganá-lo.

Mirei com horror o meu amante se debatendo sob mim e uma voz lá no fundo gritava para eu parar, mas o meu corpo não a obedecia e a única coisa que eu pude fazer foi implorar. Implorar, por favor, que alguém nos salvasse.

Ryuichi

– Eiri não está aqui embaixo. - falei para Tatsuha que terminava de descer as escadas.

– E não está lá em cima. - o vi passar as mãos pelos cabelos em um gesto nervoso. - Onde ele pode ter se enfiado?

– A Sereia? - questionei. Era uma possibilidade. Ela sabia que estávamos atrás dela, então poderia ter capturado Eiri sem termos percebido.

– Como? Eiri até minutos atrás estava conosco. Então como ela poderia tê-lo levado? - era uma boa pergunta.

– Você disse que quando eu fui atacado no hospital, ouviu a canção da Sereia, foi isso que o incitou a ir até mim.

– Sim, e?

– E se o mesmo aconteceu com Eiri?

– Para ter acontecido com Eiri... - ele parou, franzindo as sobrancelhas pensativo. - Ela capturou o Shuichi? Como?

– Não é difícil. Eiri é famoso, Shuichi é famoso, o caso deles é famoso.

– Demônios que têm como passatempo revistas de fofocas? Era só o que me faltava.

– É uma possibilidade. Pode senti-lo?

– O quê?

– Senti-lo. - repeti e o vi piscar confusamente para mim.

– Como assim senti-lo? Você tem um GPS interno como os anjos da luz branca?

– Sim, nos ajuda a encontrar mais rápido os nossos protegidos.

– Sim, mas são dragões. Nós não somos...

– Mas são família. Óbvio que eu mantenho vocês sob o meu radar. - ele sorriu novamente e mais borboletas revoaram em meu estômago. Me desculpem se eu estou sendo sentimentaloide, mas é que ultimamente não estava sendo muito agraciado com os sorrisos de Tatsuha. Estava mais recebendo era “patadas” dele.

– Certo. E como eu faço isso com este caos que está na minha cabeça?

– Feche os olhos, inspire, expire, concentre-se no Eiri. - ele fez o que eu mandei, fechando os olhos e respirando lentamente, concentrando-se. Fiquei o observando por minutos, esperando alguma reação, qualquer reação, até que ele abriu os olhos em um estalo e me encarou.

– Eiri. - e com isto segurou na minha mão e nos bruxuleou para o que parecia ser um mausoléu abandonado onde Eiri tentava desesperadamente tirar Shuichi, que o estrangulava, de cima de si.

Tatsuha agiu depressa, indo até Shindou e o agarrando sob os braços, tentando afastá-lo do irmão, mas o meu amigo cantor parecia ter adquirido uma força estrondosa do nada, pois facilmente livrou-se de Tatsuha com um sacudir de corpo. Quanto a mim? Rodei os olhos pelo local e achei a maldita Sereia sorridente a um canto enquanto observava o circo pegar fogo e amaldiçoei o fato de que a poção para extingui-la estava com Eiri, o mesmo que estava sendo esganado neste momento.

– Tatsuha! A poção! - o avisei e ele rapidamente captou o fato de que o irmão tinha a chave para acabar com aquele demônio. Novamente Tatsuha pulou sobre Shuichi, tentando soltá-lo de Eiri, sem sucesso.

– Faça alguma coisa Ryuichi! - gritou para mim, mas o que eu poderia fazer?

Recuei um passo desesperado quando vi a Sereia vir na minha direção com um sorriso cheio de dentes no rosto, e olhei a minha volta a procura de algo que pudesse me ajudar a combatê-la, não encontrando nada. E então eu me lembrei: eu tinha os poderes de Tatsuha. Inspirando profundamente me concentrei e torci para que isto funcionasse. Sacudi as minhas mãos, mas em um primeiro momento nada aconteceu. Me concentrei mais, imaginando a Sereia explodindo, e sacudi as mãos de novo.

Um velho vaso sobre uma meia coluna que estava perto da cabeça dela estourou, a fazendo parar de supetão e olhar o estrago. Quando percebeu que não corria perigo, continuou avançando enquanto eu recuava a cada passo que ela dava.

– Ryuichi! - Tatsuha gritou desesperado, pois Eiri agora estava ganhando uma tonalidade azulada que realmente não combinava com ele e o que mais me irritou é que eu vi, deslizando pelas bochechas de Shuichi, lágrimas. Meu pobre amigo tinha noção do que fazia, mas não tinha nenhum controle por causa dessa maldita.

Com raiva borbulhando dentro de mim, voltei a encarar a Sereia e ergui as mãos, o que ela não considerou grande ameaça se o sorriso fixo no rosto dela fosse alguma indicação. Entretanto, eu estava possesso o suficiente para acertar esse tiro e foi isso o que eu fiz.

Com um sacudir de dedos senti o poder sair do meu corpo e chocar-se com o dela e foi com prazer que vi a expressão surpresa da Sereia antes dela explodir em milhões de pontinhos negros. Voltei-me para onde estavam os outros, vendo que agora Tatsuha saia de cima de Shuichi que tinha finalmente largado Eiri que tossia intensamente a procura de ar. O rosto do meu pobre amigo estava pálido e agora ele soluçava e chorava copiosamente.

– Shuichi... - Eiri o chamou com a voz rouca, mas o garoto somente recuou um passo, ainda extremamente atordoado com o que aconteceu, e com certeza com muito medo. E eu não o culpava. Ele tinha acabado de ter uma experiência direta com a magia. Uma experiência muito desagradável por sinal. Shuichi adorava Eiri e o fato de quase tê-lo matado deveria estar surtando com a cabeça dele.

– Melhor... Deixá-los conversar. - Tatsuha havia se aproximado de mim e pousado a mão em meu ombro.

– Melhor. - concordei, enquanto era levado de volta para casa.

Tatsuha

– E Shuichi? - foi a primeira coisa que perguntei ao entrar na cozinha pela manhã e ver Ryuichi apoiado na bancada da pia com uma xícara de café nas mãos. Na noite passada, depois que saímos do covil da Sereia, deixando o meu irmão e Shindou para trás, não tivemos mais notícias dos dois até que Eiri retornou para casa de madrugada sem o seu amante rosado na cola.

– Abalado. Tohma achou melhor adiar o show depois do que aconteceu.

– Imaginei. - fui até a cafeteira, pegando para mim um pouco de café. - Você foi muito bem ontem ao lidar com aquele demônio. - falei enquanto sentava no banco perto da bancada central onde ficava um dos fogões.

– Obrigado. E você não foi de todo ruim sabe... com os filhotes. - assenti com a cabeça e ficamos em silêncio por alguns segundos.

– Certo, eu admito, eu sou um reclamão.

– O quê?

– Eu sei que não deveria protestar tanto. Quero dizer, muitas pessoas morreriam para estarem no meu lugar. Não homens, claro, porque isso sim seria estranho, mas mulheres que não conseguem ter filhos e olha eu aqui, carregando um filho seu e só reclamando. Claro que eu queria formar uma família com você, apenas não esperava ser deste jeito, mas eu compreendo que sendo o último da raça você teria que produzir descendentes e como sou o seu parceiro destinado, obviamente que você não procuraria alguém de fora para isto. Acho que a magia até foi justa neste ponto, porque eu não aguentaria ver uma qualquer carregando a sua cria, seria estranho para mim.

– Terminou?

– Sim.

– Certo, eu admito que não fui justo com você também. Seu corpo está passando por mudanças que para uma mulher que nasceu biologicamente preparada para isto já é difícil, imagina para um homem? E eu desconsiderei as dificuldades, assim como o fato de que iria ser pai me apavorou por um instante. Mas agora eu entendo que não deveria desconsiderar os seus pedidos de ajuda, que deveria estar mais ao seu lado, que você é minha família agora e portanto precisa de mim.

– E eu deveria também considerar que você é um homem ocupado não somente com a sua carreira, mas também com os seus protegidos, e que eu não deveria ficar criticando cada pequena coisa que você faz.

– Então, estamos entendidos? - ele estendeu uma mão para mim, que eu aceitei em um gesto de paz.

– Estamos... - e o que eu ia falar foi interrompido quando um jato de luz me acertou diretamente no peito, fazendo o mesmo com o Ryuichi, e nos derrubando no chão.

– O que foi isto?

– Eu não... Oh. - gemi quando senti o meu estômago revirar.

– Ei, a minha náusea foi embora! - Ryuichi comemorou.

– Ei, a minha voltou! - também comemorei até que me dei conta de que isto não era uma coisa boa.

– Então... Estamos de volta?

– Eu não sei. - para testar, Ryuichi bruxuleou no lugar e reapareceu com um enorme sorriso no rosto.

– E os seus poderes? - me levantei, pegando um bolinho dentro da cesta sobre a mesa e o jogando no ar, mirando as minhas mãos nele e o mesmo explodiu normalmente.

– Muito bom. - suspirei, me apoiando no balcão e observando Ryuichi do outro lado da cozinha.

– O que foi? - me perguntou quando viu que eu o encarava demais.

– Hum...Voulez-vous coucher avec moi?– sugeri e ele riu quando o puxei pelo braço para um beijo.


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