Forever Charmed escrita por Bella P


Capítulo 2
Duas Semanas




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Os Presentes

Tatsuha

Alguma coisa estava muito errada. Pensei quando abri os olhos para ver que eram cinco da manhã de domingo. Eu não acordava antes do sol nascer no domingo, até porque eu tinha dias de folga, merecia dias de folga. Entre a faculdade, o templo e lutar contra demônios, um descanso de vez em quando era bem vindo. E eu detestava acordar cedo no final de semana porque o silêncio que eu recebia de volta da casa era opressor.

Meu pai, amado pai, note o sarcasmo, resolveu há uns dois anos aceitar a proposta dos Anciões de voltar a lecionar e com isto foi nomeado novo diretor da Escola de Magia. Claro que ele ainda me visita, mas não era a mesma coisa como quando ele ainda morava aqui e perambulava pelos corredores ao raiar do dia, exigindo que eu tirasse as folhas secas do pequeno lago de peixes.

Mas agora, acordar cedo sem precisar parecia ter se tornado uma constante nas últimas semanas.

Rolei na cama, franzindo a testa ao ver que a tempestade de neve da noite passada persistia, o que me dava ainda mais preguiça de levantar visto que as minhas cobertas quentinhas pareciam querer me prender no lugar. Rolei mais uma vez, na completa intenção de me esconder sob a colcha e voltar a dormir, se a campainha não tivesse resolvido ecoar de maneira estridente pela casa. Arregalei os olhos. Que diabos! Quem viria à casa dos outros as cinco da manhã?

Desconfiado, sai da cama e revirei o meu armário, encontrando nele algo que não usava desde os tempos de colégio: meu antigo taco de beisebol. Lentamente vesti um casaco e peguei o taco e a passos vagarosos cruzei o corredor até chegar a escada, quando a campainha tocou de novo. Com o taco erguido terminei de descer os degraus e fui pé ante pé até a porta de entrada, tentando divisar pelo vitral da mesma a silhueta que estava do outro lado, mas falhando completamente. Suspirei, dando um pulo quando ao invés da sineta a pessoa resolveu bater estrondosamente na madeira e com resolução, escancarei a porta, erguendo o taco ao mesmo tempo, somente para ver Eiri do outro lado do beiral.

– Um taco de beisebol? - foi o simpático cumprimento, note novamente o sarcasmo, do meu irmão. - Se eu fosse um demônio você iria me derrotar com um taco de beisebol?

– Bem – joguei o taco sobre a comoda perto da porta. - demônios também não tocam campainhas na madrugada, eles tendem mais a invadir sem pedir licença. - como Eiri estava fazendo no momento ao entrar na casa arrastando uma grande mala de viagem preta consigo. - Papéis inverteram, aniki? Shuichi te colocou para fora desta vez?

– Hah! Muito engraçado. - é, eu estava vendo ele rir. Mais uma vez, sarcasmo. - Shuichi está em turnê com aquele seu namorado abitolado, esqueceu? E eu estou com bloqueio literário.

– Novidade. - resmunguei, batendo a porta para impedir que o vento frio da manhã entrasse na casa.

– Resolvi procurar um lugar calmo para pensar.

– E Kyoto foi o primeiro lugar que te veio à cabeça? Eiri, você só vem aqui se tivermos alguma emergência demoníaca e costuma ir embora mais rápido do que possamos dizer o feitiço para extinguir o demônio em questão.

– Certo. - ele largou a mala ao pé da escada. - Meu editor sugeriu...

– Te obrigou. - o corrigi. Sugerir com Eiri não funcionava. Com ele as coisas tinham que ser feitas a força.

– Que eu viesse para cá. O templo ainda é um refúgio desde que Tohma conseguiu aquela liminar para manter a imprensa afastada. - ah, bons tempos esses quando a mídia descobriu sobre a minha relação com Ryuichi e resolveu fazer barricada nas mediações do templo, o que não somente irritou a mim e ao meu pai, como também os fiéis que frequentam o lugar. Perdemos alguns no processo, porque não aprovavam a minha escolha para parceiro, outros permaneceram indiferentes e muitos outros nos apoiaram porque conheciam a minha família há gerações, alguns até sabendo de nosso segredo mágico, e que sugeriram recorrer de magia para nos livrarmos do problema. E eu recorri. Recorri a magia de conhecer pessoas influentes.

Com algumas ameaças e um grande processo judicial, Tohma conseguiu o direito de manter os abutres da imprensa longe da minha casa e os assustou o suficiente para impedi-los de continuar me seguindo como sombras onde quer que eu fosse. Porque, convenhamos, não sairia nada bem uma foto minha na primeira página explodindo um demônio se os paparazzi continuassem me perseguindo.

– Ótimo! Porque demônios já não invadiam o lugar quando era apenas um Encantado sob este teto, agora com dois... Ei, por que não vamos ao submundo espalhar a boa notícia de uma vez? - rebati com azedume e Eiri me olhou estranho.

– O que há com você? Se o problema é a minha presença, a casa é grande, com certeza nem iremos nos encontrar. - abri a boca para retrucar o contrário, mas ele nem me deixou começar. - O meu quarto ainda é no mesmo lugar? - somente indiquei com um gesto de mão a escada. Já que ele estava aqui, o melhor seria aturar. - E por que você não volta para cama? Parece que você precisa da uma boa noite de sono. - e recolheu a mala, subindo apressado as escadas até que eu ouvi o barulho de uma porta batendo no andar superior.

E quer saber? Eiri estava certo. Era domingo e eu ainda tinha direito a uma boa noite de sono. Com isto, voltei para o meu quarto somente para arregalar os olhos quando vi sobre a minha cama três adoráveis gansos extremamente brancos. De onde eles tinham surgido, eu não fazia a mínima ideia, mas se eles eram normais, isso eu tinha certeza que não. E sabe como eu sei? Porque um deles tinha acabado de colocar um ovo de ouro sobre as minhas cobertas. E vendo isto, só pude reagir de uma forma:

– EIRIIIIIIIIII!

Eiri

– Certo, os gansos estão no porão. - falei assim que retornei ao quarto de Tatsuha depois de ir aos tropeços atender ao grito dele, para arregalar os olhos quando vi gansos sobre a cama do meu irmão. - Isso é ouro de verdade? - continuei quando o vi segurando um dos ovos e o avaliando.

– Eu não sei. Quer quebrar na frigideira e testar para ver se vai sair gema, gansinhos ou pepitas?

– Ainda o mau humor? Precisa dormir irmãozinho. - e eu falava sério, porque as olheiras dele estavam feias.

– Eu ia fazer isto, até ver a minha cama ocupada por outro ser.

– Eu não entendo, gansos mágicos não surgem do nada, surgem?

– Que eu saiba não.

– Talvez devêssemos...

– Já fiz isto. - o vi apontar para o Livro aberto sobre a cama. - Gansos dos Ovos de Ouros são criaturas mágicas geralmente dadas como presentes de boas vindas.

– Boas vindas? Ao que exatamente?

– Não sei. Algum amiguinho mágico seu ficou sabendo do seu retorno e resolveu mandar presentinhos para você... eu não sei, as cinco da madrugada?! - rosnou para mim, sentando-se na cama com um bufo e fechando o Livro das Sombras num estalo. Se formos pensar por este ângulo, até que fazia sentido e ao mesmo tempo não. Eu mal cheguei e a minha vinda para Kyoto foi uma decisão de última hora, então não teria como alguém já saber para me enviar gansos.

– Ou... Talvez enviaram para o endereço errado. - ele me olhou com descrença. Eu também não acreditava na desculpa, até porque nada nesta família acontecia por engano, mas era melhor do que ficar queimando os miolos tentando descobrir quem foi a criatura que resolveu nos mandar gansos mágicos.

– Quer saber? Não vou ficar perdendo o meu tempo nisto e já que dormir não é mais uma opção... - ele deu de ombros, abrindo um sorriso matreiro que eu não gostei de ver. - E então? - ele rolou o ovo na palma da mão. - Como vai querer os seus ovos aniki? Fritos ou mexidos?

– Tatsuha! - o repreendi, porque com certeza deveria ser algum sacrilégio usar ovos de ouro para isto e ele apenas gargalhou, saindo estranhamente saltitante do quarto para alguém que há minutos estava com o humor de um cão chupando manga.

Suspirei, sacudindo levemente a cabeça em uma negativa. Acho que Tatsuha levou muita pancada na cabeça de demônios, ou Mika mentiu quando éramos pequenos quando uma vez eu a flagrei com Tatsuha aos prantos ao seus pés e perguntei se ela o tinha deixado cair de seu colo. Acho que ela deixou, e de cabeça ainda por cima.

– EIRIIIIIIIIII! - novamente o grito e eu bufei de raiva, recolhendo o Livro das Sombras que ele largou em cima da cama e indo até a cozinha de onde o grito tinha vindo.

– Tatsuha, você sabe muito bem que não se deve gritar nesta casa quando não há demônios... - já comecei a reclamar, pois era a segunda vez que ele fazia isto, uma mania que ele tinha quando criança que finalmente perdeu com o tempo, mas parecia estar retornando ultimamente. Tatsuha sempre gritava primeiro por mim para depois lembrar-se de que ele tinha também uma irmã mais velha e, naquela época, uma mãe.

– Com desejos de felicidades... - foi o que ouvi assim que pus os pés na cozinha e o vi apoiado na bancada do fogão com o que parecia ser um pergaminho na mão. - Nicolau Flamel. - a expressão dele era cômica, uma mistura de incredulidade e fascinação, com certeza a mesma expressão que eu deveria estar usando no momento. Nicolau Flamel? O famoso alquimista? Não se ouvia falar dele desde uns dois séculos atrás e muitos cogitavam se o mesmo ainda estava vivo.

– É uma piada?

– Se você acha isto uma piada... - e nisto ele abriu uma pequena caixa multicolorida, retirando de dentro dela uma pequena pedra avermelhada no formato clássico de diamante. - então pode começar a rir. - ele estendeu a pedra para mim e eu a peguei, avaliando com interesse a sua superfície polida e o seu interior fosco, como se houvesse algum líquido viscoso dentro dela.

– Isto é o que eu penso que é? - perguntei, lhe devolvendo a pedra.

– A Pedra Filosofal? Eu não sei, vamos responder ao Sr. Flamel perguntando? - soltou sarcástico e eu rolei os olhos, arrancando da mão dele o bilhete que veio junto com a caixa.

– Bem, aqui não tem nenhum remetente para resposta.

– Claro que não gênio. A caixa surgiu magicamente na cozinha, não foi entregue pelos correios.

– Devemos chamar Mika? - ponderei. Um item mágico entregue por engano eu engolia, agora dois era coincidência por demais.

– A esta hora da manhã? Ela vai ficar tão feliz. - Tatsuha debochou e eu rolei novamente os olhos.

– Precisamos dela se quisermos descobrir por que, subitamente, estamos recebendo... - calei-me quando ouvi um curioso relincho chegar aos meus ouvidos e mirei Tatsuha, que possuía uma expressão intrigada no rosto como clara indicação de que ele também tinha ouvido o barulho. Vagarosamente coloquei o Livro sobre a mesa da cozinha e com o meu irmão no encalço segui na direção de onde tinha vindo o som, somente para estacar sob o portal que ligava a copa ao solário, com Tatsuha encontrando-se com as minhas costas diante da minha súbita parada, quando vi algo que somente tinha encontrado em livros.

– Isso é? - Tatsuha balbuciou, apontando para o enorme cavalo branco no meio do solário e que estava comendo as nossas plantas.

– Eu espero que não. - falei bestamente, sabendo que estava completamente engando. Quero dizer, havia um equino no jardim de inverno, comendo de nossas plantas decorativas, de pelagem toda branca e com um enorme chifre prata na testa. Com essas características, o que acha que poderia ser?

– Aniki, eu acho que é um unicórnio sim. - soltei mais um bufo, virando em um estalo para mirá-lo.

– Óbvio que é um unicórnio, eu estou vendo que é um unicórnio! O que eu quero saber é: o que ele faz aqui?

– Pastando? - Tatsuha sorriu sem graça e a minha vontade foi de lhe dar um tapão na cabeça, o que eu fiz. - Ai! - ele resmungou, esfregando a parte agredida com um bico contrariado. Que infantil.

– Certo... Está na hora de chamarmos reforços. - porque sinceramente, alguma coisa muito errada estava acontecendo. - MIKA! - gritei e, obviamente, não obtive nenhuma resposta. Ou ela me ignorou ou estava dormindo. Creio que a segunda opção era a mais provável. - MIKA! - gritei de novo para acordá-la no susto se fosse preciso, mas acho que agora ela estava me ignorando. Mika sempre teve o sono leve, então, com certeza, ela ouviu o meu primeiro chamado. - Mika! Tatsuha precisa de você, foi atacado por um demônio.

– Isso foi golpe baixo. - Tatsuha protestou.

Eu sei, desde a vez que o meu irmão foi esfaqueado e sequestrado pelo Caçador que ela andava paranoica em relação a qualquer arranhão que Tatsuha arrumasse. E não deu outra, logo a orbitação familiar surgiu em nossa frente, formando uma Mika descabelada, com marcas do travesseiro na bochecha esquerda e trajando pijama de flanela. A cena seria cômica se ela não estivesse olhando ao seu redor desesperadamente a procura de Tatsuha, o encontrando ileso atrás de mim, e depois me olhou com uma expressão assassina no rosto.

– Não teve graça. - veio o rosnado da minha adorada irmã e eu somente sorri como resposta, o que a enfureceu ainda mais.

– Verdade? Então que tal aquilo para você rir? - apontei por cima do ombro dela e Mika piscou por alguns segundos, creio que para espantar os resquícios de sono, e virou-se.

– Aquilo é o que eu penso que é?

– Mika... Tatsuha e eu atestamos que isso é o que aparentemente é.

– Só que tem mais. - Tatsuha estendeu à ela a pedra, que Mika pegou e a mirou com os olhos largos. - E não deixando de mencionar os Gansos dos Ovos de Ouro que estão no porão. - um quack nos fez virar ao mesmo tempo para ver que os gansos não estavam mais no porão como esperávamos.

– Certo, o que está acontecendo aqui? - ela devolveu a pedra para Tatsuha e começou a ajeitar os cabelos e esfregar o rosto para espantar o sono de vez e ver se melhorava a cara de quem acabou de rolar para fora da cama, o que não deixava de ser uma verdade.

O nosso amigo unicórnio resolveu parar de mastigar as plantas dos nossos vasos e foi até Mika, lhe cutucando o ombro com o focinho, o que a fez pular no lugar diante da surpresa e virar-se para ele com um olhar contrariado por causa do susto. Olhar este que o bicho ignorou em favor de agora ir até Tatsuha, o cutucando também pelo ombro. Entretanto, ao contrário de Mika, o meu irmão apenas sorriu e afagou o longo focinho do unicórnio que relinchou de prazer diante da carícia.

– Segundo o Sr. Nicolau Flamel – soltei com escárnio. - a pedra enviada foi um desejo de felicidades. Os gansos, pela tradição, são desejos de boas vindas.

– E o unicórnio? - Mika perguntou com as sobrancelhas franzidas, mirando o mencionado que parecia ter se afeiçoado extremamente ao Tatsuha.

– Não faço a mínima ideia. - dei de ombros.

Unicórnios eram seres constituídos de pura magia, representantes de tudo o que era bom neste mundo e que viviam em um plano paralelo ao nosso, um plano que era, aparentemente, inacessível para meros mortais, ou bruxos, ou demônios, ou o que fosse. Ter um na nossa sala não era algo que víamos todos os dias.

– Mas espero que esta seja a última surpresa do dia. - foi o que desejei veementemente, porque só de imaginar a confusão que daria se o submundo soubesse que estávamos de posse da Pedra Filosofal e de um unicórnio, não queria nem começar a pensar o caos que isso iria ocasionar.

– Olá? Alguém em casa? - uma voz chamou, parecendo ter vindo dos andares superiores.

– Você estava dizendo aniki? - Tatsuha debochou, afastando-se do unicórnio que soltou um resmungo por ter perdido os afagos, e foi em direção as escadas, sendo seguido por Mika e eu.

Tatsuha

Depois do unicórnio, eu não esperava mais nenhuma surpresa. Por isso que não fiquei chocado ao entrar no sótão e ver um grupo de leprechaus vasculhando o local como se a casa lhes pertencesse.

– Não acham um pouco cedo para visitas? - reclamei, cruzando os braços sobre o peito. Mika e eu ainda estávamos de pijamas e Eiri com uma cara cada vez mais fechada que indicava que ele ainda não tinha tomado o seu café, seu combustível diário.

– Para nós não. Ainda são oito da noite na Irlanda. - respondeu o leprechau mais à frente, o que eu supus ser o líder do grupo.

– Claro, Irlanda. - rolei os olhos. Agora além de demônios, eu tinha que lidar com seres mágicos sem noção de fuso horário mundial. O que mais me faltava acontecer?

– Somente a título de curiosidade. - Mika começou, fechando o pijama dela mais justo ao corpo quando percebeu que alguns dos pequeninos olhavam com interesse para o decote formado pela camisa por causa dos primeiros botões abertos, provavelmente os mesmos se soltaram durante o sono dela. - O que fazem aqui? Algum demônio está novamente atrás de vocês? - a nossa primeira experiência com leprechaus ocorreu quando um grupo nos procurou porque um demônio os estava caçando e roubando as suas moedas de ouro, aquelas que eles usavam para espalhar sorte aos seres que consideravam merecedores da mesma.

– Não. - o líder novamente falou. - Desde que os Encantados nos ajudaram, demônios agora não se atrevem a mexer conosco, receberam o recado. - ao menos isto. Adorava esses demônios sensatos que depois de nos enfrentar uma vez não queriam repetir a experiência desagradável.

– Nós viemos aqui... - um dos pequeninos perto do armário com alguns ingredientes de poções, e que avaliava sem nenhuma consideração algumas jarras, se intrometeu na conversa. - para oferecer os nossos presentes.

– Okay! - soltei em um tom mais alto do que o pretendido, mas é que toda esta situação estava começando a dar um nó na minha cabeça. - Podem começar a se explicar. Que história é essa de presentes? Presentes para quem? Meu aniversário já passou, se é isso o que estão pensando, e o daqueles dois – apontei para Mika e Eiri. - está longe de chegar. - silêncio tomou conta do sótão depois da minha breve explosão de mau humor.

– Oras, para o herdeiro é claro! - novamente o líder se explicou e os meus irmãos e eu nos entreolhamos, com a nossa atenção indo diretamente para a barriga de Mika que, com os olhos largos, repousou a mão sobre a mesma. - Não, não! Não para o herdeiro dos Encantados. - o baixinho rapidamente cortou pela raiz a euforia que estava surgindo no rosto da minha irmã. Não que ela estivesse tentando, ou estivesse planejando ter um bebê nos últimos tempos, mas do jeito que ela tinha o instinto maternal a flor da pele, coisa que podíamos ver pelo modo como ela tratava Eiri e a mim, não a culpava de ficar feliz diante da possibilidade.

– Então de quem? - boa pergunta aniki. De quem? Porque Mika era a única probabilidade aqui de dar continuação ao bom nome dos Uesugi.

– Ao herdeiro do Clã dos Dragões do Tempo. - o leprechau metido a fuxicar ingredientes alheios novamente entrou na conversa e enquanto os meus irmãos faziam expressões surpresas, a minha reação foi a de prender a respiração enquanto o meu coração parava no peito. - Nós ficamos surpresos também, tínhamos achado que o raça estava extinta, mas graças aos Antigos isto não aconteceu. - o sorriso no rosto dos leprechaus não se equiparava em nada com a fúria que eu estava sentindo aumentar pouco a pouco e parece que o líder percebeu isto ao olhar com as sobrancelhas franzidas para a minha cara.

– Bem irmãos, melhor deixarmos o nosso presente e partir. - ele declarou, fazendo surgir um pote de ouro e com uma reverência que quase fez os seus narizes tocarem no chão, eles desapareceram em um caminho de arco íris.

– Eu vou matar o Ryuichi. - soltei assim que o último leprechau sumiu, saindo do sótão feito um furacão para encontrar o telefone mais próximo, achando um em meu quarto.

– Tatsuha, vamos com calma... - Mika tentou argumentar. E por que diabos ela estava argumentando? Ela deveria estar do meu lado, ela era a minha irmã.

– Calma? - rosnei para ela, o que a fez recuar um passo alarmada quando o abajur na beirada da minha cama explodiu. - Aquele safado filho da mãe resolveu emprenhar uma vagabunda qualquer e você me pede calma? - gritei ao topo dos pulmões, digitando com ferocidade o número mais do que familiar.

Alguém iria morrer hoje e a tumba já tinha até nome.

Ryuichi

Alguma coisa com certeza está extremamente errada quando somos acordados ao raiar do dia por um telefonema do nosso amante aos gritos do outro lado da linha. O que, obviamente, aconteceu comigo.

O celular tocou e eu, ainda grogue de sono, tentei achá-lo na bagunça que estava o quarto do hotel onde estava hospedado. Acabei tropeçando nas botas que larguei a um canto na noite passada, cansado demais depois de um show eletrizante para me importar onde as estava colocando. No fim, quase caí de cara em cima da cadeira onde estavam as minhas calças e, consequentemente, o dito celular o qual atendi com um fraco “alô”.

– RYUICHI SAKUMA! - o grito ensurdecedor de Tatsuha do outro lado da linha ecoou nos meus ouvidos, fazendo-os zumbirem de modo desagradável. - EU QUERO O SEU TRASEIRO ESCAMOSO NA MINHA CASA AGORA! - foi tudo o que ele disse antes de desligar na minha cara, não me dando nem tempo de dizer um bom dia. Pisquei abobalhado para a tela do celular, tentando processar o que aconteceu mas não chegando a nenhuma conclusão.

Por fim, um pouco mais acordado depois de tal despertador, consegui me arrastar até o banheiro para lavar o rosto, escovar os dentes e fazer as necessidades matinais. Tomei um banho rápido e quando saí de sob o chuveiro, foi novamente para encontrar o meu celular tocando e vibrando enlouquecidamente sobre a cama.

– Alô?

– QUANDO EU DIGO AGORA, EU DIGO PRA ONTEM! - novamente o grito de Tatsuha fez os meus ouvidos, que estavam retornando ao normal, zumbirem e eu olhar feito um idiota para o celular quando ele desligou, de novo, na minha cara. A coisa deveria estar feia se ele nem ao menos me deixava dizer um ai. Resolvi que era bom acordar de vez e esquecer qualquer pensamento feliz sobre desfrutar de um bom desjejum.

Aos tropeços, me vesti e rolei os olhos quando vi o celular tocar de novo com a identificação de “Mansão Uesugi” na tela. Recolhi o mesmo e sem atendê-lo, bruxuleei para o sótão da mencionada casa, somente para ter que reagir rápido e sair do caminho de um aparelho de telefone voador que veio na direção da minha cabeça.

– Mas que diabos?! Tatsuha! - exclamei chocado ao ver o meu amante fumegando de ódio atrás do pódio do Livro das Sombras e prestes a arremessar algum item de decoração sobre mim, mas sendo parado pelos gestos rápido dos irmãos.

Mika tirou o vaso das mãos dele enquanto Eiri segurou Tatsuha fisicamente para impedir que ele viesse para cima de mim. Ele se debateu por alguns segundos nos braços do irmão e ergueu as mãos de maneira ameaçadora, o que me fez recuar um passo por precaução, mas tudo o que ele fez foi inspirar profundamente e pedir que Eiri o soltasse.

E relutante, Eiri o fez.

– Ryuichi. - o tom da voz de Tatsuha quando ele falou o meu nome estava longe de ser amigável ou amoroso e eu engoli em seco. - Sabia que há gansos no meu porão, um unicórnio na minha sala, uma pedra mágica na copa e olha só! - ele apontou para um caldeirão de estanho no centro do sótão e com várias moedas de ouro. - Ouro de leprechau no meu sótão? - abri a boca para responder alguma coisa, qualquer coisa, mas o olhar de alerta de Mika e a movimentação dos lábios de Eiri dizendo: “melhor ficar quieto e ouvir” me fez ficar calado. - E sabe o que é mais engraçado? Isso tudo são presentes.

– Presentes? - soltei bestamente, o que foi um erro, porque Tatsuha me olhou de uma maneira como se quisesse me extinguir dolorosamente naquele momento.

– Para o bebê. - continuou e o meu olhar foi automaticamente para Mika que encolheu os ombros e fez uma negativa com a cabeça. - O seu bebê. - e eu sei que depois de ouvir isto meus olhos ficaram largos, meu rosto pálido e o meu queixo caiu. Como assim o meu bebê? Que bebê?

– O... quê? - soltei em um tom esganiçado.

– Ryuichi Sakuma. - meu nome completo, saindo da boca de Tatsuha, nunca era boa coisa. - Por que a comunidade mágica acha que a linhagem dos Dragões do Tempo não está mais acabando? - disse em um tom adocicado, o que fez uma pedra de gelo de pavor descer pela minha espinha.

– Eu... não sei?

– Resposta errada. - ouvi Eiri murmurar.

– Não sabe? - outra pedra de gelo desceu pela minha espinha, fazendo par a primeira e aumentando o meu terror diante do tom de Tatsuha. - Você se atraca com uma vagabunda qualquer, a engravida, e tem a ousadia de dizer que NÃO SABE? - um vaso, os frascos vazios para colocar poções e ao menos um vitral de uma das janelas do sótão explodiram diante desta clara demonstração de fúria do meu, ao menos hoje, nada adorável namorado.

– Tatsuha, você não pode estar insinuando que eu...

– Eu estou!

– Está sendo ridículo! - agora eu estava me sentindo ofendido. Primeiro porque nem sabia direito o que estava acontecendo. E segundo que eu não sou nenhum infiel. Se alguém era para ser infiél, Tatsuha tinha mais chances já que o histórico dele de casos passageiros antes de nos conhecermos era maior do que o meu.

– Estou?

– Eu não te traí, eu não engravidei ninguém, e você sabe muito bem que apesar de ser uma dor de cabeça constante para a minha pobre pessoa, eu te amo e jamais faria isto com você! - me defendi, o que me fez ganhar um aceno positivo de cabeça de apreciação pela parte de Mika e um sorriso escarninho de Eiri.

Tatsuha somente permaneceu me olhando em silêncio depois do meu discurso, me avaliando intensamente, o que me deixou completamente desconfortável. Depois de minutos que pareceram horas sem ele dizer nada, o vi dar um passo em direção ao Livro das Sombras e começar a folheá-lo freneticamente.

– Tatsuha... - engoli em seco. Eu sei que ele estava fulo comigo, mas isso não queria dizer que ele precisava apelar para a magia.

– Não seja frouxo. - me cortou com uma mirada feroz. - Não vou te enfeitiçar ou algo parecido. - ele me conhecia bem.

– Então pretende fazer o quê? - Mika aproximou-se dele com uma expressão curiosa no rosto.

– Eu vou tirar isto a limpo e vai ser agora! Se Ryuichi clama que não emprenhou ninguém, o que ainda tenho as minhas dúvidas, então por que dos presentes? E se os leprechaus acham que a raça dele – nisto ele apontou para mim. - não está mais ameaçada de extinção, alguma razão deve haver.

– E pretende descobrir isto como? - Eiri começou, mas Tatsuha o interrompeu de pronto quando encontrou o que queria no livro.

Ouçam essas palavras... – ele começou a recitar. - ouçam o meu chamado, espíritos do outro lado. Venham a mim, os convoco neste momento, cruzem os portões do firmamento. – curioso, eu nunca tinha ouvido esse feitiço antes e fiquei surpreso que assim que terminou de entoá-lo, luzes douradas surgiram no centro do sótão, tomando a forma de uma pessoa. Uma pessoa que era bem familiar para mim.

Tatsuha

Bem, não era o que eu espera, mas acho que tinha que dar para o gasto. E pela cara de Ryuichi, creio que a pessoa na nossa frente era exatamente quem eu estava pensando se as fotos que já vi dela fossem alguma indicação. E ela estava, literalmente, igual as fotos. Alguns anos mais jovem, algumas roupas espalhafatosas e um sorriso enorme no rosto arredondado.

– Vovó. - Ryuichi ofegou, dando um passo na direção da mulher que sorriu mais ainda e tornou-se corporal, indo até ele e o abraçando fortemente.

Que ótimo, eu faço um feitiço para obter respostas, esperando que algum parente meu aparecesse, no mínimo a minha avó já que ela era alcoviteira o suficiente para saber o que estava acontecendo, e na verdade trago a avó alheia. Não estava fazendo isto em prol do Sakuma. Até onde me consta, ele ainda estava sob suspeita de adultério.

– Certo. - sai detrás do pódio do Livro, indo até a duplinha feliz e os separando. - Quando fiz o feitiço, não era bem isto o que eu tinha em mente. - a mulher somente sorriu complacente para mim.

– Você é mais bonito de perto do que observando do outro mundo. - ela me disse e eu franzi as sobrancelhas.

– Você fica observando do outro mundo? O que você é? Um fantasma bisbilhoteiro? - cutuquei e ela riu divertida, dando tapinhas afetuosos em minha bochecha.

– Ele é uma graça Ryuichi, o Destino escolheu bem. - o Destino estava prestes a levar um chute no traseiro se eu não obtivesse explicações neste exato momento.

– Er... Vovó, não o provoque. - Ryuichi alertou em um sussurro, com certeza vendo que a minha expressão não estava para brincadeirinhas.

– Verdade, não é muito bom estressá-lo. - ela disse isso em um tom como se estivesse comentando sobre o tempo, e não como se estivesse a um passo de morrer de novo pelas minhas mãos. - Mas então! Vocês são os famosos Encantados. - ela foi até Mika, abraçando com força a minha irmã que me lançou um olhar por cima do ombro da velha como se perguntasse: “quem é essa maluca?”. E quando a referida maluca a soltou, indo até Eiri na intenção de fazer a mesma coisa, ele somente rosnou para ela:

– Me abrace e com a mesma velocidade que Tatsuha te convocou eu a mando de volta... Para os quintos dos infernos. - ela somente piscou e depois gargalhou divertida, retornando ao centro do sótão. Agora sim eu entendia porque Ryuichi era do jeito que era. Era mal de família.

– Mas e então? Por que fui chamada aqui? - silêncio opressor, com todos se entreolhando e no fim todos os olhares caindo sobre mim.

– Sra. Sakuma...

– Por favor, me chame de Ryoko.

– Sra. Sakuma. - insisti, só pra contrariar, pois não estava com humor para ser agradável hoje. - Será que a senhora poderia nos explicar por que a comunidade mágica acha que o clã dos Dragões do Tempo não está mais ameaçado de extinção? - ela piscou por alguns segundos e no fim deu de ombros.

– Eu não sei. - respondeu, coçando a orelha nervosamente, e eu dei um meio sorriso de deboche para ela.

– Senhora, eu não a conheço, nunca a conheci, mas não preciso conhecê-la para saber que está mentindo descaradamente.

– Não estou não.

– Você coçou a orelha, Ryuichi faz a mesma coisa quando mente para mim.

– Faço nada! - ouvi o próprio se defender.

– Então... Começaremos a ter respostas ou eu vou ter que partir para a grosseria? - ergui as mãos em ameaça e ela recuou um passo enquanto Ryuichi gritava horrorizado:

– Tatsuha, não ameace a minha avó!

– Certo, certo. Nossa, os hormônios já estão a toda, hum? - comentou e Mika deu um passo à frente, a interrompendo.

– Com licença. Mas que hormônios? - a pergunta era a mesma que eu iria fazer.

– Os hormônios da gravidez. - a resposta dela foi dada naquele mesmo tom de quem estava comentando sobre o tempo, de novo, e eu pisquei abobalhado diante do que ouvi. Gravidez? Que gravidez? Gravidez de quem? - Ryuichi querido, foi algo decidido por consenso geral do Conselho dos Dragões que o nosso clã é de suma importância e portanto não podíamos permitir que o mesmo terminasse com você. E como o Destino escolheu para seu parceiro o adorável Tatsuha, usando alguns conhecimentos de magia antiga resolvemos alterar este fato ao nosso favor.

– Espera um momento. - em algum lugar distante do nevoeiro que estava tomando conta do meu cérebro diante desta implicação, ainda pude ouvir Eiri falar. - Eu entendi bem? Vocês alteraram uma regra milenar da natureza e concederam...

– Isso mesmo. - dentro da névoa também pude ver Ryoko dar um enorme sorriso que eu quis arrancar da cara dela a bofetadas.

– Vovó, a senhora não está querendo dizer...?

– Sim, por que não? E óbvio que a comunidade mágica pressentiu o surgimento desse novo poder, por isso dos presentes.

– Vovó! E quanto a nós? Por que ninguém nos consultou?

– Porque se fizéssemos isto a resposta seria não?

– Claro que seria não! - explodi quando finalmente dois mais dois somaram quatro na minha mente e tudo o que eles estavam implicando foi assimilado pela minha pessoa. - Isto é anormal, é bizarro, é uma aberração! - Ryoko me mirou com ódio.

– É uma criança!

– Uma criança? Seria uma criança se estivesse, por exemplo, dentro da Mika. Não... Oh deus... - senti o meu mundo rodar e pontos negros surgirem na frente dos meus olhos. Gritos chamando o meu nome chegaram aos meus ouvidos, assim como senti mãos me segurando e me ajudando a sentar vagarosamente no chão. - Não toque em mim! - rosnei para Ryuichi, um dos que me ajudou, arrancando a minha mão de entre as dele.

– Tatsuha?

– Por sua causa eu virei uma aberração! Então não ouse tocar mais em mim. Aliás, seria bom se você sumisse por uns tempos, começando por agora. - o mirei com ódio, mágoa e outros sentimentos que estavam embolando dentro do meu coração.

Não era isso o que eu queria, não era isso o que planejei para a minha vida. Óbvio que eu queria constituir família com Ryuichi, mas não desta maneira anormal. Claro que eu ficava deprimido em saber que a raça dele terminaria com ele, mas não era motivo para fazerem essa sacanagem comigo. Eu era um homem. Homens não foram criados para isto e jamais seriam. E a controvérsia que isto daria quando pessoas normais, não mágicas, descobrissem? Como iríamos explicar a existência de uma criança que era uma mistura genética minha e do Ryuichi para os de fora do nosso mundo? O Conselho pensou nisso? Claro que não!

– Tatsuha... - ele ainda tentou, mas eu não tinha coragem de olhar na cara dele, mesmo que no fundo algo me dissesse que a culpa não era inteiramente dele. Mas não me importava, o que me importava agora era que eu queria, e muito, me esconder na minha cama, dormir e esperar acordar mais tarde deste pesadelo.

– Vá querido. - ainda ouvi Ryoko dizer. - O tempo sempre cura as coisas. - mentira. O tempo não curaria isto, apenas pioraria. Vi de rabo de olho Ryuchi bruxulear para fora do sótão e Ryoko ajoelhar-se na minha frente. - Você precisa entender Tatsuha, o que você está recebendo é uma dádiva, não uma maldição. Por isso dos presentes.

– Não está parecendo isto do meu ponto de vista.

– Agora, agora não parece. Mas com o tempo você vai entender. - e com isto ela desapareceu em luzes douradas, me deixando com os meus irmãos. Mika sentou-se ao meu lado, enquanto Eiri, que tinha me ajudado mais cedo, envolveu o seu braço sobre os meus ombros.

– Você quer que eu azare ele? - sugeriu, obviamente referindo-se ao Ryuichi, e eu soltei um sorriso fraco.

– Ainda não.

– Okay.

– Tatsuha... - Mika também me abraçou. - Não se preocupe irmãozinho, estamos aqui. Sempre estaremos aqui. - assenti com a cabeça, porque eu não tinha palavras, já que as mesmas estavam entaladas em minha garganta. E me encolhendo contra o corpo deles só consegui fazer uma coisa naquele momento: chorar.


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