Não Chore Esta Noite escrita por AnaMM


Capítulo 41
A Verdadeira Lia


Notas iniciais do capítulo

Trilha sonora clássica
https://www.youtube.com/watch?v=5ejLWCE_esg
Lanterna dos Afogados, não poderia ser outra.



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– Onde é que você estava com a cabeça, meu filho? – Alice cobrou.

– Eu tenho um palpite... – Mario comentou sugestivamente, tão logo viu a roqueira entrar.

Lia em nenhum momento quisera atrapalhar o momento de Dinho com seus pais. Na verdade, estava adorando vê-lo levar sermão de Mario e de Alice. Quando chegara à porta, o garoto parecia já estar com os pais há bastante tempo ou, pelo menos, era o que sua expressão inquieta sugeria. Provavelmente já havia passado pela parte em que os pais o abordaram preocupados, provavelmente já havia sido mimado o suficiente por uma mãe desesperada e um pai aliviado, e agora lhe restara levar a culpa.

– Desculpa, eu não queria interromper. – Comentou sem jeito.

Havia se mantido em silêncio do lado de fora do quarto até o momento. Pelo visto, não era de todo discreta. Entrou. Não tinha mais desculpa para não fazê-lo, já havia sido flagrada em seu suposto ponto cego.

– Você de novo? – Alice cobrou cética. – Eu devia ter adivinhado...

Lia deu de ombros. De fato, não tinha o que responder.

– Pelo visto alguém bateu a cabeça em algum momento entre ontem e hoje... Ou foi só a febre? A Lia que eu conheço não viria me visitar nem amarrada.

– Engraçadinho. – Respondeu sarcástica. – Como é que tá a perna? – Mudou o tom subitamente para um mais amigável.

Alice e Mario observaram a troca confusos. Por mais que Dinho parecesse estar implicando com Lia, não se lembravam de tê-lo visto sorrir de tal maneira na presença da namorada, nem de seus olhos terem brilhado tanto. Viram-na se aproximar hesitante conforme respondia às provocações, até que chegasse perto o suficiente para que Dinho lhe segurasse a mão. O gesto os deixou em alerta. Os adultos se entreolharam. Definitivamente havia algo ali. O rosto de Lia se voltou para eles brevemente, parcialmente corado. Sua expressão era um misto de preocupação e de vergonha. Virou as costas para eles tão rápido quanto o contrário. Dinho a havia puxado para encará-lo novamente.

– Ei, Marrentinha, - Tentou chamar sua atenção. – você veio pra me visitar, e não os meus pais.

– Dinho... – A garota o repreendeu. Fez o possível para que Adriano a entendesse sem que precisasse pronunciar o que estava pensando.

– Que foi? – O garoto perguntou com a voz tão baixa quanto pôde.

– O que eles vão pensar? – Sussurrou irritada.

– Lia, você veio me visitar, isso me importa muito mais do que o que os meus pais vão pensar da gente! – Murmurou de volta. Revirou os olhos ao ver a expressão da roqueira. – Tudo bem, tudo bem. Pai, mãe, - Anunciou com a voz agora audível. – eu sei que vocês devem estar pensando que a Lia, aqui, só me mete em confusão, mas ela salvou a minha vida. Sério, sem exagero.

A roqueira o observou confusa, como se só então lhe caísse a ficha. Estivera se sentindo tão culpada desde a discussão com Juliana que não se havia dado conta do quão grave tinha sido o que passaram na mata. Alice e Mario a encararam surpresos. Pareciam buscar palavras para se desculpar. Os dedos de Dinho ainda tocavam os seus, mas Alice parecia não vê-la mais como alguma espécie de amante de seu filho, por mais antiquada que fosse a palavra para se usar em referência a dois adolescentes de dezesseis anos.

– Mil perdões, Lia, eu pensei que vocês estavam... Sabe como são vocês, adolescentes, hoje em dia... Eu pensei que ele já estivesse traindo a namorada...

A roqueira sentiu a mão de Adriano tencionar-se ao redor da sua, e sua própria garganta se secar em culpa. Precisava articular uma resposta antes que sua reação se fizesse notar.

– A Ju é minha amiga, Alice. Eu e o Dinho, a gente é só amigo. – Enfatizou a frase ao encará-lo.

– Bom, nesse caso, a gente vai deixar vocês a sós. Daqui a pouco nós voltamos, Dinho.

– Comportem-se! – Mario se pronunciou, deixando a dupla ainda mais sem jeito.

Alice encarou o marido tão logo a porta se fechara.

– Essa encrenqueira não me desce... Essa história de ser amiga da Ju, de só estar preocupada com o Dinho...

– Alice, você ouviu o nosso filho, a menina salvou a vida dele!

– E precisava olhar pra ela daquele jeito?

– Bom, é... Ela salvou a vida dele!

– E segurar a mão dela e sorrir daquele jeito?

– Você ouviu o que eu disse? Ele não estaria aqui se não fosse por ela!

– Pois bem. E o que ela estava fazendo com ele? Essa parte ninguém nos explicou!

– O Dinho comentou que era uma atividade em dupla, lembra? Daí se perderam, e o resto você já sabe.

– Será, Mario? Algo me diz que tem mais coisa nessa história! O Dinho sempre gostou de acampar, de fazer trilha... Se tem uma coisa que ele entende é de mata! E agora você quer que eu acredite que esses dois simplesmente se perderam?

– Se me permite interromper, Alice, eles se perderam porque começaram a discutir sobre a trilha.

– Doutor Lorenzo?! – Reagiu surpresa. Quanto teria escutado o médico? Estivera maldizendo sua filha alguns minutos antes!

– Está tudo bem com o Dinho? – Lorenzo pareceu ignorar o susto da mãe de seu paciente. – Vocês têm alguma pergunta?

– É... Na verdade, sim. – Mario se adiantou. – Quando a gente pode levá-lo para casa?

– Em breve. Hoje, ainda não.

– A Lia saiu rápido, não? – Alice comentou distraída.

– A Lia não fraturou a perna, felizmente.

Percebeu Mario a repreendê-la. Tentou controlar a vontade de fazer mais perguntas. De fato, não seria a melhor ideia questionar o médico que estava cuidando de Adriano com tão boa vontade acerca da índole de sua filha.

–x-

– Eu tenho quase certeza que a Alice desconfia da gente.

– Desde quando você se preocupa com o que a minha mãe pensa de você? – Dinho questionou esperançoso.

– Desde que ela virou a sogra da minha melhor amiga, que já desconfia o suficiente de mim. – Disparou em resposta.

– Lia, relaxa, tá? Não vai acontecer nada. O que aconteceu na mata, fica na mata. Melhor pra você?

– Mata? Que mata? – Brincou, ainda que se sentisse culpada.

– Assim é melhor. - Sorriu, voltando a acariciar a mão da roqueira que ainda pousava entre as suas.

– Bom, pelo visto você já está bem. – Concluiu ao se desvencilhar das mãos de Dinho. Levantou-se para deixar o quarto antes que o garoto pudesse protestar. Tinha mais com o que se preocupar.

Pegou o primeiro táxi em direção ao aeroporto. Se seu relógio estava certo, chegaria junto com o desembarque de Raquel. Não queria encontrá-la, nem tampouco fazê-la notar sua presença. Desejava apenas ver que sua irmã não havia sonhado em vão. E repetiria para si até que chegasse: sua preocupação era com Tatá, apenas com Tatá.

Postou-se atrás de um pilar, de onde podia observar a irmã com a avó. A princípio, apenas um ponto cego onde não poderia ser vista. A princípio. Não percebera seu cansaço até se apoiar contra a pedra polida da construção. A superfície gélida pareceu despertá-la do transe. A chuva forte, o barranco, Dinho gritando por ajuda, seu desespero em buscar a força que não tinha para puxá-lo. Lama, beijos, gemidos, febre, frio. O calor de estar com ele. Traíra sua melhor amiga. Juliana a odiava, com razão. O tapa ainda latejava em seu rosto, tão duro quanto a pedra sobre a qual se apoiava. E agora sua irmãzinha também chorava. Os portões se fechavam, nada de Raquel. A roqueira não sabia mais se chorava pelas lembranças, se pela irmã ou se pela ausência... Não, pela ausência, não. Sabia que Raquel não apareceria. Já nada que viesse de sua mãe pródiga a feria mais. Não podia fazer nada por Juliana, não naquele momento, mas podia fazer por Tatá o que fizera por Dinho. Mais do que justo. Correu até a irmã, temerosa de que seus passos não lhe levassem colo a tempo. A menina a abraçou com força, encharcando o ombro de seu casaco com as lágrimas de tão poucos anos. Paulina encarou a neta mais velha, preocupada. Lia fez sinal para que seguissem adiante.

– Vamos pra casa? – Insistiu.

– Certo. – Paulina respondeu impotente.

O caminho fora silencioso. Paulina deveria haver previsto o que se sucederia. A porta do apartamento foi aberta de forma inadvertidamente simbólica. Com o ar de fora e as três moradoras, vieram os gritos. Para sua surpresa, os gritos da mais velha. Como um furacão, Lia Martins passou por cada detalhe da decoração festiva que a caçula havia preparado para a mãe. Mesclavam-se os sons de urros de raiva e de papel rasgado. Por um instante, Paulina desejou que sua antiga nora jamais retornasse, para o seu próprio bem. Não poderia prever o que a neta seria capaz de fazer contra a própria mãe. Lia abraçou com força a mais nova, que ainda protestava contra a destruição de sua decoração de boas-vindas. Notou que a roqueira chorava junto com Tatá. Se não houvesse sido avisada pelo filho acerca do acidente de Lia, perguntar-se-ia se a neta não houvera voltado para receber a mãe. Algo ainda devia sentir por Raquel. Caso contrário, o quadro da mais velha era ainda mais perturbador. Perguntava-se por quanto tempo mais a adolescente poderia guardar tudo aquilo que agora demonstrava sentir. Algum dia explodiria, e previa que esse dia ainda não havia chegado. Era apenas uma amostra. Soube assim que viu a garota sair porta afora, subitamente. Não havia se rendido. Era apenas o começo. O resto estava guardado para o dia em que Raquel realmente aparecesse. Silenciosamente, Paulina rezava para que a nora jamais aparecesse.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, muito mais por vir. Atenção ao capítulo, há uma pista acerca de algo que ainda vai acontecer. Falta, mas foi programado desde o começo e mal posso esperar para que chegue nisso, então despejo algumas pistas. Comentários aqui em baixo, são sempre um prazer de ler, então sintam-se à vontade para xingar, elogiar, reclamar, sugerir... Bjos