Forever & Ever escrita por soulsbee


Capítulo 7
Inesperado


Notas iniciais do capítulo

"O amor passa, a amizade volta, mesmo depois de ter adormecido um certo tempo." George Sand



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Um forte temporal atingiu a cidade durante a noite apavorando todos os moradores. O vento era tão forte que fez todos os galhos de uma arvore bater nas janelas de casa, juro que pensei que uma delas havia sido quebrada. O barulho era terrivelmente assustador e ensurdecedor, não demorou muito para cair toda a energia do bairro deixando-nos em total escuridão. Os raios violentos que caiam era a nossa única fonte de energia, clareando a região por milésimos de segundos.

Mesmo tendo vivenciado tantos temporais quanto esse que, além de ter acabado com a energia da região inteira, trazia grandes pedras de granizo causando um grande estrago nas propriedades e até mesmo nos veículos, não estava acostumada. Sentia medo e um pouco insegura, pois sempre que isso acontecia, alguma alucinação maluca vinha em seguida.

Por um longo momento, permaneci trancada em meu quarto, evitando qualquer necessidade de sair dali, entretanto, estava tão escuro que tinha medo do que poderia surgir ali. Afinal, não tinha medo do escuro, mas sim dos monstros que ali se escondem.

Claro que, de acordo com os filmes e essa baboseira toda de Hollywood, as aparições sobrenaturais sempre começam no porão, fazendo uma barulheira desgraçada, atraindo a vitima para sua armadilha mortal – não que eu nunca tenha ido ao porão quando isso acontecia, mas não é aonde quero chegar-. Não existe lugar especifico para vê-los, não quando se trata de mim, porque eles sempre apareciam aleatoriamente em lugares inusitados.

Eu vivia a base de fortes medicamentos contra minha paranoia que meus pais enviavam do laboratório em que trabalhavam, um lugar bem longe daqui. Na verdade, estava acostumada a viver sozinha, sem a presença dos meus familiares, mas nunca foi assim.

Quando eu era criança, passava as férias na casa da minha avó. Eu adorava estar ao lado dela, mas tinha medo de dormir lá, pois sempre via um monstro horrendo, negro e de olhos vermelhos escondido do outro lado do quarto. Isso facilitava a vida dos meus pais que poderiam passar o mês inteiro em Dakota do Norte, focados em seu trabalho sufocante. Porém, quando voltava, eles revezavam entre si. Durante uma semana inteira minha mãe ficava lá e depois trocava com o meu pai. Foi assim que vivi por muito tempo até fazer 14 anos e ser totalmente largada dentro de casa como uma adulta.

Mas, não me importava, na realidade, até gostava. Qualquer adolescente que tivesse uma casa enorme somente para ele e pudesse ir para onde quer que fosse sem dar satisfação aos pais, ficaria completamente feliz e me chamaria de pessoa mais sortuda do mundo, mas não era assim. Eu não saia muito e obviamente não chamava ninguém para casa.

Desenvolvi mais laços de família com os pais de Robert que até hoje me chamam para passar alguns dias em sua casa. De vez em quando eu vou para lá e me divirto, almoçamos reunidos, vemos televisão juntos e, todas as sexta feiras à noite, quando estou com eles, jogamos pôquer. Eles acabaram se tornando minha segunda família e era maravilhoso estar ao lado deles, porém, depois daquele incidente na mata... Muita coisa também mudou.

Meus pais passaram longos dois meses ao meu lado, antes de resolverem me colocar em uma clinica psiquiátrica, para um tratamento intensivo contra minhas incessáveis paranoias. Lá, permaneci por mais dois ou três meses inteiros, até voltar para casa sabendo que não poderia mais voltar para a escola sem me lembrar do acidente e ver meus antigos amigos me acusando e falando que eu não merecia ter sido a única sobrevivente.

Enquanto permaneci internada, Robert e sua mãe Luce iam me visitar com comidas maravilhosas que me ajudaram a sobreviver aquele inferno. Ela, no final das contas, cuidava de mim, mesmo sem meus pais terem pedido – no inico, porque, mais tarde, pediram a ela para que ficasse de olho em mim e que os alertasse caso algo ruim ou estranho acontecesse comigo.

Ela nunca deixou de ser gentil comigo, mas quando sai daquele inferno, acabei me isolando ainda mais. Já era difícil lembrar de tudo o que aconteceu, todas as noites e agora tinha também as lembranças daquele lugar frio e morto – quase 600 km longe de casa -, repleto de malucos incuráveis.

De quatro vezes por mês que ia à casa de Robert, reduzi para três, depois para duas até que comecei a ir uma vez a cada trimestre e passava menos tempo do que costumava. Mas, mesmo tendo me afastado, Luce passava em casa e deixava um pouco da sua comida maravilhosa ou pedia para seu filho ver como eu estava.

Depois de tanto tentar me distrair, desisti e dei inicio a uma caminhada defensiva, do meu quarto até a cozinha, fitando todas as direções apreensiva. Mesmo estando em um total breu, meus olhos ajustaram-se com a escuridão, ajudando-me há enxergar um pouco o caminho.

Abri todas as gavetas da cozinha no que pareceu durar uma eternidade, encontrando uma pequena caixinha com três fósforos úmidos dentro, porém, nenhuma vela.

Sentei na pequena ilha de mármore no centro da cozinha, desviando a cabeça de algumas panelas inox penduradas acima de mim, esticando meu corpo para trás, fitando o cômodo imerso em um completo breu apavorante.

Tentei ignorar as imagens que minha própria mente formava, parecendo formar perfeitamente os contornos de todos os vultos que já vi em toda a minha vida.

Atordoada e decidida que aquilo só pioraria as situações, reuni coragem e forças o suficiente para descer no porão sombrio e encontrar algum pedaço de vela que fosse dentro da caixa de ferramentas do meu pai.

Em curtos e rápidos passos, aproximei-me da porta recentemente pintada de branco, cobrindo a cor horrenda do mogno envelhecido e rachado em pequenas fendas espalhadas por todos os cantos, aumentando ainda mais a sensação de que não deveria nunca chegar perto dali.

Ao abrir a porta, senti uma escuridão ainda mais forte e sombria envolver meu corpo, levando-me para um abismo sem fim temendo qualquer coisa que pudesse sair das trevas para me agarrar. Meus olhos se ajustaram ainda mais ali, vendo apenas o vulto dos objetos que foram despejados e esquecidos lá embaixo.

Desci cautelosamente alguns degraus daquela pequena escada de madeira meio apodrecida, ouvindo-a ranger enlouquecidamente sob os meus pés, como se fossem se partir ao meio no menor descuido.

Duas paredes gélidas e tão rachadas quanto à antiga porta, pareciam pressionar meu corpo, espremendo-me para baixo com repulsa ao sentir pedaços do papel de parede colar nas palmas de minhas mãos misturadas com teias de aranha.

Logo toquei em um solo menos frágil, entretanto, que rangia tanto quanto o anterior, parecendo ser mais alto que os trovões que caiam lá fora, as únicas fontes de iluminação que a cidade possuía nessa noite.

Convicta e completamente certa do que estava fazendo, tateei o ar até encontrar a grande bancada de trabalho do meu pai, encostando apenas as pontas dos dedos por cima dos objetos que existiam ali.

Precisava ser cautelosa, pois tinha certeza que havia alguma cerra muito afiada por ali, capaz de decepar minha mão por inteiro, entretanto, tinha plena certeza de que em sua caixa de ferramentas encontraria um pedaço de vela, uma vez que ele sempre armazenava uma para emergências.

Apoiei-me na quina da bancada de madeira maciça, agachando em um pequeno espaço abaixo dela, tateando o local até bater a mão em uma caixa de metal fria como um cubo de gelo, recuando ao primeiro toque e puxando-a no segundo.

Ajoelhei-me ao seu lado, enxergando apenas o vulto daquele objeto retangular, fazendo um pouco de força para puxar as duas alças enferrujadas e amaçadas em seu topo, prendendo meus dedos entre a haste e a tampa de alumínio altamente cortante.

– Desgraçada! – Resmunguei apertando minhas mãos com força o suficiente para tentar afastar a dor dilacerante que se formava na região.

Podia sentir algumas gotas de sangue se formar nas pontas dos meus dedos e escorrerem na palma da minha mão direita em um alto fluxo, alcançando meus pulsos segundos depois.

Pressionei minha mão ferida contra minha barriga, sentindo o tecido cinza de moletom da minha camisa grudar nos cortes, procurando a vela com a outra sujando-a de graxa de algumas chaves de catracas e outras ferramentas aleatórias, encontrando o tão desejado toco de cera em um cantinho bem escondido.

– Vem aqui... – Murmurei esgueirando meus dedos pelas ferramentas pesadas, puxando a vela para fora. – Finalmente! – Resmunguei me levantando, empurrando a caixa de volta para o lugar que havia tirado.

Lancei um ultimo olhar para aquela escuridão, guardando na memoria os vultos dos moveis antigos da casa. Alguns sofás cobertos, escrivaninhas e um armário velho estavam amontoados no canto mais afastado dali, jogados de qualquer jeito, um sobre o outro apenas para abrir um pequeno e livre espaço para a bancada.

Encostei parte do meu peso em uma das paredes na hora de subir alguns degraus da escada, cuidadosamente, ouvindo o mesmo barulho infernal do estalar de madeiras, porém, um deles excedeu como se houvesse rachado por completo e não demorou para que meu corpo fosse girasse violentamente para trás, caindo contra o chão rustico e empoeirado daquele porão horripilante.

Por alguns segundos, fiquei deitada com as costas contra o piso de madeira, de olhos fechados, sentindo uma dor dilacerante em minhas costelas e em meu cotovelo retirando todo o meu folego em uma respiração falha e irregular.

Sentei-me no chão, dobrando o braço a minha frente, notando a mão sangrar ainda mais do que o devido e com algumas farpas profundas cravadas em minha pele.

O ar abafado e úmido do porão foi substituído por uma densa nevoa, tornando impossível respirar, entrando em minhas vias nasais de uma maneira tão avassaladora que poderia jurar estar sendo partida ao meio. Meus pulmões queimaram como se eu estivesse no auge de um incêndio.

Minha visão estava se tornando turva, impossibilitando-me até mesmo de ver os vultos ao meu redor, entretanto, no pequeno campo periférico, um rosto branco e deformado de pequenos olhos vermelhos feitos de vidro era tudo o que conseguia ver.

– Está na hora de acordar e ver o mundo como ele realmente é... – Sua voz saiu áspera em uma frase frívola capaz de fazer meu coração palpitar tão forte a ponto de me fazer acreditar que ele romperia meu peito para sair de mim.

Em questão de segundos, meu rosto foi pressionado contra o chão por uma força sobre-humana que retirou todos os meus movimentos, impossibilitando-me de mandar qualquer sinal que fosse para meus membros. Eles não reagiam mais e meus olhos ficaram cada vez mais pesados, sendo impossível mantê-los abertos, até todas as minhas forças cessarem e eu me render àquela escuridão que tomou conta de todo o meu ser, algo que no final, não durou tanto quanto o imaginado.

–Ah, meu Deus, ela está acordando! – Uma voz totalmente diferente da anterior tomou conta do pesadelo que me cercava.

Foi então que senti novamente o sangue circular pelos meus membros que formigavam impiedosamente, como se estivesse recebendo uma forte descarga elétrica, a ponto de me fazer enlouquecer e desejar arranca-los de mim na tentativa de fazer isso parar.

Abri meus olhos em um sobressalto, ficando cega imediatamente pela luz branca que inundou até mesmo a minha alma, removendo os últimos vestígios daquele breu que pareceu ser meu fim.

– Hayley! – Senti um forte abraço envolver meu corpo, deixando um gemido escapar de minha garganta em resposta ao toque tão pesado que apenas intensificou o formigamento que sentia.

Mesmo sentindo meus membros, meus movimentos eram limitados, como se não houvesse forças o suficiente para mover um centímetro sequer. Meus olhos, entretanto, aos poucos se adaptaram a nova iluminação, revelando o corpo formado de um homem maduro.

Imediatamente julguei ser meu pai, porém, parando para observa-lo mais, ainda me abraçando, notei diversos fios grisalhos em meio aos cabelos negros e sedosos do homem, algo que fugia totalmente dos padrões de meu pai.

Ele se afastou de mim, segurando meus ombros, fitando-me intensamente no fundo dos olhos.

– Q-que-quem é... – Forcei-me ao máximo para tentar pronunciar com perfeição a frase, porém, minha voz pareceu cortar minha garganta ao sair, como se estivesse aprisionada há muito tempo.

– Robert... – Ele franziu a testa exibindo fortes rugas de expressão - Não se lembra mais de mim? – Indagou com um leve sorriso no canto dos lábios, junto de uma barba mal feita.

– Amor, vai com calma, ela ficou muito tempo em coma. – Outra voz suave e doce como uma melodia veio de uma mulher de longos cabelos loiros e magra com uma pele muito branca.

Ela ostentava uma maquiagem sutil no rosto, destacando seus olhos azuis cor do céu e lábios vermelhos naturais, junto de um blush rosado que dava cor a sua pele pálida.

– Essa é a minha mulher – O suposto Robert disse ao ver que eu estava olhando para ela. – Pensei que você nunca mais iria acordar... – Suspirou como se lembrasse de algo horrível que acontecera há algum tempo.

“Como assim?” Indaguei em meu mais profundo pensamento, arregalando os olhos, colocando minha mão em minha nuca, contendo a dor insuportável que estava prestes a tomar conta da minha cabeça.

Eu me encontrava em um quarto branco, com uma longa cortina marrom na parede a minha esquerda, cobrindo uma larga janela com meia folha aberta, um ar condicionado no topo da parede a minha frente e uma televisão pequena de plasma, preta, sob uma pequena estante logo a frente da minha cama, enquanto milhares de maquinas me cercavam onde um emaranhado de fios saia dali seguindo em direção aos meus braços.

– Em que ano... Estamos? – Indaguei com dificuldades devido ao inalador colado em meu nariz, exalando um ar pesado que estava me deixando nauseada.

– Estamos em 2038... – Suspirou profundamente com medo da minha reação – Você ficou muito tempo inconsciente desde o acidente no acampamento... – Completou pacientemente.

Não exibi a menor reação, imersa em um choque do qual não sairia tão cedo.

Mesmo com a memoria fraca e a mente perturbada, ontem – ou o que julgava ser ontem – estava em minha casa, acho que em meio a um temporal horrível, quando uma queda pareceu me deixar inconsciente e agora eu acordava nisso...?

Será que tudo aquilo foram fracas lembranças de outros momentos da minha vida antes do acampamento? Será que tudo foi uma mentira...?

Está na hora de acordar e ver o mundo como ele realmente é...” Aquela frase nunca soou tão fria quanto agora, mas foi à única coisa que teve pleno sentido naqueles últimos meses... Então, era verdade?


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