Escolhas nunca foram fáceis, mesmo na balança com um lado vencendo, era quase impossível se decidir. Parte de si deseja algo enquanto outra trava uma constante batalha para cogitar a outra possibilidade. Escolhas... Quem disse que elas durariam para sempre?

Minha escolha era mais do que apenas vida ou morte, paz ou alucinação. Minha mãe havia morrido, meu pai estava inconsciente e, talvez, quem sabe ele acordaria? Decidir desistir de viver e ficar com eles para sempre, se é que existe vida após a morte, e Jared prevalecia sobre todas as outras.

Não existiria mais dor, bem ou mal, perdas e mortes... Só uma paz sem fim.

Porém, minha historia na terra ainda não havia terminado e, por mais que odiasse, precisava seguir em frente e concluir a missão que só eu era capaz de cumprir, de acordo com Maddox. Mas, acima de tudo, a vida significa estar com Robert...

Em uma determinada época da minha vida, minha amizade longa e duradoura com ele foi confundida com algo maior, um amor que parecia aflorar dentro de mim. Ciúmes, raiva de vê-lo com Violet ou qualquer outra garota... Entretanto, o tempo longe me fez perceber que não o amava como um amante e meu ciúmes não era porque eu não o teria, mas sim o medo dele se afastar de mim e eu não ter mais ninguém.

Minha mãe nunca quis um filho, isso foi obvio quando Violet foi largada em um orfanato. Anos mais tarde eu apareci em um imprevisto, à pílula falhou e aqui estava eu. Ela nunca abriria mão de sua carreira por alguém... Então, desde criança, a presença dos meus pais era um milagre e eu só os via nas férias e feriados prolongados.

De braços abertos, a família de Robert me acolheu e eu não dependia mais das babás. Praticamente fui adotada por eles, mas ainda morava em casa. Luce cuidava de mim o máximo que podia, mesmo não tendo obrigação, eu havia me tornado a irmã de seu filho.

Minha escolha era entre ser egoísta e fugir dos meus problemas ou ficar e encara-los. Era partir o coração de alguém que estava vivo para ficar com um com quem já vivi bons momentos.

– Desculpe Jared... – Sussurrei a centímetros de seu rosto, depositando um breve beijo em seus lábios úmidos. – Essa ainda não é a hora... – Completei fitando seus olhos esverdeados misteriosos, com um brilho novo.

Transformei-me em um espectro vazio e oco, sendo puxado violentamente contra o corpo atirado no asfalto. Transpassei a carne morta como uma faca, preenchendo o vazio da alma com minha energia em segundos.

Toda a sensação de liberdade foi substituída por um pesar enorme. Era como voltar a ser trancafiada em uma prisão da qual não poderia sair tão cedo. As paredes pareceram se fechar contra mim, esmagando meu crânio em uma dor sem igual.

Todos os meus pensamentos, todas as minhas lembranças começaram a se confundir ao se misturarem uma com a outra. As dores do meu corpo foram transmitidas a minha alma e eu parecia estar morrendo de novo.

– Mais alguns quilômetros e estaremos em casa – Meu pai, Connor, suspirou profundamente, exausto daquela viagem.

Uma rápida imagem da chuva do lado de fora da janela daquele carro confortável parecia me levar para outra dimensão, deixando de lado todas as novas descobertas a respeito de quem eu era.

­– Hayley, você foi à assassina de todos! – Robert sussurrou em meu ouvido ao injetar mais uma agulha, com medicamentos pesado, em minha veia.

A lembrança daquele pesadelo com Robert se sobrepôs a ideia anterior e era assim que estava sendo. Sempre que me lembrava de algo dentro do carro, recordava-me de um momento dentro da clinica.

Algumas pessoas diziam que dores intensas eram capazes de levar nossa mente para outro lugar, para um lugar melhor onde não houvesse tanto sofrimento, porém, se aquele hospício era meu refugio mais seguro com meu melhor amigo me torturando, não sabia qual seria o meu pior pesadelo.

Meu corpo estava retesado, inerte contra o asfalto gélido. Não sentia minhas pernas e meu braço doía bastante, como no dia que cai das escadas do porão, porém, mais tolerável.

Forcei meus lábios a se mexerem, mas era como se uma tonelada estivesse sobre mim, impossibilitando o menor movimento que fosse. Eu estava totalmente consciente e podia ver Robert fazendo a massagem cardíaca em meu peito ainda, podia ver a chuva molhar seus cabelos e me banhar, mesmo de olhos fechados. Estava dentro e, ao mesmo tempo, fora de meu corpo.

Estava prestes a entrar em pânico, apavorada com as paredes de meu interior se fechando ainda mais e espremendo minha alma em uma dor dilacerante e com a sensação de estar acordada e estar se mexendo sem movimentar um musculo sequer.

Antes de ter a chance de reagir, cai em total inconsciência e tudo sumiu. Mais uma vez.

– Você fez a escolha certa... – Uma voz familiar soou reconfortante no interior da minha mente. – Porém saiba, sua escolha acarretou em uma mudança na maneira como o universo funciona – Prosseguiu em um tom serio, porém explicativo.

Abri meus olhos e me encontrei em uma sala preta, pouco iluminada, sentada sobre um sofá de couro marrom, fitando o espectro de Maddox a minha frente, atrás de uma mesa executiva, sentado em uma poltrona, bebendo algo que julguei ser whisky.

– Que luxo para um fantasma – Provoquei sentindo meu corpo novo em folha, como se nada houvesse acontecido.

– Eu estou dentro da sua mente.

– Então você não é real?! - Indaguei ouvindo os ossos da minha coluna estalarem.

– Eu sou, apenas o cenário que não. – Explicou – Ele é uma projeção da sua mente. – Concluiu.

– Bizarro. – Fiz uma careta ao encarar a imagem de um animal empalhado, pendurado na parede atrás de Maddox.

– Você nunca foi normal – Se ele tivesse olhos, juro que os havia revirado. – Hayley, escolher a vida mudou o ciclo do universo.

– Nossa, então eu sou Deus agora? – Ironizei.

– Você já ouviu falar em universos paralelos? – Indagou. Assenti balançando a cabeça – Sua morte na Matriz te trouxe diretamente para cá, onde sua historia era repassada centenas de vezes até que, um dia, algo no ciclo fosse alterado, por menor que fosse. – Prosseguiu rápido demais para que o acompanhasse.

– Você quer dizer que eu estou morta?

– Só no primeiro mundo.

– Tá e eu vivi quantas vezes a mesma coisa até mudar? – Indaguei confusa demais, perdida no assunto – Por que não me lembro de nada?! – Dizia alto, estarrecida.

– Sua mente reiniciava após cada morte e você viveu vezes demais para contar. – Maddox se reclinou para trás em sua cadeira, soltando um longo suspiro.

– Porque você não me disse?! Como Robert esta vivo então? Maddox! – Gritei seu nome exigindo explicações completas.

– Se eu ou alguém dissesse antes da hora, você iria se lembrar de todas as vidas anteriores e teria um lapso, iria morrer e começaria tudo de novo. – Fez uma pausa para que eu processasse.

– Então por isso todo o mistério? – Revirei os olhos cruzando os braços. – Por que está me contando tudo agora? – Se eu não podia saber, por que agora estou sabendo?

– Sim. – Assentiu - Não importa se você vive na Matriz ou no Congênere, o que importa é a ligação entre eles e se o véu se partir aqui, o caos tomará conta de Matriz. – Prosseguiu – Tudo aqui é real, desde as construções às pessoas. – Acrescentou – Você quebrou o ciclo, por isso estou lhe contando tudo.

– Como pode ser Maddox? Como podem existir duas almas do mesmo alguém?

– O universo vai além da compreensão humana, Hayley. – Ele se levantou caminhando lentamente na minha direção – Porém, existem milhões de mundos Congêneres, vários para cada ser e eles são criados a partir de grandes decisões e acontecimentos. Em um universo paralelo, Hitler foi assassinado antes de ter matado milhões de judeus, por exemplo.

– Isso é impossível... – Murmurei para mim mesma. Imaginar outros mundos tão semelhantes, porém, tão distantes ao mesmo tempo não era coerente.

– Não, não é. A Matriz frequentemente gera novos mundos e, da mesma maneira que cria algo semelhante a ela, o mesmo acontece com as pessoas e suas almas. Não existe distinção entre os mundos, pois quem vive aqui acredita ser o único, real e original.

– Mas... Tudo é uma ilusão.

– Também não. A vida aqui é tão real quanto na Matriz, entende? Cada um com suas peculiaridades, claro. Entretanto, todos provenientes da base original. – Ele fez uma pausa ao fitar minha careta de incompreensão – Para facilitar. – Chegou mais perto – Na Matriz você está morta e Robert continuou sua vida, há muito tempo. Mas aqui, você repassava desde o seu nascimento até sua morte, pois seu Congênere era incapaz de prosseguir justamente por não existir uma continuação na Matriz. – Parou esperando algum retorno da minha parte.

– Tudo bem, eu consegui entender a xerox que o mundo tira de si mesmo e tudo que tem nele, mas porque eu vivo em um Congênere sendo a Hayley da Matriz? Não deveria existir uma cópia? – Estralei meus dedos, sentindo minha mente se abrir ainda mais dando espaço para um vasto conhecimento junto de uma sensação de poder.

– Sua força paranormal criou seu próprio mundo, Hayley, porque você precisa terminar o que começou na Matriz. Se o véu quebrar em um mundo, os demais sofrerão o mesmo, será uma reação em cadeia até atingir o principal. – Maddox, pela primeira vez, revelava tudo sem rodeios, sem omissões ou truques, isso levava a crer que era algo terrivelmente serio. – Já imaginou o que o efeito de uma bomba nuclear pode causar na Terra ou uma chuva de meteoros? – Indagou.

– Sim. – Imaginei prédios indo ao chão em chamas, os mares invadindo a costa em furiosos tsunamis, pessoas gritando em total desespero. A vida que todos conhecíamos extinta em minutos.

– Imagine algo um milhão de vezes pior. Esse é o efeito que os universos causarão se entrarem em colapso. – Não sabia se era real ou não, porém, pela primeira vez, os olhos borrados avermelhados de Maddox ganharam uma cor azulada e o formato de botão se transformou em um par de olhos humanos, sombrios, profundos e cheio de segredos.