Nemela escrita por Metan


Capítulo 6
A Cidade dos Corvos - II


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui está a sequência do Banquete com mais surpresas do que você imagina!



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Nemela demorou para reconhecer o Grande Salão de Dragonsreach ao subir os pequenos degraus da entrada. As duas mesas haviam sido movidas para a horizontal, e agora elas começavam quase aos pés dos degraus do trono. Além delas, mais mesas estavam afileiradas, ocupando até mesmo o lugar daonde deveria estar a grande fogueira central, e terminavam na frente de Nemela. Até mesmo nos espaços à borda do tapetão vermelho entre os portões e Nemela haviam mesas que se adequavam ao tamanho não muito esbanjador daqueles pedaços. Aparentemente, teria lugar para todas as pessoas da cidade, e foi o que aconteceu. Balgruuf ofereceu a ela um lugar na primeira mesa, destinada às pessoas da corte e de maior cargo na cidade.

Ao seu lado, um homem formado, careca e com uma barba espessa e prateada, vestia uma armadura completa de aço e couro fervido. Nemela sentiu uma ponta de inveja pelo seu privilégio, mas o sentimento logo se foi quando o Jarl se levantou de seu trono, após a última pessoa se sentar.

– Este banquete não é apenas para comemorar a nossa vitória sobre o que parecia ser indefensável, nem como uma maneira de agradecer aos que se foram para que pudéssemos ver a luz da alvorada mais uma vez – bradou Balgruuf, com um copo de vinho intacto na mão -, mas também para agradecermos à nossa valorosa guerreira, que não se desfez quando o fogo a atingiu; não temeu quando beijou as nuvens sobre o pescoço do dragão; não vacilou para desferir o golpe mortal; não aceitou a morte quando ela parecia iminente. Brindai-vos e comei-vos por todos os motivos supracitados e por Nemela, a Nascida do Dragão, Salvadora de Whiterun! – terminou com a mão que segurava a taça para cima.

O barulho das taças tinindo, os diversos berros vindo de todos os cantos e os criados servindo os pratos deu a Nemela um êxtase inigualável. Nunca se sentira assim na vida, rodeada por pessoas que comemoravam pelo seu feito. O primeiro prato continha pequenos, porém vários bolinhos de arroz, acompanhados de uma tigela de queijo de mamute derretido, aonde Nemela molhava os bolinhos, sempre tentando evitar parecer uma plebéia a cada mordida. Alguns pequenos goles de vinho ajudavam a descer, e logo veio o segundo. Desta vez, uma sopa de tomate acompanhava mais bolinhos de arroz, além de pedaços de carne de ovelha. Eram apenas para preparar para o que estava por vir. Bardos tocavam flautas e harpas, mas o som das conversas insistia em aparecer mais. O homem ao seu lado resolveu puxar assunto.

– Nascida do Dragão e da Draga, além do mais – brincou, e Nemela riu. Estava comendo demais mesmo, isso não se podia negar. – Eu sou o outro Nascido do Dragão.

– Verdade? – exclamou Nemela. – Estive procurando por você, embora não lembrasse das suas feições.

– Bom saber que alguém se lembra de mim – grunhiu. – Nunca soube disso, até aquela noite. Sou apenas um mercenário de Windhelm que veio tentar a sorte aqui. Não acho muitos clientes por lá, estão mais interessados na guerra.

– Eu fugi de Helgen – disse Nemela, sem saber por quê. – Era uma prisioneira de Snow-Shod Farm, apenas porque não revelei o posicionamento das tropas de Ulfric, embora eu realmente não soubesse. Fugi junto com o próprio Ulfric quando o dragão atacou.

Ele a observou por um minuto e então disse:

– Dizer que era apenas uma soldada foi mesmo uma boa ideia, mulher. Caso contrário, sua cabeça estaria enfiada em uma estaca.

– E a cidade estaria crepitando em chamas até agora – respondeu.

O homem lançou-lhe um sorriso de satisfação e virou-se para o terceiro prato que havia acabado de chegar: bife de gigante à rolê com carne de mamute por dentro temperado com cebolas, alho e outras iguarias que não conhecia – o que não interferiu no quanto a mulher adorou a carne – dentro de um pão maior do que o normal para que a carne encaixasse. Nemela abocanhou sem medo quando viu que os outros faziam o mesmo. Viu também Farengar jorrando uma pequena labareda na comida e Irileth praguejando-o por isso.

– A carne ficou meio crua – disse com uma careta enquanto assava o pão com a carne. – O bom de ser mago é que isso não é exatamente um problema.

– Pare com isso, – ordenou com um pouco de medo na voz. – Vai queimar a todos nós.

– Isso aqui? Só se eu errasse a mira, e eu só faria isso com um bom motivo.

– Eu já disse pra parar com isso – esbravejou.

– Sabe, às vezes você parece uma mulher da roça, com essas atitudes. Me conhece melhor do que isso. Agora coma o seu pão, antes que eu acidentalmente erre a mira e transforme-o em carvão. – Relutante e com um olhar cheio de ódio, abocanhou o pão com a carne como se fosse o braço do mago. Algumas risadas enfeitavam o ar ao término da discussão.

A seguir, um fondue de Elsweyr e hidromel dos Black-Briar terminou de forrar a barriga da maioria das pessoas presentes, mas os criados continuavam a servir os pratos. Tortas de limão e maçã retornavam sobre grande demanda. Nemela parou na sopa de alface com pedaços finos de batatas e cenouras.

– Como você se chama? – perguntou Nemela, por fim, enquanto limpava a boca numa toalha.

– Stenvar – chamou o Jarl -, e Nemela.

– Agora você sabe – sorriu e se levantou, com Nemela a seguí-lo logo atrás. Pararam em frente ao trono do Balgruuf.

– Quem são vocês?

O grupo manteve-se quieto. Todos usavam trajes e capuzes negros que ocultavam os seus rostos.

– Identifiquem-se, ou não passarão – avisou o guarda. Outros cinco se juntavam a ele com olhares desconfiados, em frente aos portões de Whiterun. O quinteto manteve-se em silêncio.

– Acima de tudo, devem se orgulhar por ter o sangue draconiano correndo pelas suas veias. Porém, um dovahkiin não chega ao nosso mundo sem um por quê. Os dragões voltaram, seja lá por qual razão, e é o papel de vocês exterminá-los. Acima de tudo, o dovahkiin carrega uma responsabilidade, um fardo. Vocês ouviram o chamado dos Barbas Cinzentas, o que só confirma a minha fala.

– Eles nos chamaram? – indagou Nemela, confusa.

– Você não ouviu? Ah, foi durante o seu descanso. Sim, eles chamaram a vocês dois. Dovahkiin, mu hon hin, algo próximo a isso. Mencionaram os seus nomes também. Eles chamam vocês dois, e vocês devem atendê-los.

– Última chance. Identifiquem-se, ou serão declarados como suspeitos e serão aprisionados nos calabou… - tentou completar a ordem, mas um dos encapuzados ergueu a sua mão e utilizou uma magia vermelha, da cor do sangue. Na verdade, aquilo era mesmo sangue. O líquido jorrava das narinas, dos olhos e da boca do guarda e seguia em direção até as mãos do vampiro. O guarda caiu inerte como um saco de lixo, e os outros cinco que tentaram reagir terminaram da mesma forma. Os cinco vampiros avançaram sobre os seus cadáveres e abriram os portões da cidade.

– Isso significa que deveremos tomar o caminho para a Escada dos Oito Mil Passos? – perguntou Nemela.

– Será uma viagem dura, sim, mas bem recompensada. Há algo de errado com o nosso mundo, e vocês são a nossa salvação – levantou-se para anunciar o fim do banquete. – Desejo a todos os cidadãos de Whiterun uma boa noite, e os meus pêsames sobre os guerreiros mortos em batalha.

A multidão desatou a sair do palácio aos montes a um ritmo agradável. Nemela estava rodeada por Stenvar e pela Warmaiden, como era conhecida a ferreira, que virou-se para se despedir de Nemela.

Corpos enfileirados assistiam o avanço dos vampiros que, por sua vez, assistiam a multidão descer do palácio de Dragonsreach. Juntaram as duas mãos, concentraram magia das águas. Lançaram dardos de gelo com os braços juntos e as mãos abertas em forma de concha.

– Não acorde tarde, Nemela. Encontro você às seis.

– Tudo bem. Até mais – e sorriu.

Adrianne devolveu o sorriso e se virou. Logo após, seus lábios se abriram com o susto e o dardo de gelo entrou pela sua boca e atravessou a sua nuca. A multidão olhou, horrorizada, e então outros quatro dardos surgiram: um perfurou o peito de uma senhora e o outro explodiu a cabeça de um homem, ao passo que os outros dois atingiram o mesmo alvo. A pobre mulher voou alguns metros, não sem derrubar todos que estavam atrás. A multidão gritou horrorizada e começou a sair do local às pressas.

Os vampiros lançaram um sorriso de canto, como se já prevessem a situação. Três dos vampiros utilizaram do controle dos elementos para mover as famosas águas de Whiterun pra cima das pessoas. Um dos outros apanhou um cajado, e logo Nemela entendeu o que aconteceria então. Fora empurrada por algém e percebeu que rolaram juntos pelas pedras que rodeavam as escadas. Por azar, bateu a cabeça numa das pedras e perdeu os sentidos.




Acordou ainda no mesmo local. Precisou de alguns minutos para ter forças para se levantar, mas quando o fez, quase voltou a se deitar. Os corpos ainda jaziam sobre as escadas até o palácio, e as únicas criaturas vivas que ainda habitavam o local eram algumas moscas, baratas e corvos que estavam mordiscando a carne putrefada. Quando tentou andar, tropeçou numa ratazana que deu no pé assim que viu com quem tinha se metido.

Bamboleou-se até o pé das escadas e começou a escalar a montanha de mortos à sua frente. O cheiro de carne em decomposição tomou conta de seus pulmões e Nemela sentiu um líquido de gosto horrível subir à garganta. Quando finalmente terminou de subir, não aguentou e vomitou por cima de um dos corpos, que instantes depois identificou-o como o Jarl Balgruuf. A mulher não conseguia acreditar no que via. Correu até os portões do salão mas, quando entrou, encontrou Farengar caído aos pés dos portões. Tentou acordá-lo, sem muito sucesso no começo, mas ele começou a mexer os dedos, após um tempo.

– Hã… Onde es… Oh, Nemela, você ainda está viva…

– Preferiria estar morta, Farengar – admitiu. – Estamos em Dragonsreach, mas só achei você vivo. Dê uma olhada para as escadarias.

Nemela ajudou-o a se levantar e a andar até as escadas, onde o mago fez uma careta, chocado. Os corvos começaram a se amontoar em grande quantidade, cacarejando e mordiscando a carne morta. Ajoelhou-se para contemplar o rosto do ex-Jarl.

– Eu jurei protegê-lo, e falhei em minha missão – disse, bastante melancólico.

– A culpa foi da guarnição. – Tentou consolá-lo, mas não foi de muita ajuda.

– Quem mais está vivo?

– Eu – respondeu uma terceira voz meio familiar para Nemela. Tentou seguir o som da voz, mas os corvos não pareciam estar interessados em ajudá-la.

– Stenvar! Aonde você está?

– Desça as escadas – respondeu. Fizeram-no com cuidado enquanto espantavam os animais que ali estavam. Quando terminaram de chutar as ratazanas, encontraram o Stenvar sentado na praça. – Não somos os únicos por aqui.

– Não?

– Os Companheiros mataram os cinco vampiros, embora tenham chegado tarde demais – prosseguiu. - Porém, não imagino até quando vão se manter na cidade. Ninguém vai querer os serviços de uma guilda numa cidade morta.

– Eles pretendem sair da cidade? – indagou Farengar, surpreso.

– E você ficaria neste lugar fétido? Até mesmo Riften deve estar mais elegante do que essa cidade chacinada. Se quiser, pode fazer companhia aos corvos e ratazanas. Tenho certeza que eles gostarão mais de uma carne viva.

– Tudo bem, não precisa me desencorajar desse jeito – bufou o mago. – Vamos até o Hall dos Companheiros.

O trio seguiu pela escadaria até o grande Hall. A grande e lendária construção em forma do casco de um barco homenageava Jorrvaskr, o barco que transportou quinhentos companheiros e o comandante Ysgramor de Atmora, um continente agora congelado ao norte de Tamriel. Como o primeiro edifício do que viria a ser a cidade de Whiterun, Ysgramor fundou ali a Guilda dos Companheiros. Na verdade, o próprio edifício era o casco do barco Jorrvaskr, bem tratado por sinal.

Ao entrarem, não viram ninguém no grande salão. Checaram um quarto que ficava à esquerda da entrada, mas também não encontraram nada. Saíram pela outra porta apenas para descobrir que o cheiro dos mortos já havia infestado o local. Decidiram, então, descer as escadas, e só então se aliviaram com as vozes humanas presentes.

Seguiram pela direita por um largo e longo corredor até aonde Os Companheiros estavam organizados, numa sala média. O debate fora interrompido quando perceberam a presença do trio.

– Vocês estão vivos? – perguntou um homem de cabelos sujos que pendiam nos ombros e cavanhaque, assustado com a visita repentina.

– Não, cabeça oca, eles voltaram de Sovngarde para comer cérebros. Por sorte, você sairá vivo dessa – dessa vez foi uma voz feminina que provocou. Uma terceira voz, vindo de um careca com tatuagens de guerra nas bochechas, desatou a rir, e algumas outras o acompanharam.

– Não seja tão duro com o Farkas, Aela. Ninguém esperava por sobreviventes – advertiu uma voz sábia, atrás de todos os outros. Era um homem de barba cuja espessura, tamanho e cor grisalha eram equivalentes aos seus cabelos. Vestia uma armadura especial, feita de placas de metal e prata. – Você eu reconheço, Farengar, mas temo não poder dizer o mesmo dos outros dois.

– Chamo-me Nemela – respondeu a mulher.

– E eu sou Stenvar – seguiu-a.

– Então vocês são os Nascidos do Dragão? Nunca tinha visto-os de perto. Quanto a mim, – aproximou-se – sou Kodlak Whitemane, Comandante dos Companheiros. É uma honra presenciá-los.

– A honra é toda nossa – respondeu Nemela.

– Pra onde pretendem ir? – perguntou Stenvar.

– Estávamos discutindo as possibilidades até a sua chegada. Apenas Windhelm poderia suportar a nossa chegada. Não preciso explicar por que não Riften, eu acredito – bateu as mãos uma na outra. – Dawnstar seria uma boa ideia, sim, mas não imagino uma grande construção ali. Além do mais, eles enfrentam os mesmos problemas de Solitude, Markarth e outras cidades: são extremamente longes. Precisamos nos reagrupar o mais rápido possível. No aspecto de conseguir ajuda, Windhelm também seria uma boa ideia, embora Solitude não perca neste aspecto. Ambas possuem líderes de facções que podem nos ajudar após o término da guerra. Realmente, não nos resta muitas soluções.

– Podemos estocar alguma comida da cozinha de Dragonsreach – informou Farengar. – Alguns cavalos e carroças para carregar o que for de importante e poderemos partir. Os mortos não sentirão falta, afinal.

– Nosso foco será a guerra, então? – questionou Nemela. – Se apenas após o seu término é que Whiterun voltará a ser habitável, quanto mais rápido, melhor.

– Este é um ponto que deverá ser discutido depois – respondeu calmamente Kodlak. – Acredito que Vilkas, Farkas e Skjor possam te ajudar a carregar a comiga, Farengar. Os outros deverão me seguir até os estábulos para preparar os cavalos. Se o vendedor estiver vivo, acredito que ele possa nos doar alguns.

Ao chegarem lá, porém, só encontraram uma pilha de ossos e cavalos relinchando. Ao todo, tinha quantidade o suficiente para que todos montassem e até mais. Dois foram utilizados para puxarem as carroças com suprimentos, e assim o bando seguiu viagem rumo à Windhelm. Quando Stenvar perguntou como que acreditariam que Whiterun foi reduzida à mortos, Kodlak ponderou a questão por um tempo e respondeu:

– Nada que um bardo não possa resolver. Já temos até o nome para que a canção se alastre e notifique a todos do que está por vir: A Cidade dos Corvos.


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Notas finais do capítulo

Não se esqueçam de comentar sobre o capítulo! :)
Se você se perguntou o que significa "Dovahkiin, mu hon nin", o significado é "Nascido do Dragão, nós te ouvimos".

Se quiser saber mais, basta visitar a wiki de The Elder Scrolls: http://elderscrolls.wikia.com/wiki/Dragon_Language