Nemela escrita por Metan


Capítulo 1
Mal entendido




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– Minha filha, para onde pretende ir?

A mulher olhou para trás. Achei que escaparia sem incômodos, pensou, assim, eu não precisaria sofrer junto com ela. A sua mãe estava recostada na porta de madeira de um casebre. Seu rosto era extremamente velho, seus cabelos eram grisalhos e curtos. Pela posição das luas no céu, era perto da meia noite.

– Vou fugir, mãe. Não aguento mais esta terra. Não vou sobre…

– Vai fugir da sua terra natal? E pra onde pretende ir? Se esqueceu de quem você é, das tradições de um Nord? – aproximou-se a passos lentos. – Um verdadeiro Nord não desonra a sua terra natal. Não troca o seu lar por outro. Um verdadeiro Nord morre por ela. - O seu dedo indicador balançava pelo ar durante cada palavra.

– E como você pretende ser um Nord, ultimamente? Não podemos ter as nossas crenças, e agora tentam roubar o nosso lar. Se for pra viver sem a esperança de ver o amanhã, prefiro fugir. – Pousou a mão no cabo de sua espada. Vestia uma roupa de camponesa, velha e esfarrapada, pois não tinham dinheiro para armaduras.

– Fugir pra onde? - agora os seus dois braços estavam abertos e esticados. - Se esqueceu que guardam todas as fronteiras? Se esqueceu também que somos recebidos nas outras terras da mesma forma “carinhosa” que os tratamos? Será que terei de lembrá-la sobre os Dark Elfs e os Argonians em Windhelm? – pestanejava, assustada e com razão. Colocou as mãos em seus ombros, e as arrastou até as bochechas. – Não há redenção para nós, minha querida - disse, em voz trêmula. - Só nos res…

Uma trombeta as interrompeu. Um longo uivo calou a noite da pequena fazenda, localizada a sudoeste de Riften. Uma grande fila de guardas vermelhos, a maior parte montado, estava na porta do local, enquanto alguns outros lideravam carroças com prisioneiros de guerra devidamente amarrados. Um dos cavaleiros pôs-se à frente da tropa e retirou o seu elmo para apresentar-se.

– Somos guardas enviados do Acampamento de Rift, sob ordens do General Tullius. Estamos à procura de Ulfric Stormcloak sob penas de oposição e assassinato à Ordem Suprema, organização de rebeldes e assassinato de guardas da lei. Chegaram aos nossos ouvidos que a sua tropa estaria se organizando nestas proximidades. Vocês viram algum sinal deles? – o homem que se pôs à frente para falar era o Legate Fasendil, embaixador do acampamento. High Elf, com uma certa idade, mas não menos experiente do que outros embaixadores. Sua voz era potente e bem preservada e, apesar de ter uma fama benevolente, não era amaldiçoado menos pelos adoradores dos Stormcloaks do que outros.

– N-não, senhor. Não vimos nenhum rastro de seu exército – respondeu a mãe, ainda trêmula.

O embaixador trocou olhares com alguns de seus soldados. Vários acenaram. Ele, então, se aproximou mais da família:

– Mais uma vez: algum sinal da tropa do Ulfric?

– Já-já disse que nada vimos, senhor.

– Não pense que teremos dó de estuprar vocês duas – desembainhou a sua espada. – Você sabe, a maioria dos nossos soldados são homens. A presença de uma mulher em nossas camas faz falta – fincou a espada no chão e se apoiou nela com as duas mãos. – Esta será a última vez: Onde. Está. Ulfric?

– Senhor…

– O que é, soldado? Não vê que está me atrapalhando?

– Mil perdões, senhor, mas há algo que possa lhe interessar – apontou para o chão lamacento. O embaixador bufou e foi verificar, mas alguns passos foram o suficiente para perceber que até por baixo dele remanesciam provas. Uma chuva média assolara o local mais cedo, e marcas de pegadas, rodas de carroças e patas de cavalo estavam espalhadas por toda a lama que tomava conta da fazenda. Os olhos da mãe se arregalaram, ao passo que os do embaixador se viraram com fúria.

– Não passaram por aqui, não foi? - sua voz agora entoava tanta raiva quanto os seus olhos.

– N-não, senhor, devem ter passado enquanto fo-fomos comprar sementes em Riften, mais cedo - explicou a velha, tentando se afastar aos pouquinhos do Fasendil, que avançava. - Por favor, acredite no que…

– Cale essa boca velha, sua imunda – as costas da sua mão atingiram o rosto da velha mãe, que rodopiou e se estatelou no chão. – Sua filha é bem gostosinha, olhando mais de perto - admitiu. - Vamos ver o que temos aqui… - puxou a mulher até ele, e então pousou a sua mão em sua bunda. A mulher nada fez para pará-lo, pois sabia o que aconteceria logo depois. Soltou ar pelo nariz quando o homem de cabelos grisalhos apertou as suas nádegas com força, seguido de um tapa forte, que ecoou levemente pelo ar. Um sorriso safado abriu-se no seu rosto. – Vai servir por algumas noites.

– O que você acha que minha filha é, seu vagabundo? Tire essas mãos sujas dela! – a mãe, coberta de lama, se levantou e, num ato de desespero, correu até ele. Quando tentou empurrá-lo, um zunindo cortou o vento e perfurou a sua cabeça. A flecha élfica penetrou fundo na sua cabeça, e logo a pena começou a tingir-se em vermelho. A velha caiu de joelhos, para depois tombar nas pernas do Fasendil, que a afastou com um chute.

A mulher, porém, não aguentou a cena. Com os olhos arregalados, um urro e um passo pra trás, afastou o homem com uma bota no peito, de espada na mão. Tentou apunhalá-lo enquanto estava no chão, mas o embaixador também era rápido, e os dois aços se confrontaram. Uma flecha fez a mulher pular para trás e deu tempo para que o homem se levantasse.

– Não reajam! Esta batalha é minha! – gritou, mal agradecido. Mais uma vez a mulher tomou a iniciativa e atacou em diagonal. Com um movimento, afastou a espada da mulher e girou para a direita. Mais um choque ensurdeceu a noite. A espada do homem fora girada pela outra e foi obrigado a se endireitar de lado para escapar da estocada. Com a vantagem do ataque, provocou um forte baque na cabeça da mulher com o corpo da espada. Logo depois, ela estava estatelada pelo chão.

– Isso tudo para ter uma noite de sexo, senhor? – perguntou um dos soldados.

– Isso tudo para ver a cabeça desta vadia nas estacas. Agora, se não tiver nada mais inútil para resmungar, coloque o corpo dela nas carroças e amarre as suas mãos - guardou a sua espada com fúria. - Façam o que quiser com isto – sacou a espada das mãos da mulher e jogou na frente dos soldados. Uma confusão tomou conta pela sua posse. No fim, um homem que se julgava ambidestro ficou com ela mais a que já tinha.

– - - - -

Era tarde da noite quando a mulher voltou a acordar. Sua visão continuava turva, e o único momento em que o balançar da carroça ajudou, pelo menos no sentido de acordar, foi quando as rodas bateram numa pedra na estrada e o seu corpo pulou. Tentou se segurar, mas as mãos estavam amarradas. Não chegou a cair da carroça, mas ficou de bruços no chão dela. Depois de um certo esforço, conseguiu se sentar novamente. Um cheiro infernal tomava conta das suas costas devido a lama que se secara.

– Então você acordou, huh?

Virou-se para a direção da voz masculina. Seu rosto era grande, com lábios carnudos, sobrancelhas médias e voz firme. Possuía olhos azuis e cabelos louros que alcançavam o pescoço, com uma trança de cada lado da parte da frente que pendiam nos ombros. Parecia ter uma estatura de média pra alta, e um corte horizontal marcava a sua barriga, mas por sorte foi de raspão. Parte do azul de sua armadura leve, cuja cor estava presente nos ombros e na metade esquerda do seu peitoral até um saiote que batia nos joelhos, estava ensanguentada.

– Não, estava tendo convulsões – provocou a mulher.

– Tem uma língua afiada – comentou. – Muito estranho uma mulher nas carroças. O que você fez?

– Mataram a minha mãe – preferiu não contar a parte anterior a morte. – Tentei combater o Legate…

– … e, ao invés de te matar na hora, preferiu ver sua cabeça numa estaca, acertei? - completou sem cerimônias. - E por que a mataram?

– Eu… - respirou fundo. – Perguntaram a respeito do movimento das tropas do Ulfric. Disse que não vi, mas acharam pegadas. Mas não tinha…

– Irá morrer com uma boa Nord, mulher. Diga-me, qual é o seu nome?

– Calem a boca aí atrás – urrou o condutor da carroça. Ninguém falou mais nada, por alguns momentos.

– Chamo-me Ralof, e eu faço parte do exército do Ulfric - murmurou. - Aliás, olhe para a sua direita.

Foi então que percebeu que quem estava ao seu lado era ninguém menos do que Ulfric Stormcloak. O seu cabelo estava todo desarrumado, como se cada ponta estivesse se rebelando contra a outra. Diferente do seu soldado, trajava farrapos, não parecia ferido, e um lenço o impedia de falar.

– Por que ele está amordaçado? – perguntei.

Já disse pra calarem a boca – urrou mais uma vez o condutor. - Ou será que vou ter de cortar as suas línguas e dar de comer para vocês?

Nada mais foi dito por um tempo que pareceu uma eternidade, até que adentraram em um vilarejo. Uma trombeta anunciou a chegada. Imperials guardavam cada canto da cidade, moradores mandavam as suas crianças entrarem nas casas. Em uma hora, a carroça começou a parar.

– Que os Nove nos guiem para Sovngarde – Ralof foi o primeiro a descer, seguido pelo Ulfric e por mim.

Dois Legates, uma mulher, separavam cada um dos prisioneiros pelas suas listas. A fila demorou um bom tempo, e dois dos prisioneiros tentaram fugir para terminarem alvejados.

– Alguém mais sente-se a fim de correr? - bradou a Legate.

Quando, enfim, chegaram na vez da mulher, os dois trocaram palavras e olhares. Dois dos ex-fugitivos ainda gemiam de dor, vários metros atrás deles.

– Você não consta na lista – estranhou o homem. – Quem é você?

– Nemela, de Snow-Shod Farm. – Era uma Nord tradicional: olhos azuis, cabelos louros e soltos que pendiam até um pouco depois do ombro. Seu físico era de uma guerreira, embora os ombros indicassem uma pessoa normal. Seus seios pareciam ser médios, mas suas coxas eram maiores.

Algumas palavras foram trocadas, até que a mulher anunciou:

– Ao menos morrerá em sua terra natal, Nord.

Que os gigantes os levem, pensou Nemela. Foi empurrada por um dos soldados até uma fileira. Mataram dois soldados e três ladrões, nunca sem um dos sentenciados dizer algo sobre piedade ou encontros na pós-vida. O local já fedia a morte e a sangue, enquanto reuniam as cabeças para empalá-las depois.

– Nemela, de Snow-Shod Farm...

Um rugido cortou os céus e os ouvidos de todos. No mesmo instante, todos olharam aos céus. Apenas as nuvens brancas e largas, fofas como algodão, mostravam-se presentes. Olharam uns para os outros, com olhares confusos.

– O que foi isso?

– Agilizem – ordenou a Legate.

Nemela foi levada até o local de execução. Quando a ajoelharam, mais uma vez o rugido cortou os céus, desta vez mais próximo. Todos olharam para os céus mais uma vez, e mais uma vez deram de cara com nuvens brancas, largas e fofas. Desta vez, porém, algumas cinzas e não tão amigáveis se aproximavam, como um grupo de bandidos se aproximava de algum indefeso.

– Sentinelas, o que vocês veem? - gritou um dos Legates em direção à torre que se instalava à frente do pátio.

– Nada notável, senhor – gritou de volta um dos arqueiros. Aquilo o deixou notavelmente perplexo.

Deitaram-a num retângulo de palha, com um corte em U para encaixar a cabeça. Nemela avistou o seu executor, com um machado de duas mãos feito de metal trabalhado dos Orcs. A lâmina não era reta, com três partes pontudas entre uma ponta extrema e a outra, medindo algo próximo a cinquenta e seis centímetros. Também tinha uma ponta na parte sem lâmina que apontava pra cima. Apenas um guerreiro habilidoso conseguiria manusear a arma sem se perfurar. Mirou o machado em seu pescoço, quando uma trombeta foi acionada.

Aaauuuuuuuu, ela soou, do portão da vila.

– Será que alguma outra carroça chegou atrasada? – a embaixadora se virou para os condutores.

– Não, senhora. Nos certificamos de que nenhuma carroça…

Aaaaaauuuuuuuuuuuu, ela soou novamente. Ouviram algumas espadas sendo embainhadas, vindo do portão.

– Apenas algum mamute ou troll perdido. Nada preocupante. - Nemela já se sentia incomodada com as gotas de sangue que o machado oferecia à sua bochecha esquerda.

Aaaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuuuuuuuuu, ela soou mais uma vez. Desta vez, todos sacaram as suas espadas em uníssono, enquanto o executor fitava Nemela, ainda com o machado em seu pescoço.

– Maldição! Como souberam que Ulfric jazia aqui? Tirem essa aleatória dali e coloquem ele…

Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, soou, pela última vez. O vento se fortaleceu, como que para contribuir com o momento. Alguns olharam para o céu para descobrir que as nuvens brancas haviam se extinguido. Nenhum dos soldados entendeu o significado da quarta trombeta…

Nenhum, com excessão dos Legates.

– Quatro sopros… Isso significa…

Uma sombra passou por cima de todos, e uma criatura negra pousou na torre que ficava na frente do pátio onde estava sendo realizado a carnificina. O executor se virou para ver o que era enquanto o machado realizava um rasante pelo corpo de Nemela. Ela não pôde ver os seus olhos, mas ela pôde imaginar o medo ao olhar para o que atraiu a atenção de todos.

D… DRAGÃO!!! - ouviu um deles gritar, e ela queria que fosse algum tipo de brincadeira de mau gosto, mas não era. O dragão estava lá: negro como se a morte o tivesse tingido; de olhos vermelhos, como se fosse dali que era produzido o fogo que fora lançado de sua boca, em direção aos guardas.


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