Aventura no Iberanime escrita por André Tornado


Capítulo 5
Lembranças agradáveis, mas efémeras.


Notas iniciais do capítulo

E com este capítulo chegamos ao fim desta pequena aventura. Mas como todos os fins, significa que algo se inicia a seguir...
O Iberanime irá abrir portas, amanhã, dia 13 de abril!
Não se esqueçam de conferir as novidades e todos os acontecimentos dessa festa em www.iberanime.com!!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/350900/chapter/5

Vegeta olhou para Goku desconfiado, acentuando a carranca que lhe era característica, destinada a esconder o espanto que o agitara interiormente. Como teria ele descoberto que aquele velhote discreto era a chave para o enigma? Já o tinha notado, ali parado. Já o tinha marcado, quando percebera, assim que entrara no pavilhão, que o estava a seguir. Tinha-o tomado por um simples homem daquele lugar, tão anónimo e desinteressante quanto todos os outros que por lá cirandavam, embriagados na felicidade momentânea de uma festa inclassificável, de acordo com os seus padrões. Mas nem por um segundo pensara que aquele homem seria importante para o futuro deles.

A assistência debandava, aos poucos. O alívio substituíra o medo e era como se o ar se tivesse renovado, para possibilitar que se respirasse livremente, profundamente, passado o perigo. E aqueles infelizes nem tinham percebido o quanto tinham estado próximo da morte… Semicerrou os olhos, analisando Goku sob um prisma diferente, fazendo as suas próprias conjeturas. Ele não seria capaz de provocar um desastre voluntariamente e nunca faria mal a qualquer criatura vivente sobre aquele planeta ou qualquer outro. Não detetara a sua presença, ele havia camuflado o ki. Não enviaria uma Kamehame de ânimo leve, naquele recinto fechado. Por um lado, sabia que ele iria aparecer, entrar no jogo e amortecer o poder destrutivo do ataque. Por outro lado, esperava com aquele estratagema desvendar a identidade do aliado deles que aparentemente os tinha acompanhado sempre, desde que escorregaram pelo tal canal estreito.

Namura-san tinha a boca torcida em algo semelhante a um sorriso.

Aquilo começava seriamente a mexer-lhe com os nervos. Vegeta rosnou num registo inaudível, captado pela audição experimentada de Goku e, inesperadamente, por Namura-san que o olhou de esguelha, arqueando uma sobrancelha. Rosnou mais alto. Já que o homem percebia, não tinha qualquer vantagem em disfarçar a animosidade.

Quatro rapazes aproximaram-se. Cumprimentaram Goku com um aperto de mão tímido, tentaram cumprimentar Vegeta mas ele não concedeu em descruzar os braços. Não ficaram ofendidos, antes mostraram-se conformados e os olhos brilharam de admiração. Segredaram qualquer coisa uns aos outros e afastaram-se, sem tirarem uma única fotografia, apesar de um deles, o mais jovem do grupo, ter uma máquina consigo. Havia-lhes faltado a coragem de fazer o pedido aos heróis.

A música estridente, com uma batida forte e animada, retornou ao sistema de som. Vegeta fechou os olhos, engolindo a vontade de se transformar em super saiya-jin e arrasar com tudo aquilo. Arriscava-se a destruir a porta que os levaria de regresso a casa, arriscava-se a provocar a ira de Kakaroto e a censura – apesar de ser uma ideia que lhe arrancou um suspiro de fastio – do misterioso homenzinho e não lhe apetecia aborrecer-se mais do que já estava.

Ao abrir os olhos, uma mancha moveu-se rapidamente, engolindo-o.

- Na-nani?! – exclamou.

Recuou um passo, libertando os braços para se poder defender convenientemente.

- Vegeta, querido!

Uma rapariga atirava-se ao seu pescoço, estreitando-o tanto que ele ficou sufocado no perfume dela. Ouviu uma risada e sentiu as faces escaldarem. Estava a corar e odiou-se por essa fraqueza estúpida. Mas estava aprisionado nos braços de uma mulher, não era normal ter fêmeas loucas a abraçarem-no sem motivo. Entreviu fios azuis na cabeleira, pôs-se a balbuciar e parecia um bebé a pronunciar as primeiras palavras.

- Já me tinha encontrado com ela – explicou Goku divertido. – Está vestida como a Bulma… Tirou-me fotografias e pediu-me para dançar com ela. Cheira a flores do campo.

Vegeta recuperou o dom da fala e pediu atrapalhado:

- Diz-lhe… que me solte… imediatamente.

- Não posso. Ela não vai perceber nada do que eu lhe disser.

- Baka! Se ela não me soltar, eu vou… vou…

- Ojiisan, acho melhor dizeres qualquer coisa à menina, ou o meu amigo vai ser indelicado.

- Ele sabe falar a língua deles?

- Hum-hum… Tem-me ajudado, sim. Fala a nossa língua e a língua deles, traduz o que nós dizemos e o que eles nos dizem a nós. Não é assim, ojiisan?

Como se entendesse as águas perigosas onde nadava, ela desfez o abraço. Fixou os olhos azuis artificiais nos do príncipe, estabelecendo uma ligação quente nesse olhar persistente. Vegeta engoliu em seco. Ela cheirava, de facto, a flores do campo. Não reagiu, fugiu, nem a escorraçou, quando a menina Bulma lhe segurou a cara entre as mãos. Beijou-o de seguida, colando os lábios pequenos, pintados de vermelho, à boca seca dele.

Ao se afastar, criou gelo pela separação e levou o aroma campestre. Vegeta arquejou atarantado. Uma deusa tinha acabado de lhe roubar o fôlego. Ela ergueu o telemóvel e carregou no botão. Captou o desnorte dele numa fotografia. Disparou outra vez. Vegeta sacudiu a cabeça, para se forçar a despertar.

- Tu és tão fofinho! Adoro-te, sabias?

Namura-san recusou-se a traduzir, apesar de Goku se ter voltado para ele curioso e inquisidor. Ela disse-lhe:

- Oh, Son Goku… Gostei tanto de dançar contigo, mas o meu coração pertence a Vegeta. Tu sabes disso, não sabes?

Enroscou-se no braço do príncipe que se arrepiou todo. Agora, era a vez de Goku ficar corado. Aquela menina era demasiado insistente, que chegava a ser inconveniente. Em desespero, implorou:

- Ojiisan…

- Deixa-a viver esta memória agradável. Será irrepetível, daqui a alguns minutos. Não concorda?

Vegeta espevitou-se.

- Minutos?

- Príncipe, o tempo corre e já se esgotou.

- Quem és tu?

- Ah… Acho que não te vou largar nunca, meu adorado Vegeta – disse a menina Bulma maravilhada. – Tu também falas japonês, como o teu amigo? Ai, e a tua voz é tão sexy! Acho que me apaixonei perdidamente…

Esticou o braço e tirou outra fotografia que supostamente a enquadraria com Vegeta, numa postura que simulava intimidade, mas a mão tremia-lhe tanto que Goku duvidou que tivesse ficado bem. Apanhou a deixa de Namura-san.

- Vamos voltar agora?

- Irão voltar… Mas apenas no fim de tudo.

- No fim da festa?

- No fim do caminho.

Vegeta elevou a voz, dando um passo em frente, mostrando um punho fechado. Nem se apercebeu que arrastava a menina Bulma com ele.

- Para com essa charada e diz-nos já o que devemos fazer para sair deste maldito lugar. Estou farto de estar aqui, detesto o que está a acontecer apesar de alguém achar isto divertido e quero voltar para o Palácio Celestial. Se não queres dizer quem és, tudo bem! Não me interessa nada saber a tua identidade. E se continuares a fazer-te de caro, juro que te arranco os olhos!

- Calma, Vegeta. Não vais querer atacar Namura-san.

- Kakaroto, não te intrometas. Não te esqueças que te prometi um murro nos queixos. E a conta, parece-me, já subiu para dois.

- É que tens uma menina ao teu lado e não a vais querer meter nestas confusões.

Vegeta estacou, lembrou-se do peso que arrastava no braço direito. Encarou-a sério, aprofundando o olhar, demorando-se na contemplação e a menina estremeceu, enrubescendo as faces de uma maneira absolutamente escandalosa. Palpitava ao lado dele, o nível de feromonas disparava imparável e ele acentuou a seriedade da expressão.

Namura-san falou com ela. Em consequência, ela soltou-lhe o braço, por fim. Apesar da música demasiado alta, Vegeta conseguia escutar o bater descompassado do coração da rapariga. Goku assistia a tudo, e mesmo sendo um idiota desmiolado, constantemente alheado ao que se passava em redor, também tinha percebido a agitação dela.

Vegeta insistia em mirá-la de forma intensa, crua. Provocava-a, queria ver até onde chegava a resistência dela, queria confundi-la, remexer no caldeirão de emoções que ela cozinhava no seu interior.

A capa do encantamento rasgou-se. Ela moveu-se, lesta e ansiosa. Retirou um pequeno bloco de notas e uma esferográfica minúscula da bolsinha que levava a tiracolo. Escreveu rapidamente, arrancou a folha e estendeu-a a Vegeta.

- Contacta-me… por favor. Podes fazer isso? Hum… Gostaria muito de voltar… a ver-te.

A voz entrecortada denunciava o quanto estava perturbada. Vegeta aceitou a folha e como aquilo significava que teriam de se despedir e afastar-se, os olhos dela humedeceram, fazendo as lentes de contacto azuis dançarem num fino mar de lágrimas. A seguir, correu e perdeu-se da vista deles.

- A menina gostou de ti, Vegeta.

Olhou para o papel. Namura-san contou-lhe que era um número de telefone e um endereço eletrónico, a acompanhar um nome. Entre parêntesis, estava escrito Bulma e por baixo um coração pequeno, preenchido com a mesma tinta azul que ela usara para escrever. Resolveu responder:

- Cala-te, Kakaroto!

Dobou o papel em quatro e enfiou-o na luva esquerda. Exigiu áspero:

- Ojiisan, indica imediatamente a porta que nos levará ao nosso mundo.

Namura-san entreabriu um sorriso ténue, mas impregnado de sinceridade. Fez um gesto solene com a mão, convidativo.

- Não pretendem aproveitar a vossa presença nesta festa, que muito nos honra? Ainda temos algumas atividades que poderão achar interessantes. Podem também continuar a confraternizar com os visitantes, eles estão bastante agradados com a vossa presença.

Goku hesitou.

- Eh… Seria uma boa ideia. Queres comer, Vegeta? Ainda não comeste nada e deves ter fome. E confraternizar com os visitantes é divertido…

- Não tenho fome. Acho que já passei demasiado tempo neste lugar horrível. – Acrescentou ríspido a lembrar-se da menina Bulma que lhe tinha deixado um bilhetinho: – E confraternizar não é nada divertido! Deixa-me… irritado. Queres que eu enlouqueça e destrua isto tudo?!

- Continuo a achar que se comesses qualquer coisa, mudavas esse teu humor. Estás realmente impaciente.

Vegeta tremia de raiva, uma veia a pulsar na testa.

- Kakaroto! Que modos são esses de me dirigires a palavra? Julgas que estou a brincar?... Três murros!

- Três murros?

- E em cheio nesse nariz!

- Está bem, não vamos comer… Vamos dar uma volta por aí.

- Não quero dar nenhuma “volta por aí”! Quero ir-me embora e se aquele velhote sabe como podemos fazê-lo, por que estúpida razão temos de ficar?

- Ele fez-nos um convite.

- Para o Inferno com os malditos convites! Parabéns, ojiisan. Acabaste de convocar a ira do príncipe dos saiya-jin e não vou ser nada meigo contigo, mesmo que saiba que só tu nos podes ajudar…

Namura-san já não estava ali. Os dois guerreiros entreolharam-se, confusos. Goku pôs-se em bicos de pés para espreitar sobre as cabeças dos jovens que andavam por ali, a ver se encontrava o tradutor. Também não se tinha apercebido que ele se fora embora e agora que se punha a pensar, não lhe conseguia ler o ki. Era alguém diferente, sem dúvida. Ia levantar voo para ter uma visão melhor sobre o sítio, mas Vegeta travou-o puxando-lhe pelo dogi. Abanou a cabeça. Estava mais calmo.

- Esquece-o. Quando ele quiser ajudar-nos… vai fazê-lo. – Resmungou inconformado: – Estamos nas mãos daquele homenzinho e não me agrada nada. Kuso!

Goku recuperou a boa disposição. Puxou por Vegeta.

- Anda, quero mostrar-te uma coisa.

Levou-a à banca dos livros e mostrou-lhe aquele onde estava desenhada uma parte da vida deles. Vegeta agarrou no livro, desfolhou-o. Encontrou uma imagem em que estavam os dois, costas com costas, cada um com um dos brincos potala. Sorriu de través. Fechou o livro e entregou-o a Goku, afastando-se da banca. Foi intercetado por um casal. Ela posou ao lado do príncipe e o namorado tirou-lhes uma fotografia com o telemóvel. Depois, fez questão de lhe apertar a mão e de lhe dizer qualquer coisa que deveria ser um elogio.

Mesmo sem verdadeiramente o terem planeado ou desejado, estavam a dar a tal voltinha pelo pavilhão proposta por Namura-san. Numa banca onde se expunham vários artigos para venda, desde revistas a bonecos, Goku descobriu uma caixa com um conjunto de sete bolas de dragão, mais pequenas que as verdadeiras e menos brilhantes. A rir-se como uma criança segurou na bola com as quatro estrelas dentro. Foi brindado com os flashes ininterruptos de máquinas fotográficas e de telemóveis. Abriu um grande sorriso, exibindo a pequena esfera cor-de-laranja entre os dedos, fazendo uma pose que achava a mais adequada àquela ocasião de exibicionismo.

Pois, puro exibicionismo.

Vegeta cruzou os braços, roçando o queixo no peito, cerrando os dentes. As pálpebras fechavam-se sobre o olhar negro, procurava acalmar-se, todo aquele exagero era-lhe penoso, extraordinário, pouco digerível.

Mas nesse exercício de busca de paz interior, a serenidade longe da loucura barulhenta em que se inseria, encontrou o que buscava. Lutou para não se surpreender ou reagir de uma forma que faria desaparecer o que acabava de se lhe apresentar, tão frágil era a descoberta. Manteve-se estático, suspenso num limbo gelado, segurando as emoções. Conseguiu reter o tesouro.

Vislumbrou, na linha longínqua do horizonte, a parede escura das montanhas inalcançáveis. Estava na sala dos subterrâneos do Palácio Celestial. Conseguia-se ver nessa sala, todo o poder supremo dos super saiya-jin condensado num ataque mortífero.

Soltou todo o ar que guardava nos pulmões. No meio da multidão, destacava-se a figura discreta de Namura-san. Vigiava-os, sabia o que ele tinha visto. Puxou pelo braço do companheiro, afastando-o das luzes intermitentes dos fotógrafos amadores.

- O que foi que fizeste com essa bola, Kakaroto?

- Eu?... Eh, acho que nada, Vegeta. Porquê?

- Shenron acabou de nos conceder um desejo. Vamos!

O príncipe arrastou Goku que transportava a bola entre os dedos. O homem que estava atrás da banca elevou um braço, chamando-o. Pedia-lhe que devolvesse a bola à caixa, ou que comprasse o conjunto. Vegeta avisou-o:

- Não largues isso. É uma ordem!

- A bola de dragão?... Mas se é só uma e nem sequer é verdadeira.

- Não interessa! Está a dar-nos sorte.

- Estamos a ir para onde?

Alcançaram o recanto onde tinham aparecido naquele mundo. A cortina negra que disfarçava o sítio tinha desaparecido, havia somente uma enorme caixa de papelão. Vegeta deu um pontapé na caixa e descobriram, no chão, um buraco em forma de oito, como uma fechadura.

- Estamos a ir para casa – respondeu, finalmente, crispando os punhos.

Goku espreitou o buraco, franzindo uma sobrancelha.

- Tens a certeza?

- Se quiseres duvidar, é contigo. Se quiseres continuar por aqui, também é contigo, baka.

- O buraco parece-me demasiado estreito para cabermos aí dentro.

- Também era estreito quando o atravessámos pela primeira vez.

Sem esperar uma resposta, entrou na fechadura.

Vegeta sumiu-se com um som deslizante, seguido de um ruído que fez lembrar um monstro a sugar uma gelatina. Goku arrepiou-se. Teria o amigo sido engolido?

Apertou a falsa bola de dragão de quatro estrelas, fechando-a na sua mão. Mesmo que o tivesse sido, ele iria segui-lo. Por um lado, se Vegeta estivesse em apuros era dever dele acompanhá-lo e eventualmente salvá-lo. Por outro lado, confiava na intuição de Vegeta e iria seguir o impulso dele.

Goku também entrou na fechadura.

***

Namura-san olhou para o chão onde não restava nenhuma marca de que ali estivera aberta uma passagem para um mundo que uma grande maioria dos presentes naquele evento adoraria visitar. Voltou a cobrir o lugar com a caixa de papelão.

Interpelaram-no, perguntando se os tinha visto. Ele encolheu os ombros dizendo lacónico:

- Não sei de quem me fala, Guedes-san.

O segredo estava protegido. Tinha sido uma aventura especial, mas agora era apenas uma memória agradável e efémera. Todos aqueles que tinham privado com o impossível haveriam de duvidar da experiência dali a algumas horas, quando fossem conferir as fotografias tiradas e os filmes feitos.

Com a viagem dos dois intrusos, pelo canal demasiado estreito, a sua presença apagara-se de qualquer suporte que pudesse testemunhar a sua presença ali. Já não estavam nas fotografias, já não estavam nos filmes. Apenas um espaço vazio, tempo decorrido ocupado com nada.

Namura-san acenou afirmativamente.

Estava feito. Reposta a ordem no universo. Pelo menos, naquele universo…

***

As energias e toda a réstia de força tinham-no abandonado e ele deixou-se carregar como se fosse uma trouxa de trapos velhos, debaixo do braço do namekusei-jin. Reconheceu-o pelo odor. O companheiro estava sobre o ombro do guerreiro verde, inconsciente e exangue.

Foram atirados sem cuidado e ao bater no chão frio do átrio do fim da escadaria, ele sorriu, de olhos fechados. Tinham milagrosamente regressado. Estavam no Palácio Celestial.

As mãos do kami-sama estenderam-se sobre ele e sobre o companheiro, espalhando calor e pingos de luz, curando-os de todos os ferimentos, restaurando-lhe o ki. Ele foi o primeiro a despertar. Sentou-se, apoiando o corpo nos braços. Viu Vegeta resmungar, deitado de borco, totalmente restabelecido. Notou a porta dourada fechada, com Mr. Popo a segurar a maçaneta. Piccolo encostava-se à parede, com um pé apoiado nesta, braços cruzados, cabeça baixa, fingindo ignorá-los. Nunca tinha descido as escadarias, pelo que a sua presença era totalmente inédita.

- Arigato, Dende – agradeceu Goku. – O que foi que aconteceu?

- Isso devo eu perguntar, Goku-san… O que fizeram lá dentro? De repente, Mr. Popo chamou-me a dizer que vocês tinham cruzado um limite proibido. Tinham aberto uma brecha na sala e era urgente resgatá-los. Pedi ajuda a Piccolo que entrou na sala e foi-vos buscar. Estavam completamente inconscientes e com tão pouca energia que não teriam sobrevivido se tivéssemos chegado um minuto mais tarde.

Goku olhou para o teto alto do átrio onde brilhava um enorme candelabro.

- Não me lembro muito bem… Mas estávamos só a lutar, Dende. Um treino normal. Eu não quebrei nenhuma das regras e Vegeta também não. – Encarou o kami-sama e completou: – Não sei o que possa ter acontecido.

- Alguma coisa aconteceu. Mr. Popo não se alarma sem motivo. E não se enganou porque estavam realmente muito feridos.

- Hum… Gostava de poder ajudar-te, mas não me lembro do que aconteceu. Vegeta disparou um Final Flash, eu defendi-o. Era demasiado poderoso, fui derrotado, mas depois disso… Não houve mais nada. Acordei aqui.

- Muito estranho, de facto.

- Mr. Popo?

O guardião negro limitou-se a dizer:

- Vocês abriram uma brecha na sala e os espíritos antigos ficaram agitados.

Goku ficou pensativo. Por mais que se esforçasse, não se conseguia lembrar do que quer que fosse que pudesse acrescentar ao curto relato que fizera ao kami-sama. E como tudo aquilo que achava supérfluo, descartou, eliminando a dúvida do pensamento. Não tinha mais explicações a dar. Perguntou de seguida:

- Mesmo que tenha acontecido alguma coisa, podemos continuar a treinar aqui?

Vegeta levantou-se. Dende respondeu:

- Claro que podem… Desde que não quebrem nenhuma regra.

- Nós não quebrámos nenhuma regra – defendeu-se Goku.

- Kakaroto!

Todos olharam para o príncipe dos saiya-jin, menos Piccolo que se manteve na mesma posição.

- O treino acabou. Vamos voltar para casa.

- Hai.

E quando Goku se pôs de pé, quando se voltava para o kami-sama para que este liderasse o cortejo escadaria acima, como sempre acontecia sempre que saíam da sala especial, Vegeta esmurrou-o. Antes que ele se recuperasse do primeiro impacto, levou com um segundo murro. E antes ainda de se poder defender, apanhou com um terceiro murro que o enfiou na parede oposta onde se encostava o guerreiro verde.

- Vegeta-san! O que estás a fazer? – gritou Dende alarmado, agarrando o bordão com força.

Nem Piccolo, nem Mr. Popo reagiram.

Vegeta olhou para a luva branca ensanguentada. Negou devagar com a cabeça.

- Não sei… Apenas tinha de lhe dar três murros. Tinha-lhe prometido que o faria, por algum motivo…

Goku agarrava-se ao queixo. Lamentou-se:

- Vegeta… Isso não foi nada simpático.

- Por que é que não te defendeste, Goku-san? – indagou Dende perplexo.

Goku encolheu os ombros, rindo-se.

- Eu também me lembro que ele me tinha prometido dar três murros… Agora, por que razão, também não sei… Bem, as contas estão saldadas. Podemos mesmo voltar para casa.

***

Goku deixou-o na Capsule Corporation com a Shunkan Idou, seguindo o ki da amiga de longa data e depois de ter cumprimentado Bulma num aceno trapalhão, não se demorou mais do que cinco segundos e foi, com a mesma técnica, para as montanhas Paozu, seguindo dessa vez o ki de Chichi.

Bulma escorraçou Vegeta, fazendo uma careta, apertando o nariz entre o polegar e o indicador.

- Vai tomar banho. Tens um cheiro nauseabundo!

Vegeta nem lhe respondeu. Dirigiu-se para o piso dos quartos, com um:

- Humpf!

Descalçou as botas ao entrar, atirando-as cada uma para o seu canto. Despiu a blusa azulão, de manga comprida, que lhe ficava justa no torso, desentalando as mangas das luvas brancas. Viu Bulma entrar no quarto, tinha vindo atrás dele. Ela disse-lhe dirigindo-se ao armário:

- Hoje vamos ter um jantar cá em casa com uns amigos do meu pai. Por isso vais vestir-te convenientemente. Não quero calças ou blusas largas, nem sapatilhas ou calções.

A indumentária prática que ele usava em casa. Vegeta revirou os olhos, suspirando. Odiava aqueles jantares! Mas fazia-lhe as vontades, pois não conseguia aturar o mau humor dela quando resolvia faltar a um desses eventos sociais. Debruçou-se sobre a grande janela panorâmica do quarto. O entardecer pintava os edifícios de West City de vermelho e laranja. Não se tinha apercebido do correr do tempo.

Alguma coisa picou-lhe no braço. Retirou a luva esquerda e descobriu um pequeno papel dobrado em quatro. Bulma continuava a tagarelar, enquanto escolhia uma roupa adequada para ele vestir, fazendo os cabides baterem uns de encontro aos outros, deslizando pelo longo varão do armário.

Vegeta estranhou. Abriu o papel. Não tinha nada escrito, apenas um pequeno coração desenhado e preenchido a tinta azul.

O quarto encheu-se de silêncio.

As memórias queriam regressar, mas não logravam transpor a barreira brumosa da sala especial onde ele e Kakaroto tinham treinado naquele dia.

- O que é isso?

Um cheiro agradável a flores do campo entrou-lhe pelas narinas.

- O que é isso? – repetiu Bulma.

Vegeta inspirou profundamente.

- Esse perfume…

- Gostas?

- Hai

Quando olhou, o papel estava completamente em branco, apenas com os vincos marcados na superfície, dividindo-o numa cruz, em quatro partes iguais.

- É um perfume novo. Ainda bem que gostas.

Bulma rodeou-o para poder olhá-lo de frente e mostrar que continuava desagradada.

- Mas eu não gosto da maneira como tu estás a cheirar. Banho. Já!

Vegeta entregou-lhe o papel e entrou irritado na cabina de duche.

O que é que ela esperava? Ele tinha estado a treinar-se, raios! Era suposto suar e sujar-se. Ele era um guerreiro poderoso, raios!

Quando a água quente lhe caiu sobre o rosto, acalmou-se. Lembrou-se do cheiro dela. Gostara muito daquele perfume a flores do campo. Uma memória agradável, mas breve como um sopro, preencheu-o. Tinha conseguido derrubar Kakaroto com um Final Flash indefensável. Por pouco não tinha perdido a vida, mas fora capaz de fazer vergar o seu rival de longa data. Ele até tinha admitido, perante o kami-sama, que tinha sido derrotado.

O dia de treinos não podia ter corrido melhor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado a todas as leitoras e leitores, entusiastas, comentadoras e comentadores.

Vemo-nos no Iberanime.

Até sempre!