Os dois se olharam na penumbra. Estavam ofegantes, nervosos com aquela situação. Escondido em um beco escuro, no início da noite. Correr como doidos varridos pela rua, vestidos de personagens de Harry Potter não era muito prático. Principalmente para Summer, que havia soltado o cabelo para se caracterizar melhor. Agora, suas madeixas pareciam uma juba de tão assanhadas que estavam.

Quando ela ia começar a olhar ao seu redor, em busca de uma solução para a correria, que havia cessado por pouco tempo (os fãs dela se descuidaram e os perderam de vista), mas Richard a segurou de frente para ele e começou a ajeitar os cabelos dela, tentando parecer calmo.

- Não olhe para lá agora… Não para aquele lado, sério… – Ele segurou o rosto dela, deu dois estalos nos dedos e apontou para os próprios olhinhos azuis, pedindo atenção. Teria sido muito meigo da parte dele aquele ato se ela não tivesse encarado como ofensa.

- Tá me chamando de autista, por acaso?! Qual é?! O que não quer que eu veja ali?! – Summer se desvencilhou dele e seus olhinhos puxados brilharam ao ver o neon que começara a acender, indicando um local onde aconteceria em instantes um concurso de dança.

Summer olhou maliciosa para seu mais novo parceiro de dança.

- Não.

- Sim!

- Não, não.

-Sim, sim, sim!

- Não, nem pense nisso. Já fui Harry Potter hoje, minha cota de atuação se esgotou. Ser bruxo cansa, sabia? E não se brinca com magia aqui neste país…

- Está com vergonha? Não sabe dançar nada, não é? Provavelmente não sabe, tem cara de quem não sabe! Vamos, eu te ensino! – Summer fez carinha de professora piedosa, cheia de si, dando tapinhas nos ombros dele.

- Ah, mas eu sei dançar sim! – Richard pareceu ofendido com o comentário.

- Ótimo, então vamos!

- O quê?! Eu disse que não! Nãooooo. – Sotaque britânico carregado.

- Você dança ou não dança?

- Eu danço, digo, eu sei dançar…!

- Então isso foi um sim, vamos lá dançar!

- Você entendeu errado o que eu falei ou isso eh alguma retórica budista?

- Eu sou cristã, Richard!

As inscrições foram feitas lá mesmo, na hora. Era uma competição para amadores, pelo visto. Foi tudo muito fácil.

Difícil foi, para facilitar o disfarce contra possíveis fãs com quem esbarrassem, escolher entre as roupas horrorosas que tinham disponíveis para os que quisessem “aprimorar” o visual. Summer ficou boquiaberta com a quantidade de coisa feia, tosca e mofada em um só camarim. Mas se animou ao encontrar um vestido bufante, saído das brenhas esquecidas dos 80’s, com ares latinos e cores berrantes, enquanto Richard escavacava algumas roupas masculinas e testava em si mesmo, pondo sobre a roupa no corpo. Das mais feias as menos feias, ele ficava bem em todas, principalmente nas escuras.

- Nossa, que inusitado… Será que ela vai dançar mesmo ou vai sair dando voadoras nos dançarinos adversários…? – Uma loira aguada, mais alta que seu parceiro de dança, ironizou.

Summer não entendeu patavinas do que a mulher, com um bronzeado mais falso que o de uma Barbie Sereia da década de 90 havia dito. Mas de uma coisa ela tinha certeza: Foi algo sobre ela. Trocou de roupa, colocou o vestido espalhafatoso e chegou cochichando ao pé do ouvido do Richard:

- Psiu! Você ouviu o que aquela tia disse? Foi algo sobre mim? – Disse franzindo o cenho.

- Foi… – Richard olhou para o vestido impressionado com a feiura da peça. Ele jurava que ela estava apenas segurando a roupa para facilitar a escolha e procura de outras coisas no camarim. Mas lá estava ela, vestida com aquele algodão doce dos infernos. Ainda assim, lindíssima. Ela era tão graciosa que até vestida com papel celofane magenta, Summer ficaria bonita.

- E o que foi que ela disse? Vai, me conta!

- Ela disse… Que você parece uma jujuba ambulante… – Richard mentiu sem ponderar, imaginando o acidente que seria ao caírem pelo salão por causa de um tropeço em uma anágua daquela coisa colorida e tentando fazê-la desistir da roupa, com o mínimo de delicadeza.

- Ah, pensei que tivesse me ofendido. Tudo bem então. – Abrindo a bolsa e pegando seu minúsculo kit de maquiagem.

³º3º³