Estava observando aquela foto. Faziam anos que eu tentava entendê-la ou lembrar da história por trás daquela foto, mas eu simplesmente não conseguia. Na foto, um garotinho segurava minha mão. Nós dois mantínhamos um sorriso enorme e inocente no rosto.

Levei a mão na cabeça sentindo um corte. Tudo começou quando eu tinha seis anos. Eu não me lembro dessa história, mas tudo o que sei, foi contado por minha irmã.

Chovia muito naquela noite, e voltávamos da casa da minha avó, na cidade vizinha. Meu pai não conseguia enxergar nada além do vidro, minha irmã estava do meu lado preocupada. Mamãe tentava nos acalmar, dizendo que logo estaríamos em casa. Me dói o coração admitir que ela estava errada. Sem conseguir ver nada, meu pai passou reto em uma curva e bateu em uma árvore. O impacto foi forte, e eu estava sem sinto de segurança. Hanna, minha irmã, me contou que bati a cabeça muito forte e fiquei em coma por meses. Nossos pais morreram na hora, deixando um vazio imenso em nós duas. Felizmente, Hanna só ficou desacordada até a ajuda chegar.

Fechei os olhos, mas logo voltei a examinar a foto. Lembranças vieram na minha cabeça.

Depois quando eu acordei, Hanna veio me dizer que esse meu amigo tinha mudado de cidade. Ela não lembrava seu nome, pois nunca brincava com nós dois por ser mais velha. Lembro-me de olhá-la com uma expressão confusa.

– Você não se lembra dele, não é? - ouvi-a perguntar.

Balancei a cabeça, negando.

– Se lembra da mamãe? Do papai?

Neguei.

– E do acidente?

– Não, Hanna. O que está acontecendo comigo? - eu era pequena, mas estava desesperada.

Me lembro que Hanna ficou me olhando com lágrimas nos olhos. Ela não conseguia me dizer nada.

– Oh, Jess... - disse se afogando no choro.

Afastei as lembranças voltando em mim. Lágrimas estavam descendo pelo meu rosto. Não era fácil não lembrar de sua infância, dos seus pais e de um antigo amor de infância, como dizia Hanna.

Peguei as fotos que caíram do chão e coloquei dentro do meu livro "As crônicas de Nárnia". Não queria ficar mais triste. Voltei a inclinar no chão tentando catar outras coisas que caíram da caixa quando escutei o telefone tocar.

– Alô?

– Jess! Que saudade! - Hanna estava empolgada.

– Hanna! Também estou com saudades, sumida.

– Quando vem me visitar?

– Quando? Não tenho dinheiro, nem tempo. - ri.

– Sua boba. Para de desculpa. Queria te chamar pra vir mês que vem. É a França, Jess! É perfeito.

Comecei a rir. Hanna era divertida.

– Vou pensar na possibilidade. - respondi.

– Ok então, qualquer coisa me ligue. Só liguei pra saber se você estava bem.

– Estou e você?

– Também estou. Ou melhor, estamos.

– Estamos? Ah, Rayan também está bem, né?

– Sim, mas não estou falando dele.

– Como não? - estava confusa.

– Jess...

– Oi?

– Eu estou grávida. - ouvi-a gritar.

– Oh meu Deus, Hanna! - eu comemorava pulando.

Conversamos mais um pouco. Hanna pediu que eu fosse madrinha de meu sobrinho, ou sobrinha. Aceitei é claro. Estava feliz por ela. Nem me lembrava mais que estava chorando a poucos segundos atrás.

*

Saí do prédio indo em direção ao café da esquina. Precisava tomar algo. Usava short e uma blusa mesclada de roxo e azul. Meus cabelos estavam soltos como de costume. No ouvido, Arctic Monkeys do último volume tocando Fluorescent Adolescent. Quase sem perceber, dançava ao som da música.

"Oh that boy's a slag, the best you ever had.", entrei na cafeteria cantando baixo.

Distraída, senti o impacto de meu corpo em outro, seguido pela temperatura quente do café caindo pelas minhas pernas.