Deuses e Diamantes escrita por André Tornado


Capítulo 15
Chegada.


Notas iniciais do capítulo

"Existe um pressentimento que me assalta
quando olho para Ocidente.
E o meu espírito grita por partir.
No meu pensamento tenho visto
argolas de fumo através das árvores.
E as vozes daqueles que, especados, observam."
Led Zeppelin, Stairway To Heaven



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Era um lugar imenso, espalhando-se infinitamente para qualquer lado para onde se olhasse, sem um horizonte que balizasse o terreno. Havia chão firme, despido de vegetação ou de arvoredo, ondulando em determinadas áreas, completamente plano noutras, uma espécie de tapete de cor amarela, parecendo veludo, e, por cima deste, um céu tão liso como um pedaço de tela de plástico, num tom violeta carregado. O local era luminoso, mas não se via qualquer estrela no céu ou outra espécie de iluminação. Tanto o chão, como o céu, tinham uma luz própria, radiante. O ar era respirável, com um leve aroma doce que chegava a ser viciante.

- Continuas de parabéns, saiya-jin. Lux considera-te mais do que obviamente mereces.

- Porque é que dizes isso?

Son Goku olhou para Ozilia que passou por ele sem lhe dispensar um olhar quando lhe falara, adiantando-se e postando-se de pernas abertas, mãos na cintura, contemplando o mesmo vazio colorido e quente. Respondeu zombeteira:

- Ele está a mostrar-te um mundo semelhante ao que tu conheces, com as mesmas limitações físicas. Quer que te sintas em casa.

- A gravidade é superior à da Terra – observou o namekusei-jin.

- Ligeiramente… Dez vezes superior. Igual à do planeta Vegeta – acrescentou o príncipe.

- A gravidade não vai ser problema – disse Gohan, olhando cautelosamente para todos os lados. – Estamos habituados a qualquer força de gravidade diferente daquela que temos na Terra.

- Uma pequena piada, aposto – resmungou o namekusei-jin.

- E agora? Para onde vamos? – Perguntou Gohan.

- O que é que diz o teu diamante? – Indagou o príncipe.

- Não diz nada.

- Como é que sabes, Kakaroto?

- Não preciso olhar para o diamante para saber.

Ozilia voltou-se subitamente, sorridente. Número 17 semicerrou os olhos, marcando cada gesto da criatura, incomodado por estar realmente a fazê-lo. A irmã, ao lado, tentava encontrar um ponto de referência naquela paisagem nua. As duas crianças estavam boquiabertas, extasiadas com aquele novo lugar que aguardava pelas suas explorações infantis.

- Goten-kun… Este sítio é fantástico!

- Hai, Trunks-kun. Mas… Não tem nada.

- Precisamente. Deve ter alguma coisa em algum lugar, muito escondida.

- Assim… como um tesouro?

- Hai!

- Eh! Que sítio fantástico, Trunks-kun!

Gohan espreitava-os pelo canto do olho, a pensar o mesmo que o irmão. Ali não havia nada e não se via que houvesse nada por muitas milhas em redor. Colocou uma mão sobre a testa, a servir de pala, a tentar perceber algo que se assemelhasse a uma construção, a um muro, a uma estrada, a algo sólido, mas continuava a não encontrar nada. Onde estaria esse tal Lux e onde iria decorrer o famoso torneio? Trunks tinha razão, pensou com um arrepio: devia existir alguma coisa em algum lugar, mas tão escondida que lhes passava despercebida. E não sentia o ki de mas ninguém a não ser aquele que vinha de todos os que ali estavam. À exceção de Ozilia, mas já se habituara que ela não emitia ki, descontando ainda a ténue aura emitida pelos dois humanos artificiais gémeos.

O príncipe perguntou cínico:

- Kakaroto, tens a certeza que estamos no sítio certo?

- Hum-hum.

- Como é que sabes?

- O diamante confirmou-o.

- E esse diamante não te está a dizer mais nada?

- Já disse que não.

O príncipe impacientou-se e elevou a voz:

- Muito bem! Já que nos estás a guiar com a ajuda desse estúpido diamante, o que é suposto fazermos agora, já que estamos no meio de nenhures? Hum?!

- Calma, Vegeta.

- Calma? Calma?! Não me peças para ter calma! Parecemos um bando de idiotas parados no meio nem sei bem de onde à espera nem sei bem do quê! Não quero ter calma! Estás a ver alguma coisa que nós não estamos a ver, Kakaroto? Porque eu não estou a ver patavina!!!

- Ferves em pouca água, príncipe – comentou Ozilia séria.

Ele espetou-lhe um dedo.

- Tu também tens um desses estúpidos diamantes. O que é que sabes que não nos queres contar?

- Son Goku está a guiar-nos, como muito bem afirmaste.

Ao ouvi-la mencionar o nome daquele que Ozilia gostava de tratar com um ostensivo desprezo por apenas saiya-jin, o príncipe estremeceu. Mas não baixou o braço. Ela prosseguiu:

- E, a partir deste momento, em que penetraste no mais sagrado dos lugares do Universo, deverás obedecer às regras dos deuses. Ou morrerás!

A ameaça foi intolerável.

- O que é que me estás a dizer, sua criaturinha provocadora?

O namekusei-jin interpôs-se entre o dedo espetado e Ozilia.

- Vegeta, acalma-te.

- Também tu me estás a pedir para ter calma?

- Hai, Vegeta. Temos companhia – explicou Goku apreensivo.

- Nani?!

Não gostara do tom, nem gostara do conteúdo. A frase soara-lhe estranha, porque pressentira um ligeiro receio e não esperava que tivessem, o quê? Companhia? Vinda de onde? O príncipe voltou-se e encontrou um trio de seres esquisitos, que pareciam complementar-se. Um conjunto que fazia sentido unido, mas que separado perdia a noção da própria identidade. Três seres que estariam vivos, mas que não tinham ki e que não respiravam, de uma cor baça acinzentada, aparentemente revestidos de um qualquer metal desconhecido. O ser do meio era balofo, redondo, como uma garrafa bojuda, sem pés, patas ou qualquer tipo de apêndice inferior que o auxiliasse na locomoção. A parte superior, equivalente ao gargalo da garrafa, tinha uma mancha redonda esverdeada e nojenta que borbulhava, uma chaga prestes a abrir-se. Os seres das pontas eram esguios como tubos, sem qualquer espécie de membros, duas varas que equilibravam a garrafa. Eram baixos, com pouco mais de um metro. Olhavam inquisidoramente para Goku e este achou por bem fazer-lhes uma vénia e apresentar-se:

- Yo, chamo-me Son Goku e venho do planeta Terra. Fui convidado pelo deus Lux para participar no torneio de artes marciais.

Contra todas as expetativas, a garrafa falou através da mancha esverdeada:

- Son Goku, fomos enviados por Valo, o mensageiro. Ele pretende encontrar-se convosco no Palácio do Tempo.

- Ah… sim?

Goku abriu um largo sorriso, encarando os amigos.

- Viram? Afinal, estamos no sítio certo!

O príncipe cruzou os braços bufando aborrecido. O namekusei-jin perguntou desconfiado:

- E alguma vez tiveste dúvidas disso, Son? Que não estávamos no sítio certo?

- Eh… Por momentos…

As duas crianças refugiaram-se atrás de Gohan.

E número 17 enfiou os punhos fechados nas calças de ganga, a começar, também ele, a ferver em pouca água.

- Eu também não estou a gostar disto – sussurrou-lhe a irmã.

Ozilia mostrou o seu diamante e olhou de uma forma tão penetrante para Goku que ele também retirou o diamante que lhe pertencia de dentro da túnica. Na proximidade uma da outra, as pedras preciosas refulgiram e, num pestanejar, encontraram-se numa vereda orlada de estátuas retorcidas, esculpidas em metal derretido aleatoriamente, que subia por uma elevação até o que parecia um muro muito alto e escuro, velado por um nevoeiro impenetrável. A luminosidade da paisagem de boas-vindas tinha diminuído consideravelmente, soprava uma brisa gélida. O céu era agora azulão, como tinta derramada, notando-se as pinceladas na tela amanhada à pressa, ainda fresca, havendo a sensação de que, a qualquer instante, poderiam cair grossos pingos de tinta azul.

O trio de seres tinha-se evaporado e o grupo estava novamente sozinho, entregue a si próprio, entreolhando-se, procurando conforto mútuo. Um pressentimento aziago cada vez mais forte, cada vez mais entranhado.

Ozilia caminhou pela vereda, tomando a dianteira e, apesar de estarem a ser guiados por Goku, como ela lhes tinha afirmado categoricamente, escolhiam agora a liderança dela sem qualquer hesitação.

Embrenharam-se no nevoeiro e o muro transformou-se numa parede antiga, construída de tijolos negros, muito unidos, ameaçadores e tão gelados quanto a brisa que estava a acompanhá-los, que gostava de lamber-lhes as faces e de agitar-lhes as cabeleiras. Na parede havia um portão enorme, entreaberto, com travessas cobertas de tachas bicudas. Sabiam que tinham alcançado a entrada do Palácio do Tempo, mas ninguém ousou certificar-se, perguntar ou comentar. O lugar tinha uma aura incomum – pretendia esmagá-los e reduzi-los à sua insignificância de simples mortais, mas acolhia-os com promessas e mistérios demasiado tentadores.

Pararam, diante daquele portão massivo. Assim que o franqueassem, tinham definitivamente entrado no jogo, empenhado a vontade, entregado a alma. E não havia retorno possível. Seria até á morte… Um pensamento estranho, mas real como um murro na testa.

Ozilia apoiou uma mão no portão, empurrando-o para criar uma abertura maior. Apesar da sua enormidade, este moveu-se como se pesasse tanto como uma pluma.

Entraram num pátio magnífico, alvo como uma nuvem, marmóreo e austero, mas estranhamente acolhedor, decorado com degraus e colunas, que destoava do muro e do portão que lhe dava acesso.

Valo estava mais adiante, no pátio, exibindo-se numa postura majestosa. Usava um diamante ao pescoço de uma beleza surreal, maior do que o de Ozilia e muito maior do que o seu, pensou Goku intrigado, tentando estabelecer uma ligação entre o tamanho dos diamantes e os eventuais poderes dos respetivos donos, pensando se Lux não teria também um diamante ainda maior do que qualquer um daqueles, mas a voz bem colocada de Valo arrancou-o desse pensamento, transportando-o de volta ao centro do pátio:

- O meu senhor Lux agradece a tua vinda aos seus humildes domínios. E pretende que a tua estadia e a dos teus companheiros seja o mais agradável possível.

Ozilia olhava Valo de lado, na defensiva. Ele, por seu turno, ignorava-a pomposamente. Goku agradeceu atabalhoadamente:

- Ah… Arigato… Eu e os meus companheiros estamos… bem.

Houve um momento de silêncio. Quando Goku ia perguntar pelo torneio, onde seria, quando aconteceria e como se teriam de apresentar, Valo disse:

- Sigam-me.

E começou a caminhar pelo pátio. Os outros foram atrás, Goku à cabeça da comitiva. Ozilia deixou-se ficar para trás e só arrancou depois de espreitar o portão com uma leve ruga de preocupação na testa. Número 17 perguntou-lhe num sussurro:

- A proteger a nossa retaguarda?

- Vocês não precisam.

- Hum… Somos fortes o bastante para nos protegermos sozinhos?

- Já estão condenados.

Número 18, a irmã, fulminou-a com um olhar gélido.

- Gosto do teu otimismo – gracejou número 17.

- Eu avisei-vos para não o desafiarem.

- Pensei que tivesses apreciado a forma como Son Goku te ajudou a eliminar o guerreiro gigante.

- Eu não precisava da ajuda dele, mas concedi em aceitar para ver como lutava um saiya-jin.

- Porque procuravas alguém para enfrentar Lux e não achaste que eu fosse suficiente, apesar de, quando me encontraste na floresta, tivesses pensado o contrário.

Ozilia sorriu-lhe brandamente.

- És tão convencido, humano patético.

- Artificial, por favor. E não me insultes ao pé da minha irmã.

Entraram num átrio redondo, encimado por uma cúpula perfeita, de pedra negra talhada, que rivalizava em beleza com o pátio. Havia uma abertura arredondada no topo à direita e uma porta fechada, também arredondada no topo, à esquerda. Valo indicou a porta.

- Os vossos aposentos. Espero que sejam do vosso agrado e que descansem. Terão dias complicados pela frente.

Goku perguntou:

- Ah… E quanto ao torneio?

- Serão convocados no momento certo. Não te preocupes, Son Goku. O meu senhor Lux é hospitaleiro, apesar da sua reputação. E é um excelente anfitrião. Estou convencido que irão sentir-se como em casa. Agora, queiram desculpar-me… Irei abandonar-vos. Terão todas as comodidades necessárias para uma excelente estadia.

Afastou-se às arrecuas, baixou a cabeça e regressou ao pátio, fazendo o caminho inverso. O príncipe postou-se ao lado de Son Goku.

- Não gostei daquele Valo. Vamos lutar com ele.

- Achas? Mas ele é só um mensageiro.

- Reparaste no diamante dele?

- Hai.

- Eu também. E não gostei nada. Reagiu quando tu te aproximaste.

- Mas o diamante de Ozilia também faz o mesmo. Acho que deve ser uma coisa normal…

- Protege bem o teu diamante, Kakaroto.

- Porque é que dizes isso?

- É o teu ponto mais vulnerável neste momento. 

***

Goku, Vegeta e os dois miúdos, Trunks e Goten, ficaram com um dos quartos. Gohan escolheu partilhar o dele com Piccolo, os irmãos, número 17 e número 18, ficaram juntos no terceiro quarto. Ozilia desaparecera.

Aqueles aposentos tinham, de facto e tal como apontado por Valo, todas as comodidades para uma excelente estadia. Puderam tomar banho, havia armários com roupas diferentes que poderiam utilizar se pretendessem trocar de vestimenta e até usufruíram de uma farta refeição, posta numa mesa comprida de uma saleta que era comum aos três quartos. Piccolo quisera avisá-los que não deveriam tocar naquela comida, não sabiam a sua proveniência, mas a fome descomunal de Goku sobrepusera-se a qualquer resquício de prudência. Os outros saiya-jin também não se fizeram rogados e atiraram-se à comida como se não comessem havia mais de dez dias. O namekusei-jin não os acompanhou, a sua desconfiança impedia-o de saborear a água que lhe estava a ser oferecida. Número 18 preferiu não comer nada e número 17 recusou-se a partilhar a mesma mesa com o seu inimigo.

Mesmo que a viagem não tivesse sido, aparentemente, cansativa, sentiam necessidade de dormir, depois de se terem alimentado e recolheram-se aos quartos. Passados alguns minutos, depois de ter ouvido o príncipe a ralhar com as crianças para que ficassem quietas e depois de algumas gargalhadas boçais, número 17 escutou os roncos vindos do quarto de Son Goku. Todos dormiam. Estendia-se na cama que lhe coubera, muito confortável e fazia algumas noites que precisava dormir sobre um colchão decente, braços atrás da cabeça, olhar colado no teto, pelo que iria aproveitar aquele conforto da melhor maneira possível. O ruído mínimo ao seu lado recordou-o que não estava sozinho. Número 18 disse-lhe antes que ele abrisse a boca:

- Não quero falar.

- Eu não ia falar…

- Ainda bem.

- Também vais dormir?

- Claro. Devemos estar com a nossa máxima energia.

Ele sorriu na penumbra, enquanto ela se deitava de costas para ele, enrolando-se debaixo do cobertor.

- Sinto algum rancor da tua parte, mana.

- O passado já lá vai e eu não me quero recordar do passado.

- Eu não vou falar do passado. Disse-te que não ia falar.

- Mas tu és, simplesmente, o passado. Basta olhar para ti. Ainda continuas a usar esse ridículo lenço vermelho ao pescoço.

- Rancor, definitivamente… Mas devo avisar-te que esta história do torneio não é ideia minha. Foi esse idiota do Son Goku que aceitou o desafio de Lux e arrastou-nos até aqui.

- Não te preocupes, não te vou cobrar nada. Eu não vim para apenas lutar, vim pelo ganho. Conto arranjar um diamante daqueles para mim e o meu incómodo fica pago. Tu, já sei, vieste por causa dela.

Ele sentiu a pele arrepiar-se.

- O que é que estás a dizer? – Perguntou irritado.

- Sabes muito bem de quem estou a falar e não adianta disfarçares. Tem cuidado. Se o diamante é o ponto mais vulnerável de Son Goku, o teu será Ozilia.

- Cala-te, mana. Acho que precisas descansar, a viagem deve ter avariado um qualquer circuito dentro dessa carcaça bonita.

Sentiu-lhe o sorriso.

- Sempre fui a mais bonita de nós os dois.

E ele sorriu com ela.

Ao fechar os olhos, número 17 teve um sobressalto. Sentiu, novamente, o ki da corça.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Surpresas.



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