Quando terça-feira chegou, eu me sentia acabada. Não consegui dormir a noite inteira, inundada demais com os pensamentos terríveis. Sentia-me com tanta raiva do Alex e tudo que ele fez todos passarem, e ao mesmo tempo, sentia-me aterrorizada pois ele era mais poderoso do que eu pudia imaginar.

Tentei convencer minha mãe a faltar o colégio mas foi em vão. Ela ordenou que eu me arrumasse e fosse logo. O medo de que Alex contratasse alguém para me sequestrar no caminho do colégio tomou conta de mim. Eu estava enlouquecendo e tinha noção disso. "Você namorou a Senhorita X", pensava, ficando enjoada em seguida. Liguei para Cam e implorei uma carona. Ela teve que mudar todo o trajeto mas pôde fazer-me o agrado, o qual eu justifiquei com "eu só estava com saudade de você". Incrivelmente, ela acreditou.

Quando eu e Cam estávamos indo para classe, vi João de longe perto de um bebedouro. Inventei uma história de estar louca de sede e fui, sozinha, encontrar-me com ele.

– Oi João - falei.

Ele estava de costas para mim e não se virou para me responder. Voltou a andar.

– João, espera! - falei, tentando acompanhar seu passo - O que que foi?

Ele andava mais e mais rápido, virou-se à esquerda e subiu em uma escada. Tentei ser mais rápida para encurrala-lo pela frente. Segurei seu braço magro e o virei a força.

– Ei, por que você não está me resp...

Deparei-me com um João destruído. Uma mancha roxa circulava seu olho direito. Havia um corte profundo no canto inferior de sua boca. Sua testa estava com um curativo malfeito que já parecia estar encharcado de sangue.

– João, o que aconteceu?!

– Adivinha - disse ele, soltando minha mão de seu braço.

– Senhorita X?

Ele não me respondeu e voltou a andar.

– João, fala comigo! Como isso aconteceu? - ignorou-me novamente - João!!

– Porra, Juliana! - gritou. Ao ver que tinha falado alto de mais, baixou o tom - Não dá para falar isso. A Senhorita X tá de olho. Se eu fosse você, pararia de me envolver nessas coisas porque olha só o que te acontece! A gente não pode mais se ver, a Senhorita X mandou. E desculpe mas eu gosto do meu rosto e não quero ele destruído assim mais uma vez... Desculpa tá. E ouve o que eu tô dizendo.

João virou-se e saiu, erguendo o capuz de seu casaco cinza escuro.

As aulas ocorreram normalmente. A única diferença foi que Alex faltou e Rodrigo ainda parecia não ter me perdoado por causa daquela história minha-mão-na-cara-da-namorada-dele.

No dia seguinte, tudo que eu queria era falar para João sobre a minha descoberta porque pelo jeito ele ainda não sabia que o Alex que era a Senhorita X. Quando fui colocar minha mochila para marcar meu assento e ir procurar João, Camila colocou em minha mão o celular dela aberto na página da Senhorita X.

"Queridos leitores,

Estou de volta :D

Sentiram minha falta, não? Como sempre, eu sei.

Hoje eu chego com uma notícia meio séria, mas que me faz gargalhar bastante! A notícia tem João, do terceiro ano B, como foco. "Senhorita X, quem é esse Zé Ninguém que eu nunca ouvi falar?" Ah, leitores, não os culpo de não saber. João é um garoto que tem uma ou duas amizades que mora com a vovó numa casa bem acabada. Mas não é por isso que João está sendo comentado aqui.

Acontece que João tem um caso com a professora de música, Manuela. E não é uma mera atração! Eles se encontram toda terça e quinta há dois meses, depois das aulas. E não é para estudar, posso lhe garantir. ;)

Eis aqui em baixo, minhas provas. :)"

E não tinha anexado apenas um vídeo ou uma foto, como Senhorita X sempre fazia. Tinha quatro videos, numa ótima qualidade por sinal, e dez fotos. Todas apareciam João e Manuela se beijando ou se abraçando.

Uma onda de dó me atingiu. João era capacho da Senhorita X por isso. Fez tanta coisa só para não ter o segredo espalhado, inclusive levar uma surra!

Assisti o último vídeo do post. Esse foi o mais torturante de ver. Era João, sentado numa cadeira de plástico, segurando a mão da professora.

"Manu", dizia ele, com dor audível na voz "Eu sei que a gente pode não ficar junto. Eu não quero arruinar seu trabalho. Quer dizer, você lutou tanto para ter um lugar aqui... Eu sei que a gente não pode ter nenhum relacionamento oficial nem nada, mas eu só não suporto ver os idiotas da minha sala dando em cima de você ou falando para mim como você é uma professora gostosa e bla bla bla..." Manuela riu "Eu sei que eu não posso brigar com eles nem nada mas, talvez, se você me desse a confirmação de algo, eu não teria tanta vontade de esmurrar a cara deles toda santa vez. Eu só quero poder te chamar de namorada. Só entre nós. Pelo amor de Deus, nós nem temos tanta diferença de idade, não é algo tão bizarro, é?"

"João, você sabe que o problema não é realmente a idade, já que você já tem 18 anos. Eu sou sua professora, João. Isso aqui que a gente tem é muito muito errado. Eu não posso continuar com isso."

"Você está terminando comigo? Você não pode terminar comigo, nós nem começamos..." Manuela deu uma risada triste "Não, Manu, não, por favor. Eu não vou conseguir suportar te ver toda semana entrando na minha sala."

"João, não transforme isso em algo mais difícil do que já é" ao ver a feição tristonha dele, ela completou a sentença "Mas se daqui a uns dez anos você ainda estiver afim de mim... Pode bater lá em casa"

Os dois começaram a rir e se abraçaram. João soltou algumas lágrimas quando falou, no ouvido dela:

"Eu te amo demais, Manu."

O vídeo acabou.

– Você acredita nisso? - falou Camila - Essa professora Manuela não é boba não, ein? Só ficando com os novinhos... Se bem que ela podia ter escolhido melhor, esse João nem é tão bonito, tem vários gatinhos que iriam topar ficar com ela. Apesar de ser professora, ela é bem gata até. Também né, 23 anos.

Pela ironia do destino, música era a nossa primeira aula. Manuela entrou na sala radiante como sempre, balançando seus cabelos negros. Pediu para que todos se sentassem. Todos se calaram ao ver que a mulher estava lá. 

A professora pareceu notar o repentino silêncio.

– Meu Deus, isso é real? Essa turma consegue mesmo ficar quieta? Milagre!

Manuela começou a rir, mas ninguém riu junto. Ela parecia desconfortável.

– Bom, gente, vamos abrir na página noventa e dois. Quero que vocês leiam a teoria e depois façam os exercícios da página seguinte que...

Manuela foi interrompida por um toc-toc estrondoso. A porta foi aberta e a secretária do diretor entrou apressada. Foi até ao lado da professora e começou a sussurrar. Manuela passou de uma feição alegre para uma bem confusa. Levantou-se e falou:

– Bem, galerinha, eu já volto. Façam o dever e permaneçam em silêncio!

Assim que ela e a secretária saíram, todos começaram a conversar. Eu me sentia mal. Querendo ou não, eu me sentia parte da história. Eu que impulsionara João a fazer aquilo. Se ele não tivesse feito, Senhorita X provavelmente nunca ia espalhar o segredo e o emprego de uma mulher não estaria em risco.

Uma estagiária depois de uns minutos entrou na nossa sala e ordenou que todos se calassem e fizessem o dever. Todos obedeceram.

No recreio, tentei achar João novamente, apesar de que não parecia tão importante falar sobre a Senhorita X naquela hora. Em vez dele, vi Manuela na sala dos professores colocando vários objetos dentro de uma caixa de papelão. Ao ver que eu estava olhando, apressou os movimentos e saiu em disparada à direção oposta. Percebi que ela estava chorando.