Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 48
"Sobreviventes"




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Ao clamar auspicioso do jovem, avançam sobre ele os profissionais de saúde que junto à ambulância iam atendendo alguns presentes acometidos pelo pânico. Sob as ordens e olhar atento do médico e da enfermeira, o salvador deposita o corpo inerte de Catarina sobre a maca manual e assiste o médico no transporte da paciente até à entrada do veículo. Concluída a célere constatação dos vacilantes sinais vitais da cantora, o médico dá ordem ao motorista para que inicie a marcha rumo ao hospital.

Ao pé da multidão que agora começa finalmente a dispersar-se, Guerra segue chocado o percurso da ambulância, incerto do passo que dará primeiro. Aproveitando a proximidade do diretor da companhia, a quem o desajeitado contra-guerra tenta em vão consolar, o jornalista aperta decidido o bloco de papel e o lápis nas mãos e dirige-se a ele. A recolha dos dois depoimentos não lhe toma muito tempo, dado o estado desolado do bom senhor, cujos olhos enegrecidos pelo fumo não o deixam enxergar além do dano e, posto isto, Guerra corre para o jornal, incumbindo com veemente orientação, um dos jovens subordinados a redigir a matéria, capa da edição do dia seguinte. A um outro, mais habituado às lides da investigação, requisita a presença imediata no hospital a fim de verificar a gravidade do estado da lesada e uma posterior visita à delegacia, com ordens expressas de somente a abandonar quando nas mãos tiver os indícios de crime ou acidente.

No decorrer destas ações, Laura, Edgar, Celinha e as crianças chegam à segurança do lar, surgindo pela sala tão derrotados quanto prisioneiros de guerra. Ainda no colo de Laura, Melissa descobre os olhos amendoados, refeita da crise de asma, contudo ainda acometida por um terrível medo que em breves instantes lhe repõem na face um abundante choro. Francisco, por seu lado, permanece envolto nos braços do pai, perdido numa ambígua agitação e num cansaço justificado. Prostrada no sofá sem muito jeito e poucos modos, Celinha fita desconcertada o frasco de biscoitos que alguém esquecera ali horas antes. Talvez pelos nervos, é certa a sua vontade de abraçar o dito vidro e despachar veladamente cada um dos biscoitos boca adentro. Despertada pelo burburinho ruidoso que vem da sala, especialmente aquele que reconhece como sendo o choro soluçado de Melissa, Matilde sai da cozinha e, no exato momento em que uma das mãos de Celinha se aproxima do frasco, a empregada aparece cortando as hostes e areando o ímpeto guloso da senhora.

Matilde: D. Laura, Dr. Edgar! – exclama espantada perante o estado deplorável dos patrões.

Edgar: Está tudo bem Matilde, não precisa se preocupar. Houve um incêndio no teatro da rua do Ouvidor mas todos saímos ilesos, restou-nos apenas o susto – conta apaziguando as preocupações da fiel empregada.

Matilde: Um incêndio? Que horror! Espero que ninguém se tenha machucado e folgo em ver que os senhores e as crianças estão bem – responde ainda de cara fechada.

Laura: Infelizmente creio que havia alguém no interior aquando da deflagração das chamas. O Guerra ficou por lá, não deve tardar a trazer as novidades – prossegue afável limpando o rosto sujo e húmido de Melissa. – Matilde, me ajude por favor a dar um banho na Melissa e no Francisco.

Matilde: Claro D. Laura – assente estendendo os braços na direção de Edgar que lhe entrega o pequeno.

Francisco: Mas eu tenho fome – reclama durante a transição tentando escapar do banho.

Celinha: Se serve de consolo, eu também estou faminta. Sei que não é a hora mais propícia e que nem é de bom-tom mas, se não se importam, eu vou assaltar estes biscoitos – avisa recolhendo de supetão o frasco de vidro de cima da mesa.

Edgar: Ora Celinha, sinta-se em casa – fala esboçando um ténue sorriso ao confirmar a rapidez com que os biscoitos se evaporam. – Meu amor –, continua baixando o tom ao virar sua atenção para a esposa – quer ajuda nos banhos?

Laura: Não, faça companhia à tia Celinha. Assim que eles estiverem mais calmos e alimentados eu desço – diz enquanto observa Edgar inclinar-se ligeiramente sobre a testa de Melissa a quem dá um suave beijo. – Francisco, o que me diz se depois do banho a Matilde trouxer aquele bolo de fubá que você e Melissa tanto gostam? – questiona sugestiva abstraindo o menino da súbita fome enquanto se precipita para as escadas atrás de Matilde.

Francisco: Eu quero mamãe, eu quero – repete feliz lançando um sorriso encantador à mãe que o olha embevecida.

Melissa: Eu também – concorda amiúde sem levantar o rosto do ombro de Laura.

Laura: Que bom saber de toda essa fome de vocês – repara aliviada perto dos últimos degraus.

Matilde: Vou providenciar metade do bolo – garante rindo levemente abrindo a porta do quarto de banho.

Na sala, à medida que o frasco se vai sentindo mais leve por entre as sôfregas mãos de Celinha, cuja boca decorada de migalhas já nem espaço tem para a saliva, Edgar acomoda-se resignado na poltrona do lado direito, levando os dedos aos fios dourados que lhe percorrem num vigoroso desacerto a fronte. Distraída e alvoraçada pela demora de Guerra, a desastrada tia interrompe o silêncio fino como o fio de uma navalha e retira Edgar do assoberbado êxtase.

Celinha: Hum! – começa, engolindo o último biscoito. – No meio da confusão nem perguntei à Laura se melhorou do enjoo. Coitadinha, estava tão pálida quando fez menção de ir ao toilette mas nem tempo teve de dar um passo para fora da mesa – recorda tocada.

Edgar: Enjoo?! – pergunta desconfiado dando um salto involuntário na poltrona. – A Laura sentiu enjoos? Como foi isso Celinha? – insiste esforçando-se por pôr cobro ao sorriso matreiro que se desenha em seus lábios.

Celinha: Aham – confirma com a cabeça. – Mal tocou no sorvete, quando dei por ela, estava da cor das toalhas. Não sei o que poderá ter ingerido ao almoço mas que não lhe fez nada bem, isso não fez – arremata ingénua sem dar azo às ideias do advogado.

Um enjoo, a simples notícia de um qualquer enjoo de Laura provoca em Edgar uma alegria desconcertante. Não, para ele aquele enjoo não tem o mesmo significado dos que assolam outras pessoas já que nela estes somente se sucediam em casos extraordinários, como nos meses em que se descobrira grávida de Francisco. Na sua ínfima crença inabalável e no amor desmesurado que tem pela esposa, algo lhe diz que aquele isolado enjoo poderá acarretar muita mais felicidade do que a que se autoriza por hora sentir. O momento delicado e os sinais biológicos que dias antes haviam visitado Laura, combatem dualmente por um espaço na razão que, no conforto despedaçado deste instante, Edgar não se sente capaz de aplacar nem de alimentar com incertezas. Nos lábios, pregados que estão pelas pontas às bochechas rosadas, estampa-se-lhe um sorriso delicioso porém, cauteloso e, enlevado pelos pensamentos que lhe afloram repentinamente à ideia, recosta-se na poltrona e ali se deixa estar.

O tempo que Laura leva a recompor o conforto dos filhos com a ajuda indispensável de Matilde, é praticamente o mesmo que passa para Guerra, entre os acontecimentos pós incêndio e a chegada à residência dos Vieira. A necessidade do anúncio da sua presença é substituída pela porta entreaberta que o aguarda impaciente e, é no estado descrito antes que o jornalista vem encontrar sua noiva e seu melhor amigo.

Guerra: Edgar, Célia! – chama nas costas de ambos ao notá-los desatentos.

Celinha: Carlos, meu amor, você voltou – celebra eufórica lançando-se sobre ele com tamanho impulso que acaba por tropeçar numa das pernas do sofá.

Guerra: Calma querida, como pode ver estou inteiro e intacto – sossega amparando-lhe o aparatoso desequilíbrio.

Edgar: Guerra, que bom que veio. Estava ficando preocupado. Conseguiu apurar alguma coisa? – interroga pondo-se de pé e indicando-lhe o sofá decorado num dos lados pelas migalhas do lanche de Celinha.

Guerra: Sim, e julgo que a novidade que trago te interessa meu caro amigo – replica acomodando-se na ponta mais próxima do assento. – Laura estava certa no que ouviu no meio do tumulto, de fato tinha alguém encurralado no incêndio… Catarina Ribeiro – conta pausando o colóquio.

Laura: Aquela mulher? – pergunta incrédula descendo as escadas de encontro a Edgar que a recebe num meio abraço.

Edgar: Tens certeza que era a Catarina? – devolve também ele apanhado de surpresa.

Guerra: Tenho, vi-a com os meus próprios olhos sendo carregada por um negro para fora do teatro. Estava inconsciente mas foi imediatamente atendida e disseram que estava viva. O Neto foi até ao hospital averiguar o estado dela e assim que eu souber de mais alguma coisa informo vocês – garante levantando-se.

Edgar: Espera Guerra, conte direito como isso aconteceu – pede incrédulo adiando a saída do amigo.

Guerra: Eu não sei, falei com o diretor da companhia, o conheço de algumas conversas de circunstância no barbeiro mas ele estava muito abalado. Ninguém sabe como o incêndio deflagrou, só nos resta esperar pelo inquérito da polícia. Me desculpe Edgar mas está tarde, é melhor irmos. Venha Célia, te deixo em casa – comunica beijando-lhe carinhosamente a mão esquerda.

Edgar: Está certo. De fato, nem demos pelo passar das horas, inclusive já deve ter anoitecido – repara acompanhando-os com a esposa até à saída. – Amanhã se tiver tempo te procuro no jornal e obrigada por tudo.

Guerra: Vou ficar à tua espera. Temos muito que conversar – induz com cara de caso despedindo-se de Edgar com um ligeiro aperto de mão.

Laura: Tia, lamento muito pela comemoração arruinada. Sei que não é hora para tratarmos disso mas prometo que faremos um jantar aqui em casa para celebrarmos o noivado de vocês como deve ser – diz abraçando-a com doçura junto à porta.

Celinha: Não tem importância minha sobrinha – retribui simpática. – Só de poder partilhar esses pequenos momentos na sua companhia já me sinto por demais feliz – fala recebendo no mesmo gesto o abraço da jovem.

Guerra: Laura, até mais ver – cumprimenta tocando-lhe delicadamente a mão direita – e dê um beijo nas crianças. Desculpe qualquer coisa.

Laura: Serão entregues, até mais ver e obrigada – devolve educada.

Assim que o último pé de Celinha atinge o patamar exterior da casa, a porta fecha-se atrás deles e no interior restam isolados Laura e Edgar. Um metro à frente da esposa, na direção da mesma porta que acabara de bater, Edgar contempla-a num misto de assoberbado ceticismo e um ligeiro receio. O discurso é facilmente dispensado e o advogado não tarda a aproximar-se dela de braços abertos e estendidos, formando com eles um aconchego bem conhecido da jovem. Tocam-se assim por alguns instantes, nos braços e no sabor da boca um do outro, naqueles tantos gestos eloquentes que palavra nenhuma é capaz de expressar melhor. Junto à escada que se preparam para subir rumo ao cómodo que os aguarda, Edgar para repentinamente e, arrastando com as mãos os cabelos de Laura para trás das costas, segura-lhe o rosto pouco rosado e devora-a num segundo.

Edgar: Eu não sei o que eu faria se fosse você naquele teatro – confessa derrotado sem despregar os olhos dos dela.

Laura: Eu estou aqui Edgar, inteira! E sou toda sua – murmura-lhe intensificando cada letra como se fosse a última enquanto lhe afaga a curta barba.

Edgar: Somos um do outro e eu quero você nesse instante – continua conduzindo-a contra a esquina da parede que delimita a escadaria.

Laura: Então não perca mais tempo – convida-o sedutora forçando-o contra si e iniciando um comprometedor e composto beijo.

Durante incontáveis minutos, aquecem a parede nas costas da professora a quem Edgar impele em crescente vivacidade contra o apoio improvisado. Quando a barra da longa saia de Laura se achega perigosamente à sua cintura e o corpo de Edgar sente a proximidade do fogo que arde entre os dois, seguem o percurso que sabem de cor, subindo colados e às pressas os remanescentes degraus até encontrarem as quatro paredes do quarto onde prolongam e dominam o enleio amoroso.

Praticamente à mesma hora, no hospital, uma enfermeira de meia-idade acompanha um desvairado Fernando através de um longo corredor amontoado de macas adaptadas e doentes. Ao fundo, numa ampla enfermaria igualmente sem vagas, Catarina ocupa uma das camas. Coberta de ligaduras brancas que lhe decoram parcialmente o traumatizado e ferido corpo mas consciente, a cantora detém o olhar preso no teto branco, sem controlo aparente sobre as lágrimas que lhe rolam soltas pela face. Contudo, a sensação do toque das mãos mornas de Fernando nas suas que ainda fervem desperta-a e Catarina depressa se esforça por rodar o pescoço imóvel de forma a visualizar o noivo.

Fernando: Meu rouxinol, o que fizerem contigo!? – repara horrorizado vendo-a fragilizada tentando balbuciar incompreensíveis vocábulos. – Shh meu amor, descanse, não diga nada – silencia-a levando o dedo indicador aos lábios ressequidos e incolores da cantora. – Quase morri quando recebi a notícia, fiquei tão preocupado que vim o mais depressa que pude.

Catarina: Ba… ro… ne… sa! – exclama com dificuldade num demorado e sofrido gaguejo.

Fernando: Não se preocupe com isso agora, deixe que dessa corja assassina cuido eu – diz com um ódio de morte estampado nos olhos vermelhos de raiva. – Catarina ouça bem o que lhe digo, foque-se na recuperação que pela manhã, Bonifácio Vieira começará a pagar o preço do deslize que cometeu – garante amarrotando violentamente na mão esquerda a ponta solta do lençol que protege a cantora.

A promessa de Fernando é o ponto final no monólogo prosear que trava com Catarina. A noite, Fernando passa-a ali, ao lado dela prostrado numa simples cadeira de madeira sem condições de abarcar alguém por muito tempo. Ao raiar do dia, contabilizam-se finalmente os estragos. Do modesto teatro sobrou pouco mais do que as paredes, tendo o interior sido praticamente engolido pelas chamas.

No entanto, um outro dano considerável está prestes a ocorrer. Na mansão dos Assunção, Constância é a primeira a levantar-se. Acometida por uma ansiedade buliçosa que lhe carcome as entranhas há tempos, a baronesa desce as escadas da residência bradando por Luzia. O arrastar silencioso da curta e fina cauda da saia bege logo assume proporções magnânimas quando os botins franceses pisam o chão da sala e a criada surge rasgando a luz do sol que entra pelas janelas.

Luzia: Bom dia baronesa – cumprimenta serviçal inclinando ligeiramente a cabeça na presença da imperial patroa.

Constância: Onde está o que lhe pedi? – questiona prontamente sem devolver o cumprimento.

Luzia: Aí senhora – diz indicando-lhe o jornal pousado na esquina de uma pequena mesa na esquina.

Constância: Saia, vá preparar o meu dejejum – ordena impávida dissimulando um sorriso no canto da boca. – Estou com apetite voraz – ri apanhando o dito jornal.

Este contundente aprazimento de D. Constância não dura infelizmente muito mais. À medida que seus olhos gélidos percorrem incessantemente a primeira página do “Correio da República”, sobe-lhe pelos dedos dos delicados pés um inesperado ódio e aflição que logo atingem a hipérbole da cólera no violento tremor das mãos e no exaspero enfurecido que lhe raia por toda a face. Com tudo isto passando-se dentro e fora de si, a baronesa faz menção de gritar, de berrar bem alto o turbilhão de sentimentos e sensações mas, ciente desta impossibilidade pelos perigos que tal ação acarreta, opta por aplacá-los desfazendo as frágeis folhas do diário e reduzindo a pó as louças de valor inestimável que ocupavam até aí a anteriormente referida mesa. Obviamente que tais gestos não surtem o efeito desejado ou necessário pelo que, quando Luzia regressa à sala levando nas mãos a bandeja com o dejejum da patroa, a mesma não chega sequer a tocar a grande mesa na sala de refeições, tamanha é a rapidez com que Constância alcança a rica prata carregada de bolos, pão, café, leite, chá, bules e xícaras. O destino que lhes dá é o mesmo das peças de louça mas só porque não lhe é permitido descarregar na criada que a olha em pânico.

A mesma reação tem Bonifácio quando, em igual hora, lhe chega às mãos a análoga notícia. Sentado no topo da mesa da sala de refeições de sua casa, tendo por companhia a presença decorativa de sua esposa, o industrial quase sofre um arriscado engasgo ao ler num dos parágrafos da matéria a prova do insucesso do plano que tratara com Constância: “Felizmente, apanhada no meio das chamas, a cantora lírica Catarina Ribeiro sofreu queimaduras ligeiras e encontra-se em franca recuperação.”.

Bonifácio: Maldita! – profere descontrolado arremessando as folhas do jornal contra a coluna de pedra do seu lado direito.

Margarida: Bonifácio! Que modos são esses? Sucedeu algo de tão grave que justifique esta sua atitude? – interroga repreendendo o gesto intempestivo do marido.

Bonifácio: Não é da sua conta Margarida. Cuide dos seus afazeres, vou p´ra fábrica, tenho mais o que fazer do que aturar seus bons modos logo de manhã – responde mal-encarado saindo em disparada fúria pela porta da rua.

Restando apenas a calma e solitária companhia que faz a si mesma, Margarida ergue-se da cadeira e recolhe do chão os destroços do jornal. Ainda que incrédula com o que lê e receosa dos próprios pensamentos que lhe assombram momentaneamente a razão, a tímida senhora segura as folhas nas mãos e dá licença à preocupação.

A par destes sucessivos e similares acontecimentos matinais, na residência dos Vieira, Edgar move-se no leito, adivinhando-se um pronto acordar. Já de pé, em frente ao espelho da cómoda, Laura finge escovar os longos cabelos envergando ainda a camisola. Dando pela falta do corpo da esposa junto ao seu, o advogado não tarda a sentar-se entre os lençóis desarrumados na cama e fita-a encantado em visível lascívia.

Laura: Posso saber o motivo de tão inquisidora observação? – questiona dócil espreitando-o através do espelho.

Edgar: Há algo diferente em você! – solta investigando-a a fundo com recurso aos olhos verdes.

Laura: Diferente como? – prossegue disfarçando o sorriso e voltando as costas à cómoda.

Edgar: Ah, não sei explicar mas posso assegurar que não é de hoje que os meus olhos te sentem ainda mais bela e minhas mãos te vêem mais… como posso dizer sem que se ofenda –, pondera inebriado levantando-se da cama e indo vagarosamente ao encontro da esposa – … voluptuosa – conclui sorrindo matreiro enquanto lhe ergue o rosto à medida do seu e lhe sacia a boca com um penetrante beijo ao mesmo tempo que desce uma das mãos pela cintura definida.

Laura: Impressão sua – contesta ao recobrar o fôlego. – Não há nada de diferente em mim nem no meu corpo.

Edgar: Tem sim! Esqueceu que ninguém te conhece melhor do que eu? E a senhora sabe que as minhas mãos e os meus olhos nunca se enganam quando o assunto envolve o teu corpo – replica prolongando as carícias.

Laura: Muito bem senhor advogado. Quem sou eu p´ra contrariar prova tão irrefutável! – reconhece tentadora afagando-lhe os cabelos. – Acho melhor nos apressarmos. O dia vai ser corrido e eu não quero chegar atrasada ao colégio – interrompe empregando alguma seriedade ao discurso em jeito de escapar ao diálogo.

Edgar: Está bem senhora professora! Mas não pense que vai livrar-se facilmente de mim, à noite continuamos essa nossa prosa – assegura manhoso.

Prontamente embora indecisos quanto à delonga dos mimos e carinhos, ambos vão dando início aos primordiais afazeres do dia que começa. Na tecelagem Vieira, Bonifácio descansa os olhos encolerizados nos papéis que jazem na secretária, apoiando nos cotovelos a face indecisa e agitada. De súbito, a aparente paz do espaço vê-se bruscamente suspensa pela entrada abrupta de Fernando que corre no encalço do pai a quem ergue com desmesurada violência da cadeira, segurando-o pelos colarinhos da camisa, no mesmo compasso em que grita desesperado a acusação que o levara ali; “Assassino!”.


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