Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 37
"O Retorno de Isabel"




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A azáfama do cais aumenta à medida que mais passageiros e respetivas bagagens vão transitando, dificultando o diálogo corriqueiro que Laura e Edgar tentam manter com Isabel e Jean-Luc. Apesar do choque inicial causado pela surpresa do noivado, ambos mantém a delicadeza das palavras e cumprimentam-se mutuamente. Num sotaque bem carregado, o jovem esforça-se por dialogar na língua de Camões que os negócios da família em Portugal o forçaram a dominar. Seu físico é distinto e bastante aprazível aos olhos mas a elegância de seu discurso eloquente é o que atrai efetivamente a atenção de todos.

Isabel: O que acham de irmos andando? Estamos exaustos da viagem – sugere dengosa fletindo ligeiramente as pernas.

Laura: Está certo, o automóvel está próximo da entrada do porto. Vamos senhorita? – questiona oferecendo o braço à amiga. – Nós duas temos muito que conversar.

Isabel: Ah mas podemos deixar essa conversa p´ra mais tarde? Que tal um jantar lá em casa? – convida animada encaixando seu braço no de Laura.

Laura: Na sua, tem certeza?

Isabel: Tenho, eu mesma faço questão de preparar o jantar – diz determinada.

Edgar: Eu adorei a ideia mas não será melhor ser em nossa casa? Ainda é cedo, até à noite dá tempo da Matilde preparar tudo – opina.

 Isabel: Não, está decidido, será na minha casa e eu cozinho. Vocês não vão me negar esse convite – insiste enquanto vão andando até ao automóvel.

Jean-Luc: Por mim pode ser onde quiserem. Com tanto que tenha comida brasileira eu aceito – afirma sorridente acompanhando o passo mais firme de Edgar.

Laura: Tudo bem, não reclamo mais, na sua casa será senhorita Isabel – concorda.

Isabel: E levem as crianças. Não vejo a hora de dar um beijo neles.

O percurso pedonal até ao automóvel foi curto. Com o auxílio de dois funcionários acomodaram as bagagens e tomaram seus respetivos assentos. À medida que vão virando as esquinas, formam-se nos olhos de Isabel as primeiras lágrimas emocionadas pelo regresso. Vendo o semblante nostálgico da jovem, Edgar faz por abrandar um pouco mais a já de si lenta marcha do automóvel. No entanto, nem os sorrisos compreensivos e os abraços carinhosos do noivo lhe aplacam o turbilhão de sentimentos. As ruas, até os cheiros da cidade, assomam-lhe à memória lembranças do passado tão diferente do presente que vive agora. É ainda tomada por este enleio que Isabel finalmente se dá conta da fachada garrida da casa onde outrora fora criada e que agora lhe pertencia. No interior, o esmero de Laura, Sandra e Matilde faz-se notar num perfume florido, límpido e aconchegante que dá aos quatro cantos da residência uma nova vida. Tudo está impecavelmente arrumado e organizado, como se aquelas paredes nunca tivessem estado desabitadas.

Isabel: Laura… está muito melhor do que eu poderia imaginar. Nem sei como te agradecer – diz impressionada olhando ao redor da sala.

Laura: Que bom que gostou. Eu e a Sandra demos uma ajuda mas a Matilde é a verdadeira responsável pela organização. Se bem que fui eu quem limpou o seu quarto de banho – conta rindo.

Isabel: Não creio! – exclama perplexa. – A princesa limpou o meu banheiro? Mas isso merece uma comemoração – continua em jeito de brincadeira abraçando a amiga.

Laura: Hum é assim tão estranho que eu tenha aprendido algumas coisas nos últimos anos? Não sou uma profissional mas saiba a senhorita que me desembaraço muito bem – fala cheia de certeza. – A despensa está abastecida p´ra alguns dias, não sabia muito bem o que você queria então comprei apenas o essencial mas julgo que por agora será o suficiente – informa recuperando um pouco a seriedade.

Isabel: Obrigada minha amiga – agradece envolvendo-a novamente num abraço apertado.

Edgar: Talvez seja melhor irmos Laura. Isabel e Jean-Luc precisam descansar da viagem e as crianças devem estar impacientes com a nossa demora – interrompe.

Laura: Claro, vamos – assente encaminhando-se com o marido para a porta após a despedida.

O resto do dia decorreu tranquilamente. Ao final da tarde, Isabel termina de colocar a mesa da sala para o jantar com a ajuda inábil mas singular de Jean-Luc. Contam-se seis lugares graciosamente posicionados sobre uma toalha de linho branca com algumas riscas vermelhas nas pontas e, ao centro da mesa, um belo castiçal de velas corta a penumbra do local. A chegada dos convidados não tarda a fazer-se sentir à porta, anunciada pelas batidas firmes de Edgar. Empolgada, Isabel corre para abrir e logo se espanta com o largo sorriso nos rostos de Francisco e Melissa que, em uníssono, proferem o mais agradável boa noite que se possa ouvir.

Isabel: Meu Deus, como eles estão crescidos – repara surpresa agachando-se com os braços estendidos para receber um abraço dos dois em simultâneo.

Melissa: A senhorita é muito bonita – afirma afagando a face emocionada de Isabel.

Isabel: Você é que é uma verdadeira princesa Melissa. Vem cá, me dá outro beijo que um só é muito pouco – pede fazendo-lhe cócegas. – E esse príncipe lindo não vai me dar outro beijo também? – questiona franzindo o cenho para Francisco. 

Francisco: Vou – decide sorridente lançando-se uma vez mais nos braços da madrinha.

Jean-Luc: Mas que família maravilhosa vocês têm – replica  acentuando os "r" e olhando as crianças embevecido.

Edgar: Obrigado. Crianças, cumprimentem o Jean-Luc – ordena afável.

Sem pestanejar e envergando o mesmo sorriso aceso com que entraram, Melissa e Francisco dirigem-se ao jovem e cumprimentam-no efusiva e educadamente. Imitando o gesto do pai, Francisco estende o braço à espera de um aperto de mão causando uma gargalhada entre todos. Simpático, Jean-Luc aninha-se ao nível do menino e retribui o cumprimento posando ambos como dois cavalheiros adultos.

A boa disposição e humor reinam durante todo o jantar cujas iguarias são dignas do mais apurado paladar. Terminada a sobremesa, Laura acompanha Isabel até à cozinha para passarem o café, deixando Edgar e Jean-Luc entretidos numa conversa sobre negócios. Ao lado, na sala de estar, as crianças brincam em silêncio com os presentes que a jovem lhes trouxe de Paris.

Laura: Isabel, agora que temos um pouco de espaço, me conte como tudo isso aconteceu – fala um tanto inquieta e preocupada.

Isabel: Ah Laura, eu me apaixonei – confessa feliz. – Eu só não te contei do noivado porque foi tudo muito rápido, ele fez o pedido alguns dias antes de eu decidir voltar. O Jean-Luc é um homem maravilhoso, honesto, trabalhador e, nunca me julgou pelo que aconteceu – relata puxando uma cadeira e oferecendo-a a Laura.

Laura: Ele sabe do que aconteceu entre você e o meu irmão?

Isabel: Sabe, nunca escondi isso dele. Tive medo no início mas ele me surpreendeu. Ao contrário do que eu esperava Jean-Luc me deu apoio, me entendeu, não me julgou como os outros – prossegue sensibilizada. – Hoje eu sei que ele é o homem da minha vida, com quem pretendo passar o resto dos meus dias.

Laura: Desculpa a minha intromissão Isabel mas… eu preciso te perguntar… e o Zé? Você o esqueceu? – interroga a medo tomando a mão da amiga na sua.

Isabel: Esquecer eu não esqueci – desabafa. – Como se faz p´ra esquecer um amor tão grande como o que eu senti pelo Zé? Mas, a vida segue, eu não sou mais a mesma Isabel inocente que saiu daqui com uma mão à frente e outra atrás, que tolerava todos os insultos e recriminações. Laura, eu cresci, agora sou uma mulher de verdade, sou dona da minha própria vida e o Jean-Luc entende e aceita isso.

Laura: Você não sabe como me deixa aliviada e imensamente feliz ouvir você falando assim, decidida, cheia de força. Isabel, eu te adoro, quase morri de saudades – declara emocionada com os olhos marejados. – Conte comigo p´ro que precisar, estou do seu lado.

Isabel: Eu sei e te agradeço muito por isso – diz sem conter também ela as lágrimas. – A pior batalha ainda está por vir… o meu pai não será tão compreensivo quando eu lhe contar que estou noiva de um francês endinheirado – continua deixando escapar a tristeza que a rejeição do pai lhe provoca.

Laura: Não pense nisso agora, uma coisa de cada vez. Aos poucos o Sr. Afonso vai entender que você está feliz e isso é o que realmente importa – completa esforçando-se por animar a amiga.

A conversa não se estende por muito mais tempo. Ao sinal do café pronto, carregam um tabuleiro com as xícaras e o açúcar e voltam à sala. A prosa faz-se novamente a quatro prosseguindo expansiva com o convite de Laura e Edgar para a festa de aniversário de Francisco que se realizará no Sábado seguinte, 4 de Julho.

Isabel: Hum, algo me diz que essa festa será um acontecimento – fala misteriosa.

Edgar: E eu até já adivinho o porquê… – alvitra.

Laura: Minha mãe… mas a baronesa vai ter um daqueles achaques quando te vir Isabel… – desvenda antevendo um possível confronto.

 Isabel: Ah Laura, por mim, não precisa se preocupar. Não pretendo fazer escândalos na casa de vocês muito menos numa ocasião tão especial – adianta.

Laura: Só espero que a minha mãe se comporte… – deseja absorvendo o último trago de café. – Hum, o jantar estava ótimo mas acho melhor nos despedirmos por hoje. Está tarde e as crianças já dormem no sofá – afirma espreitando pelo canto do olho os corpos adormecidos dos filhos na sala ao lado.

Isabel: Ah mas já? Está cedo ainda – discorda fazendo manha.

Edgar: Infelizmente Laura está certa, amanhã nós trabalhamos e aqueles dois pedem cama com urgência – brinca levantando-se para pegar Francisco e Melissa.

Carregando cada um uma das crianças, Laura e Edgar depressa se acharam dentro do automóvel de volta a casa. O Domingo mostrara-se longo e cansativo mas demasiado feliz para que restasse qualquer dúvida. Dali por cinco dias, uma nova festa se realizava mas dessa vez, com a presença das famílias e com a surpresa da presença de Isabel que, por certo, despertaria a ira de Constância. 


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