Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 38
"A Festa de Aniversário"




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A madrugada de Sábado vai alta. Aconchegada no lado esquerdo da cama, meramente coberta pelo delicado lençol de algodão, Laura parece dormir placidamente. Ainda um pouco ensonado, Edgar assoma lentamente à porta vindo do quarto de banho. A distração acentuada pelo sono interrompido fá-lo encostar suavemente a porta e, ao erguer os olhos, detêm-se na imagem à sua frente. Pé ante pé, encaminha-se para a cama onde se aninha sorrateiro ao lado de Laura. Repentinamente sente-se consumido pelo desejo de tê-la mas não tem coragem de despertá-la. Embevecido, e incerto de ser capaz de esperar por mais um par de horas, esforça-se por contentar-se em contemplá-la por alguns instantes mas logo se apercebe que sua mão esquerda percorre o ombro nu da jovem. Deitado de lado, apoiando com a mão direita a cabeça e fitando-a luxuriosamente, vai intensificando os movimentos e, do ombro sobe até ao pescoço, desce por todo o comprimento do braço e, revigorado pelas súbitas e inadiáveis vontades, leva seus lábios aos dela e imprime-lhe um doce beijo. Um brando sorriso desabrocha na face sonolenta de Laura e os olhos cansados abrem-se de encontro aos de Edgar.

Edgar: Desculpa meu amor, não queria te acordar – fala manhoso afagando-lhe os longos cabelos.

Laura: Ah, queria sim – discorda fingindo certo enfado.

Edgar: Sou um péssimo mentiroso – revela retomando as carícias em torno do pescoço da esposa e preparando-se para uma investida pelo busto.

Laura: Pois fique o senhor sabendo que descontinuou um sonho que eu estava tendo – conta amansando a voz enquanto leva uma das mãos ao rosto dele.

Edgar: É? E que tipo de sonho era, se me permite a intromissão? – interroga entre investidas vigorosas para colar os dois corpos.

Laura: Hum… é longo, bem demorado e repleto de detalhes… – diz insinuando-se. – Começa assim… – prossegue tomada também ela por uma excitação crescente.

Sedutora e em movimentos pausados, Laura aproxima o rosto ao do marido e sussurra-lhe ao ouvido. A narrativa expansiva murmurada pela jovem vai-se revelando nas expressões corporais de um e outro. Inebriado pelo enredo da esposa, Edgar desce a mão esquerda pelo corpo dela e, ao iniciar o percurso inverso, fá-lo conduzindo em simultâneo a barra de cetim da fina camisola que a aquece. O convite é deveras tentador. Num instante, Laura força-o delicadamente a deitar-se por completo e, apoiando-se no peitoral do advogado, envolve-o abraçado entre suas pernas. A demora dos afagos da esposa, que em cada beijo que lhe imprime no torso desabotoa um único botão da camisa do pijama, é como lenha queimando sobre o corpo de Edgar. Tendo libertado todas as casinhas dos respetivos botões, Laura procura a boca do marido e rouba-lhe um beijo ao qual ele corresponde intensamente. À medida que as bocas se aprofundam uma na outra, ambas as mãos de Edgar passeiam pelas pernas de Laura e, entre leves e ambiciosos apertos, vai-lhe desnudando a pele aos poucos.

Porém, em meio da arrebatadora dança, um empurrão singular abre a porta encostada e Francisco surge por entre as sombras que decoram o cómodo mortificando o casal.

Francisco: Mamãe, também quero fazer cavalinho – diz inocente avaliando equivocadamente a situação.

Num misto de assombro e incredulidade pela presença inusitada do menino, Laura abandona a posição em que está e lança-se sobre o filho de modo a permitir que Edgar reponha às pressas alguns botões do pijama e recobre um pouco o fôlego. Ao levantar-se da cama, o cetim da camisola volta a escorregar-lhe ao longo das pernas pelo que, aos olhos de Francisco, estão ambos devidamente compostos.

Laura: Francisco, o que faz acordado a uma hora dessas meu amor? – inquere afável tentando disfarçar o incómodo.

Francisco: Está na hora da minha festa – afirma convicto no colo da mãe.

Edgar: Não amorzinho, é muito cedo ainda – retruca recostando-se na cabeceira da cama.

Laura: Vem com a mamãe, vou contar uma história p´ra você voltar a dormir e aí quando acordar já será hora da sua festa – fala carinhosa embalando-o meigamente.

Francisco: Ah, mas posso andar de cavalinho antes? – insiste fazendo manha alternando a atenção entre o pai e a mãe.

Edgar: Vamos fazer assim, agora você vai com a mamãe, dorme um soninho e quando acordar vamos todos ao clube andar num cavalo de verdade – propõe entusiasmado trocando um olhar de cumplicidade com Laura.

Francisco: ´Tá bom, mas num cavalinho de verdade… – aceita por entre um bocejo enfatizando a veracidade da promessa.

Sem demoras, Laura leva o menino até à beirada da cama facilitando o beijo de pai e filho e sai com ele já deitado em seu ombro meio entregue ao sono. Poucos minutos se passam e a jovem está de volta, reparando o esquecimento de Edgar que deixara a porta por bater. A chave roda duas vezes na fechadura por precaução e, ao virar-se de frente para o leito, Laura apercebe-se que as duas peças do pijama do marido decoram o banco aos pés da cama. Entre uma gargalhada abafada pelo receio de serem novamente surpreendidos, trocam olhares seduzindo-se mutuamente. Sedenta, a jovem mordisca o lábio inferior e gatinha lentamente pelas roupas da cama descobrindo devagar o corpo nu de Edgar que a espera extasiado.

Laura: Mamãe quer andar de cavalinho papai… – profere divertida instigando-o.

Edgar: Olhe, não deboche que eu quase morri quando o vi – ri encabulado.

Laura: Quem mandou o senhor advogado esquecer a porta entreaberta… – repreende. – Até que tivemos sorte… já pensou se ele chega…

Edgar: … dois minutos depois… – acrescenta rindo entre as pausas dos beijos cada vez mais intensos que vão trocando.

Laura: Melhor continuarmos… de onde paramos… – sugere lânguida prostrando-se definitivamente sobre ele.

Edgar: Acho uma ótima ideia…

As horas vão passando sem que a calma encontre espaço naquele quarto. Estafados mas imensamente satisfeitos, Laura e Edgar fazem o dejejum na companhia das crianças e, na presença de Matilde, felicitam Francisco pelo terceiro aniversário. Entre palmas e gracejos, o menino diverte-se mas a promessa do pai aflora-lhe à ideia. A ida ao clube não pode, de todo, ser postergada e, com essa certeza, saem os quatro para cumpri-la. Ao longo de toda a manhã, enquanto as crianças se entretêm com os pais cavalgando pelo recinto, Matilde orienta as duas criadas que Constância e Margarida dispensaram de modo a suprir as necessidades laborais no preparo da festa que decorreria mais tarde.

Quando o relógio da sala se aproxima do meio dia, a família entra sem pressas pela porta, rindo alegremente das peripécias de Francisco que contesta avidamente a lentidão do cavalo que montara com o pai.

Edgar: Pronto crianças, os dois eram igualmente velozes – diz tentando aplacar o debate entre Melissa e Francisco.

Laura: Hum… por acaso está desdenhando porque perdeu a corrida? É unânime que o cavalo que eu e Melissa montamos era muito mais rápido ou não teríamos vencido vocês dois – replica pondo-se ao lado da pequena.

Francisco: Oh – suspira desanimado. – A Mel e a mamãe ganharam – concorda por fim.

Melissa: Foi justo porque você sempre corre mais do que eu – fala esboçando um aberto sorriso e estendendo a mão ao irmão selando a paz.

Edgar: Melissa está certa. Filho, – fala aninhando-se junto dele – a vida é mesmo assim…

Laura: … umas vezes perdemos e outras ganhamos – acrescenta apoiando o discurso persuasivo do marido.

Edgar: O importante é nunca desistir, entendeu? – conclui paciente.

Francisco: Aham – assente mais resignado.

Laura: Agora venham, está na hora do banho – informa oferecendo uma mão a cada e direcionando-os para a escada.

Edgar: Vou pedir à Matilde que atrase um pouco o almoço e subo p´ra te ajudar nessa tarefa inglória – diz sorridente beijando-lhe de leve os doces lábios.

Depois do banho, e fazendo jus à ocasião, Laura e Edgar entre ajudam-se na tarefa de vestir os pequenos. A facilidade em acomodar Melissa num belo vestido rosa claro decorado no ombro direito por um botão de rosa branco em tecido, contrasta com o dilema de convencer Francisco a aceitar o maçante coletinho castanho que, a par da calça bege, lhe dá um aspeto mais snobe e cavalheiresco. A persistência do pai e da mãe acaba por derrotá-lo e, ainda que aborrecido, posiciona-se em frente ao espelho e faz questão de escovar os próprios cabelos, espreitando de soslaio Edgar tamanha é a sua disposição em assemelhar-se ao progenitor.

Entre brincadeiras livres de controlo e imposições, os pequenos passam as horas que se seguem sem mais preocupações. Com o precioso auxílio das empregadas, Laura dá os últimos retoques na sala e, ao meio da tarde, as primeiras batidas soam na porta da residência. Cabe a Edgar a tarefa de receber os primeiros convidados. Desastrada como habitualmente, Celinha atropela Guerra na passagem e quase derruba um imponente vaso de alecrim que enfeita o patamar junto à entrada. No espaço de vinte minutos, a sala, mal iluminada pelas primeiras lâmpadas de energia elétrica instaladas poucos dias antes, alberga ainda Sandra, Isabel e Jean-Luc. Os beijos e abraços a Francisco não lhes tomam muito tempo, tão grande é a sua vontade de brincar. No entanto, o ambiente descontraído vai perdendo a calma quando a figura altiva de D. Constância irrompe sumptuosa à frente de Assunção e Albertinho. O ar impávido e sereno da baronesa, não tem tempo de se adaptar à realidade do acaso. Ao desvendar a presença de Isabel confortavelmente sentada no sofá da sala, a par de um galante rapaz, Constância emudece e em seu semblante desenha-se o caos numa amálgama de espanto, repúdio e afronta.

Constância: Mas o que vem a ser isto? Assunção – chama autoritária – por obséquio, confirme que não nos equivocamos na casa – dispara irónica. – O que essa mulata faz aqui? – questiona sem disfarçar o asco.

Dr. Assunção: Constância, por favor – repreende sisudo e envergonhado.

 Isabel: Essa mulata tem nome D. Constância – responde com brio levantando-se – mas, se a senhora precisa que lhe refresque a memória, muito prazer, Isabel Nascimento – diz igualmente em tom de zombaria. – E não pense que me ofende me chamando de mulata, sinto muito orgulho da minha cor.

Constância: Ora mas então Paris fartou-se de assistir ao sacolejo da escurinha… oh que pena – debocha encarando a jovem.

Jean-Luc: Senhora, não querendo ser rude, peço-lhe que respeite minha noiva – interrompe firme e chateado a fim de defender Isabel do ataque da baronesa.

Constância: Noiva! – exclama surpresa. – Decididamente esta não é a festa de aniversário do meu neto mas sim uma comédia teatral – gargalha. – Laura, por que não me avisou? Eu teria reservado meu lugar no camarote principal e pagaria o dobro pelo ingresso – prossegue cínica procurando o rosto pejado da professora.

Uma pavorosa tensão apodera-se de todos que assistem um tanto impotentes à troca de farpas entre as duas. Maravilhado com a elegante beleza de Isabel, Albertinho continua petrificado alguns passos atrás da mãe e não ousa mover-se. Igualmente desprevenido contudo ciente das suas responsabilidades, Assunção coloca a mão no ombro da esposa, cuja alma enfurecida lhe ferve nos olhos, e tenta infrutuosamente chamá-la à razão. Profundamente desiludida e envergonhada com o espetáculo gratuito da mãe, Laura perde a paciência e põe termo à prosa desconcertante das duas.

Laura: Chega mãe, pare com isso. Isabel é nossa convidada, tal como a senhora. Se se sente incomodada, a porta da rua está aberta – interpela exasperada indicando a saída.

Constância: Mas vejam só a displicência de minha própria filha. Prefere a presença dessa desclassificada à minha – diz indignada.

Edgar: D. Constância, se não por nós, pelo Francisco, respeite os convidados como a senhora mesma exige ser respeitada ou não nos sentiremos obrigados a tolerar sua presença – dispara sério e firme perante o desassossego da sogra.

Dr. Assunção: Constância, controle-se ou eu próprio faço questão de te levar p´ra casa nesse instante – fala decidido apoiando a filha e o genro.

Isabel: Por mim, ambas podemos aproveitar a festa ignorando que sequer nos vimos – sugere tentando apaziguar o embate.

Constância: Não se aproxime de mim a não ser para me servir e talvez eu seja capaz de suportar este martírio – conclui tirando enfim as luvas rendadas que ainda lhe cobriam as imperiais mãos. – Onde está o meu neto? Afinal é por ele que cá estamos todos, não é verdade? – interroga disfarçando a raiva enquanto observa os cantos da residência.

Laura: As crianças estão brincando no jardim, vou chamá-las.

Edgar: Meu amor deixe que eu vou, é melhor pedir á Matilde que comece a servir os quentes, talvez assim o ambiente disperse um pouco – murmura inquieto segurando as mãos da esposa.

Dito isto, Edgar ruma ao jardim nas traseiras e encaminha a contragosto Melissa e Francisco para o interior da casa onde entretanto chegam também Bonifácio e Margarida. Ao avistar os avós, o menino disfarça o tédio com um sorriso e avança para eles distribuindo cumprimentos. Seguindo as ordens de Laura, Matilde e as outras criadas recheiam a mesa com os mais variados acepipes e, lentamente, todos se vão servindo. A atmosfera carregada ganha um novo ânimo com mais uma disputa acesa entre Constância e Bonifácio pela atenção de Francisco que, propositadamente, descompassa a paciência de um e outro arrancando risos camuflados e gargalhadas entrecortadas dos demais convidados. Atenta às necessidades da neta, Margarida dá assento a Melissa em seu colo e enche-a de mimos e biscoitos caseiros que a distraem da excessiva bajulação que a baronesa e o industrial dispensam ao menino. Aos primeiros sinais de cansaço, Francisco corre para os braços de Isabel por quem desenvolvia um sincero afeto dia após dia. Num recanto subtilmente afastado dos demais, Constância e Bonifácio cochicham disfarçadamente.

Bonifácio: Veja só minha cara, - sussurra-lhe dissimulado junto ao ouvido – a mulata está um verdadeiro pitéu.

Constância: Realmente, a idade nos homens tem destas coisas. Ao invés de os tornar mais sábios, delapida-lhes o vigor e o gosto refinado – responde forçando um sorriso cínico.

Bonifácio: Não precisa ficar enciumada baronesa. Continuo preferindo a brancura de sua tez e seu porte infinitamente mais nobre… Além do que, ninguém agradece os meus favores de modo tão aprazível quanto a senhora – atesta deleitado antes de se afastar perante a proximidade de Edgar.

Edgar: Pai, e Fernando, porque não veio com vocês? – pergunta notando a ausência do irmão.

Bonifácio: Disse que tinha um compromisso inadiável mas que viria mais tarde. Se não vier, tanto melhor, não faz diferença alguma – afirma desdenhando do filho mais novo.

Edgar: Não entendo porque o senhor insiste em tratar o Fernando desse jeito tosco. Sua falta de afeto e compaixão me dececionam cada vez mais – revela entristecido deixando o pai entregue ao silêncio.

Laura: Edgar, vamos cortar o bolo? – lembra indo ao encontro do advogado. – Não sei se aguento mais uma hora desse suplício – diz em voz baixa procurando o abraço enternecido do marido.

Edgar: Concordo, a noite já está caindo e Fernando não deve vir, melhor acabarmos com isso de uma vez – fala encostando discretamente seus lábios na testa da jovem.

A reunião dos amigos e familiares ao redor da vasta mesa não tarda. No alto do colo aconchegante do pai, o sorriso feliz de Francisco irradia no ar e, acompanhado pelo compasso certo de Melissa segura nos braços de Laura, aplaude efusivamente o cântico de felicitações. Quando o som das palmas e as das vozes cessa, o cândido sossego não se ouve. Pelo contrário, na outra extremidade da sala, ao lado das costas do sofá, Fernando prossegue cantando a uma só voz e ao replicar dos aplausos solitários, trava impondo o anúncio perante a confusão de todos.

Fernando: Senhores, senhoras e meus amados sobrinhos, perdoem o meu grave atraso mas essa comemoração está prestes a testemunhar um acontecimento muito importante. Meu noivado com a mais graciosa dama da capital – discursa.

Edgar: Fernando que brincadeira é essa? – interrompe confuso e arreliado com a atitude do irmão.

Fernando: Ora meu irmão, não se trata de qualquer brincadeira mas da mais pura verdade. Meu amor – chama inspecionando a porta atrás de si – venha conhecer minha família a quem hoje lhe apresento como minha futura esposa.

Ouvindo o chamado de Fernando e envergando o mais deslavado sorriso vitorioso, Catarina firma os passos no soalho do chão e, com o braço estendido na direção do rapaz, desperta o terror crescente nos semblantes de Laura, Edgar e Constância. 


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