Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 49
A Lua Não Viera Esta Noite




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Damian estava caminhando sozinho e sem rumo dentro da noite, decidiu seguir para o adormecido bosque para que pudesse organizar os fatos que estavam explodindo no interior de sua cabeça. Não parava de repassar as cenas do momento de amor que tivera com Rosalind, era tudo tão recente e o melhor, foi algo real e esplêndido, pôde senti-la em seus braços, o calor de seu esbelto corpo feminino sob o seu, seus finos e excitantes gemidos cruzando a noite, atiçando seu prazer.

As obscuras recordações ainda o atemorizavam, não, não era a imagem de Ionela morta sobre uma poça de sangue, era pior, muito pior, as visões que tivera enquanto o ato era consumado, quanto mais sua libido aumentava, mais nítidas eram as cenas dançando em sua mente, brincando com suas sensações. Olhos azuis e brilhantes na escuridão, um grito matando o silêncio, a prata, o metal cortando a carne, a lua e os rubis... Os preciosos rubis.

Andava cambaleando, pois a lembrança de que pôde claramente ouvir o som do coração dela pulsando e o sangue correndo pelas veias à medida que ficava mais excitada, aquilo era algo perturbador, mas real. Não podia estar fantasiando estes acontecimentos, eles realmente ocorreram, assim como da vez, naquele mesmo bosque, a primeira vez em que sentira os lábios dela, a pele macia tocando a sua, a primeira vez que fora sua...

Olhou para o céu, naquela noite a lua havia sumido, por quê? Apenas podia ver seus lívidos raios através das trevosas nuvens, será que havia entristecido-se com a perda de uma bela virgem numa noite tão festiva, de uma forma tão brutal?

Começou a pensar, enquanto suspirava ardentemente de prazer, Ionela gritava em desespero. Enquanto passava suas alvas e gélidas mãos pelo rosado corpo de sua amada, a jovem esmaecia-se dando adeus à vida. À medida que ouvia o sangue de Rosalind fervendo nas veias, a amiga deixava que o seu esvaísse até não mais ter forças. Enquanto a senhorita Iordache gemia e o apertava freneticamente, a garota debatia-se e lutava para não morrer na escuridão. Enquanto ambos chegavam ao clímax juntos, a noite absorveu seu último e doloroso suspiro calando-a enfim.

Olhava para aquelas águas brandas, nada nem ninguém poderia julgá-lo, não fizera nada errado, não pôde ouvi-la gritar, não pôde ouvi-la dizer adeus, estava muito ocupado desvirginando uma donzela já comprometida com seu melhor amigo, o que aconteceria quando ambos deitassem juntos pela primeira vez e ela não sangrasse? Tristan desconfiaria dele? Persegui-lo-ia e o mataria? Mataria também Rose? Pensou que conhecia Tristan, mas depois deste cruel golpe, percebeu que o jovem não passava de um estranho.

Uma voz grave e clara o surpreendera vinda detrás das árvores.

___ Pensando na vida, meu de tineri?

Os olhos do rapaz apontaram para a direção de onde o som emanou e pôde ver que era Benjamin, sempre tão elegante e sóbrio, espantou-se ao vê-lo ali depois de tanto tempo que não se encontravam, realmente pensou que nunca mais chegaria a vê-lo, mas ficara feliz interiormente por estar enganado, o lorde caminhou até perto do humilde garoto e pôs-se a observar a água estável.

___ Como sabia que estava aqui?___ indagou o rapaz com intensa e eufórica curiosidade.

___ Posso ver nos seus olhos, ama este lugar. A paz e a melancolia que ele passa... É como um recanto para almas perdidas, tão quieto e profundamente escuro, como uma pérfida sepultura onde o corpo descansa eternamente, porém o espírito divaga pelas vastas e desconhecidas dimensões deste e de outros mundos.

___ É como vejo este lugar.

___ Você faz parte dele, meu caro.

___ Acha mesmo?___ Damian indagara novamente, ignorando o fato de que o outro não lhe respondera a pergunta anterior, temia aborrecê-lo se ressaltasse esse fato.

___ Com toda a certeza, és como um anjo caído num mundo de trevas, apenas buscando pelo toque abençoado da lua, mas... Esta noite ela não virá por você.

Um longo silêncio se formou, Damian parecia distante, por cima da água uma estranha bruma pálida se formava e naquela noite não mais sabia se o que estava diante dele era mesmo o tranquilo lago ou uma pérfida sepultura onde seu corpo queria cair e descansar.

___ Ouça!___ ordenou o homem.

Petrescu deixou sua audição guiá-lo por dentro do bosque invadindo o âmago da adormecida natureza, porém nada conseguiu ouvir, por mais que tentasse nenhum som chegava aos seus ouvidos.

___ Não consigo ouvir nada ___ concluiu.

___ Ouça, o silêncio... A noite está de luto e a lua chora escondida, mesmo sem lágrimas.

___ Fala da morte da garota?___ a pergunta viera em forma de resposta.

___ Precisamente.

___ O senhor a conhecia?

___ Nunca havia visto, mas notei que era linda como uma tarde de verão, terá de concordar, meu de tineri, foi uma terrível perda para este povoado.

___ Certamente que sim ___ concordou Damian com tristeza.

___ É bonito uma comemoração terminar assim, com a morte de uma bela jovem.

___ Onde há beleza nisso?___ perguntou o ferreiro surpreso e intrigado.

___ Não há nada mais belo, băiatul meu! Uma intensa satisfação banhada em risos que, em algum momento, sufocam até a morte, é também uma ótima maneira de ser lembrado, pois no próximo solstício de verão, no próximo festival, a morte desta criança será lembrada com terno pesar, porém com sublime respeito, os festejos não serão como antes.

Apesar da maneira fúnebre na qual Benjamin falava, o adolescente notou que havia veracidade em seu argumento e era obrigado a concordar com o abastado lorde.

___ Ouça, draga mea! Por todos os lados, a natureza chora pela perda deste anjo imaculado, ouça...

Damian sentiu o toque frio da melancolia invadir seu peito, uma sensação já conhecida, porém não mais incomodante, reconfortante poderia se dizer, ainda mais na presença de Grigore, um homem admirável, venoso, com um olhar misterioso e um sorriso enigmático que o deixava perturbado, entretanto, sentia-se seguro ao lado dele.

___ Por que veio até mim?

Damian pôde ver os olhos do ebúrneo rapaz ferverem ao pousarem sobre ele, podia sentir-se amarrado em meio a uma fogueira e as chamas consumindo seu corpo até os ossos.

___ Sinto algo diferente em você, meu de tineri, é forte, inteligente, ousado, excelentes qualidades e raras nos dias atuais e, um rapaz tão... Excepcional, não deve ser tratado como mais um.

___ O que quer dizer?

___ Chega de ser um tolo, Damian! Pode ter o mundo aos seus pés, mas se recusa, pode fazer e ser o que quiser, sua voz, sua pele, seu cheiro, seus olhos atraem qualquer tipo de animal asqueroso e pode usá-lo da forma que bem entender, mas insiste em ser este ferreiro fraco, por quê?

___ Não sei aonde quer chegar, senhor.

___ Você nasceu com um dom, algo que nenhum outro ser humano possui e não usa a seu favor.

___ Que dom?___ mais uma vez ele estava surpreso com as palavras do lorde.

___ Está dentro de você, no canto mais obscuro de sua alma, gritando para se libertar...

___ Eu não o compreendo, de que dom está falando?

Grigore aproximando do ouvido do moço, sussurrou:

___ Sabe que é diferente e reluta contra este sentimento, pare... Pare agora mesmo e deixe-o guiá-lo a um novo mundo.

O garoto ouviu atentamente aquelas palavras com os olhos fechados, elas entraram em seu peito, mergulharam até o canto mais obscuro de sua alma e nos primeiros centésimos de segundos ecoaram como se seu corpo fosse uma caverna vazia, mas então depois as palavras se aninharam em seu escuro interior e lá ficariam por um tempo indeterminado, até que se fizessem claras e quando voltou a abrir os olhos não mais viu Benjamin, olhou ao redor, mas o lorde não estava em lugar algum. Não conseguiu entender o que foi que disse, mas a voz dele ficou em sua cabeça enquanto caminhava para fora do bosque.

Ionel estava sentado na sala de estar, trajava roupas de festas, obviamente fora ao festival do solstício de verão, aparentava estar desapontado, os olhos sem brilho sustentavam sobrancelhas curvas, o silêncio reinava tiranamente, fumava pacientemente um charuto na esperança de que todos os elementos químicos ali contidos pudessem lhe ajudar a ter uma noite sem sonhos, ouviu então batidas ocas na porta da frente. Ao abrir, deparou-se com o filho, estava lúrido como a lua que não surgira.

___ Oh, meu Deus, Damian!

Sem dizer nada, o rapaz cai nos braços do pai, ele o levou até a sala onde pôde sentar-se apoiando a cabeça em seu ombro, ao tocá-lo, o homem constatou:

___ Está ardendo em febre!

Ionel ficara preocupado e decidiu chamar Viorica, ordenou que preparasse um chá e levasse para o quarto do jovem uma tigela com água e toalhas limpas.

O filho não disse absolutamente uma palavra sequer, permanecia deitado nos braços do pai, sentia uma forte enxaqueca como das outras vezes, seus lábios estavam secos, seu corpo queimava por dentro e por fora, estava zonzo, não conseguia acreditar em como fora caminhando até sua antiga casa, mas finalmente estava lá, nos braços de seu pai.

Após alguns poucos minutos, ouviu a fina voz de Viorica, sentiu a força de seu pai ajudando-o a se levantar e quando notou, estava deitado entre seus lençóis, no sossego de seu aconchegante quarto, abria os olhos, todavia enxergava apenas vultos, o de seu pai e o da jovem criada, mal conseguia ouvir o que falavam, estava enjoado e fraco, entretanto não sabia o por quê.

Durante algumas horas, Ionel velou o sono do filho, molhava uma toalha em água morna, torcia até deixá-la úmida e enxugava o suor do rosto do adolescente, acariciava seus negros cabelos e admirava-se com a palidez excessiva e a frieza de sua pele, parecia estar morto, mas estava apenas dormindo.

Eram três da manhã, a lua começava a surgir à medida que as nuvens iam se desfazendo no céu, o lívido brilho iluminava o semblante do rapaz deixando-o ainda mais alvo, Viorica também estava no quarto, ela então disse carinhosamente:

___ Senhor Petrescu, deixe que fique com ele até o amanhecer, precisa descansar.

___ Em hipótese alguma sairei do lado de meu filho ___ protestou Ionel sem nem sequer tirar os olhos do rosto plácido do filho.

___ Mas, senhor...

___ Já disse!___ gritou o homem, logo após sua voz voltou a ser passiva ___ Vá você descansar, qualquer coisa lhe chamo.

___ Como quiser, senhor ___ assentiu a criada sem ter como argumentar.

A garota saiu do quarto fechando a porta.

Uma forte dor se alastrou silenciosamente no peito de Ionel, em seu olhar havia uma enorme preocupação que lhe tirava o sono, não conseguia parar de fitar o garoto, acariciar seus cabelos, qualquer gemido que ele emitia, ele estaria ali para acalmá-lo, sempre estaria ali para roubar sua dor e matar seus medos.

A cada cinco minutos banhava a toalha na água, torcia e enxugava o suor da testa do moço, acariciava os enegrecidos fios reluzentes, diante de si estava seu garotinho, o pobre menino com medo da forte tempestade que desta vez não vinha do céu, mas de dentro dele mesmo.

O pai sentia que algo estava acontecendo, mas não sabia ao certo o que era, estava desolado e perdido e cada vez que lançava seu olhar para o rosto de Damian, o conhecia menos, sentia que perdia-o, para a vida, para Andreea, para o mundo, não sabia ao certo, só tinha medo de um dia fitá-lo e não mais saber se aquele era o mesmo menino que um dia adormeceu tranquilo em seus braços.


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