Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 50
Mais Um Deslize?




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Ao amanhecer, Ionel abriu seus olhos observando ao redor, ainda estava no quarto de Damian, estava escuro, pois as pesadas cortinas ainda não haviam sido abertas, os primeiros movimentos de seus braços ao tentar espreguiçar-se lhe indicaram a ausência do filho, olhou para o colchão, o travesseiro, os lençóis, os vestígios do caloroso corpo do garoto ainda estavam nas fibras dos tecidos, porém onde estava ele?

O senhor levantou-se imediatamente, saiu do quarto descendo as escadas até a cozinha onde deparou-se com Viorica preparando a mesa para o desjejum, a criada sorriu e o cumprimentou:

___ Bună ziua, senhor Petrescu.

___ Onde está Damian?___ perguntou o pai aparentemente desesperado.

___ Ele saiu antes da alvorada ___ contou a empregada colocando sobre a mesa um delicioso bolo de laranja recém-saído do forno.

___ Você o viu sair?___ inquiriu o homem sentando-se em seu lugar à mesa.

___ Ouvi barulhos e olhei pela janela, quando o vi já estava cruzando os portões.

___ E você não fez nada?___ perguntou de novo, agora alterando um pouco a voz em tom impaciente.

___ O que queria que fizesse, senhor? O senhor mesmo diz que Damian já é um homem feito e tem de suportar as consequências de seus atos ___ respondeu a garota firmemente.

___ Estou me referindo à febre alta que o atacou ontem à noite!___ explodiu, por fim, Ionel ___ E se ainda não estivesse bem? Como pôde permitir que saísse assim?!

A menina encarou o ferreiro em silêncio, até dizer:

___ Îmi pare rău.

___ Não é o bastante!___ falou ele.

O sol estava ameno num céu azul claro quase sem nuvens, tudo era silêncio e sossego, Damian cambaleava à beira da estrada, sua cabeça ainda doía, não conseguira pegar no sono durante as horas que se arrastaram mortas durante a madrugada, porém agradeceu por não ter adormecido e podido sentir o calor paterno protegendo-o como quando era apenas um menino.

Sentia, nem que fosse mais leve que o toque de uma pena, as mãos de Ionel perdendo-se em seus cabelos molhados de suor, o calor de um lenço umedecido beijando seu ebúrneo semblante várias e várias vezes que mal pôde contá-las, lamentou não abrir os olhos e poder vislumbrar o rosto plácido de seu grande herói, o anjo que nunca lhe abandonara, nem mesmo quando mais mereceu.

O que mais queria era voltar para casa e aconchegar-se novamente nos braços protetores de seu pai, mas não podia, sentia que seu lugar não era mais ali, havia tomado uma decisão e teria de arcar com as consequências, as horas e o regozijo se foram, agora teria de voltar para sua vida de luxúria e glamour que estava apenas começando.

Estava sequioso, mas seus lábios secos não pediam por água fresca, estava faminto, mas seu corpo não pedia por pão quente, havia um vazio em seu peito, não sabia de onde vinha e nem como preenchê-lo, eis que se lembrou da vez em que devorou toda uma tigela de carne crua ainda banhada em sangue numa noite silenciosa, a fome, a sede, a dor, tudo havia sumido à medida que o gosto solitário do sangue descia por sua garganta.

Aquela lembrança fez sua cabeça latejar e com ela veio mais uma cena, a de que esmagara um rato e depois, não podendo resistir ao cheiro do sangue do asqueroso animal, o devorou rapidamente e sem pensar em nada, novamente a sensação de paz interior, e novamente mais uma pontada em seu crânio, cada lembrança o atormentava, cada memória perturbadora em total sincronia com as estranhas e misteriosas imagens que invadiam seus sonhos.

Uma sensação de repulsa lhe dominava os pensamentos, o jovem, a cada segundo pensando, concluía que ambos os eventos, outrora denominados primitivos e ou irracionais por qualquer um que tomasse conhecimento, para ele eram regozijantes como uma noite de intenso prazer nos braços de uma donzela. Espantou-se ao ter a certeza de que ter o sangue de uma praga nefanda em seus lábios fora ainda mais deleitoso do que explorar as sensações de um ato com a dama na qual era a dona de seus mais doces sonhos.

Sentiu-se fraco, estava quase perdendo o chão, procurou refúgio outra vez nos braços de madeira daquelas árvores adormecidas, buscou consolo naquele solo frio, pois os raios da manhã ainda não haviam banhado aquela terra com seu ardor. Ajoelhou-se à beira do lago e com as mãos em forma de concha, levou um pouco de água até a boca respirando fundo logo após.

Deixou seu corpo desmanchar-se sobre o terreno macio e quando uma de suas mãos fora caindo, sentiu algo sob ela, levou-a até perto do rosto e pôde observar que havia manchas vermelhas em seus dedos, olhou para o lado deparando-se com um guaxinim morto com as tripas para fora, sua primeira reação foi levantar-se e tomar distância daquele cadáver repulsivo.

Após recuperar o fôlego por conta do susto, um peculiar odor entrou por sua narina, era leve, uma força a mais na brisa e ele se dissiparia, fechou os olhos e inspirou intensamente para que pudesse apoderar-se de seus pulmões, era doce e despertava seu apetite, entretanto, ao abrir os olhos sentiu nojo da visão diante de si, ouviu seu estômago roncar, seus lábios ficaram ainda mais secos, certamente seu corpo pedia algo. A lembrança de devorar euforicamente o pequeno e imundo rato estava latejando em sua cabeça, faria de novo?

Não sabia se seu estômago estava embrulhado ou roncando, as lembranças e a imagem diante do rapaz brincavam com sua mente e com seu corpo, de tempos em tempos era repulsa, era fome, era ânsia de vômito, era vontade, intensa e voraz vontade. Estava confuso e assustado, se alguém chegasse e o visse em tal situação, o que pensariam? O que sentiriam em relação ao lindo garoto que devorava cadáveres em decomposição? Ainda não havia o devorado, não sabia se faria, mas o aroma o puxava com suas fortes garras para cada vez mais perto do sangue e das vísceras daquele animalzinho.

O que havia acontecido àquela pobre criatura? Teria sido vítima de alguma raposa? Provavelmente. Pobre guaxinim, como um lixo jogado à beira daquele lago, motivo de espanto para quem o visse assim, de nada fora culpado, apenas era vítima da mãe da natureza, agora jazia frio e morto, até que os vermes comam o restante de sua carne, até que seu corpo transforme-se em adubo, até que sua presença seja esquecida, pois não passava de um frívolo e pequeno mamífero desgraçado.

Era quase tão terrível resistir às garras da pérfida tentação, o olor invadindo suas narinas, entrando por seus pulmões, passeando por seus lábios, seu estômago, ao fechar os olhos podia já sentir o gosto daquele frio líquido viscoso descendo por sua garganta, a macia carne entre seus dentes e por todo o bosque, os animais horrorizados, melancólicos, lutuosos, quietos e imóveis ao se depararem com esta maldita força da natureza que devorava sem pensar.

Sua língua umedeceu os lábios, começou a se arrastar para perto daquele corpo frígido, o vento tocava delicadamente o macio pelo do animal, fazia-o movimentar-se lentamente, podia até pensar que estava respirando vagarosamente, como se estivesse dormindo, sonhando com o paraíso em que vivia sozinho e seguro, mas era apenas ilusão.

Não conseguia parar de olhá-lo, não sabia o que dizer muito menos em que pensar, era uma visão indescritível, uma sensação inominável, uma vontade incontrolável, uma de suas mãos fora se aproximando do cadáver, estava apenas a alguns centímetros de tocar sua carne, de senti-la macia e suave entre seus dedos, fitou os olhos esbugalhados do guaxinim, sentiu uma pontada de pena e remorso em seu peito.

Começou a admirar com mais naturalidade aquela cena, até que o som do fino gemido da criatura o fez afastar-se no mesmo instante sentindo seu coração quase saltar pela boca, o animal ainda estava vivo e começou a gemer, leves gemidos que em poucos minutos findar-se-iam, entretanto que o assustaram, desesperado e com raiva, o jovem pegou a primeira pedra que vira pela frente e num só ato esmagou a pequena cabeça do bicho.

Sua respiração estava arfante e logo vieram as lágrimas, não sabia ao certo por que estava chorando, por ter matado um animal indefeso ou por quase tê-lo devorado friamente, a pedra ainda estava em sua mão, machada com o líquido carmesim e alguns restos do pequeno cérebro do guaxinim, o moço então a arremessou bem no meio daquele grande lago, ela iria afundar até ser esquecida para sempre nas profundezas daquelas águas calmas.

Havia sangue em suas mãos e o cheiro estava lhe deixando atordoado, levou a mão até perto do nariz e inspirou aquele aroma, de olhos fechados e lábios entreabertos, o odor entrava, incomodava, tentava convencer, enlouquecia, estava bem ali, a menos de cinco centímetros de sua boca, era só esticar a língua e uma explosão de sabores e sensações teria início, era apenas isso, estava tão fácil, tão perto...


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