Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 47
A Festa Em Volta da Fogueira




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Numa noite ambos estavam sentados à mesa na sala de jantar, enquanto a bela viúva fartava-se de um suculento peito de peru, o adolescente apenas brincava com a comida, pensativo e distante, não percebeu que durante vários minutos a donzela o observou com estranha precisão, eis que resolveu falar:

___ A comida não está de seu agrado?

Notou que os olhos celestes do garoto nem ao menos se moveram, continuavam fixos a um ponto desconhecido, nenhuma reação incomum de minutos atrás, continuava movimentando o punho perfurando a carne com o garfo e a boca fechada como se tivesse sido costurada num ritual agonizante.

___ Damian?

Ao pronunciar seu nome, o jovem finalmente voltara sua atenção à madame, como se tivesse acordado de um transe.

___ Está tudo bem, querido?

___ Está sim ___ respondeu ele com um vago sorriso.

___ Pois não parece ___ contradisse a mulher.

___ E por que não?

Ela segurou e acariciou gentilmente a lúrida mão do menino pensativo e sorrindo falou:

___ Draga mea, está aqui há pouco mais de um mês e durante todo este tempo eu nunca o vi sorrir.

___ Eu acabei de sorrir para você.

___ Um verdadeiro sorriso, algo alegre e satisfatório, não obrigatório como todos os outros que direcionou a mim todos estes dias.

Um breve silêncio se formou, a tristeza estava refletida no pálido semblante do doce ferreiro e Andreea sentiu um doloroso aperto que dizia que o motivo desta melancolia era somente seu.

___ Está feliz aqui?

___ Por que está me perguntando isto?

___ Damian, eu lhe fiz aquela proposta e esperei uma resposta, ela poderia ser do meu agrado ou não, mas... ___ a viúva revirou os olhos de maneira tristonha acompanhado de um suspiro igualmente tétrico ___ A questão é... Eu não lhe obriguei a nada, então se se sente infeliz vivendo aqui, dormindo ao meu lado e indo a lugares comigo, eu permito que parta no momento em que desejar.

___ O que?___ inquiriu ele, confuso e surpreso.

___ Foi o que ouviu, querido. Damian, eu amo você...

Aquelas palavras fizeram seu sangue gelar e seu coração diminuir as batidas, nunca a ouviu dizer algo tão terno e aparentemente sincero a ninguém durante o tempo que esteve ao seu lado.

___ Você me ama?___ perguntou o garoto como se quisesse apenas uma confirmação, pois realmente havia entendido o que saíra da boca da mulher.

___ Sim, eu sou completamente apaixonada por você, draga mea, é tão diferente de todos os outros rapazes que já passaram por esta casa, que já se deitaram sobre mim, vejo nos seus olhos que não me deseja.

___ Andreea ___ Damian começou na tentativa de disfarçar uma verdade que seus olhos descaradamente entregavam.

___ Por favor, deixe-me terminar ___ a loira o interrompeu com certa impaciência ___. Sei que não me ama e não entendo a razão por ter aceitado minha proposta, ambos estamos sofrendo, então... Eu estive pensando, se quiser partir pode ser esta noite, não mais o procurarei, deixarei que viva sua vida da maneira que lhe for conveniente. Mas quero que saiba, nenhum homem me deu o que você me dera... Atenção, carinho, afeto, não apenas prazer carnal, mas sentimental e é por isso que eu o amo, não somente por sua alva beleza, seus formosos olhos azuis, mas pelo seu coração, meu querido.

___ Por que nunca me contou isto?

___ Sempre esteve tão perdido em pensamentos, tive medo de não encontrá-lo.

___ Mulțumesc ___ falou ele baixando os olhos.

___ Não é preciso se desculpar, meu bem, sou eu que lhe peço perdão, por acreditar que um lindo garoto poderia ser feliz ao lado de uma viúva ébria e desonrada.

O jovem percebeu lágrimas reunindo-se no canto daqueles verdes e brilhantes olhos tão tristes.

___ Está errada, eu aceitei sua proposta porque sinto algo por você, ainda não sei ao certo o que é, mas... Eu sei que é forte.

___ Draga mea, vă rog, não precisa mentir para mim.

___ Não estou mentindo! Desculpe se pareci tão triste neste mês, mas... Eu tive que me desfazer de todo o meu mundo... Por você.

___ Eu disse, é tudo culpa minha.

___ Não, não é, por favor, não pense assim. Creio que apenas preciso de um tempo para me adaptar a esta nova vida, apenas um tempo... É tudo o que lhe peço.

___ Um tempo?

___ Apenas isso.

Andreea sorri ao fitar os hipnotizantes olhos do rapaz e concorda.

___ Então, milady, gostaria de sair para dançar esta noite?

___ Aonde vamos?___ perguntou a dama em tom empolgado.

Naquela noite, os aldeões estavam dançando em volta de uma enorme fogueira, comemoravam o solstício de verão, era como a festa da colheita na estação passada, porém havia mais cores quentes como o laranja, o amarelo e o vermelho predominando o local, sem muitas flores e muita regalia, era algo voltado somente para o lazer do povo.

Os músicos locais emanavam suas notas animadas vindas de violinos, cobzas, cimpois, nais e ocarinas faziam as pessoas pularem e dançarem em volta da majestosa fogueira, ouvia-se ao longe os risos e a cantoria que pareciam não querer ter fim, crianças e adultos rodando em volta do fogo enquanto o dono de uma antiga taverna do vilarejo estava radiante por a cada minuto faturar mais e mais com cerveja, vinho, whisky e rum.

Mais uma vez a população pulava e gargalhava dançando o sirba, o círculo rodava animado para a direita com homens e mulheres apoiando-se uns nos ombros dos outros e, subitamente, o círculo detia-se por milésimos de segundos para mudar de direção e seguir no mesmo frenético ritmo para a esquerda.

A viúva Voiculescu e seu acompanhante chegaram em sua carruagem, ao longe podia já se ouvir os risos, gritos e o som contagiante da melodia correndo solta e veloz, passando pelos corpos dos habitantes do vilarejo, cruzando as árvores e indo bem mais além das montanhas. Damian foi o primeiro a descer e gentilmente, segurando a mão de sua senhora, a ajudou tocar o solo, ao sentir os finos e bronzeados dedos apertando-se à sua alva e fria mão, o jovem deduziu que ela estava nervosa e sorrindo procurou tranquilizá-la.

___ Esta noite quero que seja você mesma, sem regalias ou regras de etiqueta, apenas um sincero sorriso no rosto, como todos que aqui estão.

A mulher então sorriu dizendo:

___ Tudo bem.

Após ter dito isto, o rapaz já sentiu os dedos dela mais frouxos, mas ainda assim não desgrudavam de suas lívidas mãos.

Contornaram a roda onde as pessoas cantavam e dançavam para irem até a taverna, pediram um garrafão de cerveja, os minutos que se seguiram foram inteiramente usados no intuito de esvaziá-lo, mas quando o líquido já estava pela metade dentro do recipiente, o garoto percebeu que a rica donzela não parava de fitar os habitantes se divertindo em volta da fogueira, engoliu o pouco da bebida que ainda restava em sua caneca de bronze e disse pegando na mão dela:

___ Acho que já tomamos coragem o bastante, vamos!

___ Oh não, Damian, eu...

Antes que pudesse concluir a frase, Andreea e o ferreiro já estavam entre os outros moradores, ele parou ao lado da dama, pegou em sua cintura e começou a arriscar alguns passos agitados tentando encorajá-la.

___ Eu não sei dançar ___ falou ela timidamente.

___ Eu também não sei ___ retrucou o menino sorrindo e puxando a cintura da mulher na direção em que o círculo se movia.

Com uma das mãos a viúva ergueu a barra do vestido até a altura dos joelhos e segurou na cintura de um homem que estava ao seu lado e com a outra envolveu a cintura daquele animado adolescente tão carinhoso, gentil e cheio de vida, aos poucos fora arriscando alguns passos como ele e logo que percebeu estava dançando e rindo euforicamente, assim como os demais ali reunidos.

O venusto amante percebeu que estava começando entender aquela mulher, ela era solitária e entristecida, usava sua beleza para ter apenas um pouco de companhia, nunca ninguém a fez feliz, nunca ninguém a havia feito sorrir como naquela noite, pensou que não seria tão ruim viver ao seu lado, pois no fundo ela só queria uma coisa... Amor, e isto ele tinha, porém não sabia para quem dar.

Chegou o momento em que a roda trocava de direção, alguém dava a deixa e todos os outros seguiam, sem parar a música, a dança e a alegria, o jovem sorria e sentia a energia tão pura e suave vinda da melodia, estava se divertindo, como há tempos não fazia.

Petrescu percebia os olhares femininos eufóricos devorando-o por todos os lados daquela agitada circunferência, por mais que percebesse o desejo que despertava no sexo oposto isto não lhe importava, era um jovem com alma de menino, um garoto que não via malícia nas coisas mundanas, um pequeno e belo sonhador.

Após três longas melodias que se seguiram sem palavras animando a população, a quarta dança fora inspirada em notas mais lentas e suaves que se transformavam na doina¹, uma espécie de balada romântica na qual formavam-se casais que lentamente dançavam suspirando pelas narrações históricas que a canção abordava.

Damian estava tão agitado e risonho que mal pôde perceber a mudança drástica no ritmo e na melodia, não notou também as mãos suaves que lhe apertaram, o corpo quente que ao seu colara, o sorriso morrera em seus escarlates lábios quando viu aqueles olhos de mel encarando-o ternamente, o cabelo com perfeitos cachos nos quais as trêmulas luzes davam um brilho rubicundo aos fios, podia jurar que as chamas agitadas da fogueira caíam delicadamente como cascatas na altura de seus seios, a pele macia e rosada junto à sua, queria dizer algo, mas parecia não conhecer mais nenhuma palavra, nem ao menos possuir cordas vocais para emitir um mísero som, nada...

___ Olá, Damian... ___ aquela voz doce e aveludada de que tanto se lembrava saindo daqueles carnudos lábios que por um instante foram seus.

___ Rosalind... ___ o nome saiu com extremo esforço, como se fosse seu último suspiro de vida. Naquele momento não havia mais dança, não havia mais música, sorrisos ou sequer outras pessoas, havia apenas ele e ela no meio de um nada, um terrível e pérfido nada.


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Notas finais do capítulo

1. A "doina" é uma canção de amor improvisada, uma espécie de blues que incorpora temas sociais ou românticos. Em cambio, a "balada" é uma canção coletiva onde se narram histórias de diferentes conteúdos, principalmente de caráter histórico.



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