Aquela tarde passou voando. Edgar tenta por um pouco de ordem em seu escritório e após ler e reler alguns processos que precisavam de andamento começa a preparar os documentos que seu pai pedira. Enquanto isto, Fernando vai ao jornal para colocar o anúncio da venda das ações, conforme combinado durante a reunião da manhã. Após, passa no banco e, constatando que a empresa que comprara os tecidos roubados já depositou a quantia combinada,  dá sequência a seus planos.  Vai até a casa de um amigo seu, advogado, que após combinar o quanto lucrará com este favor, lhe fornece uma nota promissória com firma reconhecida, falsa, para fins de comprovar a origem do dinheiro com que comprará o capital aberto da empresa. Saindo dali, vai  para casa de Catarina, onde esta se encontra ao piano e totalmente transtornada com a filha..

Melissa: Mamãe... 

Catarina: O que?

Melissa: Brinca comigo... estou cansada de brincar só com minhas bonecas...

Catarina: Melissa... eu estou tentando estudar... vai brincar em outro lugar...

Melissa: Mas mãe... eu não quero mais brincar sozinha...

Catarina: Brinque com a empregada...

Melissa: Mas ela está fazendo o jantar...

Catarina: Então brinque sozinha... e pare de me amolar...  criança chata... não está vendo que preciso me concentrar???? Quero ficar sozinha...

Melissa: Mas mamãe..

Catarina: Saia daqui.... vai para seu quarto!!! 

Fernando chega neste instante...Melissa sobe as escadas deixando escapar algumas lágrimas...

Fernando: Meu rouxinol... por que trata assim a tua filha?

Catarina: Ela só sabe me irritar... eu já não aguento mais... vou ter de falar com o Edgar para colocarmos essa menina de uma vez na escola...

Fernando: Ela tem a saúde frágil... e não tem idade ainda... mas você é mãe dela... sabe o que deve ou não fazer.. por sinal... se ela te incomoda tanto... por que não deixa ela para o Edgar criar?

Catarina: E perder o pouco dinheiro que consigo para sustentar essa casa? Nem pensar...

Fernando: Meu amor... logo você não precisará contar com as migalhas que o meu irmão te dá... meu plano está correndo exatamente como planejado... amanhã mesmo compro as ações da fábrica...e... logo serei o sócio majoritário da Tecelagem Vieira...

Catarina: E eu poderei então me dedicar exclusivamente a minha carreira...

Fernando: Claro meu rouxinol... eu comprarei um teatro apenas para você...

Já em Portugal, Manoela chega afoita ao escritório. Filipa está terminando de escrever um telegrama, e ao perceber a chegada de sua colega levanta os olhos do papel para ver o que se passa...

Manoela: Filipa... voltei ao hospital como me disseste... tenho uma boa amiga enfermeira que me facilitou a entrada e o acesso ao prontuário da menina...fiz uma cópia... dê uma olhada

Filipa (olhando o prontuário): Interessante... o diagnóstico dessa menina está muito estranho... preciso mostrar isto para o Edgar também...  falando nisto... compraste os bilhetes de embarque?

Manoela: Sim... estão aqui... o navio sai amanhã... às 9:30hs... já tenho também tudo preparado para a viagem...

Filipa: Eu também... e antes do embarque tenho de ir ao telegrafo.. preciso enviar essa mensagem a meu amigo 

Na Rua do Ouvidor, Laura termina de guardar as  últimas caixas de sapatos antes de terminar seu expediente. O senhor Veronese lhe diz que para um primeiro dia de trabalho, ela se saíra muito bem... Sente-se recompensada pelas palavras de seu patrão e sai dali contente... lembra-se que precisa conversar com Isabel.. e com este intuito vai até o Teatro Alheira... lá cumprimenta Mario Cavalcanti e informa-se que Isabel está no escritório... bate à porta e é recebida pela amiga

Isabel: Laura... que bom te ver aqui! Entra!

Laura: Oi Isabel!

Isabel: E então? Como vai?

Laura: Bem... acabei meu expediente hoje... foi meu primeiro dia de emprego

Isabel: Olha... que notícia boa... onde está trabalhando?

Laura: Numa sapataria aqui  perto

Isabel: Sapataria? Laura... mas e suas aulas?

Laura: Isabel... ninguém quer uma professora divorciada...

Isabel: Ai amiga... espero que logo toda essa tempestade na sua vida passe.... 

Laura: Isabel.. eu vim aqui por ter visto a critica do Neto... como você está?

Isabel: Laura... não esperava uma crítica tão forte dele... mas também não vou me deixar abater por meia dúzia de palavras negativas... só acho um desrespeito com minha cultura e meu povo.. ele disse que esse requebro de escravos nunca será considerado dança...

Laura: Isabel... eu quero te mostrar algo... (mostrando a Isabel um caderninho que trazia  na bolsa com um artigo escrito sobre o espetáculo)... eu não vi o espetáculo em si... mas vi o ensaio final... então posso argumentar...

Isabel: Sim... nada mudou do ensaio para a apresentação... nossa Laura... não sabia que escrevia tão bem... mas... o que pretende fazer com esse texto?

Laura: Tenho um segredo... vou te contar... mas promete que não vai sair daqui... eu tenho escrito artigos para o jornal do Guerra...  e ele tem publicado...assino como Paulo Lima...

Isabel: Eu vi... então o sobre divórcio?

Laura: Cada palavra... fui eu... Me permite que envie esse artigo defendendo tua dança...tua gente?

Isabel (sorrindo): Claro que sim...obrigada por fazer isso por mim... mas só me tire uma dúvida...por que o pseudônimo?

Laura: A sociedade ainda é preconceituosa contra as mulheres... acham que a gente só entende de lidas domésticas, orações e criação de filhos... acham que mulher não sabe nada sobre política...economia... então resolvi escrever com um pseudônimo masculino... sabia que assim o Guerra pelo menos daria uma lida... Agora vou indo... Boa noite Isabel...

Isabel: Boa noite

Laura toma o rumo do Cosme Velho... está ansiosa por chegar em casa e ver seu pequeno filho... de repente lembra-se que agora Edgar provavelmente não estará lá...  Gertrudes voltara... e Matilde voltou para casa dele... não há mais razão para que venha fazer as  refeições em sua casa... Ela  chega e conversa um pouco com sua antiga empregada...

Laura: E então Gertrudes? Como foi sua volta?

Gertrudes: Tranquila Laura... a casa estava toda organizada... a Matilde faz um excelente trabalho... e o Daniel me recebeu muito bem... mas ficou bastante triste por ela ter ido embora...

Laura: Onde ele está?

Gertrudes: No quarto... brincando...

Laura:  Já vou dar uma olhada nele... a Matilde comentou contigo o que aconteceu por aqui na sua ausência?

Gertrudes: Pouca coisa... apenas sei que seu divórcio foi descoberto e que o Daniel já sabe que o Dr. Vieira é pai dele... 

Laura: Sim... passei por dias terríveis por causa da divulgação do meu estado civil... graças a Deus o Edgar  e meus amigos queridos estavam me apoiando...  Quanto ao Daniel... não pensei que iria aceitar tão bem o pai...

Gertrudes: E... pelo que percebi hoje pela manhã... vocês dois se acertaram... mas ele me pareceu um pouco zangado... desculpe, mas ouvi as vozes alteradas de vocês lá na cozinha enquanto conversava com a Matilde...

Laura: A gente reatou sim...  no momento ele está chateado por eu ter começado a trabalhar em uma sapataria.. ah... mais isso... por conta da descoberta do divórcio perdi o emprego no Arquivo Nacional... e o Edgar não gostou muito desse meu novo trabalho... ele se propôs a pagar as despesas daqui... mas Gertrudes... eu não posso aceitar...as do Daniel ainda vá lá... mas as minhas...

Gertrudes: E como ficou isso? Parecia terem se acertado quando saíram...

Laura: Sim... acho que sim... estou pensando uma coisa Gertrudes... antes ele vinha nos ver todos os dias.. foi um arranjo que fizemos para as refeições já que ele estava sem empregada... mas agora.. não sei se ele vai vir...

Gertrudes: Menina.. você sabe que ele não vinha aqui pela comida.. vinha por vocês... e sinceramente... acho que ele vai continuar fazendo isso... Vai no quarto do Daniel ver....

Laura (abrindo um sorriso largo) Ele está...

Gertrudes confirma com um aceno de cabeça... Laura vai até o quarto do filho pé ante pé... ouve  as risadas  de filho e pai ainda no corredor...encontra a porta entreaberta e pelo vão formado olha para os dois homens da sua vida... estão ali... Edgar tem o menino sentado em seu colo.... ri com Daniel e faz  o rir ao fazer cócegas em sua barriga... Laura sorri com a cena que vê e dando um passo a frente, abre de vez a porta do quarto...

Laura: Olá!

Daniel: Oi mamãe!

Edgar: Oi...

Laura: Que bom que veio...

Edgar: Não sabia se devia...

Laura: Você sabe que sim...

Edgar: Que bom... achei que agora nosso acordo estaria desfeito...

Laura: Não... pode continuar vindo aqui todos os dias... 

Edgar: Sabe que vou vir... preciso ver o Daniel...preciso conversar com você...

Daniel permanece no quarto brincando... eles seguem para sala

Edgar: E então... como foi seu dia?

Laura: Olha... até que me sai bem... atendi... vendi... acho que o Seu Veronese gostou do meu trabalho...

Edgar: Você faz bem tudo o que se dispõe a fazer... até que horas  trabalhou?

Laura: Até às 18... por que?

Edgar: Você demorou...

Laura: Passei no Alheira antes... fui conversar com a Isabel... mas e você... como foi a conversa com seu pai?

Edgar: Você pode imaginar... mas no final ele acabou concordando... amanhã mesmo será anunciada a venda das ações... Laura... preciso te contar algo...

Laura: Diga...

Edgar: Amor.. enquanto eu conversava hoje com minha mãe, acabei contando a ela sobre o Daniel... e sobre nós...

Laura: E ela?

Edgar: Ficou muito feliz... quer conhece-lo... 

Laura: Sem problemas... pode marcar com ela... também gostaria de ve-la...

Edgar: Ela vai gostar muito... Laura... estava pensando... acho que está na hora também do Daniel e a Melissa se conhecerem...

Laura: Sim... mas uma coisa de cada vez... primeiro ele vai conhecer a D. Margarida... depois vemos como ele e a irmã vão se conhecer... mas me diz...  o que minha sogra disse sobre nós?

Edgar: O que ela poderia dizer? Minha mãe me acha um homem sozinho... triste... ela só quer que eu seja feliz...

Laura: E eu quero muito te fazer feliz meu amor... (dando um beijo em Edgar)

Edgar: Você me faz feliz... mas se quer me ver mais ainda... espero que aceite o que vou te propor...

Laura (sedutora): Uhm... uma proposta... será uma proposta indecorosa?

Edgar (rindo): Esse tipo de proposta eu deixo para logo mais... no momento.... é uma proposta... profissional...

Laura: Profissional?

Edgar: Sim... Laura...meu escritório está muito desorganizado... não estou mais conseguindo me encontrar em meio a tantos documentos... hoje percebi que preciso com urgência de uma secretária...e você tem experiência nisso por ter trabalhado no Arquivo Nacional... o que me diz? 

Laura: Edgar... eu não posso aceitar...

Edgar: Não? Então me dê um bom motivo para não aceitar... eu pago bem...

Laura: Não se trata de dinheiro... eu simplesmente não posso...

Edgar: Mas porque? 

Laura: Edgar... pensa bem... você não teria a mesma postura que teria com uma funcionária, não me exigiria e nem cobraria de mim os meus erros...... e não venha dizer que não.. por que eu sei que seria assim... e eu mesmo que não gostasse de algo... não conseguiria reclamar... Edgar... isso simplesmente não daria certo... entende?

Edgar: Não... não entendo... não aprovo... e você me disse que se surgisse algo melhor você deixaria a sapataria... estou te oferecendo um cargo de secretaria... um salário melhor...

Laura: Você inventou essa vaga!

Edgar: Não! Eu realmente preciso uma secretária! Se não acredita peça para Matilde... ou vá no meu escritório e veja...

Laura:  Tudo bem.. supondo que a vaga exista e eu aceite...Aí... eu vou voltar a depender de você...

Edgar: Não vejo nada errado nisso... afinal você vai estar trabalhando para mim...

Laura: Não... Já disse que está fora de questão... e vamos mudar o rumo dessa conversa... não quero brigar com você... tenta me entender...

Edgar (suspirando): Eu disse que ia tentar... e tenta me entender também... se faço isso... é por  é só por amar você...por querer te ver feliz... realizada pessoalmente e profissionalmente... e bem na verdade... acho que só vou ver isso quando você voltar às salas de aula..

 Laura: Concordo (passando os braços pelo pescoço dele)... mas pessoalmente eu sou muito feliz... tenho Daniel.. e tenho você... Te amo Edgar...

Edgar: Eu também Laura...(beijam-se)

Naquela mesma noite, Carlota vai a casa  de Constância... entra e pede para falar com sua irmã...

Constância: Carlota... o que faz em minha casa a estas horas?

Carlota: Desculpe o adiantado da hora... mas o assunto não podia esperar...

Constância: Mas o que tem de tão grave?

Carlota: Sua filha..

Constância: O que tem Laura?

Carlota: Está trabalhando...

Constância: Sim.. mesmo com minha insistência para que parasse... ela nunca abandonou suas aulas...

Carlota: Ela não dá aulas em uma sapataria...

Constância: O  que disse?

Carlota: Isso... Laura está trabalhando em uma sapataria... vi com Celinha hoje à tarde.. Constância... sua filha estava ajoelhada como uma serviçal na frente de um senhor...

Constância: Mas isso é muita humilhação... eu criei essa menina  para ser servida... ela é filha de uma baronesa... o que dirão os pares de meu marido no Senado? A filha do Senador Assunção  trabalhando como caixeirinha de loja! A Laura passou de todos os limites... estou cansada de todos os vexames a que nos tem exposto.. não vou tolerar mais um...

Carlota:E o que pretende?

Constância: Venha amanhã pela manhã e mostre-me onde é essa loja... quero falar com Laura... mas se ela não escutar...vou intervir...e você verá como a Baronesa da Boa Vista defende seus interesses e o bem estar de sua família...