O Vazio escrita por Liminne


Capítulo 6
Capítulo 6




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Passamos o almoço conversando sobre a aula. Eu e Chad demos os parabéns a Grimmjow pelo progresso em matemática. Quando o Chad disse que não tinha conseguido fazer a questão que o Grimmjow conseguiu, pensei que o peito dele fosse explodir de tanto orgulho.

Quando terminamos de comer, Chad desceu primeiro. Eu levantei para ir também e Grimmjow foi atrás de mim. Mas quando chegamos à escada, ele não deixou que eu descesse. Segurou meu braço.

- O que foi? – perguntei estranhando, balançando o braço para que ele soltasse.

Ele sorriu no escuro.

- Vamos comemorar agora! – me empurrou na porta de metal e veio se aproximando rapidamente.

- Ei! – eu espalmei as mãos no peito dele para bloqueá-lo. Parecia aquele primeiro dia. Só faltava o Keigo aparecer. – Estamos na escola! – eu falei baixinho, mas com ênfase suficiente para que ele entendesse meu alarme.

- E daí? – ele sussurrou mantendo o sorriso malicioso. – Esse terraço é praticamente nosso território e está tarde demais para alguém vir para cá. – tentou se aproximar de novo, mas eu continuei segurando-o.

- Você tem razão! – aumentei um pouco a voz. – Está tarde demais, não é? A aula vai começar, precisamos ir! – tentei sair andando, mas ele me deixou sem saída, praticamente se colando em mim.

- Fica quietinho aí. – ele continuou sussurrando com o mesmo semblante. Não parecia irritado com as minhas tentativas de fuga. Na verdade parecia estar ficando mais interessado. – Estamos no escuro, ninguém vai nos ver. – e voltou a se aproximar.

Eu não tinha saída. Ele estava grudado em mim, a respiração, o peito, as pernas, os braços... Eu podia sentir o calor, os batimentos cardíacos e tudo o que aquilo queria me dizer. Tentei afastar o rosto algumas vezes. Por algum motivo muito idiota ainda estava tentando escapar. Mas não tinha mesmo jeito. Os lábios dele capturaram os meus e quando dei por mim, estava correspondendo àquele beijo furioso e apaixonado bem característico dele. Ele parecia estar tão feliz, que intensificou os movimentos, aumentou o tempo e roubou quase todo o meu fôlego. Quando finalmente separou a boca da minha, eu suspirei alto, precisando de ar, o que fez com que ele risse.

- É aventura demais para você, Ichigo? – fazia tempo que ele não pronunciava meu nome daquele jeito. Não que agora ele demonstrasse desdém como antes... Mas era como se estivesse me colocando em uma posição inferior.

Mas ele tinha razão.

- É sim. – eu nem sei como consegui falar sem gaguejar. Eu estava tremendo um pouco.

O sorriso dele esticou-se, os olhos azuis relampejaram de satisfação e ele veio de novo. Só que dessa vez seus lábios não procuraram os meus, mas sim o meu pescoço. Eu segurei os ombros dele quando comecei a sentir aquele arrepio.

- Grimmjow! – eu tentei tirá-lo de cima de mim. Minha respiração estava alta demais para o meu gosto. Sem falar que meu rosto estava pinicando de tão quente. – Grimmjow, para! – ofeguei.

Mas ele não ia me ouvir, lógico. Eu não sei por que eu ainda tentava!

Ele é aquele tipo de pessoa que se você pede para que pare, aí é que quer ir até o fim mesmo. Mas eu não podia usar a tática inversa. Se eu pedisse para ele não parar... Não! Nem quero saber o que podia acontecer!

- Grimmjow! Me solta! – eu estava fraco, mas mesmo assim estava lutando para me livrar do corpo pesado dele. – Sai de cima de mim! Me deixa sair! – ele se encheu da minha voz e voltou a me beijar com força, como se estivesse me obrigando a calar a boca.

Eu não podia mais falar, mas ainda podia me mexer. Mas ele era esperto e tinha suas táticas para me paralisar por completo. É. Ele velozmente abriu os últimos botões da minha camisa e enfiou a mão por baixo dela.

Agora eu mal podia respirar, que dirá me mexer!

- Relaxa, Ichigo... – ele parou de me beijar. Devia ser porque eu tinha travado totalmente e ele não podia continuar sem mim. – Você está muito tenso! Isso é uma comemoração, não é? – riu.

Comemoração. Não sei pra quem!

Mas antes que eu pudesse protestar e transformar esse pensamento em voz, a mão dele começou a subir e descer da minha barriga ao peito. E o corpo dele muito próximo estava me deixando tonto.

- Relaxa que você vai gostar tanto quanto eu! – ele insistiu e seu toque quase suave se transformou subitamente em um arranhão.

- Chega! – eu gritei. – O que você está fazendo?! – minha camisa estava toda aberta. Se continuasse assim em pouco tempo eu pisaria nela.

- Te machuquei? – ele sorriu nem um pouco arrependido. – Que garoto frágil!

Olhei com raiva para ele. Estava certo que minha pele estava ardendo. Por acaso ele tinha garras e eu não tinha percebido? Mas não se tratava disso. E sim da perversão dele que estava passando dos limites!

Empurrei-o com força e consegui me livrar dele. Comecei a abotoar a camisa emburrado.

- Qual é o seu problema?! – ralhei. – Você não pode fazer essas coisas! Eu estava dizendo não, você não estava ouvindo?!

- Tsc. – ele fez uma careta. – Se você não estivesse gostando, poderia ter me empurrado desse jeito muito antes, não é não?

Fiquei vermelho, roxo, azul. Droga. Ele tinha razão, mas... O que eu estava fazendo?

- Você precisa ouvir quando eu disser não! – porém, eu insisti no meu direito.

- Se eu ouvisse os seus nãos, eu não tinha nem encostado em você ainda. – ele arqueou uma sobrancelha irritado. – Você é todo medroso, todo cheio de não me toques. Se eu não ignorasse seus nãos você não teria descoberto tantas coisas boas... – voltou a sorrir e veio em minha direção de novo.

- Eu não quero descobrir mais nada! Saaai! – eu estava impedindo-o com as mãos.

- Não achei que o Ichigo tão certinho fosse um desonesto! – ele apelou atingindo meu caráter. – Você disse que a gente ia comemorar, porra! – estava ficando irado, forçando a aproximação.

- Eu não pensei nesse tipo de comemoração! – meus braços estavam perdendo as forças de segurar o peso teimoso dele.

- Ah é? E pensou que eu fosse querer o que? Um chocolate e um cafuné? Vê se cresce, Ichigo! – ele não desistia.

Meu braço cansou cedendo à aproximação dele. E lá estava eu de novo, espremido contra a porta com um tarado furioso em cima, não dando a mínima para o fato de que estava comemorando SOZINHO! Uma de suas mãos desabotoou de novo minha camisa e a outra começou a descer perigosamente para meu quadril. Não. Aí já era demais.

- Ai! – ele gritou quando meu pé atingiu com força sua canela. O primeiro instinto foi o de me largar, então aproveitei para fugir.

Eu não queria ter apelado para a violência, mas a verdade é que ele merecia mais que um chutezinho na canela. Ainda fui muito gentil.

- Eu disse para me soltar! – eu berrei de longe. – Você não quis me ouvir!

- Seu... – ele cerrou os dentes irado. – Não vou deixar você sair livre dessa! – veio atrás de mim com os olhos apertados ameaçadoramente.

Eu tratei de correr o mais rápido possível escadas abaixo.

- Volta aqui! – ele começou a me perseguir e eu sabia que estava pulando vários degraus por vez.

- De jeito nenhum! – eu comecei a pular também. Só esperava não cair, porque aí eu não ia ter salvação.

Consegui chegar ao fim da escada inteiro. Mas ainda tinha os corredores e o resto do mundo para correr dele.

- Ichigo! – ele gritava correndo igual um selvagem.

Que merda. Ainda falava meu nome. Eu tentei não pensar nas pessoas que passavam como borrões por mim. Estava muito ocupado tentando me salvar.

- Sai da frente! – só escutei ele rosnando para alguém e uns gritinhos apavorados em resposta.

Ai meu Deus do céu. Ele ia começar a derrubar as pessoas também?!

- Me deixa em paaaz! – eu tentei.

- Você não vai fugir de mim, Ichigo! Não mesmo! – ele respondeu. Que ótimo.

Era uma luta mais pelo orgulho dele de conseguir o que queria do que pelo que ele queria realmente. Meio confuso, mas dá pra entender.

Eu já estava começando a cansar e ainda estava com medo de acabar acertando alguém. Mas não podia parar! Porque ele parecia ter um fôlego infinito e as pessoas em seu caminho eram totalmente descartáveis para ele. Só derrubar e pronto.

Eu estava muito ferrado.

- K-Kurosaki-kun! – lembro de ter tido um vislumbre do rosto aterrorizado de Inoue, mas não pude dizer nada a ela.

Me senti culpado por não ter dito ‘Sai do caminho’, no fim das contas. Porque quando Grimmjow passou, na velocidade do som, praticamente atropelou a coitada e fez com que ela caísse de bunda no chão.

- Ichigo! – ouvi uma voz feminina indignada. Que droga. Era a Tatsuki. – Você vai pagar por ter derrubado a Orihime desse jeito!

Eu queria me defender e dizer que não fui eu, mas tinha um maníaco quase me alcançando! Não queria descobrir o que ele ia fazer comigo no meio do corredor se me pegasse.

Eu não pretendia parar de jeito nenhum, nem se minhas pernas caíssem ou se meu pulmão parasse de funcionar. Mas uma força maior acabou me fazendo mudar de idéia.

- Kurosaki. – a professora da nossa classe. – E Jeaggerjaques. – as sobrancelhas dela tremiam involuntariamente de tão furiosa que estava. – Para a sala do diretor agora mesmo! – gritou a última frase num tom bastante incisivo.

- Por quê? – Grimmjow parou de correr para encará-la. Eu estava respirando mais alto do que um fumante velho, mas ele não parecia tão abalado assim. Maldito. – Quem é que vai me obrigar? – cruzou os braços na frente do peito e ergueu o queixo.

Mas eu aposto que ele se arrependeu amargamente de ter feito aquela pergunta insolente. Porque ela fez questão de ir arrastando-o pela orelha até o destino escolhido.

Eu não tive outra escolha que ir junto. E fui torcendo para que a professora arrancasse a orelha dele! Filho da puta. Desejava profundamente nunca ter dado corda para ele!

 

****

 

- Tsc, limpar o terraço... – ele resmungou encostando a vassoura num canto da parede. – Só por que a gente correu no intervalo? Estão nos tratando como presidiários.

Nem me dignei a olhar pra ele. Continuei varrendo a poeira. Puta merda! Escolheram logo o outono para nos mandar limpar o lugar mais descuidado do colégio.

- Achei que intervalos fossem livres! – continuava. Sua voz estava me dando nos nervos. – Mas não. Por isso que eu odeio esses colégios. São regras demais!

Será que ele não lembrava que tinha quase pisoteado uma garota? Não pensava que ela não devia estar conseguindo sentar direito até agora?

- Eu acho que...

- CALA A BOCA! – eu gritei. Tinha chegado ao meu limite. Virei para ele pulsando de raiva. – Cala a porra da boca e me ajuda a limpar isso!

Os olhos dele arregalaram-se. Acho que não estava esperando uma explosão dessas. Mas alguns segundos depois, o sorriso típico formou-se nos lábios.

- Eu não estaria tão irritadinho se fosse você, Ichigo... – riu maldosamente. – Afinal, você se livrou do que queria se livrar, não foi? – veio se aproximando. – Mas se eu quiser posso aproveitar que estamos sozinhos agora...

Fiquei olhando para ele sem expressão alguma. Pelo menos tentei.

E acabou dando certo, já que ele parou contrariado no meio do caminho.

- O que foi? Por que está com essa cara de bunda? – ele perguntou cruzando os braços.

Eu ignorei-o. Dei as costas e continuei varrendo.

- Só cumpra o seu dever, certo? Quero ir para casa logo. – eu disse duramente.

Eu ouvi um barulho alto e me virei para ele num impulso. Ele tinha jogado a vassoura no chão de raiva.

- Eu acho que eu que devia estar chateado aqui. – ele olhou para mim, dessa vez muito sério, quando eu captei seu rosto. – Afinal, eu tenho me esforçado nessa merda de colégio e não tenho ganhado nada com isso!

- Ah, você se acha injustiçado! – eu ri sarcástico. – E eu que venho me esforçando a minha vida inteira para não parecer um delinqüente e o que consigo ao me aproximar de você é exatamente o contrário. Sou tachado de encrenqueiro. Vou parar na sala do diretor. Só porque eu estava correndo do seu assédio abusivo! – fiquei vermelho quando disse a última frase, mas que se dane! Eu estava muito mais irado do que tímido naquele momento.

- Você não precisava ter corrido! – ele se defendeu. Dava para sentir o quanto seu sangue fervia só de olhá-lo.

- Ah, claro! Isso se você entendesse o significado da palavra NÃO! – gritei.

Ele abriu a boca para dizer mais alguma coisa, mas decidiu engolir as palavras. Eu me assustei. Achei que ele ia partir para cima de mim ou algo assim.

Mas ao invés disso só abaixou, pegou a vassoura que tinha derrubado e começou a varrer desajeitadamente. Estava na cara que ele nunca tinha feito aquilo na vida.

Mas não era hora de achar nada engraçado. Voltei a atenção para o meu trabalho e ficamos em silêncio até terminá-lo.

- To indo. – ele disse quando terminou e dirigiu-se às escadas.

- Tchau. – eu me despedi entre os dentes.

Não ia me levar em casa. Ótimo. A melhor notícia do dia.

 

****

 

Quando cheguei em casa naquele dia, tive que ouvir zilhões de perguntas do meu pai. Ele não estava acostumado a receber chamadas por eu ter arrumado confusão na escola. Geralmente arrumo confusão fora da escola. E sempre faço de tudo para ser um bom aluno e respeitador lá dentro.

Eu inventei que um cara queria arrumar briga comigo e eu só estava correndo para não arranjar encrenca. E ainda tive que levar bronca porque não quebrei a cara do dito cujo. Só ele mesmo. Ele parecia realmente empolgado para saber da história.

Já dá pra sacar que não é pelo meu pai que eu tento ser um bom garoto.

Enfim, fui tomar banho com um mau humor terrível. Não sabia por que exatamente estava assim.

Quando tirei a camisa, dei de cara com os arranhões no peito e na barriga. Minha pele esquentou na hora, tive vontade de colocar a roupa de novo só para não ver aquilo. Eu já tinha chegado ao ponto de estar com vergonha de mim mesmo? Patético!

Fiquei me lembrando de quando ele fez aquelas marcas. Era estressante não poder relaxar um segundo na presença dele. Se eu abaixasse minha guarda um pouquinho que fosse, podia chegar a um ponto irreversível. Estremeci só de pensar.

Por que é que ele tinha que ser assim? Tão agressivo, teimoso, rebelde... Por que ele não podia simplesmente ir devagar e respeitar os sinais de pare? Por que tudo sempre tinha que ser do jeito que ele queria e pronto? O que eu queria não importava para ele?

Quando senti a água quente no meu corpo, consegui relaxar os músculos. Ao menos um pouco. E então eu concluí que, na verdade não é que ele não se importava com o que eu queria. Mas sim que ele achava que a verdade dele era absoluta. E que se ele quisesse, eu ia querer e ia ser bom para mim. Típico dele.

Balancei a cabeça e suspirei. Isso era bom ou ruim? Eu estava defendendo-o ou acusando-o?

E mais importante: por que, se ele me incomodava tanto, eu não conseguia simplesmente desprezá-lo como eu faço com qualquer um que não me agrade? Por que eu só conseguia pensar nele o tempo todo e me aproximar cada vez mais?

Uma coisa é certa: só ele faz meu coração acelerar desse jeito. Pode ser de ódio ou de empolgação. Mas só ele consegue.

Então, o que ia ser no outro dia? O que eu ia fazer? Será que ia dar certo continuar... Bem...

Argh! Eu estava precisando mesmo relaxar! Ou ia acabar enlouquecendo de vez com tantos dilemas!

 

****

No dia seguinte, fui para a escola mais tenso do que já tinha me lembrado de ter ido. O que eu faria quando ele falasse comigo? Ou simplesmente quando ele olhasse para mim?

E se ele não quisesse falar e nem olhar para mim?

Inspirei fundo e soltei o ar devagar. Não ia adiantar nada me estressar com isso. Era ir em frente e ver o que acontecia.

Abri a porta de correr da sala de aula e me deparei com a carteira vazia dele.

Certo. Eu tinha chegado cedo, talvez.

Mas o tempo foi passando, a sala enchendo e o sinal tocou. A professora entrou na sala e começou a aula. E a carteira atrás da minha continuava vazia. O que tinha acontecido?!

Na metade do primeiro tempo, resolvi parar de ficar olhando para a porta e para trás de mim. Ele não ia aparecer misteriosamente.

E eu também não queria que aparecesse! Quero dizer... Qualquer um pode faltar aula, não é? Vai ver ele se atrasou, esqueceu de acordar... Ou vai ver só não estava com saco para vir. Eu não sei como isso não tinha acontecido antes!

É... Isso nunca tinha acontecido antes...

Hora do almoço.

 

****

 

No outro dia, quarta-feira, cheguei à sala de aula tenso de novo. Meu coração estava ansioso. Uma sensação muito esquisita. Não sabia exatamente o que eu estava esperando com tanto incômodo.

Quando bati os olhos naquela carteira vazia outra vez, o motivo da minha ansiedade se aquietou um pouco. Mas não totalmente. Havia uma pontinha insistente que me dizia que eu ainda podia esperar mais um pouco.

Mas quando a aula começou, aquela pontinha chata sumiu. E eu simplesmente desisti e relaxei. Não de um jeito bom. De um jeito meio amargo.

Então ele não tinha vindo de novo. Vai ver estava doente.

Tsc. Que idiotice pensar assim.

Lembrei que, na última vez que nos vimos, ficamos tanto tempo em silêncio e sem nos tocarmos. E depois, ele não quis me levar em casa.

Ele não queria mais nada comigo. Era isso. Não adiantava mais negar para mim mesmo.

Na hora do intervalo, fui almoçar com o Chad no terraço enorme. No silêncio que costumávamos ficar, não tive escolha que não pensar.

E cheguei a uma conclusão. Se Grimmjow desistiu e foi embora, era sinal de que ele tinha entendido o mesmo que eu estava entendendo agora: nós não dávamos certo.

Quero dizer... Somos totalmente opostos e queremos coisas totalmente diferentes. Eu não posso ceder a todas as imposições dele e ele também não se esforça nem um pouco para controlar seus impulsos. A gente vive brigando, discutindo e nunca chegamos a um ponto em comum. Não adianta o quanto tentássemos. Eu nunca seria aquele alguém que briga pelas suas vontades como ele quisera me ensinar a ser. E nem ele jamais seria um orgulho para a própria mãe. Estávamos andando em direções completamente contrárias.

Quer saber? Agora as coisas iam voltar para seu devido lugar sem ele. Eu tinha perdido os meus amigos, minhas noites de sono e a minha paz. Ele veio e virou tudo de cabeça para baixo, me confundiu. Agora que estava longe, eu podia reorganizar a bagunça e respirar. Pensar racionalmente sem nada me pressionando e me deixando cego.

Aquilo tudo não passara de um erro e chegara ao fim. Ainda bem!

 

****

 

No outro dia, cheguei na escola bem mais disposto. Tinha dormido tão bem que fiquei pensando... Eu realmente estive dormindo nas últimas semanas?

Enfim. As pessoas no colégio começaram a falar do sumiço de Grimmjow. Mas eu estava mais interessado em outras coisas. Em retomar minha vida por exemplo. Esquecer tudo o que aconteceu.

Tá que meu peito e minha barriga ainda estavam marcados, mas... Bem. Aquilo ia sumir com o tempo, assim como ele.

Consegui estudar completamente em paz e até fiz as pazes com a Tatsuki. Concordamos que Grimmjow era um bruto idiota e ficamos bem. Também perguntei a Inoue se estava tudo bem depois do tombo. E ela pediu que eu não me preocupasse.

As coisas estavam voltando ao normal, que ótimo!

 

****

 

Na sexta-feira, acordei com uma preguiça horrorosa. Nossa. Preguiça. Quanto tempo eu não sentia... Sempre acordava ansioso e o coração disparava a qualquer momento. Mas naquela manhã, fiquei encarando o despertador com um desânimo de viver absurdo.

Quando finalmente me aprontei para a escola, fiz o caminho pensando... Era essa a minha paz. Essa preguiça. Esse marasmo. O coração que nem se ouvia no peito. Um oco dentro de mim, como se minha alma estivesse em sono profundo.

Não. Não estou querendo dizer que sinto falta da turbulência de quando... Bem... De quando ele estava por aqui. Mas é tão estranho...

Passei o dia me arrastando e percebi que adquiri um estranho hábito de olhar para trás de tempo em tempo. Como se eu pudesse sentir a presença dele ali.

Quero dizer... Foi um longo tempo com ele me seguindo para cima e para baixo, sem descanso. Me seguia na aula. Me seguia durante o intervalo. Me seguia até em casa. E me seguia também nos meus momentos de folga, aos domingos. Então, ainda que eu soubesse que ele não estava ali, eu olhava. Olhava e dava de cara com o vazio. Olhava e meu sangue não se mexia.

Parece idiota, mas enquanto a professora explicava a matéria, eu me peguei pensando: “Será que ele está conseguindo entender?”. E na hora do intervalo, eu ri sozinho me lembrando de como ele não tinha nenhuma educação para comer.  Chad até me perguntou do que eu estava rindo. E eu nem soube o que responder.

Mas quando a aula terminava era sempre a pior parte. Eu ficava parado no portão por um ou dois minutos. Como que esperando que ele aparecesse só para me levar para casa. E depois eu sacudia a cabeça e voltava à realidade. Eu estava no caminho certo agora. Então por que eu pensava nessas coisas? Por que as lembranças não sumiam?

Eu só percebi naquela sexta-feira... Mesmo que as marcas das unhas dele tivessem praticamente sumido da minha pele, alguma coisa dele continuava grudada em mim.

Isso não estava certo! Era para eu estar feliz! Era para eu estar satisfeito! A minha paz voltara, meu mundo estava organizado de novo, como era para ser desde sempre. E eu não estava curtindo isso. Eu não estava...

- O que aconteceu com o Grimmjow? – Chad perguntou enquanto íamos para casa.

- Não sei. – respondi balançando os ombros. Encarei os meus pés.

- Vocês se davam bem...

Olhei para ele. Ele sabia de tudo desde o começo. Abaixei a cabeça de novo.

- Não, Chad. Você está enganado. Nós não nos dávamos bem. – antes que eu pudesse me impedir, já estava justificando o que nem me fora acusado. – Foi melhor assim. Ele ir embora. Esse é o certo. Nós somos muito diferentes e só estávamos bagunçando a vida um do outro. – ri amargo. – É o certo. Esse é o certo. – repeti idiotamente. Acho que eu só queria enfiar isso na minha cabeça de uma vez. Porque não estava entrando.

- O que é o certo? – ele perguntou.

Eu refleti.

O certo era... Era a ordem. Era um caminho sem pedras. Não era?

Porém, mesmo com essa resposta em mente, não consegui dizer nada.

Mais um dia estava acabando e eu não conseguia me sentir satisfeito. Mas que inferno!

 

****

 

Sonhei com ele. É. Era tudo o que eu precisava.

Tive aula no sábado e não consegui sossegar um minuto. A calmaria sumia completamente só de ver o rosto dele. Mesmo que não fosse real.

Quando eu menos esperava, estava pensando nele. Nos olhos tão azuis, nos cabelos desalinhados, no sorriso malicioso... E na voz... Eu podia ouvir a voz dele dizendo meu nome com aquele tom debochado. E quando ele ria com vontade ou xingava revoltado. Era tão... Ele.

No meio de uma das aulas, nem sei qual era a matéria de tão distraído que estava, senti meu rosto queimar. Não consegui evitar pensar nos lábios dele... Em como ele parecia sempre tão furioso, apaixonado e intenso quando os pressionava contra os meus e me beijava como se o mundo fosse acabar no próximo segundo. Meu coração disparou assim como ele sempre fazia nessas horas. Eu sempre fraquejava. E ele nunca me deixava respirar. Suas mãos me seguravam com força para que eu não fugisse e ao mesmo tempo eu gostava de pensar que elas estavam me amparando para não cair.

Não conseguia mais suportar. Eu podia sentir o calor e o cheiro dele. Eu estava doente. Eu estava ficando louco!

Onde é que ele estava?! Por que é que ele tinha me deixado desse jeito?!

Quando cheguei em casa, encarei o celular. Será que eu deveria ligar? Eu estava meio preocupado com o que podia ter acontecido. Foi muito repentino ele sumir daquele jeito. Vai ver ele arrumou confusão com uma gangue realmente perigosa e se machucou feio... Vai ver ele se encrencou de verdade... Quem sabe ele estivesse de cama não podendo ir a lugar nenhum e... E eu continuava só inventando desculpas e remendando os buracos, isso sim.

Da última vez que nos falamos, ele disse que estava se esforçando e não ganhando nada com isso. Era óbvio que era esse o motivo!

Deitei na cama e fechei os olhos. Eu tinha sido injusto, não tinha? Se ele foi embora, a culpa era toda minha. Eu praticamente mandei que ele fosse. Eu só o ignorava. Eu só fugia. Eu estava sempre com medo, inseguro e pensando em tudo, menos nele. Sempre tinha alguma coisa para mim que era mais importante que estar com ele. Ou era a aula, ou era a minha imagem, ou eram os meus medos. E ele... Bem... Eu devo admitir que ele me colocou o tempo todo acima de tudo. Ele abandonou os amigos dele. Ele acordava todos os dias extremamente cedo só para vir de uma outra cidade até esse colégio. Por mim. Ele não se importou com a minha inexperiência. Ele disse que queria preencher o vazio da minha vida. E esteve lutando por isso. Me ensinou o que eu não sabia sobre relacionamentos com paciência. E até mesmo começou a prestar atenção nas aulas. E dedicava os domingos a mim. Embora dissesse que não se importava com a opinião alheia, ele ouvia as minhas.

Eu fui um idiota mesmo. Eu merecia isso. Eu merecia que ele virasse a cara para mim. Eu merecia o desprezo doloroso dele...

Mas... Eu estava tão arrependido...

Não queria mais saber o que era certo. Eu só precisava ouvir a voz dele. De verdade. E não aquela assombração no meu pensamento.

Encontrei o número dele na agenda do celular. Lembrei de quando ele gravou o número ali sem a minha permissão. Até que foi útil no final das contas.

Com os dedos trêmulos, apertei o botão verde e esperei. Pensei em desistir, mas tinha algo maior que minha timidez e minha falta de palavras em jogo. Era maior sim.

Chamou. Chamou. Chamou. Mas nada de ele atender.

Engoli um nó que mais parecia uma pedra. Que ótimo. Ele estava me ignorando de verdade. Mas eu não estava a fim de desistir tão fácil. Eu sabia que estava errado, não ia ter nenhuma chance de consertar as coisas?

Liguei umas cinco vezes. Nas cinco vezes, a ligação caiu na caixa postal. Não tinha outro jeito... Eu ia ter que deixar uma mensagem...

- G-Grimmjow... – comecei totalmente sem jeito. Nem sabia o que eu ia dizer se conseguisse falar com ele, quanto mais que recado eu gravaria para ele. – É o Ichigo... – Dãã, lógico que era eu. Ia ficar meu número aparecendo. Imbecil. – Sabe eu... Eu estive pensando e... – suspirei. O tempo ia acabar e eu não ia dizer nada de importante? – Eu sinto muito. Eu estive errado todo esse tempo. Sendo egoísta demais... Sempre colocando as minhas prioridades acima de tudo... Enquanto você largou tudo por causa de mim. Eu... Me sinto um idiota agora. E eu... – forcei os punhos e senti o coração disparar. Eu ia ter que falar. Já podia sentir o gosto das palavras. Por mais que eu mordesse o lábio, não ia conseguir contê-las. – Eu sinto a sua falta. Eu sinto muito a sua falta... Será que... Será que não há nada que eu possa fazer para me desculpar? – respirei com dificuldade. Aquilo tinha sido demais para mim. Me sentia sufocado, tonto, atordoado e incrivelmente triste. Melancólico. Quando ia abrir a boca de novo, porém, o som do fim da mensagem apitou. Eu fechei o celular e suspirei ruidosamente.

Era isso. Apesar de sombrio, meu coração parecia um pouco mais aliviado.

Eu sabia que ia demorar muito a dormir naquela noite.

 

****

 

Só fui pegar no sono quando o dia estava amanhecendo. Como resultado, acordei quase na hora do almoço.

Nem preciso dizer que fui direto no celular assim que abri os olhos. Mas não tinha nada. Nenhuma resposta. Nenhuma chamada perdida. Nada.

Será que ele não tinha visto a mensagem?

A falta de resposta dele só conseguiu me deixar paranóico.

Toda vez que o telefone de casa tocava eu corria que nem louco para atender. Ou a campainha.  Eu fazia questão de ir abrir a porta só para olhar para a cara infeliz do carteiro ou do vizinho.

Até a Yuzu que nunca percebe nada, me perguntou se eu estava esperando alguém. Eu não sabia onde enfiar a minha cara.

Mas também não consegui sossegar. E fiquei o dia todo grudado no celular, no telefone e na porta.  Eu ia lidar depois com o que a minha família ficou pensando disso.

No fim, foi mais um dia frustrado. Se isso era um castigo, acho que já era o suficiente. Por favor, que fosse suficiente!

 

 


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Notas finais do capítulo

continua...