O Vazio escrita por Liminne


Capítulo 5
Capítulo 5




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O trabalho foi marcado para ser feito na casa do Ishida.

Perfeito.

No dia, eu não acordei com um bom pressentimento. Mas resolvi colocar fé no Grimmjow. Afinal, ele estava se esforçando mesmo para melhorar.

Durante o resto da semana ele continuou usando a gravata apertada no pescoço e tentando fazer os exercícios da aula. Tá que algumas vezes ele dormia em cima do caderno. E em outras, ele não conseguia acompanhar a turma e no fim das contas não fazia nem metade das tarefas.

Mas ele estava tentando! E agora... Bem, agora eu não tinha mais tanto receio ou desconfianças sobre ele. Ele tinha razão. Apesar de ser um rebelde, ainda era uma pessoa confiável. E, mesmo que ele seja de fato um tarado, não desrespeitou meus limites. Não muito.

Mas é melhor pular essa parte.

- É aqui. – eu disse quando chegamos ao inferno. – Vou tocar a campainha.

- Já era pra ter tocado. – ele fez uma careta impaciente.

Certo, eu estava hesitando. Mas é que era difícil, né?

Ainda fiquei encarando a porta. De repente, quem sabe, a gente se dava conta de que não era esse o dia marcado e aí voltaríamos para casa tranqüilos e...

Não. Ele mesmo tocou a campainha.

- Grimmjow! – eu ralhei com ele, mas era tarde demais para dizer qualquer coisa. Ele ficou coçando o ouvido com o dedo mindinho como se estivesse me ignorando.

- Boa tarde. – Ishida abriu a porta e olhou de um jeito nada simpático para nós dois. – Podem entrar, a Inoue-san e o Sado-kun já chegaram.

Entramos em silêncio. Eu estava meio sem jeito, mas Grimmjow estava todo confiante. Eu sei que no começo estava animado para acabar com o Ishida. Mas agora eu só queria terminar esse trabalho logo e voltar para casa.

De qualquer modo, eu ia me esforçar.

Fomos até a sala onde o resto do grupo estava. Nos sentamos à mesa e começamos a abrir nossos livros e cadernos.

Parecia que já tinham feito alguma coisa.

- Ahn... – espiei o caderno da Inoue que estava do meu lado. – Vocês já estão adiantados... – disse baixinho. Era só para ela ouvir.

- O que significa que vocês estão atrasados. – Mas Ishida se meteu. – E precisam correr para nos alcançar.

Saco. Que garoto insuportável!
- Kurosaki-kun... – Inoue cochichou comigo. – Pode copiar o meu se quiser.

- Ele não precisa copiar nada! – Grimmjow falou alto demais. Praticamente gritou para ela. E colocou a mão no meu ombro! – Não precisa de você, sua...

- Er... – eu tirei a mão dele do meu ombro e tratei de impedir a desgraça. – Então... Olha! Acho que as primeiras não são tão difíceis! – fiz questão de ser um pouco escandaloso. Sabia que todos estavam olhando para mim e fiquei vermelho.

Mas pelo menos Grimmjow não continuou a maldita frase!

Espiei com o cantinho dos olhos o rosto de Inoue. Ela estava assustada. Tinha voltado a atenção para seu caderno, mas os olhos estavam arregalados.

Isso! Confia mesmo no Grimmjow!

Quando todos estavam devidamente compenetrados no trabalho, eu cutuquei Grimmjow por baixo da mesa.

Ele me olhou sorrindo, esperando alguma coisa boa.

Tá bom.

Olhei severamente para ele, querendo que ele entendesse. Eu não podia falar porque podiam ouvir. Mas tentei me comunicar pelo olhar.

Não funcionou.

Ele entendeu errado e... E pôs a mão na minha perna!

- Grimmjow! – eu berrei sem querer e todos olharam para mim de novo. – E-er... – tremi e comecei a ficar roxo de tão vermelho. – P-pode me emprestar a borracha? – não conseguia olhar para ninguém. Estava tão nervoso, que comecei a achar que estava escrito na minha testa o que estava acontecendo.

Precisava disfarçar, precisava disfarçar!

- Claro. – ele pegou a borracha e me deu.

- O-obrigado! – meus dedos tremiam tanto que eu quase derrubei a maldita no chão.

Esperei que parassem de olhar para mim de novo e tirei a mão dele de cima de mim. Fiz isso de um modo meio brusco, para demonstrar que eu estava com raiva da atitude dele.

Mas ele nunca se importa quando estou com raiva das atitudes pervertidas dele. Incrível.

Então ele resolveu teimar e voltar a mão para o mesmo lugar. Eu tirei-a de novo. Ele insistiu. E dessa vez quando tentei pará-lo, ele... Hun... Ele resolveu correr a mão por toda a extensão da minha coxa. E eu comecei a entrar em pânico! Me afastei dele e fui mais para perto da Inoue. Daqui a pouco eu estava pedindo pra alguém trocar de lugar comigo!

- K-Kurosaki-kun! – Inoue espantou-se com a minha aproximação repentina. – Está tudo bem?

- A-Ah... T-t-tudo ótimo! – nossa, eu sou um excelente ator!

- Você está muito vermelho... – ela observou com as sobrancelhas se unindo. Parecia preocupada.

- Está suando também. – Ishida percebeu. – Está com calor? Quer que eu abra a janela?

- N-Não! Eu estou bem, sério! – peguei o lápis, mas ele caiu da minha mão pateticamente. Eu só estava me denunciando!

De repente ouvi alguém rindo. Era o Grimmjow! Desgraçado! Ele ia me pagar!

- O que é tão engraçado, Jeaggerjaques? – Ishida perguntou irritado.

Eu queria poder enfiar a cabeça no livro se ser sugado para dentro dele.

- Não é nada. – ele respondeu com o sorriso largo. – Só o Ichigo que não sossega para fazer o trabalho!

Eu estava ficando mais vermelho e mais tenso. Que ótimo. Eu sabia que não ia ser um bom dia!

- Eu vou pegar um copo d’água para você, Kurosaki. – Ishida levantou-se e soltou o ar claramente aborrecido.

Grimmjow continuou rindo. E eu tentando me acalmar para fazer o trabalho. E para não bater nele também.

- Aqui está. – Ishida voltou e me estendeu o copo d’água. – E vê se sai de cima da Inoue-san. Ela mal está respirando.

Olhei instintivamente para Grimmjow. Ele estava sorrindo, como se tivesse ganhado a batalha. De certa forma, tinha mesmo.

Eu devia jogar aquele copo d’água todo nele para ver se apagava o fogo!

 

****

 

As coisas se acalmaram por um tempo. Grimmjow sossegou e resolveu se concentrar no trabalho. Quer dizer... Mais ou menos. Ele estava mais copiando tudo de mim do que qualquer coisa. Mas era compreensível. Se já estava difícil para os alunos que costumam acompanhar as aulas, imagine para ele que estava começando!

- Kurosaki-kun... – Inoue me chamou. Levantei o rosto para ela. – Você conseguiu fazer esse aqui? Não estou conseguindo... – seu rosto estava vermelho. Vai ver ela estava mesmo se esforçando, coitada.

- Eu consegui sim. – me virei para ajudá-la. – É meio complicado por que você tem que fazer essa parte primeiro. – mostrei no caderno dela.

- Humm... Como assim? – ela apoiou o rosto na mão parecendo confusa.

- Desse jeito, olha! – mostrei. – Começa por aqui.

- É. Vou tentar fazer assim... – sorriu. – Obrigada, Kurosaki-kun!

- Nada! – eu voltei para o meu caderno.

- Ichigo! – a voz de Grimmjow saiu um pouco mais dura que o normal. – Eu também estou precisando de ajuda. – estava falando entre os dentes, como se tivesse mais coisa além daquelas palavras.

Fui até ele meio assustado.

- O que foi? – sussurrei.

- Ela ta dando mole pra você. – ele sussurrou de volta.

- O que?! – não que eu não tivesse ouvido, só não estava acreditando.

- Porra. – ele trincou os dentes com tanta força que fez barulho. – Já é a quinta vez que ela te pergunta alguma coisa. Tá cheio de gente aqui, por que ela só pergunta pra você?

- É a quinta vez? Sério? – franzi as sobrancelhas. Não tinha mesmo me dado conta disso.

- Você é burro ou se faz? – ele estava com muita raiva mesmo. Estava quase quebrando o pobre do lápis.

O que tinha dado nele?!

De repente, aquele dia me veio na cabeça. Quando ele fez a mesma cara, perguntando o que o Chad era meu.

Tive que segurar o riso. O que ele estava pensando?!

- Tá rindo do que, merda? – ele quase rosnou de novo. Igualzinho daquela vez.

- Ei, vocês dois! – Ishida chamou a nossa atenção. – Não é hora de discutir a relação.

Fiquei vermelho da cabeça aos pés. Que droga! Por que eu sempre me sentia tão culpado com qualquer coisinha? Não podia agir casualmente como o Grimmjow sempre fazia?

Ah, claro que não. Para ele não importava esconder nada mesmo.

- Eu perguntei do que você está rindo. – Não disse? Ele estava ignorando a chamada de Ishida. – Me responde! – insistiu irado.

- Se vocês querem brigar, por favor, vão fazer isso lá fora! – Ishida gritou de repente, obviamente furioso de ter sido ignorado.

Agora eu também estava com raiva. Pronto. Daqui a pouco estava todo mundo caindo na porrada. Era contagioso!

- Vamos fazer o trabalho. – eu disse sério.

- Não, nós vamos lá fora conversar. – Grimmjow levantou-se e olhou incisivamente para mim.

Eu não estava acreditando naquilo. Já era a milésima vez que todos paravam para olhar pra minha cara espantados. Era o pior pesadelo em que eu já estivera!

Resolvi que era melhor ir com ele lá para fora. Antes que ele me arrastasse ou coisa pior.

- Já voltamos. – eu tentei parecer digno e fui com ele.

Mas no fundo eu sabia que minha imagem tinha sido irreversivelmente destruída.

- O que você está fazendo? – eu perguntei para ele quando estávamos bem longe de todos. – Você disse que ia se comportar! Por que está agindo assim?!

- Agindo como?! – ele também estava alterado. – Você é que está se fazendo de idiota enquanto aquela piranha dá em cima de você!

- O quê?! – que desplante! Até olhei para os lados para garantir que ninguém tinha ouvido. – Primeiro, pare de gritar. Segundo, a Inoue não é piranha! E terceiro, ela não estava fazendo nada disso! E mesmo se estivesse, eu não estaria interessado! E você... – levantei o queixo. – Você não tem nada a ver com isso!

- Não levante o queixo para mim, mocinho! – ele agarrou meu queixo com força e abaixou meu rosto. – E não diga que eu não tenho nada a ver com isso! Afinal, estou sendo fiel a você!

Estremeci. Droga. Será que ia agüentar ficar em pé?

- Eu não sei o que você está querendo dizer. – desviei o rosto. – Mas eu quero que você pare com isso! Por favor, pare! Você não precisa ser um bom aluno, um bom garoto nem nada! Só por favor, pare de espalhar para todo mundo o que nós... O que você... O que... – não ia sair. Não ia.

- Por que é que ninguém pode saber? – ele chegou mais perto para fitar meu rosto. – Por que você se importa tanto com o que os outros pensam, hein?

- E por que é que você não se importa!? – gritei.

Ele não respondeu. Só me puxou para um canto e antes que eu pudesse piscar, pressionou o corpo contra o meu e me beijou furiosamente.

Eu podia sentir até o coração dele batendo forte, colado no meu peito. Não consegui resistir nem empurrá-lo. Devolvi o beijo e me segurei nos braços dele, com medo de cair.

Ele separou-se de repente de mim e olhou nos meus olhos bem de perto.

- Você gosta, não gosta? – perguntou baixinho.

Meu primeiro impulso foi fugir com os olhos. Mas ele forçou meu rosto de frente para o dele.

- Admita, Ichigo.

Eu não tinha mais para onde correr. E estava tão tonto de adrenalina, de medo e tensão, que não podia pensar em outra desculpa ou resposta que não fosse a verdade:

- Eu... Gosto... – disse tentando não ouvir a minha própria voz.

- Então por que fica se escondendo? Está mentindo para você mesmo! – ele fez menção de me beijar de novo, mas dessa vez eu fui bravo o bastante para empurrá-lo.

- Eu não posso! – me afastei. – Grimmjow. Viemos aqui para fazer o trabalho. Você precisa parar com isso! Com as crises de ciúme com... Com os assédios... – olhei para baixo.

Ele suspirou entediado.

- Trabalho é um saco mesmo. Acho que não nasci para isso. – deu meia volta em direção a rua.

- Ei! – eu chamei-o. – Aonde você vai?

- Eu vou embora. – ele me olhou por cima do ombro e fez uma careta. – Não consigo mais ficar nesse lugar se não posso fazer o que eu quero. – foi andando. – E vê se pensa no que eu te falei! – desapareceu.

Ótimo. Agora eu só teria que voltar lá para dentro e explicar para todo mundo o ocorrido. Ou melhor, inventar uma explicação para o ocorrido.

E levar o caderno dele para casa. Transformá-lo em um orgulho para a mãe estava sendo mais difícil do que eu pensei.

 

****

 

No outro dia, na aula, tive que me sentar com os olhares queimando sobre mim. Que maravilha!

Eu bem que tentei me explicar no dia do trabalho. Disse que estava ajudando o Grimmjow a se tornar um bom aluno, mas ninguém engoliu muito bem essa história. Quero dizer... O Chad já sabia o que realmente estava rolando. Mas o Ishida fez aquela cara dele de “Eu sei de tudo, inclusive da vida alheia” e a Inoue ficou olhando esquisito para o caderno, com o rosto vermelho...

Terminamos o trabalho sem quase falar mais nada. No fim, ainda fui estúpido o bastante para pedir que colocassem o nome do Grimmjow naquela porra.

Muito bem Ichigo. Você se declarou para todos. Agora só falta andar de mãos dadas com o Grimmjow pelos corredores e trocar bilhetinhos durante a aula.

Tentei não olhar de volta para eles. Uma hora iam cansar.

E aí, ele chegou. Tirou os olhos de cima de mim atraindo todos para ele. E, como sempre, sorrindo sem se importar, só mirando a sua maior vítima.

- Oi Ichigo! – ele me cumprimentou quando chegou perto de mim.

A revolta do dia anterior tinha sumido totalmente.

- Oi. – eu respondi sem olhar para ele. Era melhor assim. Não ficar dando mais bandeira.

- Eu dormi muito bem essa noite. – ele continuou dizendo, sem perceber meu plano de afastamento. – Já estou pronto para outra!

Fiquei quieto. Ainda bem que a professora chegou logo. E foi logo tacando questões dificílimas de matemática em cima da gente.

Nunca amei tanto matemática na minha vida. Isso manteve todo mundo quieto, ocupado e principalmente, longe de pensar em mim.

Depois que resolvi algumas, até eu mesmo tinha me esquecido da confusão. Acabei me pegando olhando para trás para descobrir o que o Grimmjow estava aprontando. E me surpreendi ao ver que ele estava tentando de novo fazer os exercícios.

Achei engraçado que ele estava sussurrando uns palavrões e fazendo umas caretas como se quisesse amedrontar os números para poder controlá-los. Mas eu tratei de voltar a atenção para meu caderno. Ele não podia nem pensar que eu estava olhando pra ele.

- Eu consegui! – um grito atrás de mim, do nada, depois de um bom tempo. – Eu consegui! – ele repetiu. Era Grimmjow.

Girei devagar o pescoço para vê-lo. Assim como todos na sala, que estavam espantados com a quebra repentina do silêncio.

- Olha isso! Eu consegui! Há! Eu sabia! – ele balançava o caderno todo cheio de si. O peito cinco vezes maior de tão inflado.

- Ohh... – a professora ajeitou os óculos e sorriu. – Um progresso? Só acredito vendo!

Risinhos começaram a surgir em todos os cantos da sala, bem tímidos e medrosos. Mas bem venenosos também.

Ele foi até ela com o nariz nas alturas e mostrou o caderno. Só vi quando o queixo da mulher quase quicou na mesa.

- E-Está certo... – ela gaguejou e ainda limpou os óculos para ver de novo. – Está certo mesmo! – estava estampado na cara dela que não tinha digerido o acontecimento.

- É claro que está! – ele ainda se gabou.

- Okay. – ainda aparvalhada, ela olhou para ele. – Agora tente fazer o resto!

Ele sorriu como se ela fosse inferior e voltou para o lugar. Sem dar a mínima para os alunos que olhavam para ele desdenhando.

- Viu só, Ichigo? – assim que se sentou, falou comigo. – Aposto que está orgulhoso de mim!
Eu não respondi. Estavam todos olhando para ele. E iam ver se eu o incentivasse, aumentando assim os boatos.

- O que foi Ichigo? Tá com inveja? – ele riu. Podia ser mais indiscreto? – Ei! – insistiu. – Não vai me dar os parabéns não?!

Eu ignorei bravamente. Estava sendo difícil para mim também. Mas depois de tudo, não podia baixar a guarda.

Ele desistiu. As pessoas voltaram aos seus cadernos e eu escrevi um bilhetinho:

“Parabéns Grimmjow! Mais tarde a gente comemora!”

E sutilmente coloquei-o na mesa dele.

Ele leu e riu. Que bom. Não queria que ele ficasse chateado... Ei! O que eu to fazendo? Bilhetinho? Só faltava mesmo andarmos de mãos dadas pelo colégio!


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Notas finais do capítulo

Continua... XD