Pedi para Gale me levar para algum lugar, ir para casa me obrigaria a ter que falar com Annie para manter as aparências. Não existe coisa pior do que a família se intrometendo nas suas brigas. E eu tinha certeza que Haymitch apoiaria Annie mesmo que não soubesse do que ela havia feito.

Então me vi em uma lanchonete bem afastada, se considerarmos o tempo que levamos para chegar.

— Quer comer alguma coisa? Assim podemos preencher um pouco o silêncio já que eu sei que você não vai querer me contar o que está acontecendo — só então me dei conta que fiquei todo o trajeto para cá em silêncio.

— Eu definitivamente não mereço você, Gale.

— Deixa disso, Catnip — ele disse tirando uma mecha de cabelo que acabara de cair em meus olhos — eu só percebi o idiota que fui e quero recompensá-la sendo o mais compreensível possível.

Como eu me odiava por chorar a toa. O que estava acontecendo comigo, afinal? Uma coisa era me sentir sensível, outra, completamente diferente, era não ter controle nenhum sobre minha glândula lacrimal.

Ficamos na lanchonete por muito tempo, pois quando saímos já era noite. Durante todo o tempo Gale fez cafuné em meus cabelos enquanto dizia que tudo ficaria bem. Em momento algum ele perguntou o motivo de meu choro. Ele cumpriu sua promessa.

Foi compreensível.

***

— Não posso simplesmente te ignorar como se fossemos indiferentes uma para a outra — foi a primeira coisa que ouvi assim que abri a porta do meu quarto. Era de se imaginar, afinal era a cara de Annie tentar ficar de bem com todo mundo.

— Sinto muito, mas eu posso — disse entrando em meu quarto sem nem mesmo olhar em seus olhos — e para mim, é bem melhor ignorar a sua existência.

— Então olhe para mim enquanto diz essa coisas - disse ela ficando de frente para mim, bloqueando a minha ida até a cama.

Eu estava com tanta raiva que não precisei fingir nada quando a encarei para dizer tudo o que estava entalado desde nossa última conversa. Mas ao olhar em seus olhos, não consegui que nenhuma palavra saísse de minha boca. Eu esperava uma Annie determinada e decidida, mas tudo o que vi foi dor.

Então eu fraquejei e deixei que minhas barreiras caíssem.

A verdade é que Annie estava sofrendo com tudo aquilo tanto ou mais do que eu até. Não foi só o Finn que ela perdeu. Annie teve que entregar o fruto do seu amor com meu irmão para outros.

Olhando aqueles olhos finalmente vi a menina frágil e quebrada que se escondia numa máscara de determinação. Agora eu entendia porque ela sempre colocava seus estudos em primeiro lugar. Ela estava fugindo. Assim como eu, minha irmã estava sempre fugindo da dor que sentia.

E então eu me senti culpada, culpada por tê-la ignorado como se não tivesse sido um fardo para ela carregar tudo isso sozinha por tanto tempo.

Não sei quanto tempo ficamos assim, paradas, mas uma hora estávamos nos encarando e na outra, estávamos chorando abraçadas. Unindo nossas dores e consolando uma a outra sem precisar de palavras.

Não sei como, mas eu a entendia, e sabia que ela também me entendia. É isso era tudo o que importava.

…

—Problema 2 de 3, resolvido - disse Marge assim que me viu entrando com Annie.

—Como assim?- perguntou uma Annie confusa.

—Não é nada Annie - disse puxando Marge, apegamos que tínhamos que ir para a biblioteca. Porque minhas desculpas eram sempre a biblioteca?

— Madge! - falhei assim que chegamos a um lugar seguro - Annie não sabe da minha briga com Peeta - decidi não contar nada a ela, até porque ela já estava com muita coisa na cabeça...Ah, quem eu quero enganar?! Annie é team Peeta, ela iria tentar de convencer a falar com ele é eu já estava decidida a esperar de false comigo.

Porque nós tínhamos que ser um casal tão orgulhoso?

—Me desculpe, achei que você contava tudo para ela - disse ela verdadeiramente arrependida.

—E eu conto, é só que ela está com muita coisa na cabeça - menti - só não quero enchê-la com mais essa.

Nunca fui uma boa mentirosa, mas Madge pareceu acreditar.

Voltei para casa de táxi, pois Annie tinha um trabalho para fazer, como sempre.

A casa estava silenciosa e eu dei graças à Deus de ainda não ter tido a oportunidade de ver Haymitch hoje.

Fui para a cozinha e tentei fazer um sanduíche. Não foi o melhor sanduíche do mundo, mas dava para comer.

Havia tanto trabalho para fazer que eu me vi ocupada até o início da noite quando ouvi um burburinho vindo da sala. Quando cheguei, vi Haymitch, Effie e eu casal que eu nunca havia visto na vida conversando animadamente como se fossem velhos amigos. Cheguei o máximo que consegui sem ser vista para ouvir o que eles diziam.

—Mas é claro que sim, Haymitch - disse o homem - Claire vai adorar receber vocês, não é querida? - perguntou ele colocando a mão na coxa da mulher.

—Rob tem razão, além do mais, a casa está sempre tão quieta. Nada melhor do que uma boa agitação - disse a mulher sorrindo cúmplice para Effie que batia palmas animada.

Uma casa… será que eles estavam querendo arranjar uns dias longe da gente? Não seria má ideia. Na verdade, eu iria adorar passar uns dias sem ver a cara azeda de Haymitch.

—Docinho, não vi que você estava aí - nem eu vi que Haymitch caminhava em direção a cozinha.

—Novidade, papai— devorei os olhos. Ele me ignorou como se eu não tivesse dito nada.

—Venha, quero te apresentar alguns amigos - ele disse, indicando o casal com quem falava anteriormente - esses são Robert e Claire Dashkov.

—Muito prazer - disse Claire simpática vindo me abraçar - acredito que já conheça nossa filha, Clove.

— Já sim, senhora Dashkov - então me lembrei de onde achava esse sobrenome familiar - nós estudamos juntas.

— Haymitch se convidou, assim como nos convidou - Effie deu uma piscadela - para passarmos um final de semana na casa de praia dos Dashkov. O que acha, querida Katniss?

— É uma ótima ideia, tia - não, não é. Pensei que me livraria de Haymitch.

— Que bom que gostou, Docinho. Nós vamos amanhã.

Mas que maravilha! Será que eu poderia inventar que estava com dor de barriga ou algo do gênero para me pilotar de ir? Não, eu precisava de uma desculpa melhor, mas nada vinha a minha cabeça.

Só o que eu conseguia pensar era: não posso passar meu final de semana inteiro presa na mesma casa de Haymitch. Nós nunca nos agredindo física ou psicologicamente nem nada, mas nunca ficamos tanto tempo juntos para saber o que aconteceria e eu não queria descobrir. Não mesmo.

É foi pensando nisso que liguei para Madge em busca de ajuda.

—Você sabe que se eu estivesse no seu lugar eu iria estar a mando a ideia de ir para um lugar diferente, né? - disse ela depois que eu contei tudo o que havia acontecido.

—Eu sei, Madge. Mas eu não quero ir. Por isso preciso que você arranje uma desculpa para eu ficar.

—O que acha de um trabalho - disse ela prontamente.

—Não vai rolar - Eu disse desanimada - isso é algo que eu poderia fazer em qualquer lugar.

—Já sei! - dessa vez ela estava mais animada que o normal - minha irmã está precisando divertir um pouco depois de tudo o que aconteceu - pelo que Madge me contou, as coisas não estavam muito legais depois que a irmã dela disse que estava grávida - então pensei em fazer um chá da revelação para ela.

—Eu o que seria isso?

— Aff - tenho certeza de que ela estava revirando os olhos do outro lado da linha - hoje minha irmã vai para a ultra e vamos, finalmente, saber o sexo do bebê. Normalmente se faz uma festinha, coisa simples, para deve ler para todos se é menina ou menino.

— E você quer que eu te ajude a organizar esta festinha?

— Exatamente.

— Fechado, vamos organizar uma festa então.

Desliguei o telefone e fui para o espelho ensaiar a minha melhor cara de desculpas. O melhor era ir até Effie, ela se sentiria mais emocionada em meio a atuação que eu teria que ter. Haymitch não seria tão fácil de convencer, mas se eu conseguisse trazer Effie para o meu lado, a causa estava ganha.

—Effie… - tentei parecer temerosa.

— O que foi, querida - disse ela ignorando o computador que antes usava.

— É que, bem… sei que eu aceitei ir para a casa de praia dos Dashkov, mas eu havia me esquecido que prometi à minha amiga Madge a organizar uma festinha para a irmã dela.

— Oh, querida Katniss. Isso é uma pena. Haymitch estava tão animado em ter todos vocês lá.

Tá bom, sei…

—Eu sinto muito, tia Effie - fiz a minha melhor cara de cachorro morto - você pode falar com o Haymitch para mim?

—Claro - ela pensou por um momento - Mas me diga, que tipo de festa vocês vão organizar?

— É um tipo de… um chá da revelação.

— Não me diga, isso é muito legal! - é, pelo visto eu sou a única que não sabe o que é um chá da revelação - Vocês já estão aprontando tudo?

— Na verdade não, estamos no plano das ideias ainda - eu não podia dizer que ainda não fizemos nada.

Ela iria falar algo, mas hesitou. Então continuou.

— Sei que pode parecer abuso de minha parte, mas será que eu poderia ajudar. Decorar casas não é muito diferente de organizar uma festa, afinal. - disse ela com um sorriso de orelha a orelha - e convenhamos, eu amo festas.

— Acho que Madge não irá se importar - e agora? - Mas não quero que você deixe de viajar para me ajudar. Não quero atrapalhar sua diversão.

— Não se preocupe, posso ajudá-la a organizar a festa apenas.

—Então tudo bem.

No que foi que eu me meti. Eu precisava falar com Madge imediatamente.

Droga, droga, droga!

De:Katniss

Para: Madge

Amiga, temos um problema. Effie se ofereceu para nos ajudar e eu não pude dizer que não. Ela acha que já temos VÁRIAS ideias. O que vamos fazer?? :0

Recebi sua resposta no minuto seguinte Puxa, Madge era bem rápida!

De: Madge

Para: Katniss

Relaxa, até que pode ser bom ter mais alguém para ajudar. Afinal, temos pouco tempo. É quanto às ideias, quem disse que eu já não tenho várias?! ;)

Te vejo mais tarde.

De: Katniss

Para: Madge

Estou contando com suas ideias. Sabe que eu não entendo nada de bebês.

Te vejo às 17hs.

Às 17 horas estávamos eu, Effie e … Annie. Não sei como Effie conseguiu convencê-la a vir com a gente. Mas ela estava lá.

—Oi gente, podem entrar - disse Marge assim que abriu a porta de sua casa - Eu tenho váááárias ideias para compartilhar com vocês.

É sim, Madge tinha váááárias ideias que nos fez conversar até às dez da noite sem perceber a hora passar. No caminho de ida para a casa de Madge, procurei rapidinho no google algumas ideias para não chegar lá de mãos abanando, mas logo percebi que minhas “ideias” não chegavam aos pés das de Madge e Effie. É sério, ela elas poderiam trabalhar com isso.

Assim, eu e Annie ficamos meio que de escanteio apenas adorando tudo o que elas diziam. Isso me permitiu observar melhor minha irmã.

Por mais que ela tentasse esconder, eu podia perceber o desconforto que ela sentia ao falar sobre bebês. Depois da nossa conversa em meu quarto, eu vi o quanto ela sofreu ao entregar sua filha para a adoção. Acho que ela devia ficar se perguntando o que poderia ter acontecido se o Finn não tivesse morrido. Provavelmente eu teria conhecido Annie muito antes e teria amado minha sobrinha a ponto de deixar Finn enciumado. Estou certa de que Finnick teria sido um ótimo pai.

—... é no final fica assim - disse Effie - o que acha, Katniss.

— Eu… é. Ótimo, tia Effie.

Eu não tinha noção do que elas falavam, mas não queria atrapalhar a sintonia que as duas possuíam.

O caminho de volta foi um pouco demorado devido à um acidente não muito grave.

—É uma pena que os pais da Madge não irão participar do chá - disse Effie de repente sem tirar os olhos da direção - Não sei o que teria feito se tivesse uma filha grávida na adolescência, mas não abandonaria minha própria filha.

Senti Annie ficar tensa ao meu lado. Eu sabia que as únicas pessoas que sabiam de sua gravidez éramos eu e seu pai. Na verdade, nunca entendi porque ela não contou nada para sua mãe. Afinal, Effie sempre pareceu uma pessoa legal.

Não sei os motivos que levaram minha irmã a tomar todas as atitudes que tomou, mas sei que eu a apoio e continuarei apoiando.

É foi com esse pensamento que peguei em sua mão e a apertei como se dissesse “eu estou aqui”