17 de Dezembro de 1993

Querido Amigo,

No carro com Chloe, ela não fala muito, nem eu. Ligamos o rádio assim nosso silêncio não é constrangedor e não nos sentimos na obrigação de conversar, gosto disso,no rádio, Yesterday dos Beatles, fecho meus olhos, encosto no banco, ouvindo a melodia que ecoa de forma suave, começo a pensar em Sam.

Há tempos não falo sobre ela aqui não é? Pois comecei a perceber que talvez o senhor McCartney tenha escrito Yesterday para nós, e tudo se encaixa tão perfeitamente...

“Por que ela

Teve que ir eu não sei

Ela não me disse

Eu disse

Algo de errado e agora eu sinto falta

Do ontem”

Ouço o som da chuva que está do lado de fora, ainda com os olhos fechados, continuo pensando em Sam, me lembrando de seu sorriso, seus olhos, seu toque.. E me pergunto como nós conseguimos ter e perder com tanta rapidez, faço força para lembrar do último momento que tivemos juntos, de sua última carta, da última vez que ouvi sua voz...Meus pensamentos são interrompidos por alguns soluços. Abro meus olhos e vejo que Chloe está com os olhos úmidos.

–Está tudo bem Chloe? –Digo ainda com os olhos fechados.

–Oh, sim, sim Charmie, está tudo bem, eu só...Bem... Foi só uma poeira que entrou aqui no meu olho, está tudo bem. –Ela diz, tentando convencer a si mesma.

–Poeira? Está chovendo! Você quer conversar Chloe? –Pergunto, e em questão de segundos ela desaba em lágrimas, e quando percebo estamos parados no acostamento e estou abraçando-a, seu cabelo cheira a torta de amora, apesar de estar meio úmido. Me pego chorando também, enquanto ela me abraça forte, A chuva aumentou.

Depois de algum tempo, Chloe se afasta e diz que acha melhor não continuarmos a viajem , e que deveríamos dormir um pouco, concordo com ela, apagamos a luz do carro, ela se ajeita e logo a ouço resonar. Demoro para dormir, fico olhando para Chloe e me pergunto o que diabos essa garota esconde por trás dessas lágrimas.

. . .

Abro os olhos com dificuldade e a luz do Sol entra com facilidade me deixando quase cego, é de manhã, suponho. Tento me mexer e vejo que algo impede, Chloe está torta e sua cabeça está aninhada em meu colo, vejo que minhas mãos estão em seu cabelo, acaricio-os, e por sinal são muito macios.Acho que seria rude acorda-la, então não farei isso. Ligo o rádio, e a música é suave,não a conheço, mas gosto do tom e deixo tocando baixinho.

Acabo dormindo novamente, e quando acordo Chloe já não está mais lá, no rádio dessa vez, um rock um pouco pesado,desligo-o e...droga eu preciso fazer xixi. Saio do carro a procura de alguma árvore, esse era o único jeito afinal.

–UUUUUUUUUUUUHG QUE NOJO CHARMIE- Chloe me surpreende surgindo ao meu lado, levo um susto.Meu Deus. Fecho minha bermuda rapidamente.

–Me desculpe Chloe, eu não te vi, e esse era o único jeito, há algum banheiro aqui afinal? –Pergunto meio envergonhado.

–Não, tudo bem, relaxe Charmie, eu fiz isso também!- Ela me empurra e ri tão alto que finjo que rio também embora não tenha achado graça. –Vamos ainda temos muita estrada pela frente, e eu estou faminta, quero encontrar algum lugar para comer.- Diz correndo até o carro. Acabo de me lembrar que sou quase um indigente e que não tenho nada.NADA, nem dinheiro nem documentos, NADA.

De volta para a estrada, quero conversar, queria contar para Chloe sobre mim, ou sobre o que está acontecendo comigo, algo em mim diz que ela é confiável e que talvez queira falar também, afinal ela chorou nos meus braços ontem.

–Ann Chloe? –Digo.

–Sim?

–Talvez seja rude de minha parte perguntar mas...Por que chorava ontem? –Tento ser doce com ela.

–Ahh olha Charmie é uma longa história você não vai querer saber. –Ela erra meu nome novamente, mas...Eu já não me importo mais com isso.

–Na verdade eu quero sim.

Ela olha fixamente para a estrada, respira fundo e faz que sim com a cabeça.

–Tudo bem, mas me prometa que...Me prometa que não vai me achar louca ou me julgar, por favor, você é o único amigo que eu tenho há tempos, por favor. –Eu conseguia ouvir os dentes dela se semisserrando, e me surpreendi com o “amigo” , nós nos conhecemos há menos de um dia.

–Claro que não vou te julgar Chloe, sou a última pessoa que poderia fazer isso, e mesmo que pudesse, não vou. –Sorri para ela e afaguei sua mão que estava ao volante.

Chloe Para o carro, novamente.

–Eu...bem, não sei por onde começar, olha Charmie, eu não tenho família entende? Eu na verdade tenho apenas meu pai, Minha mãe morreu há um ano e meio, e meu pai se casou novamente dois meses depois com a amante, uma bruxa horrível, ela o convenceu a me internar em uma clinica para loucos, porque eu demonstrava um “comportamento não regular”.-Ela começou a chorar. –Eu fugi dessa clinica anteontem, não estava mais aguentando entende? Eu roubei esse carro, e estou indo atrás de um cara chamado Jared, eu me apaixonei por ele no colégio, mas fui tirada de lá, ele foi a única pessoa... a única pessoa que tenho certeza que me amou depois que minha mãe morreu, eu preciso daquele amor de volta Charlie eu preciso. Pode ir embora se quiser, eu não ligo, sou louca mesmo, mas eu o amo, eu o amo, e eu juro que eu vou devolver o carro depois que eu encontra-lo, eu juro, eu juro Charlie eu jur...-Ela colocou a cabeça sobre o volante e chorava tanto, e soluçava.

Eu fiquei lá, parado, imóvel, quem era Chloe? E porque ela se parecia tanto comigo?