Ághata escrita por Ivan Pavlov


Capítulo 3
Lama e neve


Notas iniciais do capítulo

1)Gente, desculpa mesmo por tanto tempo sem postar :( ess capítulo tem umas cinco páginas a SEMANAS, mas como não tinha feedback nenhum, eu acabei dando uma desanimada, mas NÃO ABANDONEI.

2) Era pra acontecer mais coisas nesse capítulo, mas como estava grande eu decidi cortar(na verdade se eu não cortasse ia ficar muito tempo sem postar). Por esse motivo, ele é mais pra matar a curiosidade o que aconteceu e dar prosseguimento à história

3)Não sei se tem alguém realmente acompanhando, mas se tiver, COMENTEM PRA EU SABER -qq



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Senti novamente cheiro de medo. Um aroma iminente de morte e sal explodia no ar. Havia madeira sob meus pés.

–Menina Ághata? Está melhor?

Sapo?

Abri meus olhos embaçados e vi sobre mim um vulto humano de identidade indicernível. Fiquei olhando confusa, tentando entender aquilo tudo enquanto sentia o mundo aos poucos fazer sentido. Todo meu corpo pinicava, meu peito doía como se eu tivesse sido pisoteada. Minha pele estava gelada como uma membrana fria e alheia à minha carne, o chão duro pressionava contra minhas costas.

Tentei levantar, e uma mão tocou-me no peito, bloqueando meu movimento.

–Fique deitada! - disse a voz feminina.

Ainda atordoada, reprimi a mão da mulher, sentei-me com a mão na cabeça dolorida e fiquei encarando o chão sob minhas pernas cruzadas, tremendo violentamente de frio.

Tentei falar, mas bastou um movimento de glote que, ao invés de palavras, um jato abrupto de vômito diluído voou de minha boca como se tivesse vida própria, inundando o chão à minha frente. Por dois bons minutos, exortei de de mim o Rio Wolghmore, e durante todo o processo asfixiante, senti a mão da mulher em minha testa e em meus cabelos. Sua presença ali fazia me sentir viva, e, o que era estranho, amada.

Terminando, desviei o olhar do chão sujo, e finalmente encarei aquela que me amparava.

–Acabou?- perguntou ela.

–Dona... Dona Magda? - disse espantada- Walter não...

–... O Pai!

–Ele não é meu pai, é meu padrasto. Não foi ele que demitiu...

–Muita coversa e pouca ação! Venha cá, - disse a velha puxando levemente meu braço- você precisa de cuidados! Venha logo!- protestou botando-me de pé.

Ana Magdalena Pankr havia sido empregada da família desde que meus pais se casaram, e fora demitida por Waltridge(meu padastro) dois anos atrás, e sem motivo aparente. Talvez por ser velha demais, “de uma forma ou de outra”, como disse ela mesma na época.

–Obrigada. - falei para ela, que simplesmente retribuiu o olhar e sorriu. - Como você entrou aqui? E por que me salvou? Não tem medo de mim?

–Claro que não! - respondeu com um riso- Mas se isso aí deixar cicatriz,- apontando com a cabeça pro meu rosto- aí sim vou ficar! O que houve?

–Você deve ter ouvido os boatos, certo?- perguntei enquanto seguia a velha em direção ao fundo da construção

–Em parte.

–Bem, os covardes me prenderam. Caí sobre o rosto quando me... Jogaram na cela. Mas não se preocupe, não foi nada.

Um vento gelado passou pela entrada do cais fazendo minha tremedeira aumentar.

–Hmm...- resmungou- Pronto, venha comigo. Vamos ter que ir à casa, lá eu posso limpar isso enquanto você se aquece. Tem que tomar mais cuidado, menina!

–Casa? Não! Eu não não posso...!

–Na minha casa. Vamos rápido que está frio.

Saímos pela porta, peguei rapidamente o casaco onde estava Sapo, e vesti depressa as sapatilhas.

Depois, fui caminhando encolhida ao seu lado, refletindo sobre ela enquanto ouvia sobre como minha mãe permitiu que morasse escondida na choupana dos empregados depois que fora demitida. Havia alguma coisa fora do eixo: Magda não era indigente, ela tinha uma família (ou quase isso), em Monte Harmstorf inclusive, eu não via motivo pra ela se abrigar aqui.

Abrigar de quê?

Talvez alguma briga de família?

Hm... Pode ser. Não sei.

E se... De repente lembrei-me do mundo ao redor. Será?

Dificilmente! É só uma velha, ela nunca conseguiria assassinar ninguém sozinha.

E os boatos?

Você sabe que eu não acredito nessas coisas.

Mas e se?

Bem, supondo que sim, não creio que Helena a abrigaria. Você viu a reação dela.

Pessoas mentem, sabia?

Não vamos viver baseados em suposições, está bem? A vida é concreta.

E dura como tal.

De fato, respondi com um sorriso invisível. Além do mais, Magda não tinha nenhum motivo pra me odiar, eu a via como uma segunda mãe, mas guardei o argumento pra mim, evitando prolongar a então breve discussão.

–Chegamos.

Estávamos em frente a uma minúscula cabana de madeira escura coberta de neve, com não mais que quatro janelas e uma porta podre com uma trinca obsoleta. Ao lado do casulo havia outros cinco, todos consideravelmente maiores que este, sendo três dos quais com um andar a mais.

Após uma série de lutas com as chaves e rituais de culto à gambiarra que nos trancava no inverno, Magda abriu a fechadura enferrujada, e afastou-se do caminho para que eu entrasse. Ao por meus pés no recinto, reprimi o impulso de dizer o “com licença” que remetia ao debelo a que foi submetido meu caráter durante a infância.

O interior da casa era, como esperado, extremamente simples. De um cômodo apenas, seu principal adereço era uma lareira de pedra polida que ficava na parede à minha esquerda, e, em frente a ela, um colchão improvisado com colchas e feno estirado no chão. Na parede oposta ficava uma janela de vidro remendada com panos que tapavam o vento frio e, de frente a ela, uma mesa baixa com quatro banquinhos velhos ao seu redor. Fora isso, não havia mais que alguns objetos pessoais como roupas penduradas em um padrão de pregos ao lado da lareira e panelas jogadas num canto.

Enquanto eu estudava o local, minha anfitriã já havia acendido o fogo e agora caminhava em minha direção com panos na mão.

–Vista isso, criança, e depois se sente ali na lareira pra se aquecer.

–Está bem.

Andando em direção ao fogo, desdobrei as roupas e examinei-as. Eram uma calça marrom e uma blusa branca parecida com a que eu usava, porém seca e surrada.

Parei em frente ao calor aconchegante da lareira e olhei para trás com a face corada. Mesmo que durante toda minha infância aquela mulher tivesse me dado banhos e trocado minhas roupas, agora sentia esquisito fazê-lo ali. Certifiquei-me de que ela estava ocupada com suas panelas e baldes, e, incentivada pelo frio funesto das roupas encharcadas, comecei a despir-me.

–O que foi aquele barulho lá dentro?- perguntei tentando desviar minha mente do frio e da vergonha.

–Ah, não foi nada! Só uma trapalhada da velha com aquelas cordas malucas do seu pai...

–Eu me assustei. – falei rindo enquanto terminava de vestir as vestes que me dera. – Se machucou?

–Não, não! Estou bem. Deite aí no colchão, criança- disse gesticulando-, vou cuidar desse seu rostinho.

Magda pôs-me deitada no colchão ao lado da lareira e cobriu-me com uma coberta rasgada. Depois, levantou-se e colocou uma das panelas em cima do braseiro que me aquecia.

Ficamos sem falar nada por um tempo. Enquanto a anciã mexia com uma colher na panela, permaneci imóvel, encarando suas sombras projetadas no teto, absorvendo aquele calor com todas minhas forças. A cada segundo eu ia me sentindo mais viva, meu corpo foi aos poucos voltando a ser propriedade minha, abandonando a tremedeira do gelo que a pouco tentara me matar.

–Vai doer um pouco.

Fiz uma careta quando ela encostou um pano quente diretamente no meu rosto.

–Shh... Tente não mexer muito.

–Desculpe. –Fiquei mais alguns segundos em silêncio. – Dona Magda... Obrigada por me salvar.

–É meu dever, menina Ághata: cuidar de você.

–Obrigada, de qualquer forma. – Desviei minha atenção do teto e olhei diretamente em seus olhos. – É bom vê-la novamente.

Mais uma vez retomei o silêncio constrangedor. Cada passada que o pano dava na ferida doía como se ela estivesse sendo aberta pela primeira vez.

Aos poucos, fui sendo seduzida pelo ritmo da dor flutuante e pelo barulho de madeira estalando ao aquecer minha alma congelada. Meu coração parecia entrar em um estado entorpecente de paz e minha mente curvava-se de veludo. Minha visão ia embaçando levemente, meus olhos reviravam...

A velha que limpava minha lesão fez uma careta de imprecisão, seus lábios iniciaram moção, mas meus sonhos gritavam alto demais, obstruindo sua voz.

Antes de pegar no sono, vi seus lábios sussurrarem:

–Que cheiro estranho...

Por tempo indeterminado, continuei entregue às miragens criadas pelo meu subconsciente, ignorando o mundo fora de mim.

Em certo ponto, meu sono começou a tornar-se confuso e minhas fantasias encheram-se de luz e desconforto. Depois, senti minhas narinas arderem ásperas e, sentindo meu pulmão implodir, acordei com um pulo e um pequeno acesso de tosse.

– Dona Magda? Cof cof! Que cheiro é esse?- olhei em volta procurando pela anciã, mas tudo que vi foi a casa vazia e um enorme rombo na parede que dava para os fundos do casebre.- Mas o quê...?

Dando-me conta do odor de fumaça que impregnava o ar, voltei-me assustada para a lareira, mas estava apagada. Jogando o pano grosso que me cobria pro lado e, no mesmo movimento, levantando do colchão improvisado, peguei meu casaco onde estava Sapo e corri para o buraco na parede.

Do lado de fora, neve e lama se misturavam como um tapete abstrato em frente ao inexplicável buraco da parede, tornando imposível discernir qualquer pegada que ali houvesse. Corri os olhos pelo contorno da abertura irregular, farpas apontavam na direção do inverno, as tábuas partidas ao meio pendiam pra fora e, metros à frente, madeira estilhaçada.

Reconhecendo todo aquele cenário, ignorei a confusão e a raiva em que se encontrava minha mente, abandonei a casa e fui andando a passos rápidos de volta às docas.

Alguém morreu hoje.

Passando entre a choupana da provável finada dona Magda- fato que estranhamente não me deixava tão conturbada como achei que deveria ficar- voltei minha cabeça para cima procurando algum sinal da origem do cheiro de fumaça que senti na cabana.

Estranho. Aqui fora não há cheiro algum. Sente isso, sapo?

Ainda sinto um pouco, na verdade, mas não como antes.

Não importava pra mim quem havia morrido. Eu tinha que fugir antes que começassem a me caçar.


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Notas finais do capítulo

posto mais assim que TIVER mais.

obs: feeddback frequência e postagens

próximo capítulo(por enquanto): Fogo e vento