Ághata escrita por Ivan Pavlov


Capítulo 2
Trovão e gelo


Notas iniciais do capítulo

Galera, desculpe a demora!! Eu estava atrasado uma semana com a continuação, e quando estava pra postar, houve um imprevisto que me deixou hospitalizado por um tempo, o que me impossibilitou de postar, mas não de escrever!!



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Deixando minha mãe para trás, direcionei meu caminho para um pequeno cais que havia nos fundos da fazenda.

Monte Harmstorf era uma cidadela relativamente grande, cercada por florestas em quase toda sua extensão e, em sua face leste, era banhada pelo Rio Wolghmore, o ganha-pão da família desde o bisavô do avô de meu pai.

Segundo contam as histórias, ele havia sido o único sobrevivente de um terrível ataque pirata ao navio em que viajava a família da qual ele era servo. Como não sabia navegar, flutuou à deriva por três meses praticamente sem nenhum suprimento, até que finalmente foi contemplado pela sorte e encalhou no Lago Wockhov, antigo nome do rio. Depois disso, ficou em Harmstorf por mais um ano como mendigo, até que criou amizade com um homem desconhecido que o ensinou a reger uma embarcação. Como não havia ninguém que reclamasse posse do navio encalhado, meu antepassado, com ajuda de mercadores locais, libertou-o e declarou-se dono. Em troca da ajuda, ele transportou um contingente produtos para uma cidade vizinha, estabelecendo assim, a primeira transação comercial marítima de Monte Harmstorf, atividade que, mais tarde, tornaria seu sobrenome um dos mais ricos da região.

Alguns minutos de caminhada foram o suficiente para me levar à construção onde me esperava a fuga. De longe parecia pequena, mas à sua porta era visível ser maior que a maioria das casas pobres nos subúrbios da cidade.

Assim que cheguei perto da porta lateral, ouvi em seu interior uma melodia desafinada e desconexa, acompanhada por um arrastar breve e ritmado, como um objeto suave estivesse sendo transportado por uma superfície áspera, e seu condutor fosse fraco demais para arrastá-lo sem precisar parar pra re-contrair os músculos.

Parei de me mexer por alguns segundos, tentando figurar o que estava lá dentro.

Ah não...

Meu plano acabara de desmoronar bem na minha frente: sair em um bote era o melhor jeito de evadir sem que ninguém me visse ou soubesse aonde eu ia. A outra alternativa seria caminhar descaradamente até o portão da cidade, arriscando ser notada e, na melhor das hipóteses, presa de novo, o que não seria difícil agora que já não era mais manhã, e a cidade toda já estava acordada.

Não havia lugar onde eu pudesse ficar, toda a população queria ver meu cadáver, e agora a única rota de fuga que eu tinha estava bloqueada pelo mesmo empecilho que todas as outras: havia alguém no cais. Era perigoso me expor para seja lá quem estava lá dentro, não só por deixar transparecer meu plano de fugir, como também pela possibilidade de levar uma surra de um louco qualquer.

–Não me rest...

BAM

Comecei a falar, mas uma confusão assustadoramente súbita de estrondos abafados interrompeu minha frase, jorrando como raio da construção à minha frente. Todo meu corpo de contraiu com o susto, sorvi um grito baixinho, e, dando uma passada involuntária pra trás, tropecei em alguma coisa e caí sobre os cotovelos.

Alguma coisa batia lá dentro, alguma coisa grande estava se contorcendo, pulando, ou fazendo qualquer outro movimento que dava a impressão de estar ouvindo uma carroça rolar escada abaixo.

Ali do chão fiquei olhando paralisada. Assim que o barulho sessou, continuei caída, esperando que algo acontecesse, como se ele tivesse sido apenas um anúncio de algo bem maior. Meu corpo inteiro era meu coração, um vento frio vinha de minha esquerda quando uma voz em algum longínquo ponto em direção à casa principal quebrou o silêncio:

Helena?, gritava a voz de seu marido, anunciando seu retorno de sabe-se lá onde passou a noite.

Eu já estava ciente que sair pelo portão era suicídio, mas alguém (ou alguma coisa) estava estava nas docas e voltar pra casa e esperar não era mais uma opção: se meu padrasto sequer pensasse que eu estava na "sua" propriedade, não pensaria duas vezes antes de denunciar-me.

Restava apenas entrar e enfrentar o invasor, ou esperar do lado de fora até que saísse. Comecei, então, a levantar da terra gelada, dolorida da queda e ainda estonteada com o susto.

Não seria prudente, Ághata. Pode levar horas, você vai congelar aqui fora.

Já em pé, agachei-me de novo, sem tirar os olhos da porta, e tateei o chão até achar Sapo, que havia caído também. Colocando-o no bolso do casaco, respondi:

Não me resta outra escolha, então.

Cautelosamente, andei em direção à água. A doca que meu pai havia construído tinha sua base na terra e estendia-se para a água, de modo que o cais ficava do lado de dentro da construção, o que era possível já que, mesmo a pouca distância da margem, o rio era suficientemente fundo pra uma embarcação de pequeno porte navegar sem encalhar. Dessa forma, o “único” jeito de entrar era usando a porta ou chegar navegando pelo cais.

“Único”, entre aspas. Como em minha infância eu nunca tive permissão de entrar na casa de barcos sozinha, e ninguém nunca me acompanhava lá, já eram de meu conhecimento métodos de lograr a guarda da construção. Na parede de madeira que se distendia em direção às águas, havia três inexplicáveis tiras horizontais de madeira, finas, separadas pela distância de um braço uma da outra, e protuberantes o suficiente para que eu me pudesse me arrastar até a entrada náutica.

Chegando à margem, tirei meus sapatos, encostei-os no que seria o rodapé do casebre, despi-me do casaco, sentido arrepios que explicavam o "vai congelar aqui fora", e repousei-o ao lado das sapatilhas. A primeira tábua ficava três palmos acima da lâmina d’água e a última na altura de meu nariz quando já pisando naquela.

Me espere aqui, Sapo.

Segurando na protuberância do meio, botei um pé na mais baixa, e dei impulso pra subir. Meus músculos fraquejaram, lembrando-me do quão faminta eu estava, e o desconforto fez notar que meus pés não se encaixavam tão bem como quando eu era criança. Com os bíceps tremendo e a ponta dos pés doendo com a violência de um corpo adulto apoiado em em uma superfície minúscula, iniciei, então, minha travessia.

Passo a passo, a face frontal da casa de barcos aproximava- se, e lá dentro algum ranger discreto de objetos pequenos colidindo quebrava o silêncio do inverno frio.

À medida que eu avançava, meu desconforto se tornava cada vez mais agoniante. Abaixo de mim, a água negra permanecia inerte, parecendo ignorar por completo o vento gelado que aumentava cruelmente minha capacidade de sentir dor nas extremidades.

No meio do segundo terço do caminho, a madeira em baixo de meus pés soltou um rangido alto, fazendo-me fechar os olhos em uma careta e abaixar a cabeça numa tentativa tola de esconder minha existência do mundo.

Parei, então, por um breve instante, esperando alguma manifestação do meu confrontante, mas não havendo nenhuma, retomei o trabalho.

Depois de poucos minutos que pareceram horas, finalmente cheguei ao final da parede: na da frente da doca, as suas paredes laterais dobravam-se um metro para dentro, transformando-a em uma grande boca engolidora de embarcações. Fiz a curva curva com dificuldade e dei não mais que um par de passos pra chegar na entrada.

Fazendo a madeira sob meus pés ranger mais uma vez, inclinei-me suavemente pra espiar antes de entrar.

Conforme ia me virando, o ruído se tornava mais alto e meu campo de visão do cais se ampliava. Aos poucos vi aparecer a escada que levava ao segundo andar, recortado no mesmo formato de "U" do primeiro, e, depois, três botes caoticamente pendurados por uma única corda podre no centro do recinto.

Passei com o olhar pelo local, mas assim que entrou em minha visão periférica o vulto humano do invasor, a tábua sob meus pés soltou um grito oco, abrindo um vazio no espaço que me engoliu depressa pra dentro d'água.

Minha mente entrou em colapso, meu nome estava sendo gritado em volta de mim. Senti a sensação de estar sendo rasgada ao meio, e pedras de gelo e pedaços de madeira me agrediam enquanto eu me debatia buscando senso de direção. A água estava gelada como mil agulhas, surpreendendo minha tentativa de reagir com uma cãibra que esmagava minha perna com tanta força que eu desejei poder arrancá-la com minhas próprias unhas.

Nadando apenas com os braços, tentei chegar à superfície, mas o mundo começou a desistir de mim, a água ao meu redor engolia cada vez mais negra os arredores. Meus sentidos já atordoados foram lentamente me abandonando em desespero.

Senti meu braço dar um tranco e mergulhei no vazio.


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Notas finais do capítulo

Obrigado mais uma vez por ler :) se houver algum erro de ortografia que tenha passado despercebido, me avisem nos comentários pra eu corrigir! Até mais!!!!

ps: já comecei o capítulo 3(estamos com 493 palavras u.u), e o background da história já está todo formulado!!

ps²: o próximo capítulo ia ser junto a esse, mas postei separado pra evitar ficar muito tempo sem botar nada no Nyah!



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