1942 escrita por GabanaF


Capítulo 15
Capítulo XIV — Adeus


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente, como vocês estão? Eu espero que muito bem. Primeiramente, eu queria agradecer aos comentários dos últimos capítulos, muito obrigada mesmo por gostarem tanto da fic e, sim, como o nome do capítulo diz, esse será o último capítulo, porém não temam! Lá embaixo eu explico mais para vocês.
Espero que gostem!



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Novembro de 1942

— Sam! — exclamou Quinn, surpresa, avançando os metros que a separavam do marido e o abraçando com força. — Você está de volta! Isso é…

— Não parece que você está feliz com isso — observou Sam com um olhar curioso ao se soltar da mulher.

Hans engoliu em seco e murmurou uma desculpa para sair da sala de estar. Seu rosto estava muito vermelho e Sam provavelmente notou que uma conspiração se formara enquanto ele estivera na guerra. Ele estreitou os olhos e fitou Quinn com um olhar desconfiado.

Sam estava de volta. Era difícil de acreditar nisso. Quinn sempre esperara ter tempo para colocar Rachel para fora de casa antes que o marido chegasse. Ela nunca pensara que Sam fosse chegar adiantado em meio a uma guerra. Imaginou que precisariam dele o máximo possível no front antes que ele partisse.

— É claro que estou feliz, Sam — respondeu Quinn, beijando os lábios do marido suavemente.

Beijar Sam não era nada como beijar Rachel. Beijar Sam não estava na sua lista de afazeres daquele dia. O que ela planejara era um dia nos braços de Rachel, ao lado dela na cama, abraçada a ela o tempo todo. Sem as empregadas para interromper seus momentos e muito menos Sam voltando para casa. Beijar Sam depois da semana que tivera com Rachel era quase um insulto.

Sam pareceu notar que Quinn não estava em seus melhores dias e afastou a mulher gentilmente. Sua expressão era de dor, mas Quinn duvidou que fosse por causa da cabeça enfaixada ou da perna quebrada.

— Você está bem? — ela perguntou de mansinho. — Nunca disse o que tinha acontecido com você nas cartas que mandava. Você não imagina o quanto deixou o grupo preocupado.

— Estava trabalhando em um escritório e uma bomba caiu perto. — Sam deu de ombros, fingindo desinteresse. — Caíram tijolos em todo mundo. Alguns morreram, outros ficaram muito feridos, tanto que foram mandados para casa imediatamente, e eu e outros dois soldados, que ficaram levemente feridos, nós nos recuperamos um pouco. Schuester decidiu nos enviar para casa depois.

Quinn passou a mão na cabeça do marido carinhosamente. Sam parecia desligado em relação ao que acontecera, mas seu corpo não apresentava o mesmo desinteresse. Assim que ela encostou-se à faixa que encobria seu cabelo loiro, ele a afastou instintivamente, deixando um semblante de dor invadir seu rosto. Sam estava bem mais machucado do que aparentava, tal como Ágata e Finn previram.

— Estou bem — garantiu Sam, parecendo uma criança. — Assim que eu tomar um banho, conto a você sobre os últimos meses.

Quinn assentiu e ajudou o marido a subir as escadas para o quarto que dividiam. A cama estava feita, como se ela não dormisse lá há dias (o que era verdade), mas Sam não notou isso. No fim do corredor, Hans e Evelyn assistiam os dois com olhares apreensivos. Ela se livrou de Sam dizendo que iria preparar o jantar e correu para as empregadas.

— O que faremos? — indagou Evelyn num sussurro alarmado. — Rachel… Ela… Sra. Evans, isso é...

— Digam a ela que Sam está de volta — respondeu Quinn no mesmo tom urgente. — Que eu a visitarei assim que tiver tempo. Se Rachel quiser ir embora, pressione-a para que fique. Um dia ou dois, é só o que preciso.

— Sra. Evans, não é só de uma ameaça que está lá fora — retrucou Hans, seriamente. — É o seu marido. E ele está aqui dentro! Rachel não precisa do seu adeus, ela precisa de comida para conseguir sair daqui e encontrar um lugar seguro.

Mas Quinn sabia que Rachel nunca iria embora antes de falar com ela uma última vez. Ela não iria, se tivesse que escapar. Além disso, precisava ver Rachel. Precisava dizer a ela que a amava, que Sam agora não era nada para ela a não ser um grande amigo — mesmo que ele não soubesse disso. Quinn saíra do porão a pouco mais de vinte minutos e ela já sentia falta de Rachel. Como sobreviveria os anos em que a guerra continuaria sem ela? Parecia uma missão impossível.

— Evelyn, desça ao porão — liderou Quinn com a voz cansada. — Hans, vamos fazer o jantar.

Meia hora mais tarde, Quinn fazia a refeição menos apetitosa de sua vida. Sam estava na ponta da mesa e comentava vagamente sobre a comida que Hans cozinhara, elogiando a mulher com palavras sem sentido. Quinn mastigava sem realmente apreciar o trabalho que a empregada tivera, e ao mesmo tempo sentia mal por não falar bem do jantar como Sam.

— No front, tínhamos uma espécie de pó com gosto — Sam dizia a Hans, que assentia vigorosamente. — Você o colocava na água e tomava. Nós tínhamos comida sólida, é claro, mas o pó era o que reinava. Ah, e vinho. Tínhamos muito vinho.

— Eu espero que não tenha adquirido esse gosto, Sam — disse Quinn com um sorriso amarelo.

Sam gargalhou. Era a primeira vez que ele ria desde que chegara e Quinn achou o som um tanto pacificador.

— Vou continuar sem bebidas alcoólicas, prometo — Ele levantou a mão direita como se fizesse um juramento. Quinn riu. — Mas... como você aguentou aqui, sozinha? Finn me disse que passou muito tempo dentro de casa.

Quinn deu de ombros, evitando olhar para as empregadas. Se o fizesse, Sam teria certeza que elas estavam escondendo alguma coisa dele. Às vezes ela esquecia o quanto o marido a conhecia — e no quanto isso seria um problema a partir de agora.

— Foram meses pacatos — respondeu. — Tivemos uma ou duas reuniões do clube anti-Hitler, eu acho. Fui a algumas reuniões das donas de casa. Fiz uma amiga. Bem normal.

Ao ver a expressão de horror de Sam, Quinn riu. Quando ele tinha saído, Hans e Evelyn não sabiam da natureza do clube que eles participavam, embora Quinn desconfiasse que elas soubessem desde o início.

— Nós três não tivemos segredos nos últimos meses, Sam — disse Quinn, despreocupada. — Hans e Evelyn são totalmente confiáveis.

As duas mulheres assentiram em concordância. Quinn abriu um sorriso orgulhoso. O rosto de Sam pareceu impassível, mas ela sabia que o marido não duvidaria de sua palavra.

— Se Quinn daria a vida por vocês, eu também faria o mesmo — ele disse, apertando a mão da mulher por cima da mesa. — Porém, sinto que apenas ela deverá saber o que aconteceu no front, pelo menos por agora. Lamento.

— Não é problema nenhum, Sr. Evans — apressou-se Hans a concordar, puxando Evelyn pela mão e já saindo da sala de jantar.

— Chamaremos quando precisarmos de vocês! — falou Quinn quase aos gritos às empregadas.

Quinn olhou para o marido de modo preocupado. Sam estava novamente dentro daquela máscara de ódio que o possuíra no dia em que contara que iria trabalhar em Stalingrado e que usaria isso para matar Hitler.

Estava ali algo que Quinn nunca conseguiu identificar nas cartas que Sam escreveu durante todos aqueles meses no front: o medo da guerra... o pavor de ser morto... a ideia de ser mais um corpo em meio a tantos que já enchiam os fronts europeus. Ele nunca colocou o terror que o assombrava na França e agora Quinn estava prestes a descobrir.

— Não é nada como você pensa, Quinn — começou Sam, apertando ainda mais a mão dela. — O que quer que você tenha pensado, o que quer que o rádio conte, o que quer que você tenha ouvido de Finn… Não é nada como você pensa. É dez vezes pior. É um lugar que fede, Quinn. Fede a morte. Fede a esperanças sendo jogadas no lixo a cada vez que uma pessoa saca uma arma e atira. É uma experiência que eu espero nunca mais passar em toda minha vida.

Sam contou os horrores que presenciou no front. Contou como era a vida dos soldados e de seus comandantes. Como ele morara em um alojamento para militares, com a ameaça de ser bombardeado quase todos os dias, até um dia em que aconteceu de verdade. Ele contou dos amigos que fizera lá, tanto do lado do Eixo quanto do lado Aliado. Como não podia dar ao trabalho de chorar por eles, por que a morte era algo tão natural quanto tomar um copo de água.

Quinn escutava com atenção, fascinada pelo depoimento do marido. Ela sentia-se terrível por tentar tirar o máximo de informações ao invés de consolar Sam, mas não conseguia evitar. Assim como fora quando Rachel chegara em sua casa, ao procurar saber sobre sua história, ela também queria saber a história do marido. Ao perceber que ela provavelmente era uma das únicas pessoas dentro do governo hitlerista que tinha se apaixonado por uma judia e um alemão puro, seu interesse cresceu significantemente.

Sam passou horas e horas descrevendo detalhadamente o que não podia ser dito nas cartas que trocaram ao longo do ano. Explicou como funcionava um campo de concentração que visitara em meados de julho (e mesmo que Quinn já soubesse disso, ainda tentou parecer extasiada pelo assunto). Também mostrou infográficos da sua base e fotos da cidade, que parecia ser linda antes do Führer tê-la bombardeado. Contou dos bons momentos que tivera nas noites claras sem nenhuma preocupação com os amigos que fizera.

— Enviei uma carta a Kurt — disse Sam, orgulhoso. — Bem, não sei se ele vai receber ou se já recebeu, mas o que importa é que eu enviei.

— O que você escreveu? — indagou Quinn, um tanto aflita. Se Sam tivesse exposto Kurt de alguma forma na carta, ambos estariam com problemas.

— Que eu sentia falta dele, só isso — respondeu ele, revirando os olhos. — Eu não sou bobo, Quinn, sei como enviar correspondência nos dias de hoje.

Quinn riu e beijou a bochecha de Sam. Eles já estavam na cama, cansados e prontos a uma boa noite de sono. A mente de Quinn continuava no porão e em Rachel. Pela falta de barulho vindo do local, ela pensou que a judia ainda estava lá e que não iria fugir tão cedo. Quinn precisava de um momento de distração de Sam para descer ao porão.

— Você vai estar de licença, certo? — ela perguntou, procurando manter o tom de voz desinteressado.

Sam assentiu e virou para o outro lado da cama. Bocejou e disse:

— Até a minha cabeça e a minha perna melhorarem, sim. Eu nem sei por quanto tempo. Pode ser de um mês a dois. — Ela sentiu o marido dar de ombros. — Não importa. Não é como se eu quisesse voltar para esse sistema doentio, na verdade.

Quinn concordou, sentindo um aperto na garganta. Por quanto tempo ela conseguiria manter Rachel no porão até que Sam suspeitasse de algo? Até que o marido resolvesse descer ao porão para pegar alguma coisa? Ela não fazia ideia se Sam seria tão receptivo com a mulher sendo homossexual e fazendo sexo com uma judia como era com Kurt e seu suposto namorado.

Ela tinha que resolver isso, e rápido.

***

Rachel queria chutar cachorrinhos no meio da rua congelada e alimentá-los com carne humana, tamanho era seu ódio por Quinn Fabray.

Ela não queria fazer isso, na verdade. Bastava dar uns bons tapas no rosto de Quinn e sua raiva passaria num instante. No entanto, ela não podia fazer isso, já que Quinn estava com seu marido alemão puro, jantando uma refeição quente e deliciosa que sua empregada preparara enquanto Rachel estava em seu porão, congelando a bunda e mastigando um pão que provavelmente teria uns três dias. Isso era o suficiente para deixar qualquer um irritado.

Sobretudo quando Rachel acabara de ter uma das tardes mais prazerosas de sua vida.

Estava tudo indo tão bem! Rachel andou pelo porão com os pés descalços, sentindo o gelo se formar nas solas, sem realmente se importar. Merecia aquela dor. Merecia por ter sido tão estúpida a ponto de acreditar que poderia viver ali para sempre. Que Sam talvez se perdesse no trem de volta para casa e ficasse na França pelo resto da guerra. Quinn ainda estaria em seus braços se acontecesse.

Rachel Berry estava tão malditamente apaixonada por Quinn Fabray que por um momento sua guarda baixou o bastante para sonhar que iria sair da vida de merda que tinha e que poderia ver a luz do sol sem ter o perigo de ser pega. O que ela estava pensando? Era uma judia. Não tinha direitos, pelo menos não em seu país. Depois de um campo de concentração e uma caminhada de ida e volta da Polônia, essa foi a primeira vez em que Rachel se arrependeu de não ter ido com Noah para fora da Alemanha.

Evelyn tinha chegado às pressas no porão, cambaleando pela escada, com os olhos amedrontados para contar a novidade. Rachel aceitou tudo de maneira natural. Ela confiava em Evelyn e Hans, mas não queria chorar e berrar que seu relacionamento com Quinn estava arruinado. As duas saberiam disso assim que vissem Sam.

— Quinn virá aqui, ela garantiu — assegurou Evelyn antes de sair. — Acho que ela não a deixaria na mão, Rachel.

— Nem eu — retrucou Rachel, tentando não soar irritada.

A aflição nos olhos de Evelyn dizia tudo para Rachel. Eram momentos de despedida. Nenhuma das duas sabia quando se veriam novamente. Nunca, era o mais provável. Era um tanto triste, Rachel tinha que admitir. Ela gostava muito de Evelyn e Hans. Mais uma razão para acrescentar Morar no Porão de Quinn na sua lista de “Eu Definitivamente Não Deveria Ter Feito Isso”.

Rachel cochilou um pouco depois que Evelyn foi embora, tentando tirar o que estava acontecendo no momento da sua cabeça. É óbvio que não adiantou, mas serviu para que as horas passassem mais rápido. Ao acordar, não sabia que horas eram, porém pela escuridão do porão, presumiu que era tarde da noite.

As mãos de Rachel procuraram as de Quinn pelo colchão freneticamente, até notar que a mulher não dormira com ela aquela noite, e que jamais faria isso de novo. O peito de Rachel se inflou de raiva contida. Os seus dentes trincaram e a fúria que percorreu seu corpo era desconhecida para ela. Rachel quis levantar e simplesmente quebrar tudo o que estava no porão.

Mas ela não podia. Primeiro, porque nada que estava ali era seu. Segundo, o barulho faria com que Sam e Quinn acordassem e essa seria mesmo a última noite em que dormiria em um colchão e em uma cama quente. Por isso, Rachel se lembrou dos exercícios de teatro que tivera muito tempo antes, para acalmar os nervos antes de uma apresentação. Ela passou alguns minutos controlando a respiração e observando suas mãos pararem de tremer (não que ela pudesse ver muita coisa no breu em que o porão se encontrava) até que seu corpo ficasse em ordem.

— Amar é algo estranho, não é? — perguntou para a parede onde estava encostada. Por algum motivo, Rachel esperou uma resposta que nunca veio. Ela suspirou e murmurou: — De volta à loucura de ser judia, não é?

Mais uma vez, a parede não respondeu. Rachel sabia que, na madrugada seguinte, teria de partir da casa dos Evans ou se não tudo estaria acabado, tanto para Quinn quanto para ela.

***

O clube anti-Hitler se reuniu na casa dos Evans na manhã seguinte à chegada de Sam. Ele ainda parecia fraco demais para sair de casa e por isso Quinn ignorou a oferta que Ágata tinha feito na última reunião de usar a casa de outra pessoa do clube como ponto de encontro.

Finn choramingou ao ver o melhor amigo e o abraçou por longos minutos. Dieter e Ágata também estavam bem emocionados ao ver Sam vivo e embora ele tivesse emagrecido bastante, continuava com a boa aparência de sempre. Albert e Wagner cumprimentaram Sam respeitosamente e fizeram menos bagunça que Finn e os outros.

— É tão bom ver vocês juntos de novo — disse Sam quando eles sentaram nos sofás da sala de estar. Ele tinha um sorriso orgulhoso no rosto. — Quinn me contou de Franz. Lamento por não ter conversado com ele antes.

— Todos nós, garotão — concordou Dieter com a voz rouca. — Todos nós.

Franz morrera na Rússia mais ou menos seis meses antes. Ninguém sabia o que realmente tinha acontecido com ele, se tinha morrido no front ou pelo frio (mesmo sendo verão) ou se tinha levado a ideia que Sam tivera de matar Hitler a sangue frio e fora exterminado no caminho. Fosse qual fosse a causa da morte, nem familiares tampouco o clube estava muito preocupado em descobrir. Franz estava morto e todos sentiam uma horrível falta dele e era só isso que importava.

— Como foi lá? — perguntou Finn, um pouco animado demais para ouvir a história de Sam na França. — Você é o único que foi e voltou vivo.

Ágata acotovelou as costelas de Finn, pedindo com os olhos que o garoto tivesse um pouco mais de compaixão, mas ele não pareceu notar. Sam riu e fitou Finn com um olhar nostálgico e distante. Quinn se perguntou se o marido estava se recordando da juventude em Berlim com Finn e Kurt, quando uma guerra era uma conversa distante e somente não gostava de Hitler ao invés do ódio doentio que tinha agora.

Sam iniciou um monólogo contando praticamente as mesmas coisas que dissera a Quinn na noite anterior, tirando algumas histórias que decidira deixar apenas entre os dois e acrescentando mais dramaticidade à outras. Enquanto os homens e Ágata se entretinham com a história de Sam, a mente de Quinn voava para o porão e para Rachel.

Não tivera a oportunidade de descer ao porão, mas de acordo com Evelyn, Rachel ainda estava lá. Quinn imaginava o quão irritada Rachel estaria com ela. Passara a noite pensando nisso. As duas estavam num momento tão importante da relação — a descoberta, o prazer, a vontade de ficar juntas o tempo todo. Para Quinn, era um dos sentimentos mais lindos que já sentira na vida. Agora, tudo o que sonhara com Rachel estava arruinado.

Não que pensasse que duraria para sempre. Quinn sabia muito bem que os momentos que partilhava com Rachel no porão não eram eternos. Nada era eterno em uma guerra. Talvez o amor delas fosse, Quinn pensou com um sorriso. Talvez, quando elas se reencontrassem dali vinte anos, sem o Führer no meio, o amor perduraria e as duas pudessem continuar a história de amor que iniciaram no meio da guerra.

Quinn olhou para o marido de soslaio. Sam ainda estava empenhando em contar em todos os detalhes as aventuras que passara na França. O que ele diria se soubesse que ela estava apaixonada por outra pessoa? O que ele pensaria se a pessoa por quem ela estivesse apaixonada fosse uma mulher? Será que seria tão compreensivo como fora com Kurt durante a adolescência?

As perguntas enchiam a cabeça de Quinn e ela se forçava para não cair no choro ali na sala de estar com os membros do clube a fitando como se ela tivesse enlouquecido. Ela tomou um pouco do café ralo que fizera às pressas, ainda com a mente em Rachel. Talvez pudesse sair dali por alguns minutos, se desculpando para ir ao banheiro e descer ao porão. Cinco minutos com Rachel, era tudo o que precisava para continuar seu dia com Sam e o clube anti-Hitler — que ela sabia que não sairia da sua casa tão cedo.

Quinn estava pronta para se levantar, começando a pedir licença, quando Hans entrou no cômodo e olhou de maneira urgente para ela.

— Ah... — Ela percebeu que a sala estava cheia e a vermelhidão subiu pelo seu pescoço. — Sra. Evans, Evelyn e eu precisamos de sua ajuda com algo.

Os olhos de Sam se estreitaram e foram da mulher para a empregada. Seu semblante era suspeito, e Quinn rezou para que ele não notasse o que realmente estava acontecendo. Ela ficou de pé e se desculpou silenciosamente para Ágata e os outros, seguindo Hans pelo corredor.

— Rachel está bem? O que está acontecendo? — murmurou Quinn assim que ficou longe o bastante da sala de estar.

— Ela só quer ver você — respondeu Hans no mesmo tom. Ela olhou para a patroa suavemente. — Ela disse que derrubaria uma prateleira se não falasse com você.

Quinn sufocou uma risada. Embora não acreditasse que Rachel estragaria sua própria segurança ao fazer uma ameaça como aquela, tinha certeza de que a mulher também estava com tanta raiva de Quinn a ponto de fazer algo estúpido.

— Rachel irá embora hoje, certo? — perguntou Hans ao chegarem à porta do porão, com a expressão séria. — Evelyn e eu arrumamos comida e um pouco de cartões de racionamento para ela. Ela tem que partir hoje, Sra. Fabray.

Quinn arqueou a sobrancelha diante do sobrenome de solteira que Hans usara. As orelhas da empregada coraram e ela apressou-se a se desculpar.

— Sra. Evans — Hans se corrigiu timidamente. — Isso é...

— Coisa da Rachel, eu sei — completou Quinn afobada. — Ela partirá hoje, eu prometo, Hans. Mantenham as coisas dela longe de Sam de dia e à noite pode deixar que eu cuido que Rachel saia de casa.

Hans assentiu vigorosamente, se afastando da porta e permitindo que sua patroa entrasse no porão. Ela lembrou a Quinn que não podia ficar mais do que dez minutos no cômodo ou se não atrairia perguntas dos que estavam na sala de estar, principalmente de Sam. Quinn mal escutou o que a Hans falara e pulou os degraus da escada em dois, animada para ver Rachel outra vez.

Rachel a esperava em pé, com os olhos em chamas. Na opinião de Quinn, ela nunca pareceu tão linda. Ela queria abraçá-la e confortá-la, dizer que tudo estava bem, que era apenas uma piada de mal gosto o fato de Sam ter voltado, mas sabia que Rachel não acreditaria nela. Com Hans na beira da escada, observando-as de modo atento, não havia muita coisa que Quinn podia fazer além de se aproximar alguns passos temerosos de Rachel.

— Eu tinha que ter saído mais cedo — murmurou Rachel antes que Quinn falasse algo. — Eu odeio você por pensar que isso duraria para sempre.

— E eu odeio você por me fazer pensar que isso duraria para sempre — retrucou Quinn. Não tinha sido uma de suas melhores respostas, mas ela tinha que trabalhar com o que possuía no momento.

Rachel cruzou os braços na frente do peito e lançou um olhar de raiva à Hans. A empregada assentiu vigorosamente e saiu do porão, fechando a porta logo em seguida. Quinn observou a ação boquiaberta. Como Rachel conseguiria dominar suas empregadas de modo tão eficiente em poucos meses de confiança?

— Quando vou poder partir? — ela indagou furiosa.

Quinn deu um passo pra trás, assustada.

— Hoje à noite. Rachel, eu…

— Não, Quinn. Você entende o que está acontecendo, eu espero. Há, na sua sala de estar, quatro oficiais do exército alemão e um deles é o seu marido. Eu sou uma fugitiva do quartel daqui de Strausberg. Mesmo que eles sejam contra o governo de Hitler, não há nada que os impeça de me prender. Ficar aqui enquanto todos eles estão lá em cima nunca foi tão perigoso.

Quinn teve vontade de rir. Desde quando Rachel tinha medo do clube anti-Hitler? Desde quando ela se importava com os garotos se reunindo na sala de estar da casa dos Evans? Nem quando os Fabray costumavam fazer visitas todos os fins de semana, Quinn vira Rachel tão preocupada. Seus olhos gritavam o medo que sua mente sentia. Quinn engoliu em seco, se movimentando de novo para ficar mais perto de Rachel, que dessa vez não tentou se afastar.

— Partirei hoje à noite, não é? — perguntou Rachel, se aproximando de Quinn e a englobando em seus braços. — Nosso último dia juntas e você não poderá ficar comigo.

— Simples ironia do destino — respondeu Quinn, beijando os cabelos de Rachel. — Eu amo você.

Rachel engoliu o choro e sussurrou de volta:

— Eu também amo você.

Por favor, não me esqueça, pediu Quinn mentalmente, puxando Rachel para um beijo demorado. Não se esqueça do porão, das nossas noites, da nossa história. Não me esqueça, Rachel, por favor, por favor.

Quinn não percebeu que estava repetindo aquelas palavras em voz alta até que Rachel interrompeu o beijo com um olhar triste. Ela apontou para as escadas e Quinn encontrou Hans encostada ao portal, enxugando as lágrimas em seu pano de prato. Com muito custo, Quinn se separou de Rachel e subiu as escadas, sem olhar para trás. Embora, ao sair do porão, tenha escutado um “Não me esquecerei de você, Fabray”, Quinn ignorou-a plenamente.

***

Sam fora dormir cedo. Entre conversar com seus amigos após meses sem vê-los e tomar medicamentos fortes para sua dor de cabeça, Quinn realmente se surpreendeu ao ver o marido sobreviver ao dia sem muita ajuda dela. Era sete horas quando ele foi deitar, mas a luz do sol não sumira. Inverno na Alemanha significava que a luz do dia durava até oito ou nove horas da noite, o que era um obstáculo, considerando a missão que Quinn teria logo mais.

Ela não desceu ao porão assim que Sam anunciou que iria dormir, pois sabia que pesadelos sobre o front poderia atormentá-lo durante o sono e tudo o que ela não precisava no momento era Sam vagando pela casa à sua procura enquanto ela aproveitava ao máximo do último dia com Rachel. Se ele já estava desconfiando de que algo estava acontecendo entre ela e suas empregadas, Quinn não tinha ideia nenhuma do que Sam poderia fazer se descobrisse Rachel em seu porão, altas horas da noite.

Por isso, Quinn ficou sentada na mesa de jantar da cozinha, escutando a rádio alemã se gabar das conquistas de Hitler na Rússia e mais outros cinquenta países que o Führer tinha tomado nos últimos anos. Evelyn fez o seu jantar — algo com salsichas e suco de limão que Quinn achou horrível — enquanto Hans arrumava as coisas de Rachel. Ela convidou a empregada para jantar consigo, mas Evelyn parecia tomar conhecimento da comida horrorosa que tinha preparado e negou a oferta. Tudo era feito em um silêncio mortal.

Ninguém queria acordar Sam, fosse por causa de Rachel ou por que ele precisasse mesmo de umas boas horas de sono.

Quinn acampou na cozinha, dormindo alguns minutos e acordando com o aparelho de rádio gritando em seu ouvido algum sinal de uma cidade alemã sendo bombardeada. Queria terminar com isso logo. Não aguentava mais sofrer com Rachel e por Rachel, não gostava de colocar o seu marido em uma posição desconfortável e traí-lo de alguma forma — mesmo que ela já o tivesse feito muitas vezes nos meses anteriores.

Foi um alivio quando Hans a acordou de um cochilo mais demorado. Ela ficou em alerta ligeiramente e percebeu as duas empregadas e Rachel na cozinha, observando-a, a espera de mais ordens. Os olhos de Rachel estavam inchados, e os semblantes de Hans e Evelyn eram impassíveis.

— Nós estaremos vigiando o quarto do Sr. Evans e a porta da cozinha, Sra. Evans — disse Evelyn antes que Quinn desse a ordem. — Não se preocupe. Tome o tempo que quiser. Não há ninguém na rua ou luzes nas casas vizinhas.

— Avisaremos se acontecer algo — completou Hans.

Ela abraçou Rachel com força, seguida por Evelyn. Quinn ficou em pé, se distraindo mentalmente com qualquer coisa para não interromper o momento das três. Mais do que o amor de sua vida, ela pensava que Rachel também tinha encontrado duas melhores amigas dentro daquela casa e se desfazer do amor, da compaixão e dos cuidados que ganhara ali não deveria ser algo fácil.

Hans e Evelyn saíram do cômodo, fechando a porta para dar privacidade às duas. Rachel usava um casaco velho de Quinn e por baixo o maior número de roupas que ela conseguira vestir sem parecer um gordo boneco de tecido. Se sua realidade fosse outra, Quinn provavelmente riria de Rachel. Ela também usava um chapéu de aba e botas de esquiar que um dia tinham pertencido à Frannie. A mistura de roupas com certeza chamaria atenção, mas Rachel andou até Quinn de maneira elegante e casual, o que não deixou certeza de que ela saberia correr usando aquele tanto de vestes.

Rachel beijou Quinn sem pudor nenhum. A temperatura da cozinha pareceu subir vinte graus. Mesmo com a quantidade de roupas, ela ainda conseguiu sentir o corpo quente de Rachel contra o seu, implorando para que as vestes fossem tiradas e que elas fizessem amor ali mesmo na mesa de jantar. Ela começou a se despir, ofegando por causa do beijo, mas Rachel a parou antes que seu suéter estivesse no chão.

— Não — pediu ela, segurando as mãos de Quinn contra as suas. — Nós... Nós não podemos. Não de novo.

— Faria você querer ficar. — Quinn entendeu os pensamentos de Rachel. Ela não tirava os olhos da judia. — Iria fazer sua partida doer mais.

Rachel assentiu, enfiando o rosto na curva do pescoço de Quinn. Chorava. Soluçava. Ela se agarrou a cintura de Quinn e pressionou o corpo das duas como se pudesse uni-los. Como se não existisse prisão ou campos de concentração ou o Führer para mantê-las uma longe da outra. Como se a vida delas fosse prender naquele exato momento e permanecer lá para sempre, até envelhecerem e virar pó. A prova de que o sistema hitlerista era furado. De que judeus podem viver e amar alemães puros e que mulheres podem se apaixonar por outras mulheres e serem mais felizes do que alguns casais heterossexuais.

Quinn franziu o cenho e sacudiu a cabeça. Por que estava pensando em política numa hora daquelas? Ela era produto de um sistema fajuto, Rachel era consequência desse sistema. Para Quinn, não havia casal que combinasse mais do que as duas. Extremos, mas ao mesmo tempo como os mesmos ideais. Tanto na política quanto nas coisas mínimas, como os beijos que compartilhavam. Era assim e sempre seria.

Não existiria outro amor na vida de Quinn Fabray que não fosse Rachel Berry. Da mesma maneira que Rachel Berry nunca mais amaria alguém como amou Quinn Fabray.

— Eu preciso... — Rachel respirou fundo e se soltou de Quinn, com muita dificuldade. — Eu preciso ir.

— Se por acaso... — Quinn engasgou nas próprias palavras, mantendo seu olhar fixo em Rachel. — Se por acaso a guerra acabar nos próximos meses. Você estaria aonde? E em longo prazo?

Rachel riu amargamente do tom desesperado de Quinn.

— Não sei. Inglaterra, talvez? Quando a guerra acabar, procure por Noah. Ou na Inglaterra ou nos Estados Unidos. É para onde concordamos ir.

— Para onde você vai agora?

— Suíça? — Rachel deu de ombros, fingindo desprezo pela simples ideia de ter um plano. — Eu não sei, de verdade. O que eu planejo é ficar fora de vista. Talvez arranje um porão em algum local abandonado. Pelo menos ficaria segura dos bombardeios.

Quinn respirou fundo, temendo indagar o que tinha em mente desde que soubera que deveria tirar Rachel de casa.

— E se for capturada? O que fará, Rachel?

Rachel abriu um sorriso triste. Ela se aproximou de Quinn e a beijou uma última vez. Por um bom tempo, permaneceu com os lábios encostados, tentando se agarrar a uma lembrança que significava tudo sobre o período que ficara ali, o amor que sentia por Quinn.

— Me lembrarei desse beijo, e dos poucos que tivemos — disse Rachel em sussurros. — Me lembrarei de você e dos seus cuidados. Rezarei para que esteja bem enquanto eu estiver em um campo de concentração. Sei do que sou capaz, e também sei o que sou capaz por você, Fabray. Eu vou sobreviver. Por nós duas.

Quinn deu um beijo suave na testa de Rachel e soltou sua mão. Ela já não chorava. Não sentia vontade de chorar. Ela abriu a porta dos fundos da cozinha e observou Rachel Berry, a judia que encontrara anos antes em uma festa de um militar amigo de seu pai, a judia por quem roubou um pouco de comida durante a festa de fim de ano prestigiada dos Fabray, a judia que ajudou Quinn perceber o que realmente desejava para sua vida, aquela garota extremamente irritante e arrogante quando queria, que raramente aceitava ajuda, sair pela noite afora.

Antes de pular a cerca branca da casa dos Evans, Rachel se virou, sorriu e fez uma reverência, graciosa mesmo com o número elevado de roupas que usava. Quinn soltou uma gargalhada e lembrou-se da frase que mais impactou sua vida, dita por Rachel Berry um pouco antes de fugir de seu casamento com Sam:

“Você é a única alemã para quem eu faria uma reverência, então eu sugiro que leve isso a sério.”

— Você é impossível, Rachel Berry. — Quinn riu mais uma vez e observou Rachel sumir na escuridão da madrugada.


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Notas finais do capítulo

Então, o que vocês acharam para um capítulo final? Gostaram? Odiaram? Querem mais? Pois bem, eu mesma sentirei muita falta de escrever essa fic histórica, ela é um dos meus trabalhos favoritos, mesmo dando MUITO trabalho pra escrevê-la, foi um prazer passar mais de um ano focada nela (eu comecei a escrevê-la um pouquinho antes de terminar RAFH, em 2012, mas só resolvi postar ano passado) e queria agradecer bastante a todos que leram, que recomendaram e que mandaram reviews com sugestões e críticas e, mais importante, aturaram as esperas absurdas pelos capítulos - por que eu leio fanfic e sei muito bem como é chato esperar por uma nova postagem. Enfim, muito obrigada mesmo a todos vocês, leitores que acompanharam a fic, e os prováveis leitores que acompanharão a fic em um futuro próximo.
Contudo, como eu sei que deixei tudo meio em aberto com esse último capítulo, sempre previ um epílogo para a fic, contando o final de tudo, de Sam, Finn, Kurt, Puck e das minhas personagens favoritas, Quinn e Rachel. Situado, sei lá, nos anos 60 ou 50. Minhas ideias para essa fic sempre foram diretas, do tipo, "Vou fazer isso e ninguém mudará minha opinião!", só que nas últimas semanas eu tenho ficado em dúvida com o destino de alguns personagens e queria a opinião sincera de vocês: o que vocês acham que acontecerá com as duas? Eu queria muito os reviews de vocês principalmente nesse assunto.
Bem, por hoje é só. Peço com muito carinho para que mandem seus reviews com suas opiniões, o que acharam do capítulo e o que vocês querem nesse epílogo. Beijos para todos vocês e até a próxima!



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