1942 escrita por GabanaF


Capítulo 16
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente, como vocês estão? Eu espero que bem! Okay, eu deveria ter postado esse epílogo a mais ou menos uma semana atrás, mas meu computador estragou e eu tive que escrever tudo de novo /chorosa. Com as aulas da faculdade de volta, fiquei meio sem tempo essa semana, porém fiz de tudo para postar hoje e, bem, aqui vamos nós!
Espero que vocês gostem desse epílogo tanto quanto eu gostei de escrevê-lo!



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1945

Nos três anos em que a guerra durou, Quinn não viu Rachel nenhuma vez. Nem um vislumbre, nem uma palavra sobre uma judia foragida em Strausberg, nada. Não era como Quinn quisesse procurá-la. Com a Alemanha caindo aos poucos, os militares eram os mais atingidos, não importasse se estivessem aposentados como Sam ou não.

Sam sugeriu que os dois se mudassem de volta para Berlim no início de 1945, prevendo que a guerra já estava perdida. Os bombardeios foram mais intensos entre fevereiro e abril, quando finalmente a notícia de que Hitler tinha se matado esteve em todos os jornais por uma semana, e em seguida a rendição da Alemanha. Foram dias tensos, tendo sua casa inspecionada por russos, estadunidenses e ingleses, mas Sam ofereceu tudo o que sabia sobre o exército alemão aos Aliados em troca de manter o clube anti-Hitler e as Fabray a salvo (os crimes de Russell eram graves demais para que Sam pudesse livrá-lo).

— Precisamos convencer sua mãe a mudar para cá — disse seriamente Sam, dias depois que a rendição da Alemanha tinha sido declarada e os Aliados desfilavam por Berlim. — O país será dividido. Metade para os capitalistas e outra para os russos.

Quinn franziu o cenho.

— Como sabe disso? — ela perguntou, desconfiada. — É impossível que aqueles soldados saibam o que vai acontecer a partir de agora.

— Espólio de guerra, Quinn — disse Sam. — Nós perdemos, nosso país será dividido. Por mais que Hitler fosse ruim, os russos serão piores. Eu não estou dizendo que os EUA são melhores, mas a liberdade que eles nos darão é bem melhor que a dos soviéticos.

Quinn assentiu, preocupada. Na semana seguinte, Judy, Frannie e Chloë se mudaram para a casa simples de Sam e Quinn, nada comparada à mansão Fabray, que agora vinha sendo usada como hospital temporário para os feridos soviéticos.

— Seu pai está preso — Judy informou à filha mais nova, como se ela não soubesse. — Dizem que irão julgá-lo em Nuremberg. Não faço ideia como e nem por que! O que está acontecendo com a nossa família, Quinnie?

Quinn preferiu não responder à mãe. Sam não contara dos crimes que seu pai cometera nos últimos anos, mas Quinn tinha uma ideia do que seria. Russell era contador e deveria ter financiado a construção de campos de concentração em vários lugares da Europa dominada por Hitler.

Entre os meses de abril e agosto, Quinn não se preocupou em procurar Rachel em cada esquina toda vez que saía de casa. A cidade estava destruída, tanto seus habitantes quanto seus prédios. Levaria um tempo, talvez anos, até que Berlim estivesse em seus novos dias de glória, assim como estivera naquele verão de 1936, quando Quinn fora nas aberturas das Olimpíadas. Ela estava feliz pela derrota alemã, mas triste por ver a cidade em que crescera daquela forma.

A guerra ainda acontecia no Atlântico em agosto.

O clima quente da cidade só piorava e Quinn estava louca para ir com Sam e a família para um clube que sobrevivera aos ataques Aliados e voltaria a abrir naquela semana. No entanto, ao escutar o locutor de uma rádio do governo anunciar o uso da primeira bomba atômica no Japão, ela perdeu completamente o humor para um bom banho de piscina.

Três dias depois, outra notícia de outra bomba atômica em outra cidade japonesa. Truman está louco, afirmou Dieter, que os visitava no dia com Ágata. Quinn não fez nada além de concordar. Como alguém teria coragem de matar milhares de inocentes apenas para provar sua força para o mundo? Se o capitalismo era uma solução melhor que o socialismo, o que ela e a família estavam fazendo do lado Aliado de Berlim?

— Isso é o início de uma nova era de pavor — comentou Ágata. Chorava, pois, assim como Quinn, presumia que o mundo estaria de novo em paz com a morte de Hitler.

A guerra terminou oficialmente — anunciou o locutor no dia seguinte. — Com ela, se foram milhares dos nossos soldados, centenas de estadunidenses e ingleses. Russos, franceses, japoneses, brasileiros, italianos… Perdemos vários homens na guerra, perdemos o nosso espírito. Mas, queridos alemães, podemos nos reerguer. Podemos mostrar ao mundo o quão diferentes somos daquele que nos guiou a essa guerra.

Quinn quis rir do discurso. Nenhum campo de concentração fora mencionado. Nenhum judeu na lista de nomes que o locutor leu em honra aos soldados mortos nos últimos seis anos.

Ela não podia esperar nada da rádio governamental, na verdade. A Alemanha podia estar se recuperando dos abusos do governo nazista, mas, em seu íntimo, continuava sendo a Alemanha que Hitler governara. Levaria décadas para que os alemães percebessem que Hitler era um cara mal e maluco. Judy ainda falava bem das loucuras que o Führer fizera na última década.

Foi também em agosto de 1945 que Quinn descobriu que estava grávida.

Judy ficou espantada e chorou quando Quinn lhe contou a notícia. Sam ficou em choque, mas desejou que fosse uma garotinha para que pudesse mimar. Chloë disse que estaria ganhando uma irmãzinha, o que deixou Frannie borbulhando de raiva. A irmã de Quinn jamais se recuperaria da perda do marido, os psicólogos que ela visitara já tinham dado o veredicto de “maluca” para Frannie, embora Quinn ainda tivesse esperança de se dar bem com ela.

Quinn pensou em Rachel ao descobrir a gravidez. Ela se pegou pensando em Rachel como uma segunda mãe para o seu filho, pensou em um mundo onde ser homossexual não fosse um crime e que elas pudessem se casar naturalmente como qualquer outro casal heterossexual.

E, mais uma vez, se perguntou onde Rachel estaria.

***

Julho de 1947

Quinn não via Rachel há cinco anos. A espera estava a deixando louca. O lado capitalista de Berlim estava prosperando enquanto os soviéticos lutavam para manter as casas do seu lado em pé. Beth, sua filha, tinha pouco mais de um ano e era tão curiosa e atentada quanto os pais.

Russell continuava na prisão e Judy tinha se mudado para uma casa três quadras acima das de Quinn, junto com Frannie, que estava pior que nunca. A irmã de Quinn caíra doente no inverno anterior e não saía da cama. Os médicos não davam muito tempo a ela.

Chloë era a garota mais inteligente da escola. As reuniões do clube anti-Hitler tinham um novo propósito: descobrir quem estava mais feliz com seus empregos novos (nenhum deles quisera continuar no exército depois da guerra). Kurt estava de visita durante o verão — e as suspeitas de Quinn estavam certas: ele tinha mesmo fugido com outro homem.

Beatrice se transformara em uma grande amiga de Quinn, contando seus casos pós-guerra com mulheres lindas e tristes pela perda dos maridos. Brittany não tinha planos para retornar à Berlim, mas enviava cartas para Quinn periodicamente. As duas conversavam entre si como se os anos e os quilômetros de distância não significassem nada.

A vida de Quinn estava bem encaminhada. Ela estava feliz, mas, todas as noites, ainda sentia falta de Rachel. Não aguentava mais esconder de Sam que já não estava apaixonada por ele, que amava uma mulher judia que desaparecera anos antes e que, mesmo após o fim da guerra, não retornara para a Alemanha.

Quinn se recusava a pensar que Rachel estava morta. Tinha esperanças de encontrá-la casualmente em um dos passeios com Beatrice pela Berlim reconstruída. Ver a mulher que amava livre, em um vestido de verão lindo, com os cabelos longos e um sorriso maravilhoso no rosto. Ela sonhava com isso quase toda noite. Não se cansava de imaginar Rachel em seus melhores dias. Não se cansava de querer tê-la por perto.

— Quem é Rachel? — Sam indagou tranquilamente durante um café da manhã. — Você estava falando o nome dela durante a noite.

Hans, que servia a ele um pouco de leite, quase desequilibrou a jarra e derrubou em Sam. Evelyn, encostada no portal da porta, engasgou e tossiu, desconfortável. Quinn rolou os olhos diante da reação das empregadas. Beth, ao seu lado, caiu na risada.

— É uma longa história — Quinn disse após um tempo. — Talvez eu possa explicá-la quando você chegar à noite?

Sam assentiu a contragosto. Os olhos dele passaram de cada uma das mulheres naquela cozinha, incluindo pela filha, e se levantou. Se ele notou alguma semelhança entre aquela manhã com aquele jantar de 1942 assim que ele retornara da guerra, Quinn não soube dizer. Mas ele sabia que alguma coisa estava acontecendo, disso ela tinha certeza.

Quinn passou a tarde inteira discutindo com Evelyn e Hans sobre contar ou não a Sam sobre Rachel. As empregadas não queriam deixá-la falar sobre os meses em que Rachel ficara em seu porão, mas Quinn sabia que devia a verdade ao marido. Assim, quando ele chegou do trabalho, Quinn o esperava sentada seriamente no sofá da sala, pronta para contar toda a história dela e de Rachel.

Sam escutou atentamente. Não interrompeu nenhuma vez. Seus olhos foram ficando vermelhos à medida que Quinn entrava na parte em que se apaixonara por Rachel, mas ela também estava chorando, então não poderia realmente culpá-lo. Quinn teve de se interromper mais de uma vez para conter o choro.

— Eu a amo, Sam — terminou ela, limpando as lágrimas com as costas da mão. — Eu a amo e eu lamento por ter escondido isso cinco anos de você. Eu sei que você não merece isso. Você sempre será o meu primeiro amor, mas Rachel... Rachel era…

— Inesquecível — completou Sam com a voz embargada. — Entendo. Eu entendo. Não tão bem quanto queria, mas não se pode controlar os sentimentos, não é? Continuarei amando você incondicionalmente, Quinn. Eu quero que você seja feliz.

Quinn beijou Sam nos lábios e depois o abraçou. Ela sabia que ele não se importaria com isso. Beijar Sam era algo comum, que não fazia seu coração palpitar mais da mesma forma que antes. Se pudesse dizer, beijar Sam era como estar beijando um melhor amigo.

— Eu preciso saber se ela está viva, Sam — confidenciou Quinn. — Tenho que saber como ela está. Estou enlouquecendo sem notícias dela.

— Foi há cinco anos, Quinn. — Sam não soou desdenhoso; pelo contrário, parecia muito preocupado com a mulher. — Ela teria aparecido aqui, não?

— Sam, as pessoas ainda estão apavoradas. É difícil apagar o preconceito e a raiva que Hitler implantou na cabeça dos alemães nos anos antes da guerra. No Julgamento de Nuremberg foi exposto o que os nazistas fizeram, mas o que está enraizado leva-se muito tempo para destruir. Rachel saberia disso. Ela iria ficar distante da Alemanha.

Sam suspirou e anuiu a cabeça. Seus olhos ainda estavam vermelhos por causa das lágrimas de minutos antes, porém Quinn percebeu um semblante de esperança passar pelo rosto do marido. Ela sabia que Sam iria conseguir algum contato do exército que o levaria aos registros dos campos de concentração. Sua patente ainda era severamente importante e, mesmo com a reputação de Russell baixa após a guerra, Sam tinha construído seu próprio nome entre os militares.

— Me dê uma semana — murmurou Sam.

Ela concordou com um sorriso. Nos dias seguintes, a relação dos dois não se abalou nem um pouco. Sam continuava amoroso e afetuoso com ela, e Quinn fingia que a conversa não tinha acontecido. Ela estava feliz de ter dito para Sam que amava Rachel e aliviada por ele não ter armado um escândalo ou surtado ao escutar sua história.

Hans e Evelyn também estavam curiosíssimas para saber do paradeiro de Rachel, por isso, quando Sam chegou em casa uma semana e meia depois de ela ter compartilhado a história de amor entre ela e Rachel, Quinn as convidou para se unirem à grande descoberta. As empregadas sentaram juntas num sofá, Sam permaneceu na poltrona de leitura e Quinn ficou com Beth em seu colo sentadas no sofá maior.

Sam carregava um envelope pardo de aspecto oficial, e sua expressão era mortalmente séria. A bolha de felicidade que Quinn enchera em seu coração nos últimos dias estava prestes a explodir, fosse de alegria ou angústia. Após cinco longos anos, ela finalmente iria descobrir o que Rachel fizera ao sair da sua casa.

— Os registros de Rachel começam assim que seus pais morreram — Sam começou, pigarreando — e param depois de 1939. Não tem absolutamente nada entre os anos de 1939 e 1941, quando ela foi capturada lá em Strausberg.

Ele parou por um momento, tirando uma foto do envelope. Sam franziu o cenho e a mostrou para Quinn. Era definitivamente Rachel, com o cabelo curto e cicatrizes pelo rosto todo. Estava com um olho inchado e um corte feio na testa. A expressão era a mesma desafiadora que Quinn vira pela primeira vez em 1936, mais de dez anos antes.

— Eu me lembro dela — confessou Sam. — Teimosa. Não aceitou usar seu uniforme. Eu pedi para que ela me desse seus pertences e ela quase me socou no rosto. Levou um tempo para que pudesse convencê-la de que estava ao seu lado com os outros soldados nos observando, mas ela entendeu.

Quinn esboçou um sorriso. Era algo típico de Rachel, bater primeiro e só conversar depois. Não que estar em um quartel nazista lhe desse outras opções, mas geralmente os judeus que passavam por Strausberg estavam desprovidos de qualquer tipo de emoção há muito tempo. Rachel era a única que ficava lutando.

— Pelo o que me contou, vocês já tinham se encontrado algumas vezes — disse Sam, olhando a foto de Rachel e a guardando no envelope de novo. — Acho que ela tenha me reconhecido, talvez? Estávamos cercados por nazistas e um movimento em falso e ela estava morta. Presumo que ela também soubesse disso.

“Então, Rachel foi para Sachsenhausen. Eu não vou detalhar, pois aposto que ela contou a você como é a vida lá. Foi dada como morta em janeiro de 1942, afogamento. Eles já estavam chegando à Polônia e, sim, ninguém se incomodou em ver se ela estava realmente morta, uma vez que vários outros judeus tinham morrido no caminho. Só trataram de anotar sua morte.”

A data da fuga de Rachel martelou nos ouvidos de Quinn. Rachel passara quatro meses caminhando entre a Polônia e a Alemanha somente para poder vê-la e dizer que estava viva? Quinn nunca tinha parado para pensar nisso... Rachel se escondera, passara fome, provavelmente tinha congelado de frio em alguma parte do caminho, só para poder vê-la.

Se isso não era amor, Quinn Fabray não fazia a mínima ideia do que era.

— Ao fugir da nossa casa em 1942 — continuou Sam —, Rachel sumiu dos mapas de novo. Por um ano, na verdade, não se teve registro nenhum de judeus foragidos em Strausberg, Berlim e região. Rachel, contudo, cometeu um grande erro ao fugir para a França. Ela foi capturada com outro nome, mas a reconheci imediatamente quando um antigo amigo meu da França me mostrou a foto.

A fotografia que Sam mostrou fez Hans e Evelyn prenderem a respiração, impressionadas com o estado de Rachel. Quinn tentou reconhecer a mulher por quem se apaixonara naquela foto, mas foi impossível. Ambos os olhos de Rachel estavam inchados, quase não se dava para ver suas íris. Seus lábios sangravam e estavam enormes. Quinn tinha certeza de que o nariz de Rachel estava quebrado. Havia um corte em seu supercílio direito que terminava em sua bochecha. Mas o semblante corajoso não saía de seu rosto.

— Que nome que ela usou? — perguntou Quinn, tossindo para evitar que a voz tremesse.

— Nicole Pierre — respondeu Sam, tirando gentilmente a foto da mão da mulher. — Disse ser uma cantora famosa, e até cantou em francês, mas seu nariz e sua garra não deixaram os nazistas serem enganados.

— Mas por que Rachel iria para a França? — Quinn se indagou, revendo a última conversa que tivera com ela. Rachel expressara desejo de ir para a Suíça, neutra no confronto. Porque ir à França nazista? Qual era o problema dela? E por que Rachel não mencionara que sabia francês?

— Ela morreu lá, não foi? — Foi Hans que quebrou o silêncio. Sua voz não era sequer a sombra da grandiosidade que fora um dia. Ela temia por Rachel.

Quinn engoliu em seco. Ainda não queria ouvir o que Sam descobrira. Se Rachel estivesse morta, como iria acordar todos os dias sem ter a esperança de encontrá-la no centro de Berlim em um passeio com Beatrice? Como viveria em um mundo sem Rachel Berry?

— E-eu não sei — respondeu Sam, sério. — Em julho de 1944, houve uma execução de quatro mulheres, porém todas eram britânicas. A ala feminina era bem pequena. Esperava-se melhores registros de Natzweiler-Struthof, mas não. Meu colega disse uma coisa: não se saía vivo de Natzweiler. Mulher ou homem, judeu ou prisioneiro Aliado, não importava. Ninguém a viu, não existe registros dela nos últimos seis anos. — Sam olhou para a mulher com pena. — Eu sinto muito, Quinn.

Quinn não falou por um bom tempo. Beth adormeceu em seu colo, mas ela estava chocada demais para perceber. Hans e Evelyn também a olhavam penosamente. Ela odiou aquilo. Não merecia a pena deles. Não merecia nada dos seus melhores amigos. Não os merecia. Ela queria Rachel ao seu lado, não eles.

O que o marido dissera não tinha diminuído suas esperanças. Só porque Rachel não tinha nada no governo alemão, não significava que ela estaria morta. Ela escapara de um campo de concentração, poderia fugir de outro. Rachel não desistiria no último momento, ela não faria isso. Ela sobreviveria, por Quinn e por ela própria.

— Eu vou encontrá-la — disse Quinn, decidida. Ela assentiu com a cabeça, tentando convencer mais a si do que os outros que estavam ali. — Eu sei que vou.

Sam e Hans trocaram olhares preocupados. Quinn percebeu isso, mas não disse nada. Eles provavelmente estavam pensando que ela era louca, mas isso não fazia diferença nenhuma para ela. Quinn procuraria a Europa inteira se fosse preciso.

Ela encontraria Rachel Berry.

Sam pediu educadamente para que as empregadas levassem Beth para fora da sala e ficassem com ela em seu quarto. Disse que precisava falar com Quinn em particular. A mulher concordou sem realmente ouvir, e só prestou atenção a Sam quando ele sentou ao seu lado no sofá, pegou sua mão e a fitou profusamente.

— Quinn… — disse. Sua voz era carregada de dor. — Eu amo você. Muito. E eu quero continuar com você, pois eu sei que ninguém mais faria o que estou fazendo. Espero que saiba que estou te protegendo. As pessoas murmuravam sobre Kurt e isso quase o levou a loucura. Ninguém jamais suspeitará de você enquanto estiver comigo.

Ela entendia isso. Quinn entendia que não podia se separar de Sam, não enquanto vivesse na Alemanha pós-guerra. Não enquanto ela não encontrasse Rachel. Além disso, passara tanto tempo com o marido que se já se esquecera de como era o mundo sem ele — e como, na última vez que não convivera com Sam por meses, Rachel estava ao seu lado.

— E, se você quiser ir à França, sei lá, pesquisar mais a fundo a vida de Rachel, descobrir os caminhos que ela passou, você tem meu total apoio. — Sam sorriu à expressão surpresa de Quinn. — Vou te ajudar. Ela é o amor da sua vida, pelo jeito. E eu quero que você seja feliz.

— Você é o melhor homem do mundo — elogiou Quinn, abraçando Sam.

Não havia remorso nos olhos do marido. Não havia tristeza ou qualquer sentimento negativo. Ele estava genuinamente feliz em ajudar a mulher. Quinn podia contar com a ajuda dele para encontrar Rachel. Ela sorriu novamente e lhe deu um beijo na bochecha.

— Eu amo você, Sam — ela sussurrou. — Amo mesmo.

— Nós podemos encontrá-la, Quinn. Sei que podemos.

***

Abril de 1952

Dez anos depois de manter Rachel em seu porão, Quinn já tinha desistido de encontrá-la.

Ela e Sam procuraram por quase todos os países que faziam fronteira com a Alemanha, mas nenhum sinal de Rachel. Quinn contatou o antigo amigo dela, Noah, que morava na Inglaterra desde 1938, mas ele também não sabia do paradeiro de Rachel.

— Ela amava você, sabia? — ele disse quando Quinn fora encontrá-lo em Londres. — Ela tinha visto você duas vezes e amava você. Nunca entendi esse sentimento. Mas era real e Rachel passou tanto tempo tentando escondê-lo que a deixou louca.

— Ela estaria aqui se não fosse por mim — admitiu Quinn com desprezo. — Ela estaria viva se não tivesse se apaixonado por mim. É tudo culpa minha.

Noah pareceu horrorizado com o pensamento dela.

— Não! Não pense assim! Mesmo que não se apaixonasse por você, ela teria ficado na Alemanha. Rachel… Ela gostava de confusão. Lutaria até o último suspiro contra Hitler. Ninguém era páreo para ela. — Noah sorriu tristemente. — A culpa não é sua, por favor, não passe o resto da sua vida pensando assim.

Quinn assentiu. A conversa mudou de rumo, mas ainda era sobre Rachel. Noah contou sobre os anos que vivera com ela enquanto Quinn dividiu histórias dos meses em que Rachel ficara em sua casa. Ela não ficou envergonhada ao contar sobre os beijos e as noites de amor que as duas compartilhavam. Sentiu orgulho de si ao pensar nisso, no quanto chorara ao fazer sexo com Rachel pela primeira vez e na naturalidade da conversa entre ela e Noah.

Ele também contou que se apaixonou por uma inglesa linda pouco depois de chegar ao país. Chamava-se Mercedes Jones e os dois estavam casados desde o início de 1940. Tinham dois filhos, e Quinn conheceu a família Puckerman em um jantar organizado por Noah dois dias antes de sua partida. Sam os adorou e Beth pareceu gostar da companhia do filho mais novo deles.

Mesmo que Quinn estivesse longe de Rachel, ela fizera novos amigos em outros países e adoraria manter contato com eles. Rachel continuava invadindo a sua vida de diversas maneiras diferentes, mas não era como se Quinn estivesse se sentindo mal por isso. A sua amada judia ainda estava em algum lugar lá fora, e isso era tudo que bastava.

***

Setembro de 1952

Quando decidiu escrever tudo o que conhecia de Hitler, a guerra, Rachel e Sam, Quinn Fabray estava na França. Os franceses ainda não eram muito receptivos em relação aos alemães, o que ela dava completa razão, mas escrever sobre seus melhores e piores anos embaixo da Torre Eiffel era bem melhor que escrever em um café reconstruído de Berlim.

Ela não sabia muito bem de onde aquela ideia tinha vindo. Quinn gostava de escrever, gostava de jogar seus sentimentos em uma folha de papel e deixá-lo lá para sempre. Sua formação na faculdade era jornalismo, afinal de contas, mas o casamento com Sam e os deveres de ser a mulher de um oficial nazista nunca lhe deram tempo para que exercesse a profissão. Quando a guerra terminou, ela se candidatou para algumas matérias em jornais diversos como um hobby, mas a paixão por escrita voltou com toda a força após isso.

Quinn continuou escrevendo. Após a visita aos Puckerman, ela se trancou no escritório e escreveu por horas a fio, raramente parando para comer algo. Ela queria escrever sua história, a história de Rachel, repassar por aqueles meses de 1942 outra vez e pouco importava se 80% da população mundial odiava o amor que sentia por Rachel, ela queria mostrá-lo para o mundo.

Parte da mente de Quinn pensava que, talvez assim, Rachel voltaria para a Alemanha, que ela apareceria do nada em uma noite de autógrafos e as duas se beijariam dramaticamente na frente de cem pessoas, incluindo Judy, Beth, Sam e Chloë, e todos aplaudiriam o amor verdadeiro delas. Ela ainda tinha esperança de que Rachel estava escondida em algum lugar.

Por isso a visita a Paris. Ela se sentia perto de Rachel na cidade. Como se Rachel pudesse estar espiando-a em qualquer esquina. Quinn não atraia olhares como antes, mas ainda tinha um resquício do poder de persuasão herdado de Russell. Quinn sabia o que acontecia ao seu redor, quem a fitava só por que era alemã e quem a observava por sua beleza. E estava bem ciente de que havia uma pessoa caminhando pelas mesinhas dos cafés franceses que não a fitava por tais motivos.

— A senhora aceita algo mais? — perguntou um garçom em francês.

— Não, muito obrigada — replicou Quinn, também em francês. Ela havia aprendido muito cedo que não existia nada que os franceses abominassem mais do que turistas que não sabiam nada da sua língua, principalmente uma turista alemã. Quinn aprendera muito a língua francesa enquanto estudava os registros do campo de concentração onde Rachel estivera.

O garçom assentiu e se preparou para ir servir outra mesa quando Quinn o parou e indagou em um francês distorcido:

— Na verdade... O senhor não saberia onde teria um clube só para garotas à noite, saberia?

Quinn pensou no que dissera e olhou para o garçom, que ficara vermelho. Seu rosto também enrubesceu e ela apressou-se a reformular a pergunta. Queria ir a um bar com música ao vivo, não em uma boate de strip-tease. A confusão foi desfeita e o garçom aliviadamente informou de um bar a poucas quadras de seu hotel.

Ela não estava com a família, Quinn sentia que precisava de uma noite de folga. A única coisa que fizera desde que chegara à França era escrever. Por dois dias e três noites, Quinn só escreveu. Às vezes em seu quarto de hotel, na maioria das vezes nas ruas de Paris. Sua mão doía só em pensar em passar horas presa numa cadeira dura de madeira escrevendo. Ela precisava se divertir, conhecer a noite e a vida de Paris além dos cafés à beira da Torre Eiffel.

***

Ao chegar ao bar, o coração de Quinn parou por um segundo ao ver o letreiro da atração da noite.

Nicole Pierre, numa apresentação única, hoje à noite, exclusivamente no LesTouches Noires!

As mãos de Quinn sacudiram violentamente. Nicole Pierre... Era o nome que Rachel usara ao chegar à França, para tentar escapar das mãos dos nazistas. Ou Nicole Pierre era uma pessoa de verdade, que coincidentemente era também uma cantora, ou Rachel continuava usando o nome falso.

Quinn engoliu em seco e entrou. Preferiu escolher uma mesa perto do bar e o mais longe possível do palco. Se fosse realmente Rachel, não queria assustá-la ou causar algum tipo de mal estar que a fizesse sair no meio da apresentação. Ela pediu um drink especial da casa e o primeiro prato que conseguiu entender no cardápio. Tudo estava ótimo, mas as pessoas a encarando e se perguntando o que uma mulher nos seus trinta estava fazendo sozinha num bar deixou ela um pouco nervosa.

O coração de Quinn batia com força contra seu peito quando viu um dos garçons subir ao palco e anunciar a atração musical da noite. Ela tomou um gole de sua bebida, sentindo um frio na barriga. Como queria escapar dali e esquecer que um possível encontro com Rachel aconteceria em poucos segundos... Quinn pensou no que Sam diria se ela fugisse. Cinco anos procurando por Rachel para que Quinn se esquivar da única possibilidade real de vê-la após dez anos? Sam a julgaria pelo resto de sua vida.

Os clientes perto do palco começaram a bater palmas freneticamente. Ela se preparou para levantar. Quinn era uma covarde. Se não fosse Rachel no palco, ela desistiria de tudo que lutou nos últimos anos. Ela se fecharia em seu quarto, de volta a Berlim, e não sairia dele até que terminasse o que estava escrevendo. Tomaria Rachel como morta e tentaria viver de lembranças do tenebroso ano de 1942.

— Boa noite, Paris! — cumprimentou uma voz que Quinn conhecia muito bem. Falava um francês perfeito, sem nenhum resquício de sotaque alemão.

Quinn ainda não podia ver muito do palco, mas soube imediatamente que era Rachel falando. Ela bebeu o resto do líquido que estava em sua taça e sorriu ao ouvir a voz melodiosa de Rachel começar uma canção em francês. A tradução lhe escapou, devido à confusão de sentimentos que passavam pela sua cabeça no momento, mas o coração de Quinn estava livre disso. Ela sentia a música e sabia que Rachel estava cantando para ela — e não importava se Rachel soubesse que Quinn estava lá ou não.

Lá pela terceira canção, algumas pessoas na frente de Quinn estavam em pé, dançando ao ritmo das músicas de Rachel. Ela continuava no fundo do bar, sem conseguir enxergá-la. Não tinha coragem de chegar mais perto. Seus olhos procuravam um jeito de ver Rachel em meio àquela multidão dançante, mas era impossível. Ela tinha encontrado Rachel como prometera, embora nunca fizesse a promessa de conversar com ela ou vê-la.

Será que era tão covarde assim por ter medo de ver seu verdadeiro amor?

Pediu outro drink a um garçom hipnotizado pelo o que quer que Rachel estivesse fazendo no palco e o tomou em três goles. O álcool ardia na garganta — Quinn não gostava muito de bebidas alcoólicas e evitava-as ao máximo. Mas ela sabia que álcool lhe dava coragem de fazer coisas e precisaria disso se quisesse ir falar com Rachel.

No quinto drink e na sexta música de Rachel, Quinn decidiu que era hora de se levantar. Havia recusado inúmeros pedidos para que pudesse ir dançar (tanto de mulheres como de homens) e permanecia sentada batendo o pé no ritmo. Quinn precisava ver Rachel. Decidira isso. Reconhecia sua voz, mas precisava ver o seu rosto. Precisava ter a chance de beijá-lo de novo.

Ela ficou de pé, cambaleando, e olhou para o palco, observando Rachel.

A mulher estava radiante. Vestia um vestido vermelho-sangue magnífico e usava sapatos de salto finíssimos pretos. Seu cabelo descia pelas suas costas de maneira ondulada. Apesar da aparência maravilhosa, Rachel ainda tinha aquele olhar malicioso e arrogante no rosto, como se da apresentação fosse à Alemanha destruir o governo pró-hitlerista.

Ninguém diria que aquela mulher lutara contra Hitler indiretamente. As pessoas daquele bar jamais pensariam em Nicole Pierre magra e faminta em um campo de concentração, se fingindo de morta e passando pelo inverno polonês e alemão só para ver um amor. Nenhuma daquelas pessoas conhecia Rachel como Quinn a conhecia.

Quinn não desviou o olhar durante toda uma música. Rachel era simples e genial no palco. Todos a amavam, desde os garçons aos membros da banda. As mulheres que dançavam com seus maridos não paravam de lançar olhares para o palco. Assim como o garçom que atendera Quinn, estavam entorpecidas pelos movimentos de Rachel.

Ao fim da canção, os olhares de Rachel e Quinn se encontraram. Os olhos de Rachel se arregalaram, mas a surpresa durou pouco. Quinn abriu um sorriso convidativo e ofereceu uma reverência à Rachel. Isso fez a mulher sorrir com ela, e então Quinn percebeu que tudo havia valido a pena. Anos e anos de pesquisa... o dinheiro gasto em viagens pela Europa destruída... as visitas a um dos lugares mais macabros de toda história... Tudo havia valido a pena, só para ver o sorriso de Rachel Berry e o olhar dela ao encontrar o seu.

— Eu amo você, Rachel Berry — sussurrou Quinn para si, acenando com a cabeça para Rachel, ainda sorrindo.

Ainda tinha muito que saber sobre os anos em Rachel sumira, mas Quinn no momento se contentava em arranjar uma mesa perto do palco, sentar e ver o amor da sua vida cantar com os olhos presos nela a noite toda.

***

Quinn esperou pacientemente pelo fim do show. Quando Rachel desceu do palco, ela rumou para o camarim. Ficava nos fundos do bar, com saída para a rua de trás. O corredor era abafado e os músicos da banda que tocaram no show de Rachel a ficaram encarando com olhos suspeitos.

Ela sabia que não deveria estar ali, mas como conversaria com Rachel? Nenhum daqueles homens sabiam o desespero que ela passara nos últimos anos sem vê-la. Quinn encostou na parede do corredor e enfiou as mãos nos bolsos da calça para conter o nervosismo. Rachel a tinha visto e sorrira à ela. O que a mulher diria ao observá-la de perto? Estaria tão nervosa quanto Quinn? Continuaria amando Quinn mesmo depois de tanto tempo separadas? Era setembro e o tempo estava quente, mas o corpo inteiro de Quinn tremia.

A porta de um camarim à sua frente abriu e Rachel apareceu. Seus olhos brilhavam de prazer e ela sorriu para Quinn.

— Entre, por favor — pediu Rachel, oferecendo um espaço para que Quinn pudesse entrar no camarim.

— Rachel — chamou Quinn, um apelo sussurrado, os olhos não mais tão corajosos quanto antes.

Rachel estava na sua frente, tão linda quanto estivera no palco do bar. Um pouco cansada, Quinn tinha que admitir, mas ela parecia tão feliz que todos os outros raros defeitos eram rapidamente ignorados. E o mais importante: Rachel estava viva. Viva, sorrindo e fazendo o que mais amava.

Quinn entrou no camarim e observou o local. Era mais limpo e iluminado que o corredor, com um espelho enorme em uma das paredes. Em cima dele, estava uma prateleira com alguns troféus em diversas línguas. Quinn contou a maioria como francês, porém viu também um alemão e dois outros em inglês. Havia um troféu com outra língua que ela não reconheceu. Ela se perguntou sobre o que eles eram. Que prêmios Rachel poderia ter vencido nos últimos dez anos?

— Campeonatos de música — respondeu Rachel ao olhar de Quinn. — Estive em muitos lugares. Sempre há uma competição musical, não importa o país.

Quinn engoliu em seco. Ela voltou a fitar Rachel, mais com raiva do que com alívio. Será que descobriria por onde Rachel andou? Ou ela iria continuar com aquele jogo de pergunta e resposta que elas sempre jogavam?

— Como você me achou? — Os olhos de Rachel voltaram à obscuridade da época da guerra.

— Acaso. Destino. Chame como quiser. Mas a última coisa que planejava fazer hoje era ver você.

Rachel começou a andar em círculos pelo camarim. Quinn continuou olhando para ela com raiva. Parecia impossível que Rachel estivesse irritada por ela ter casualmente escolhido ir ao bar que o garçom sugerira, dentre os milhões que provavelmente haveriam em Paris, mas, bem, era o que estava acontecendo.

— Por onde você andou, Rachel? — Quinn resolveu quebrar o silêncio. — Sabe o quanto procurei por você? Achei que estivesse morta! Quantas vezes visitei Paris e o campo de concentração onde você ficou, me perguntando o que diabos tinha acontecido, tentando me agarrar a um fio de esperança, esperando que você, sendo arrogante como é, tivesse sobrevivido!

— E você acha que isso foi fácil para mim?! — revidou Rachel, parando de andar e fincando o pé na frente de Quinn. Seus olhos marejavam de lágrimas. — Passei anos me escondendo até o fim da guerra, fui capturada pela terceira vez e, sim, eu sobrevivi por causa da minha arrogância!

“Ao fim da guerra, ninguém queria uma judia trabalhando para eles, não importasse o país. Todos sob o controle do Reich nos odiavam. Parti para a Argentina e depois viajei a América do Sul inteira. Ainda existia preconceito lá, mas era mínimo comparado com o da Europa.

“Eles me amavam. Quero dizer, eu acho que me amavam, pois comecei a cantar em bares e logo em seguida passei para os concursos. Fiz um dinheiro respeitável ganhando as competições e assim fui mudando de um país para o outro. Entre 1945 e 1948, eu já havia viajado por todas as Américas.”

Quinn não ousou dizer uma palavra diante da pausa de Rachel. Apesar de todo o medo que sentia daquela mulher, ela estava lhe contando a verdade. Estava finalmente descobrindo o que havia acontecido com ela e não seria louca para interrompê-la.

— Passei 1949 nos Estados Unidos — continuou Rachel, parecendo de repente cansada e sentando no banco em frente ao espelho gigante. Quinn continuou em pé, quase sem mover um músculo. — Vi quase todos os estados americanos. Vi a Estátua da Liberdade e me apaixonei. Assisti uma peça de teatro na Broadway e resolvi ficar em New York. Por uns meses, pensei, depois volto à minha viagem. — Rachel riu sem humor. — New York é apaixonante, Fabray. Ela é linda. Tem vida própria. Não é nada comparada a Berlim ou Strausberg. Foi o primeiro lugar onde não senti a presença de Hitler.

— Você mora lá agora? — Quinn indagou timidamente.

Rachel assentiu.

— Os produtores da Broadway adoraram meu sotaque. Eu viajei de férias para a Austrália em 1950. É um lugar maravilhoso, também. Enquanto isso, eu continuei em New York. A Broadway me conhece, Quinn Fabray, e não há coisa melhor no mundo do que ver pessoas pedindo autógrafos para você na rua.

“Engatei na carreira de cantora de novo. Dessa vez sem os concursos. Um show aqui e ali, e logo eu já estava em Los Angeles me apresentando em um dos teatros mais famosos do mundo. Minha agente disse que uma turnê europeia seria lucrativo. É claro que eu recusei a ida à Alemanha. Seria demais para mim, voltar no país onde ganhei e perdi tudo.”

Rachel ficou em silêncio novamente, deixando que suas palavras fizessem o efeito desejado em Quinn. A mão de Rachel estava em cima da cômoda e ela se sentiu tentada a pegá-la, como faziam quando Rachel tinha um pesadelo ou elas ficavam horas conversando sobre seu passado. Quinn se moveu estupidamente nos próprios pés, envergonhada demais para olhar diretamente para a mulher.

— Porque não usa seu nome verdadeiro? — indagou Quinn curiosamente.

— A guerra pode ter acabado, mas existem nazistas por todos os lugares. — Rachel sacudiu os ombros, sem dar importância. — Achei que seria melhor se continuasse com o nome da pessoa que fingi ser na França invadida.

— Você foi a Londres? — Quinn queria saber se Rachel informara a Noah, seu melhor amigo antes da guerra, que estava viva e fazendo relativo sucesso nos Estados Unidos.

— Minha próxima parada — informou Rachel. — Eu sei que Noah está lá, mas não faço ideia de que ele saiba. Não recebi nenhuma carta dele nos últimos anos. Talvez ele tenha desistido de mim.

— Não desistiu — disse Quinn imediatamente. — Nós... Fui procurá-lo em abril deste ano. Nós conversamos bastante sobre você. Ele sente muito sua falta, Rachel, acho que seria bom saber que uma das pessoas mais importantes de sua vida está, na verdade, viva.

Rachel desviou o olhar dela. Uma lágrima escorreu por sua bochecha e as mãos se retraíram para seu colo, impedindo que Quinn concluísse seu plano de tocá-las. Quinn olhou ao redor e encontrou uma cadeira. Puxou-a para perto de Rachel e sentou na frente da mulher. Ela não tinha ideia do que queria dizer, mas queria falar algo que a animasse, que a deixasse com aquele sorriso que vira dar no palco meia hora antes.

— Você ainda é bem importante na nossa vida, Rachel Berry. Sempre será. E, se você quiser voltar para os Estados Unidos e viver sua vida confortável, não serei eu que vou impedir. Só... mantenha contato, por favor. Eu imploro.

Rachel anuiu com a cabeça, olhando para um ponto acima de Quinn. Ela a escutou murmurar algo, mas ficou em dúvida se perguntava se era para ela ou um hábito que Rachel começara nos anos em que estivera desaparecida.

— Eu nunca me esqueci de você — disse Rachel baixinho. — Todos os dias, o tempo todo, eu lembrava de seu rosto, Quinn Fabray. Eu me perguntava o que você faria naquele dia e só assim poderia continuar com minha vida. Quando as pessoas me perguntavam o que era minha inspiração, eu dizia que era um amor que perdera na guerra. Geralmente os deixava bem comovidos.

Quinn sorriu. Quase como reflexo, Rachel sorriu, fragilmente. Seus olhos ainda estavam vermelhos por causa das lágrimas, mas Quinn continuava vendo-a como a mulher mais linda da face da Terra.

— Contei ao Sam — falou Quinn, um tempo depois. — Sobre nós duas. Ele aceitou muito bem. Me ajudou com seus arquivos nos campos de concentração e a viajar a Europa à sua procura. Nós continuamos casados, no entanto, mais por causa de Beth, nossa filha, e para calar a boca dos rumores da nossa vizinhança.

— Ótimo — celebrou Rachel, distraída. — Realmente ótimo.

Sem pensar, Quinn puxou Rachel para os seus braços e a beijou. Os lábios da mulher tinham a mesma sensação que possuíam dez anos antes, como se eles completassem os de Quinn. Apesar do leve gosto de cigarro, Quinn não parou de beijá-la. Ela precisava de Rachel, sempre tinha precisado nos últimos anos e ela não tinha se dado conta disso até o momento em que tinha colocado os lábios na sua boca.

O coração de Quinn batia contra o seu peito rapidamente quando as duas pararam o beijo. Rachel ofegava. Nenhuma das duas desviou o olhar pelo o que pareceu a Quinn horas. O mundo poderia acabar naquele exato momento, mas a garota de dezenove anos dentro de Quinn, a que viu Rachel na sacada em 1936, não se importava.

— Eu não posso ficar sem você outra vez — sussurrou Rachel, sua testa na de Quinn, os olhos fechados e a respiração fraca. — Não posso.

— Vamos para New York, então — respondeu Quinn. — Sam e Beth... Nós podemos nos mudar para lá. Há anos queremos sair da Alemanha.

— Seríamos a família mais bizarra do planeta.

— Mas seríamos uma família. E é isso que importa.

Quinn beijou Rachel novamente, dessa vez sem pressa. Sam concordaria em ir para os Estados Unidos, ela tinha quase certeza disso. Por um segundo de horror, esqueceu de sua mãe, Frannie, que morria lentamente em uma cama em casa, e sua sobrinha, Chloë. Não poderia deixá-las sozinhas. Quinn suspirou, se afastando de Rachel. Não estava tão animada para mudar para New York como antes e a Rachel obviamente notou isso.

— Frannie e Judy — disse Quinn. — Se você não pode ficar sem mim, não posso ficar sem elas.

Para a sua surpresa, Rachel abriu um grande sorriso.

— Leve-as para os EUA! A terra das oportunidades, tudo sempre dá certo em um país completamente diferente do seu.

— Frannie está morrendo — simplificou Quinn.

O rosto de Rachel murchou. Elas voltaram a ficar em silêncio enquanto a mulher processava a informação que Quinn dera. Era espantoso falar da própria irmã daquela maneira, mas não havia mais nada que ela pudesse fazer. Médicos já tinham dado Frannie poucos anos de vida. Aceitar a morte dela deveria fazer as coisas melhorarem — o que não estava dando certo para Quinn.

— Eu sinto muito — falou Rachel, pegando a mão de Quinn e a apertando gentilmente. — Frannie parecia bem radical do seu ponto de vista, mas imagino que jamais quis algum mal a ela, não é?

Quinn concordou com um aceno de cabeça. Ela odiara a irmã por grande parte da sua vida, porém nunca se viu em Paris enquanto Frannie estava entre a vida e a morte. E, o mais importante, Quinn nunca se viu esperando pela morte da irmã para que pudesse seguir para os Estados Unidos com Rachel Berry.

Rachel parecia também estar em uma batalha com seu eu interior. A testa franzida e os lábios comprimidos numa expressão dolorosa não faziam sentido para Quinn, mas ela já tinha aprendido muito tempo antes a ignorar momentos como aqueles da mulher. Depois do que pareceu muito tempo, Rachel disse:

— Nós vamos fazer isso funcionar. Talvez podemos ir para Londres juntas e de lá partir para a Alemanha. Se Frannie melhorar — Rachel deu de ombros —, farei o possível para viajar entre os dois países.

— Você disse que não voltaria para a Alemanha — lembrou Quinn.

Rachel sorriu. Ela se inclinou e beijou os lábios de Quinn mais uma vez.

— Acho que você esqueceu por quem eu estou voltando.

***

Agosto de 1955

Todos estavam na livraria. Frannie sorria para ela de forma encorajadora. Uma das enfermeiras dela também estavam sorrindo. Judy se postava atrás de Quinn, por isso não podia ver a expressão da mãe, porém sabia que ela também deveria estar orgulhosa. Beth e Sam sentavam na primeira fileira aguardando o discurso de estreia do novo livro de Quinn.

Para variar, Rachel estava atrasada. Ela avisara a Quinn que não poderia chegar na hora por que iria buscar Noah no aeroporto e, dependendo do trânsito e do amontoado de fãs que provavelmente haveria no local, que deviam começar a palestra sem ela e o amigo.

Quinn não se importava com isso. Ela sabia que Rachel estaria a qualquer momento ali, fosse após uma hora do início ou quase no final. Nos últimos anos, as duas vinham cumprindo mais promessas do que o normal de qualquer seres humanos em suas vidas.

Rachel continuava tendo a casa em New York, mas passava a maior parte do tempo na Europa. Quinn oficialmente ainda morava em Berlim com Sam e a filha, mas os três mais viajavam do que ficavam em casa. Sam saíra do emprego e agora era correspondente francês de um jornal alemão na Inglaterra (Quinn o forçara a aceitar o emprego). Entre idas e vindas pela Europa, Rachel e Quinn e os outros dois Evans faziam a relação funcionar perfeitamente.

Era difícil às vezes, como em toda outra relação e, mais ainda, sendo uma relação homossexual. Quinn conversou bastante entre cartas e telefones com as melhores amigas, Brittany e Beatrice, toda vez que sentia prestes a desistir, mas Rachel não era algo tão fácil de se deixar. Quando se amava alguém como Quinn amava a namorada (Rachel a pedira em namoro em abril de 1953), o impossível se tornava possível num piscar de olhos.

Quinn terminou seu livro um pouco depois de encontrar Rachel em Paris. Como ela previra, nenhuma editora nos três países que tentou publicá-lo aceitou a história de uma garota homossexual escondendo uma judia no meio da guerra. (Rachel a ajudou com a tradução em francês — elas passaram dois meses em um quarto de hotel tentando traduzir tudo, trabalho que poderia ter facilmente sido feito em menos de um mês e meio). Na Alemanha, ela recebeu um sonoro não de cinco editoras diferentes. A mesma coisa com a Inglaterra. Na França, um ou outro se mostraram interessados, mas negaram sem motivo algum.

Foi só na Suíça que Quinn conseguiu o que queria. A editora estava bem à procura de algo impactante e que mexeria com o emocional do leitor e viu que o texto dela tinha tudo o que procuravam. Acima do assunto polêmico, seu editor queria que focassem na força de Quinn e Rachel como personagens. Não haviam feito nenhuma adaptação do texto. Não mudaram nada e, poucos meses depois, Quinn estava a caminho de Berna para o lançamento do seu amado manuscrito, junto com a família toda (exceto por Russell, que permanecia preso pelos crimes que pagara durante o Reich).

Quinn já não podia fingir que Rachel era só mais outra grande amiga que fizera em Paris. Ela preferiu contar em particular para a mãe e para a irmã antes que o livro fosse parar em suas mãos. As duas ficaram claramente chocadas com a revelação, mas pareceram aceitar muito bem o fato. Frannie, livre da doença e feliz por poder passar mais tempo com a filha, deu o primeiro abraço em Quinn em anos.

— Me desculpe — sussurrou Frannie penosamente. — Desde a infância eu tive inveja de você. Lamento muito por tudo que fiz a você nos últimos anos, em especial durante a guerra. Você não merecia isso, principalmente pelo o que me acabou de contar. Eu... estava louca, hoje aceito isso.

— Eu senti falta de ter uma irmã — admitiu Quinn.

De qualquer forma, Quinn pigarreou, chamando a atenção de todos. Seu olhar voltou para Beth, que completaria dez anos em poucos meses. Piscou para a garota e começou a falar como tivera a ideia do livro. Beth não se importava com quem a mãe namorava, ela mesma dissera a Quinn, só queria saber se ela estava feliz. Com tão pouca idade, a garota era tão perspicaz quanto a mãe na sua idade e isso não poderia deixar Quinn e Sam mais orgulhosos.

Nenhuma das pessoas que resolveram aparecer na livraria virou a cara ou jogou algo em Quinn quando ela começou a falar dos primeiros sentimentos que vieram ao conhecer Rachel. No livro, Quinn falava de Rachel com seu nome real, não Nicole Pierre, como era conhecida mundialmente. Todos sabiam que Nicole era uma grande estrela da música e do teatro, sobrevivente da guerra, mas só os amigos mais íntimos conheciam e a chamavam de Rachel.

Mesmo assim, Quinn achava que o segredo duraria pouco dependendo do sucesso de seu livro. Algum jornal de fofocas sobre famosos faria a relação com as poucas entrevistas que Rachel dava falando de seu passado com o que estava escrito no livro de Quinn.

— Eu não me importo — sussurrou Rachel na noite anterior, em um hotel cinco estrelas que a editora pagara para Quinn. — Acho que já está na hora de eu sair dessa sombra. Quero ser Rachel Berry em tempo integral. Sinto falta dela.

Os braços de Quinn puxaram Rachel para mais perto dela. A janela estava aberta e um vento frio passava por ela, mesmo sendo verão. Elas estavam nuas, cobertas apenas por um lençol, tentando aproveitar ao máximo a suíte elegante do hotel. Uma garrafa de champanhe estava na cabeceira da cama ao lado delas, mas Quinn sequer teve tempo para tirar a tampinha da bebida, tamanha era sua necessidade de ter Rachel por perto.

— Nicole não honra o sobrenome dos pais — continuou, aconchegando-se em Quinn. — Pierre é um nome francês tão comum, é uma surpresa que eles não tenham descoberto ainda.

— Talvez por ser tão simples — respondeu Quinn, beijando o pescoço de Rachel quase que automaticamente. — Por isso eles não descobrem. Por estar na cara deles.

Rachel soltou uma risadinha.

— É, talvez seja por isso.

Silêncio. Havia sempre um silêncio entre as duas, não porque não tinham mais nada a dizer, mas sim porque a conexão entre Quinn e Rachel era tão forte que palavras não bastavam.

— Sempre me lembro daquelas noites frias de novembro de 1942 — disse Rachel de repente. — Acho que nunca vou esquecê-las, na verdade.

Quinn tentou concordar com a namorada, mas a sua voz não saiu mais do que um grunhido. Ela presumiu que Rachel entendera o que dissera, por isso ela não se esforçou em falar mais nada. Também jamais esqueceria 1942. Ele ficaria na memória de Quinn até o dia em que parasse de respirar. Sempre se lembraria de Strausberg, daquele porão, de Rachel fraca e desamparada, das donas de casa, das suas melhores amigas e empregadas, do clube anti-Hitler... E agora ela tinha um livro para provar isso.

Enquanto expunha sobre as experiências que tivera em 1942, Quinn não notou Rachel e Noah, que trouxera sua família, entrando na livraria. Noah e sua família ficaram ao lado dos Hudson e Kurt, com seu namorado — ele insistia em chamá-lo de melhor amigo, Blaine Anderson, mas todo mundo sabia que havia algo a mais acontecendo entre eles.

Rachel sorriu para Quinn e piscou para ela quando seus olhos voaram em sua direção. Seu coração encheu de felicidade, pois Rachel estava lá com ela, não importava se tivesse se atrasado. Ela estava no lançamento do livro que contava a história das duas e, mais tarde, logo depois do coquetel e dos autógrafos, Quinn iria com Rachel para a sua suíte em um dos hotéis mais chiques em Berna e, de lá, bem, quem sabe, talvez para o mundo.

E era só isso que importava.


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Notas finais do capítulo

Bem, galera, por essa fic é só isso... O que vocês acharam deste enorme epílogo? Eu tentei incluir tudo, deixar o fim de todos os personagens claro e, em especial, de Rachel, Quinn e Sam (os Fabray e os Evans, em geral).
A ideia de Quinn escrever um livro sobre as duas surgiu de última hora, e eu aderi a ela por que um dos meus maiores sonhos é ver a Quinn escritora... Rachel encontrando seu lugar na Broadway também não estava em meus planos, mas assim que tive a oportunidade, usei a ideia também. (Afinal, o que é Rachel Berry sem Broadway?) Só que, antes de começar a escrever esse capítulo, antes de perguntar a vocês o que queriam para a fic, pensei seriamente em matar a Rachel por motivos de: eu nunca tinha feito algo tão dramático antes e imaginei que seria diferente, matar um personagem principal e não dar o final feliz que os leitores tanto querem, mas resolvi tomar as ideias que vocês me passaram pelos comentários do capítulo anterior e usá-las (leia-se: dar um final feliz para Faberry). E, convenhamos, não me arrependo disso. Escrever Faberry feliz é bem melhor e mais gratificante que escrever Faberry angst.
Então, uma última vez, queria agradecer a todos vocês por terem lido essa fic, apoiado ela e ter maravilhosamente aguentado as demoras nas postagens sem abandoná-las, mandar um beijo para todo mundo que está acompanhando desde o começo, outro para que pegou a fic na metade e mais um para quem ainda irá ler. Peço para que, por favor, deixem seus comentários dizendo o que acharam do epílogo, da fic em geral se der, e, bem, vejo vocês em outras fics!
Beijos e até a próxima!



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