1942 escrita por GabanaF


Capítulo 14
Capítulo XIII — Eu Amo Você


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente, como vocês estão? Eu espero que bem. Queria agradecer a todo mundo que comentou no último capítulo da fic, muito obrigada mesmo e, bem, acho que esse capítulo saiu relativamente rápido, com algumas decisões fortes tomadas para o rumo da fic, e espero que vocês gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/338626/chapter/14

Outubro de 1942

Assim que Quinn entrou em casa, ela desceu para o porão. Rachel ainda estava dormindo, mas acordou quando ouviu os passos da dona da casa. Quinn ainda segurava a carta de Sam; sua garganta estava seca e a dor de cabeça era pior que a da noite anterior.

— Você não passou a noite aqui — disse Rachel com a voz rouca.

Quinn se aproximou um passo da cama, receosa. Ela queria beijar Rachel e dizer que tudo estava bem, que a guerra tinha acabado e que elas se mudariam para uma ilha no meio do Atlântico onde ninguém poderia prendê-las por fazer o que parecia certo. Ela queria esquecer Sam, Finn, suas empregadas e Beatrice e viver só com Rachel para sempre. Se fosse corajosa o bastante, se não fosse os enormes empecilhos que cada uma das duas carregava...

— Eu fui jantar na casa de Beatrice — respondeu Quinn. Ela segurou com mais força a carta de Sam. — Acho que... acabei bebendo demais e...

A expressão de Rachel foi de surpresa para completo horror em menos de cinco segundos. Pela primeira vez em dias, ela se levantou e avançou para Quinn, que se encolheu diante da fúria da mulher.

— Não me diga que agora você está apaixonada por três pessoas, Fabray — sussurrou Rachel de mansinho.

Quinn engoliu em seco e usou toda a sua força de vontade para não fugir do porão como tinha feito na última semana. Ela respirou fundo, ignorando sua dor de cabeça, e disse claramente:

— Eu não estou apaixonada por Beatrice! Ela é só uma amiga. Eu dormi lá por que não consegui voltar para casa sozinha.

Rachel olhou para Quinn de forma ameaçadora. As duas não se mexeram por longos minutos: Rachel furiosa e Quinn assustada demais para fazer algum movimento. A carta continuava pesando na mão de Quinn, mas ela não sabia como entraria naquele assunto. Rachel estava irritada e com razão — Quinn não se desculpara pelo comportamento da última semana.

— Nós temos muito que conversar — Rachel falou, por fim quebrando a troca de olhares e voltando a sentar na cama.

O corpo de Quinn tremeu com o tom de voz da mulher. Como ela contaria que estava incrivelmente apaixonada por Rachel? Como explicaria a carta de seu marido e que Sam estaria de volta até o fim de novembro? Como ela lidaria com Sam e Rachel na mesma casa, quando um jamais poderia saber da existência do outro? Como Quinn faria aqueles mundos completamente diferentes se unirem para que ela tivesse finalmente um pouco de paz?

— Fabray, eu não sou tão ameaçadora quanto pensa — disse Rachel, e fez um aceno para que Quinn fosse sentar ao seu lado. — Sou eu que estou limitada a um porão, afinal de contas.

Quinn assentiu e sentou na cama, mas o mais distante possível de Rachel. A judia revirou os olhos e abriu um sorriso debochado. O rosto de Quinn ficou vermelho. Ela podia controlar seus pais e Sam com um simples aceno de cabeça; Quinn, assim como Rachel vivia afirmando, era muito persuasiva e nunca perdia uma discussão. Era algo de família, algo dos Fabray, uma tradição que ela e sua irmã foram aprendendo ao longo dos anos.

E mesmo assim, seu coração batia loucamente e Quinn nunca sabia o que dizer em relação aos sentimentos com Rachel Berry. Aquela judia tinha feito os sentidos de Quinn ir à loucura. Para alguém que tinha passado tanto tempo em uma posição de poder, se acostumar a ser controlada levava tempo.

Tempo que ela não teria se Sam chegasse logo e Rachel tivesse que fugir de novo de seus braços.

Como ela deixara as coisas fugirem de seu controle dessa forma? Às vezes, ela pensava o que teria acontecido com sua vida se não tivesse seguido ordens da sua mãe e não ido à cozinha naquela última noite de 1936. Se não tivesse subido ao terraço da casa do general para escapar dos pretendentes do pai. Se tivesse simplesmente mudado uma única coisa, um detalhe mínimo, da sua vida durante aquela época, ela ainda teria conhecido Rachel? Se apaixonado por ela? Ou seria outra pessoa, outro judeu, que ela esconderia? Um detalhe poderia mudar sua vida, a de Sam e a de todas ao seu redor. Pensar nisso assustava Quinn.

— Rachel, e-eu... — Quinn começou a falar, mas a porta do porão se abriu.

Hans e Evelyn entraram carregando o café da manhã para Rachel. A cor subiu pelo rosto de Hans e a outra mulher deu uma cotovelada em suas costas, chamando sua atenção. Rachel sorriu e Quinn soltou um suspiro de derrota. O que o mundo tinha contra ela para que não a deixasse admitir que se apaixonara por Rachel?

— Sra. Evans! — exclamou Evelyn surpresa, descendo as escadas e indo direto para Rachel. — Não sabíamos que a senhora já estava aqui. Podia ter dito e assim prepararíamos seu café também.

— Obrigada, mas desejava falar com Rachel primeiro — ponderou Quinn. O rosto de Hans ficou mais vermelho que antes. — Se me permitirem.

— Claro que sim, senhora — disse Hans rapidamente, puxando Evelyn. — A gente já está de saída.

Rachel, que comia sua refeição sem prestar atenção na conversa, acenou para as empregadas quando elas partiram. Quinn franziu o cenho, perguntando-se por que Hans parecia tão culpada. Na última semana, obviamente, os laços entre as três deveria ter crescido por conta da sua ausência no porão. Havia algo que as três escondiam dela, algo que fazia Hans se sentir culpada por não contar para sua patroa.

Por enquanto, Quinn não tinha planos de descobrir, mas assim que a sua situação com Rachel estivesse resolvida, ela iria ter uma conversa séria com suas empregadas.

— Está bom? — indagou Quinn apontando para a refeição. Ela não tinha reparado que seu estômago estava roncando.

Rachel assentiu e ofereceu um pouco para Quinn. Ela negou polidamente, mas a judia insistiu e no minuto seguinte, Quinn se viu dividindo a refeição mais gostosa que comera em tempos.

— Estou começando a pensar que elas preparam sua comida melhor que a minha — ela comentou quando terminou de comer, colocando o prato de lado.

Rachel riu.

— Bem, eu não escondo nada das duas, escondo?

O coração de Quinn apertou e a carta, que continuava presa em sua mão, pesou mais ainda. Rachel pareceu perceber o que tinha falado e fez menção de se desculpar, mas ela abanou a mão livre, como se o pedido fosse desnecessário. Quinn preferia não contar exatamente tudo que acontecia no porão para Hans e Evelyn — acima do que as três tinham passado juntas, a relação entre patroa e empregada continuava existindo. Rachel estava sendo irritantemente verdadeira de novo.

— Eu sinto muito — disse Quinn num suspiro só, sem olhar para Rachel. — Por eu não ter vindo aqui essa semana. Por ter fugido de você. Eu... E-estava com medo, você não pode me julgar por isso. A última vez que eu beijei alguém que não fosse o Sam foi há anos. E você é uma garota, o que tornou tudo pior. Q-quer dizer... não que você tenha tornado tudo pior, mas é o fato de você ser uma mulher... isso tornou as coisas mais complicadas. Além disso, Rachel, você está presa aqui, mesmo se fôssemos algo menos louco...

Quinn rugiu em frustração. Por que contar que estava apaixonada era tão difícil? Não tinha sido assim com Sam... Com Sam as coisas eram tão fáceis... Os dois tinham quase tudo em comum, ele sempre se dobrava para conseguir o que fizesse Quinn feliz e ela sempre o apoiava em todas as ocasiões possíveis. Eles se amavam e o relacionamento caminhava quase sem barreiras.

Porém com Rachel... Ela era imprevisível, mesmo trancada em um porão pelos últimos meses. Ela vinha com uma surpresa atrás da outra, com sorrisos e risadas que faziam as entranhas que Quinn revirarem gostosamente. Ela tinha o costume de tentar ser a melhor em tudo, assim como Quinn era antigamente. A judia era o novo e o inesperado que sempre gostou em Sam, mas que vinha em doses colossais com Rachel.

— Está tudo bem, Quinn — murmurou Rachel, chegando perto da mulher e a englobando em um abraço tranquilizador. Quinn sequer reparou que Rachel a chamara pelo seu primeiro nome ao invés do sobrenome de solteira. — É sério. Eu também fiquei com medo quando percebi que... Não há nada de errado. Está tudo bem.

Quinn se agarrou aos braços de Rachel como se eles fossem lhe dar vida. As lágrimas coçaram seus olhos e ela as permitiu sem se sentir envergonhada. A carta de Sam tinha virado uma bola de papel em sua mão, mas ela não ousaria largá-la. Era um lembrete de que a relação entre ela e Rachel estava por um fio. Acabaria logo.

Mas a dor ficaria, Quinn tinha certeza disso.

Novembro de 1942

— Sam está voltando para casa — falou Quinn com um sorriso forçado.

A boca que Finn se abriu de espanto enquanto Dieter socou o ar em plena felicidade. Ágata correu para abraçar Quinn e Wagner sorria abertamente e dava um aceno de cabeça para à mulher, cumprimentando-a pela novidade.

Estavam nos primeiros dias de novembro e o frio começava a chegar com tudo em Strausberg. Pouco mais de duas semanas tinham se passado desde que Quinn tivera sua conversa com Rachel no porão e mesmo não tendo coragem de contar a ela que Sam chegaria em pouco tempo, não podia deixar o Clube Anti-Hitler sem essa notícia.

No entanto, antes de sequer chamar Finn para convocar uma reunião, os quatro chegaram à sua casa na manhã fria do dia 4 de novembro com a notícia de que o Eixo tinha perdido uma batalha no norte da África. Dieter dissera que o território era decisivo para a moral de ambos os lados e poderia definir o rumo da guerra. Ele queria comemorar com uma garrafa de champanhe como tinham feito da última vez, mas Ágata o impediu.

— Eu não acredito! — exclamou Finn, animado. — Ele mandou uma carta? Por que nós não recebemos nenhuma coisa sobre isso no quartel... — Seu rosto murchou. — Alguma coisa deve ter acontecido para que ele saísse do front, não?

— Em tempos assim, poucos são mandados para casa a não ser que seja algo realmente grave — concordou Wagner.

Os quatro viraram seus rostos cheios de expectativas para Quinn.

— Sam disse que está com um machucado na perna. — Ela deu de ombros, sem saber o que dizer. — Não mencionou nada além disso.

Sam era altruísta demais para se preocupar com um ferimento na perna enquanto o mundo ao redor precisava de sua ajuda. Quinn temia por isso. Ela e Finn se entreolharam, apreensivos. O que poderia significar nada para Sam em meio à guerra, podia ser o fim para muitos que não estavam de fato nela.

— Se Sam não foi enviado imediatamente, pode ser que não seja tão grave. — Dieter tentou diminuir o clima tenso que se instaurara na sala de estar.

— Talvez, pelo menos uma vez, ele esteja falando a verdade — falou Ágata, apertando o ombro de Quinn com força. — Quando ele chega?

— É provável que até o fim do mês — ela respondeu, torcendo para que nenhum dos quatro quisesse ler a carta, que agora estava amassada e rasgada por conta da sua falta de controle quando estava perto de Rachel.

Quinn se perguntou se Rachel estava ouvindo tudo o que eles falavam ali, ou se estava apenas dormindo, congelando no porão sem aquecedor. O inverno estava quase ali e Quinn não podia transferir Rachel para o quarto de hóspedes para que ela não caísse doente. Seus pais queriam passar o Natal com ela e Sam, mas ela não podia simplesmente deixar Rachel ir embora.

As opções eram escassas e Quinn não tinha tempo de decidir.

O grupo discutiu por um tempo as opções que a Alemanha tinha uma vez que parte do norte da África agora pertencia aos Aliados. Wagner afirmou que a derrota do Führer estava cada vez mais próxima, lembrando que em Stalingrado, o cerco também não estava rendendo resultados otimistas. A mente de Quinn se manteve distante das discussões; ela apenas concordava quando sua atenção era chamada.

Parte de Quinn queria sair daquela casa e nunca mais voltar; viver numa colônia homossexual com Brittany e Beatrice — sem porões e judias para ocupar sua mente. Mas outra parte queria pertencer a isso, queria discutir sobre o Reich, queria amar Rachel incondicionalmente e queria poder explicar a Sam o que ela sentia. Quinn nunca fora amante das regras, de qualquer forma.

Contudo, o que ela mais queria naquele momento era descer as escadas e ir até a cama de Rachel, dizer que a amava e ficar com ela o dia todo. Quinn por pouco não expulsou Finn e os outros da sua sala. Quando eles decidiram que era hora de deixar Quinn em paz, já passava do horário do almoço e Hans e Evelyn preparavam a refeição para cinco pessoas. A única a reparar que ela não queria o grupo por perto foi Ágata.

— Eu posso fazê-los ir embora — a mulher ofereceu com olhos bondosos e um sorriso amistoso. — Se quiser ficar sozinha, é só pedir, Quinn.

Quinn negou com a cabeça.

— Estou bem, Ágata — ela reafirmou, colocando as mãos da mulher entre as suas. — Faz tempo que não nos vemos, não posso estragar a felicidade deles.

E isso era verdade. Dieter, Finn e Wagner se encontravam todos os dias no quartel, porém nenhuma palavra relacionada à amizade do Clube Anti-Hitler era dita. Seus colegas de farda sabiam que eles eram amigos de longa data assim como eram de Sam, que fora para a França; de Kurt, que sumira misteriosamente; de Franz, que era mais um corpo para Stalingrado; e de Anton, que morrera na Grécia. Ninguém entrava no grupinho deles.

— Você está certa — disse Ágata, voltando a se servir. — Mas, da próxima vez em que encontrarmos, o que deve ser logo após Sam voltar, a reunião vai ser na minha casa.

Quinn soltou um suspiro aliviado e Ágata riu. O almoço terminou e Quinn finalmente se viu livre do Clube Anti-Hitler. Ágata se desculpou sobre a bagunça que seu marido, Finn e Wagner tinham feito. Finn disse que ligaria se por acaso tivesse alguma notícia de Sam pelo quartel e que Grace estaria à espera dela na semana seguinte para mais uma reunião das donas de casa.

— Nos vemos em breve! — Wagner se despediu alegremente.

Quinn acenou de volta e fechou a porta. Ela se permitiu um sorriso mínimo. Podia finalmente passar um tempo com Rachel.

— Eu amo você — sussurrava Rachel, andando para lá e para cá no porão ao ouvir que as visitas que Quinn recebera naquela manhã estavam indo embora. — Quinn Fabray, eu amo você.

Ela quase gritou para que Quinn descesse logo para o porão e pudesse tirar aquilo do peito. Desde a conversa de duas semanas antes, Rachel vinha treinando para dizer poderosas palavras. Ela queria que fosse perfeito, mesmo sabendo que nunca poderia levar Quinn para um lugar paradisíaco e sentar para um piquenique e casualmente deixar as palavras escaparem.

— Pareço mais uma garota estúpida de colegial — Rachel murmurou para si, chutando a cama com o mínimo de sua força física. Não podia fazer barulho, certo? — Preciso ir embora. Ela está fazendo meus pensamentos irem à loucura. Eu não posso continuar aqui. Não posso.

Está frio lá fora, uma voz na sua cabeça disse. O inverno está quase aqui. Você quer morrer lá fora como não conseguiu fazer no ano passado?

— É claro que não — respondeu Rachel em voz alta. — Mas eu não posso mais ficar aqui. Já abusei demais da hospitalidade dessas mulheres. Sei como sobreviver sozinha.

Disso eu não duvido, a voz replicou. Você não conseguiu fugir em sete meses, acha mesmo que conseguirá agora?

Rachel ficou em silêncio e voltou a sentar na cama. Ela estava ficando louca dentro daquele porão. De qualquer forma, ela precisava partir. E se o marido de Quinn voltasse? E se houvesse outro bombardeio e atingisse a rua onde os Evans moravam? Quinn seria presa antes mesmo de se recuperar dos ferimentos e Rachel seria deixada pra morrer, sofrendo com qualquer machucado que se ganhava quando uma bomba caía em cima de sua casa.

Um plano, era disso que ela precisava. Uma forma de escapar de Quinn e sair viva da Alemanha, quem sabe até encontrar Noah na Inglaterra e viver feliz enquanto a guerra seguia seu curso destrutivo sobre a Europa e os judeus. Seu rosto se iluminou com um sorriso ao ver em sua cabeça as rotas seguras de fugas que tinha frequentado antes de ser capturada. Tudo tinha piorado desde então, mas não era possível que todas aquelas rotas estivessem sendo vigiadas.

Ela ficou de pé novamente, dessa vez de maneira mais confiante. Rachel conseguiria fazer isso. Ela viajara da Polônia à Alemanha só porque amava uma mulher. Ela poderia fugir da casa dos Evans e ir para um dos países neutros até que a guerra terminasse. Ela podia abandonar Quinn Fabray.

Rachel era capaz de deixar a única pessoa que ela amara verdadeiramente (de maneira não fraternal, é claro), se isso fosse garantir que as duas se veriam de novo em alguns anos. Se ela tivesse essa certeza, Rachel enfrentaria Hitler em pessoa, se fosse possível.

— Só porque uma pessoa diz adeus, não significa que ela a ama menos — recitou Rachel. O médico que a atendera no dia do acidente de seus pais havia dito isso com um grande sorriso e um pirulito nas mãos. Ela nunca tinha se esquecido daquelas palavras.

Sim, ela iria embora. Estava decidido. Mas como ela contaria para Quinn? Ela fugiria na calada da noite? Rachel deixaria uma carta explicando tudo ou ela simplesmente sairia? Não podia deixá-la sem contar a Quinn o que acontecera… Três anos na completa escuridão já bastava no relacionamento das duas.

Rachel voltou a rodar pelo porão, sem escutar barulho vindo do andar de cima. Seja lá quem tivesse estado ali, já tinha ido embora. Ela se perguntou se era o Clube Anti-Hitler com notícias da guerra. O pequeno rádio que Hans lhe dera meses antes era irremediavelmente sem conserto, o que deixava ela sem qualquer tipo de conexão com o mundo exterior que não fosse Quinn e suas empregadas.

Rachel sentia falta de ouvir música. Ela ainda podia cantar baixinho e atuar com Hans quando a mulher não estava muito ocupada, mas não era a mesma coisa. Música era uma das coisas mais importantes na vida de Rachel. Sentia falta dela como se os ritmos que não escutava há tempos fossem pessoas admiráveis. Rachel costumava ser movida por música. Assim como seus pais e Noah, Adolf Hitler tinha tirado isso dela.

Então ele te deu Quinn Fabray, a mesma voz que tinha discutido com ela minutos antes falou. Não sabe o que é melhor, certo? Fabray ou seus pais e Noah.

— Cala a boca! — exclamou Rachel, tentando manter o tom de voz baixo. Suas mãos estavam fechadas em punhos. Ela precisava aprender a controlar aqueles pensamentos.

— Vim em uma má hora? — Quinn perguntou acanhada ao entrar no porão.

Você vai fugir, Rachel pensou. Você vai deixar ela para trás e só verá ela de novo no fim da guerra. Sem sentimentalismos, Berry.

— Só conversando comigo. — Rachel abriu um sorriso forçado e indicou a cama para que ela e Quinn sentassem, como se a mulher nunca tivesse descido ao porão. — Preciso disso de vez em quando.

Quinn assentiu e olhou para Rachel como se fosse a mulher mais bonita que já conhecera. Rachel sentiu as bochechas esquentarem. Quinn nunca tinha olhado para daquela forma. Como diabos contaria a ela que fugiria, e que agora o faria com Quinn dando permissão ou não?

— Imagino que tenha muito tempo para isso — Quinn concordou com um sorriso torto. — Eu queria falar algo para você.

Rachel engoliu em seco. Ela devia ter impedido Quinn e feito algo. Devia ter dito que partiria em breve. Suas mãos começaram a tremer levemente. Que grande covarde você é, Rachel Berry, a voz em sua cabeça disse sarcástica.

— Sinta-se à vontade — ela respondeu.

Quinn pegou a mão de Rachel e a acariciou docemente, mesmo que seus olhos estivessem fixados na parede do porão. A mulher não escondia o sorriso, e Rachel começou a temer pelo o que Quinn tinha a dizer. Com a luz e a expressão sonhadora, Quinn mais parecia uma adolescente do que a mulher adulta e linda que era.

— Eu amo você, Rachel Berry — sussurrou Quinn, ainda sem olhar para a mulher ao seu lado. — Eu amo você e cada parte do meu corpo grita para que eu diga o contrário, que eu ignore você e que reverta meus pensamentos para Sam e exclusivamente Sam. Eu amo Sam, ele sempre será o meu melhor amigo, mas... eu não estou mais apaixonada por ele. Estou apaixonada por você, Rachel Berry.

Quinn riu amargamente.

— Você passou por tanto... o seu povo está passando por coisas piores... e eu tendo dificuldades de expressar o que sinto. Isso é ridículo. Há uma guerra lá fora acontecendo, pelo amor de Deus. O mundo está se destruindo aos poucos e a minha maior preocupação é ter me apaixonado por uma judia.

“Por que eu sei o que acontece. Por que eu posso ser presa e enviada a um campo de concentração e você pode ser torturada e morrer. Sam me contou isso. O Clube Anti-Hitler me ensinou isso. É tudo tão... frágil.” Quinn apertou mais a mão de Rachel contra sua. “De todas as épocas, de todas as nacionalidades, nós duas tínhamos que nascer na Alemanha nazista?

“Um detalhe... Um mínimo detalhe na minha ou na sua vida nos pouparia de tal sofrimento. Você já pensou nisso? Imagino o que teria acontecido o tempo todo. Você estaria na Inglaterra, livre da Alemanha e de Hitler. Não precisaria se esconder. Eu estaria feliz com Sam, com reuniões de donas de casa, Beatrice e o Clube Anti-Hitler...

“Então eu percebo... Eu não quero isso.” Os olhos de Quinn lacrimejavam. “Eu não iria querer entrar na cozinha no ano novo de 1936 e não ver você lá. Eu não quereria um casamento normal sem você fazendo uma reverência para mim. O que eu teria feito sem você nesses últimos meses? Nada, Rachel, nada. Porque você já está dentro de mim, antes de eu mesma perceber isso. Minha história de amor nunca foi com Sam, está acontecendo durante todos esses anos com você.”

Quinn soluçou. Por fim ela se virou para Rachel; suas bochechas estavam borradas de lágrimas e seus olhos brilhavam intensamente. Mesmo com a pouca claridade do lugar, Rachel podia ver Quinn nitidamente. Como ela podia contar à Quinn que iria partir? Depois do esforço que ela fizera para expor o que sentia de uma maneira tão crua, como Rachel ainda pensava em fugir de Strausberg?

— Eu amo você, Quinn Fabray — sussurrou Rachel, colocando as mãos no rosto de Quinn e encostando sua testa na da mulher.

Os lábios de Rachel tocaram suavemente os de Quinn, e ela sentiu o gosto salgado das lágrimas da mulher. Ao contrário do primeiro beijo, esse foi calmo e sem nenhuma bomba sendo detonada para atrapalhá-las. A felicidade dentro de Rachel era tão grande que ela não se controlou e sorriu durante o beijo. Por anos ela sonhara com isso, tantos que ela perdera a conta, mas estava acontecendo.

E não importava se ela fugiria em poucos dias. Porque era o agora que era o mais importante, porque os minutos quando ela estava beijando Quinn Fabray duravam para sempre. Por que ela era Rachel Berry e ela estava beijando Quinn Fabray e era o momento mais feliz da sua vida e era por isso que era importante: por que a tristeza viria em minutos, horas ou, se ela fosse sortuda, dias.

Era meados de novembro e a neve já caía em Strausberg. O inverno chegara um mês antes e Quinn sentia o frio em seus ossos toda vez que entrava no porão ou saía de casa, mesmo usando uma quantidade significativa de roupas quentes. Os casacos que um dia pertenceram a uma Quinn adolescente ficaram para Rachel, mesmo a mulher afirmando que não precisava.

Dois dias depois das declarações de amor, Rachel contou que planejara ir embora. Ela esperava que Quinn ficasse com raiva dela, mas a mulher confessou que precisava tirar Rachel dali o mais rápido possível, uma vez que Sam estaria voltando em questão de dias.

— Uma escondendo um segredo da outra que nos levaria ao mesmo lugar. — Rachel soltou uma risada rouca. — Somos perfeitas uma para outra.

Quinn não queria pensar na angústia que escutara na voz de Rachel. Só o que ela queria era deitar junto da mulher que mudara sua vida e permanecer em paz até que a guerra terminasse. Foi assim que os dias vagarosamente passaram para as duas: deitadas na cama de solteiro de Rachel, se aquecendo com o calor do corpo da outra, em completo silêncio. Nem Hans ou Evelyn desciam ao porão sem a permissão de Quinn, para evitar encontros embaraçosos.

E havia os beijos. Ah, os beijos que preenchiam os pensamentos de Quinn quando ela não estava com Rachel. Que espantava o frio mais que cinco casacos juntos. Eram sempre tão cheios de ardor e desespero, exatamente o que as duas sentiram falta nos últimos anos. Era como se elas quisessem recuperar os anos e as oportunidades perdidas no pouco tempo que teriam juntas.

Três vezes, os beijos evoluíram para algo mais. A culpa consumou Quinn após a primeira vez, e ela passou as horas seguintes chorando. Nada que Rachel fizesse a deixou de murmurar desculpas para Sam e seus pais e até sua sobrinha. Quinn não conseguiu dormir com Rachel naquela noite. Ficou acordada durante a madrugada, pensando no que fizera, em como fizera, e por que fizera.

No mundo real, Quinn seria considerada uma traidora, seria julgada pela Alemanha toda e acabaria em um campo de concentração. Contudo, para ela, ter ficado com Rachel daquela forma pareceu certo. Do mesmo jeito que tinha sido com Sam pela primeira vez anos antes. Estava apaixonada por ele naquela época, e agora estava por Rachel. Como ela reconheceu na manhã seguinte, era um ato de amor e não devia ser da importância de ninguém que não estivesse envolvido.

— Eu amo você, Rachel Berry — ela se pegava sussurrando quase todos os minutos, fosse perto de Rachel ou em uma conversa com Finn pelo telefone. Ela quase sempre sorria quando percebia o quão harmonioso era o som das palavras em sua voz.

Olhando para trás, aquela foi a semana mais feliz da vida de Quinn. Ela e Rachel finalmente tiveram um tempo somente para as duas, como se estivessem de férias da guerra e da perseguição alemã. Elas estavam em uma bolha só delas, onde nem Sam e Hitler não podiam interferir. Uma semana pareceu compensar os anos de encontros e desencontros.

Era uma tarde fria de meados de novembro e Quinn se esquentava contra o corpo de Rachel. Elas estavam tão grudadas que pareciam que iam se fundir a qualquer momento. Quinn pedira para que as empregadas não descessem, a não ser que Finn ou Beatrice batessem à sua porta. É claro que, com a falta de sorte que rondava a Alemanha no final de 1942, os últimos momentos que ela tivera com Rachel Berry foram exatamente aqueles.

— Sra. Evans! Venha até aqui, por favor! — exclamou Hans lá do andar de cima, parecendo desesperada.

Ela franziu o cenho e se perguntou por que Hans não tinha simplesmente não tinha descido até o porão para informar o que estava acontecendo. Se fosse algo grave, a empregada com certeza o faria.

— Pode ir. — Rachel empurrou Quinn gentilmente para que se levantasse. — Vou ficar esperando aqui.

Quinn se embrulhou num casaco e beijou a testa de Rachel, mas antes de se afastar, a mulher puxou-a de volta e beijou seus lábios com ternura. Ela abriu um sorriso saudoso enquanto Quinn subia as escadas do porão.

— Eu amo você, Rachel Berry — repetiu Quinn ao sair do cômodo.

Hans estava na sala com mais uma pessoa. Ela sorria constrangida e seus olhos brilhavam de aflição. Quinn não prestou atenção na pessoa ao lado da sua empregada e quase ralhou com ela por interromper a tarde gloriosa com Rachel. A empregada arregalou os olhos desesperadamente e acenou com a cabeça para a pessoa ao seu lado e Quinn por fim compreendeu sua agonia.

— Olá, Quinn — cumprimentou Sam educadamente, usando uma muleta embaixo de um dos braços e uma bandagem em volta de sua cabeça. — Eu senti sua falta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que vocês acharam? Como eu disse a alguns meses atrás, essa fic seguiria os meses de 1942 e, como estamos em novembro já, isso significa que a fic também está no fim. Creio que só teremos mais um capítulo e um epílogo (ou dois, ainda não decidi direito) e, pronto. Acredite, estou tristíssima com isso, por que sempre foi um projeto que eu quis fazer, em um período histórico que eu adoro - e também para provar pra alguns amigos meus que sim, é possível colocar Faberry em qualquer lugar que sempre vai dar certo KKKKK
Enfim, deixem seus reviews comentando sobre o capítulo, o que acharam, sugestões e/ou xingamentos, que eles sempre serão bem-vindos! Um beijão pra vocês e vejo vocês no próximo capítulo!
PS: A batalha que eles mencionam é a Segunda Batalha de El Alamein, que aconteceu no Egito e foi um conflito decisivo para a vitória dos Aliados na guerra.
PS²: Eu criei uma playlist das músicas que meio que me inspiram enquanto eu estou escrevendo a fic e publiquei no 8tracks. O link está na página inicial da fic e quem quiser, é só ouvir :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "1942" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.