1942 escrita por GabanaF


Capítulo 12
Capítulo XI — Bombardeio


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente, como vocês estão? Espero que bem, e que estejam dispostos a me perdoar pela demora do capítulo, por que neste capítulo tem algo que vocês estão querendo e esperando a meses! Queria muito agradecer a todo mundo que vem comentando nos capítulos anteriores, que superam a demora louca da autora (não é culpa minha, vocês já sabem), e, bem, espero que vocês gostem do capítulo de hoje, que eu escrevi com muito carinho para todos vocês :)



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Agosto de 1942

Quinn tentou se distrair com absolutamente tudo na primeira semana: evitou ir visitar Rachel, foi às reuniões das donas de casa de Strausberg, conversou com Beatrice (sua possível arquiinimiga), conseguiu até fazer Finn levá-la ao quartel onde Sam trabalhava para pegar alguns dos pertences do marido — que eram na verdade de Rachel —, mas nada dava certo.

Ela ainda ia para a cama toda noite pensando em Rachel, em como seus sentimentos confusos se tornaram tão resolutos tão logo percebeu que Rachel corria, sim, perigo ao ficar perto dela. Por que a estória não era mais sobre uma alemã escondendo uma judia. Era sobre uma alemã que se apaixonara por uma judia ao escondê-la em plena guerra.

Era errado. Era nojento. Era desprezível. O que os perfeitos Fabray iriam fazer ao descobrir que sua filha gostava de uma judia suja que escondera em seu porão por meses? O que o grande Russell Fabray responderia aos seus sócios se por acaso eles perguntassem onde sua filha mais nova estava passando as férias de inverno, sem o marido? Ela sentia um arrepio subir por sua coluna toda vez que pensava nisso.

Quinn estava colocando sua família toda em risco quando percebeu estar apaixonada por Rachel. Ela os levaria à falência, a um campo de concentração, e possivelmente à morte. Quinn não podia fazer isso, mesmo que seu pai fosse um bitolado obcecado pelo governo de Hitler. Frannie e Chloë... Deus, Quinn sequer queria pensar nas duas, em sua mãe muito menos. Ela não poderia liderá-los a uma vida de miséria.

Entretanto, o arrependimento doía mais toda vez que sua mente fazia o círculo completo das pessoas mais importantes da sua vida e voltava para Sam. Seu Sam, seu marido, seu companheiro de muitas loucuras durante todos esses anos... Ela ainda o amava. Ela ainda o queria ao seu lado, mas o sentimento nos últimos meses passou a ser tão mínimo que Quinn sinceramente não importaria em não vê-lo até o fim da guerra. Ela sentia uma falta louca dele, mas Rachel... A judia não era uma substituta para o amor que sentia por Sam.

Eram dois amores, completamente diferentes, Quinn percebeu em algum ponto da segunda semana de agosto, quase um mês depois do surto de Rachel. E Brittany tinha avisado a ela antes de se casar. O que ela sentia por Sam era algo completamente fraternal, porém o sentimento que tinha por Rachel parecia ser infinito. Puro e simples — não tão simples assim —, que funcionaria sem muitas complicações se elas fossem de algum futuro distante onde não existiria essa estupidez de divisão de raças ou homofobia.

De qualquer forma, Quinn estava observando Evelyn lavar a louça e sua mente voava para os poucos momentos que tivera com Rachel naquela última semana. Mesmo tentando manter distância dela, era praticamente impossível, já que a casa era sua e tinha sido Quinn que tivera a estúpida ideia de abrir a porta naquela madrugada de abril. Hans e Evelyn eram legais e gentis com Rachel, no entanto o papel era de Quinn de confortá-la e convencê-la a contar um pouco da sua vida.

Uma vez que Quinn decidira por jogar todos os seus sentimentos no lixo e fingir que nada estava acontecendo, as duas continuaram com as demonstrações de afeto que cada dia ganhava mais espaço. Quinn dormira duas noites seguidas no porão enquanto Rachel se enroscava em seus braços e dormia serenamente, algo que, de acordo com a própria Rachel, não acontecia desde a época que seus pais estavam vivos.

— Sra. Evans? — chamou Evelyn, sacudindo seu ombro. — Sra. Evans, eu acho que você precisa prestar atenção ao rádio.

Quinn piscou, assustando com a proximidade da empregada. Ela assentiu e se aprumou na cadeira, sentindo o olhar de Evelyn nela e tentando ouvir o que o locutor dizia.

E mais uma vez para os que ligaram o rádio neste momento: a polícia de Strausberg junto com a SS estará fazendo uma inspeção nos porões de cada uma das casas na cidade para a prevenção contra bombardeios dos Aliados. A seguir segue a lista dos bairros da cidade que serão inspecionados primeiro e as datas de cada inspeção.

As entranhas de Quinn se reviraram quando ela ouviu o seu bairro ser nomeado o segundo que deveria ser inspecionado pela SS, dali a uma semana. Ela engoliu em seco e olhou para Evelyn, que tinha no rosto uma expressão tão preocupada quanto à dela.

Quinn tinha que inventar um plano rápido ou senão as quatro estariam a caminho de um campo de concentração antes do fim do mês.

***

— Bom, se você precisava de um ultimato, eu acho que é esse — disse Rachel seriamente, evitando olhar para Quinn. — Vou ter que ir embora.

Quinn revirou os olhos. Se ela tivesse mais uma daquelas discussões com Rachel, a sua cabeça iria explodir. Tinha acabado de explicar à Rachel que a SS realizaria inspeções em todas as casas da cidade, que o bairro onde moravam seria o segundo a ser revistado e que provavelmente as duas seriam pegas e jogadas em um camburão em direção a um campo de concentração qualquer, junto com Hans e Evelyn. E que morreriam em alguns meses. Nada demais para um agosto no meio da guerra.

— Quantos meses você está aqui e ninguém pegou você? — argumentou Quinn com a sobrancelha erguida. — Nem mês passado quando você, bem…

— Pode dizer que enlouqueci, Fabray — falou Rachel com um sorrisinho.

— Exatamente. Ninguém te ouviu. Ninguém comentou nada. Rachel, nós já passamos por muito, e nós vamos conseguir passar por essa também, confie em mim.

Rachel cruzou os braços contra o peito e se recusou a olhar para Quinn. Não era como ela não estivesse acostumada a isso. Rachel adquirira o irritante hábito de não responder Quinn quando a situação era de extrema importância. Era como se tivessem cinco anos de idade, agindo de forma infantil. Quinn deveria lembrar a Rachel que eram tempos de guerra, que ela não poderia sair brincando por aí, mas, bem, Rachel não saía e raramente brincava. Quinn apenas decidiu dar a ela o espaço para fazer isso.

Principalmente por que Rachel ficava bonitinha quando fazia bico.

Quinn tentou tirar esses pensamentos da cabeça, porém era impossível. Quanto mais perto ficava de Rachel, mais ela tinha vontade de tomá-la em seus braços e beijá-la. Esse sentimento era tão irritante quanto Rachel.

Ela não reparara antes, mas o cabelo de Rachel crescera bastante desde que ela tinha se mudado para o porão. Rachel, como todas as outras mulheres dos campos de concentração, tivera que raspar o cabelo assim que chegara. Sem o sofrimento e o trabalho forçado, e também sem a comida horrorosa dos campos, Rachel engordara e as bochechas, que antes eram encovadas e caídas, estavam rosadas e cheias. Nas últimas semanas, Quinn inclusive vira Rachel dar uma gostosa risada de uma piada que Hans contara. Ver Rachel alegre deixava Quinn tão feliz que seu coração doía.

— Você tem um plano? — Rachel perguntou, virando-se para Quinn de repente. Sua expressão era de determinação.

— Ah… — gaguejou. Ela não tinha pensado nisso. Teria a SS batendo na sua porta em uma semana e nem pensara em um plano para proteger sua judia. — Bem, não.

Rachel respirou fundo e fechou os olhos. Quinn podia sentir que a mulher estava lhe xingando mentalmente, mas ela não iria dar o braço a torcer. Estava apaixonada por Rachel, mas ela continuava sendo Quinn Fabray.

— Rachel, olha pra mim — ela disse com o tom de voz que soou mandão demais, até para ela. — Temos duas semanas para descobrir o que nós vamos fazer. Você não vai embora. Já perdi a conta de quantas vezes disse isso, mas eu vou…

— Me proteger, é, eu sei — completou Rachel, apertando a mão de Quinn. — Eu nunca duvidei disso, Fabray.

Quinn suspirou. Rachel ainda a chamava pelo sobrenome. O que custaria para a garota se ela demonstrasse um pouco de confiança? Quinn sabia que Rachel era desconfiada, mas as duas estavam juntas fazia meses. Sentia-se um pouco decepcionada por não conseguir fazer com que a mulher confiasse nela plenamente.

Ela sentou no colchão de Rachel e a abraçou automaticamente, tentando esquecer o mundo lá fora, a vida de merda que tinha, o sofrimento que Rachel contara durante esses meses. Enquanto abraçava Rachel, tudo isso desaparecia, virava poeira, por que era só Quinn e Rachel, um mundo só delas, e nada mais importava.

***

Quinn ouviu algumas batidas na porta. Ela engoliu em seco e assentiu quando Hans disse que atenderia. As três estavam nervosas, mas felizmente ninguém de fora repararia nisso.

Ninguém iria perceber. Era nisso que Quinn estava apostando. Sua vida dependia disso — junto com a de Rachel e as de suas empregadas. Elas sairiam vivas dessa, era a única coisa que Quinn pensava desde a noite anterior, quando recebera o telefonema do quartel informando que a SS estaria ali na próxima tarde.

— Sra. Evans? — perguntou um dos soldados assim que Hans os permitiu entrar. Eram três. Quinn tentou entender por que Hitler tinha tantos homens para fazer uma faxina nos porões das casas enquanto seu exército sofria perdas e mais perdas no front. — Sou o sargento Boher. Esses são os soldados Kennet e Bohr.

— Você é parente do cientista? — indagou Quinn imediatamente. Seu medo foi substituído pela surpresa.

O sargento e os soldados riram. Hans, atrás dos militares, sufocou uma risada. Quinn sentiu o rosto ficar vermelho.

— Infelizmente, não, moça — o soldado respondeu, seu tom deixando claro que já respondera aquilo várias vezes. — A vida seria mais fácil se eu fosse.

Boher bateu nas costas do companheiro simpaticamente.

— Não fique triste, rapaz. Um dia você vai conseguir o que quer.

Quinn ficou se perguntando o que Bohr desejava, mas imaginou que seria rude demais questioná-lo mais uma vez. Sacudiu os ombros e apontou o porão para os militares. Ela tentou parecer animada com a visita, conversando com os soldados enquanto Boher revistava o cômodo, mas suas mãos tremiam dentro dos bolsos do vestido que usava.

Evelyn perguntou aos militares se eles queriam biscoitos com café, como o planejado. Somente Kennet aceitou. Quinn se surpreendeu ao ver Evelyn tão calma e no controle de tudo — basicamente o que Quinn deveria estar fazendo, ao invés de ficar escondendo suas mãos, cheias de tremeliques. Aquilo era tão estúpido. Quinn não via a hora de aqueles homens saírem de sua casa.

Boher olhava cada pequena coisa dentro do porão. Mediu sua altura, seu comprimento, andou para lá e para cá e tentou “suportar” o peso do cômodo em suas mãos, uma brincadeira que divertiu seus comandados. Evelyn saiu minutos depois, deixando Quinn à soleira do porão sozinha com os militares.

Quinn os observou conversando entre si em alguma espécie de código e ela de repente sentiu falta do companheirismo que costumava rondar sua casa quando Sam, Finn e Kurt ainda estavam todos em Strausberg. Mesmo com sua crescente amizade com Finn e a possível reunião do Clube Anti-Hitler no mês seguinte, era impossível não sentir falta da época em que não havia guerra para separá-los.

— Seu porão é muito bem cuidado, Sra. Evans — avaliou Boher minutos mais tarde. Ele se postou na frente da mulher, com os soldados ao seu lado. — Tem uma boa profundidade, o que vai ser bom se por acaso os ingleses quiserem jogar bombas aqui em Strausberg. Mas não poderá abrigar nenhuma pessoa, a não ser, talvez, suas empregadas. Vou assinalá-lo como um abrigo de número 4.

Quinn assentiu, deixando que os militares passassem para o corredor. Ela já poderia respirar aliviada? Sem visitas na hora dos bombardeios. Não haveria ninguém para proteger a exceção dela mesma e Rachel. Claro, e Hans e Evelyn. Nunca tinha ficado tão feliz por seu pai não ter comprado a casa com um porão gigante.

— Vamos, rapazes, ainda tem muito que ver — disse Boher, agradecendo Quinn com a cabeça. Ela sorriu para eles e apertou a mão de cada um, rezando para que não estivesse tremendo como antes.

— Bela bandeira que você tem ali — elogiou Kennet, apontando para uma bandeira enorme vermelha com a suástica no meio. Ela estava meio que presa, meio que solta na parede do porão, seu vermelho-sangue destacando acima de todos os tons de cinzas que preenchiam o local.

— Obrigada — falou ela, tentando manter o sorriso, mas sentindo como se o ar em sua volta fosse esmagá-la.

Será que Kennet percebera? Se sim, será que o soldado contaria para seus superiores? Que plano horrível, que plano horrível. O pensamento se repetiu na cabeça de Quinn até que os três militares saíssem de sua casa. Kennet lançou a ela um sorriso galanteador antes de sair. Quinn sentiu a cabeça girar.

Ele sabe, ele sabe!

Não, é impossível!

Se você tivesse colocado a judia no quarto de hóspedes como Hans tinha sugerido, nada disso teria acontecido!

Eu sou uma idiota, uma estúpida!

Rachel estava embaixo daquela bandeira. Tinha sido uma ideia de última hora de Quinn, arranjar algo tão grande que encobrisse a cama inteira dela com a mulher junto. Rachel não devia se mexer, sequer respirar, durante a visita dos soldados. Ela estava contando com a experiência de Rachel em se esconder nos locais mais inusitados para não ser pega.

Aparentemente, o plano tinha sido um desastre completo. Quinn sentou-se no sofá e bateu com a mão na cabeça repetidas vezes, chamando a si mesma de todos os palavrões que conseguira aprender em seus vinte e seis anos de vida. Rachel estaria longe dela em poucos minutos, se Kennet tivesse notado algum movimento da mulher embaixo da bandeira.

— Estúpida, estúpida! — Quinn disse baixinho, não ouvindo os passos de alguma das empregadas se aproximando.

— Sra. Evans? — Era Evelyn. Sua voz tremia. — Tudo bem?

Quinn levantou a cabeça e prendeu os braços embaixo das nádegas, com medo de voltar a se espancar. Tentou abrir um sorriso, mas só conseguiu soltar um suspiro de derrota.

— E se não deu certo? — ela indagou com os olhos desfocados na direção de Evelyn. — E se eu fui uma completa idiota por não ir com o plano de Hans?

— Sra. Evans, Rachel está bem — respondeu Evelyn, sentando-se ao lado de Quinn no sofá. Não era comum essa proximidade entre patroa e empregada, mas por tanto que as duas tinham passado junto com Quinn, imaginou que isso sequer importava mais. — Está tudo bem com ela, lhe garanto. Ela disse que não sentiu nada. Foi um comentário.

Quinn assentiu fragilmente, encostando a cabeça na parede. Pediu para que Evelyn a deixasse sozinha. Disse que visitaria Rachel mais tarde. Ela ficou na mesma posição por longos minutos, se perdendo em seus pensamentos.

Se Rachel fosse embora, ela não sabia se conseguiria viver com o remorso de jamais ter contado à judia que a amava. Se Rachel fosse embora, Quinn sabia que a mulher morreria, seja de inanição ou em um campo de concentração. Ela não sobreviveria muito tempo, mesmo que Quinn acreditasse nela com todas as suas forças. Não iria dar certo. A opção mais segura para Rachel — e para o bem psicológico de Quinn — era que ela ficasse.

De qualquer maneira, ela teria que confrontar Rachel mais cedo ou mais tarde sobre seus sentimentos. Não era estupidez o que sentia: Quinn realmente amava Rachel, não importava o que todo mundo na maldita Alemanha nazista em que vivia pensasse. Ela amava Rachel e queria vê-la em outra ocasião, talvez no verão com um vestido solto e o cabelo castanho grande de novo, num parque da maravilhosa Berlim antes da guerra, observando o sol brilhar nos castanhos dos olhos dela, escutando-a cantar qualquer canção judia enquanto dividiam um sanduíche. Parecia perfeito.

Quinn adormeceu no sofá com essa imagem na mente.

***

Quinn ouviu os procedimentos para o caso de um bombardeio tantas vezes nas rádios de Strausberg que já tinha decorado tudo o que deveria fazer, e, contudo, quando as bombas chegaram de fato, ela não teve ideia de como se portar.

Era início de setembro. Os dias eram quentes e as noites mais ainda. Ela desejava tirar Rachel do porão para um passeio pela casa, ver como, mesmo com o calor e a guerra, a Alemanha continuava bonita no final do verão. Rachel não via a luz do dia há meses, a não ser por alguns feixes de luz que passavam pelas tábuas mal pregadas nas janelas.

Porém não podia. A cada vez que olhava pela janela, ela via mais militares tomando conta das ruas da cidade. A Alemanha estava em estado de sítio, e os Aliados podiam atacar a qualquer momento. Felizmente, desde a visita de Boher e seus soldados, Quinn não tinha recebido nenhum militar desconhecido na sua casa, duas semanas antes do bombardeio. Nenhuma intimação, nada. Ela tinha surtado sem necessidade. Kennet não notara nenhuma movimentação embaixo da bandeira nazista.

No dia em que as bombas caíram em Strausberg, Hans e Evelyn haviam ido visitar algum tio em comum que tinham em Munique. O tio acidentara-se na guerra e estava de volta do front, mas precisava de alguém para buscá-lo. Quinn não pensou duas vezes em liberar as duas: desde que Rachel chegara, nenhuma das duas tinham tido alguma folga. Liberou-as por uma semana.

Quinn teria um tempo completamente sozinha com Rachel. Queria isso. Ela queria contar a Rachel que estava apaixonada por ela. Suas empregadas não poderiam estar escutando atrás da porta quando contasse isso à judia. Deveria ser um momento só delas, assim como tinha sido quatro anos antes na festa de seu casamento.

De qualquer maneira, a sirene se fez ouvir pela rua toda um pouco depois da meia-noite. Quinn dormia em seu quarto depois de uma semana com Rachel. Disse a si mesma que dormiria sem sonhos, que a mesma coisa aconteceria com Rachel, e que as duas se encontrariam no dia seguinte dispostas a contar os seus sentimentos em relação uma a outra (não que Quinn estivesse esperando que Rachel retribuísse seus sentimentos).

Ela se levantou rapidamente enquanto a sirene ecoava por seus ouvidos. Olhou de relance para a rua e observou seus vizinhos correndo de um lado para o outro, com as expressões em pânico. Quinn ficou agradecida por não precisar emprestar seu porão a ninguém, pois assim evitava olhos curiosos e a chance de Rachel ser pega.

A sirene tocou mais uma vez, advertindo que os aviões ingleses estavam próximos. Três toques significaria um ataque violento, de acordo com o rádio. A mulher engoliu em seco. De tantas cidades importantes na vasta Alemanha, por que Strausberg tinha que ser justo a primeira?

Antes de entrar no porão, Quinn respirou fundo e olhou ao redor. Talvez em alguns minutos, sua casa seria destruída. Em poucos minutos, alguém seria morto por bombas inglesas e o governo de Hitler usaria isso para incitar o ódio contra os Aliados. O povo apoiaria ataques aéreos na Inglaterra, o que levaria o povo daquele país a odiar os alemães. A bola de neve iria seguir sem rumo, cada dia crescendo mais, sem precedentes.

Como essa guerra é estúpida, pensou, encostando a mão no batente da porta e sentindo a respiração ficar rápida. Suas mãos suavam e tremiam. Quinn não estranhou o silêncio que se fez após alguns minutos. Todos estavam no seus porões, esperando as bombas caírem nas suas cabeças. E ela ali, prestes a entrar no seu porão, mas pensando na guerra e em seus atos ridículos. Sam iria rir da sua expressão de pânico que não era causada pelo bombardeio iminente.

— Quinn! — exclamou Rachel em tom urgente, abrindo a porta do porão e puxando a mulher para dentro. — Você ficou louca? Bombas estão prestes a...

Antes que Rachel pudesse completar a frase, um choque percorreu todo o chão do porão, jogando-as escada a baixo. Quinn caiu em cima de Rachel, sem saber o que fazer. Ela com certeza aproveitaria das circunstâncias duas horas antes, mas seu humor não era um dos melhores.

Quinn ainda pensava na guerra e em suas consequências. Ainda via Sam sofrendo aqueles sacolejos todos os dias, a milhares de quilômetros de distância. Imaginou o que Anton deveria ter sentido ao viver por tanto tempo dentro de Atenas com as bombas alemãs e Aliadas o perseguindo. Ela sequer via Rachel na sua frente. Estava se sentindo vazia, como nunca tinha se sentido antes.

Quinn ouvia sobre a guerra todos os dias, discutia sobre ela abertamente com Finn e Rachel o tempo todo, mas nunca fora atingida tão diretamente por ela como agora. Ela não tinha conhecimento de campo, de nada. Ela não sabia como reagir diante da situação, não sabia como protegeria Rachel nem como se salvaria se por acaso sua casa ficasse em ruínas.

Quinn Fabray era um nada.

— Quinn! — ela ouviu Rachel falando em seu ouvido, um sussurro calmo demais para alguém que estava prensada sob o peso de uma pessoa. — Tem um bombardeio acontecendo! Levante-se, por favor! Eu sei o que fazer, me escute!

Lentamente, Quinn piscou e focou seu olhar na judia em que estava em cima.

— Morte… — ela balbuciou grosseiramente.

— Sim, Quinn, é isso o que vai acontecer se você não sair de cima de mim! — retrucou Rachel, empurrando Quinn com toda a força que tinha e a jogando para o lado.

Quinn bateu em uma prateleira, que quase caiu com o impacto. Por sorte, a mulher se recuperou rapidamente e levantou-se. Ela olhou para Rachel, que ainda estava no chão, assustada com o que acabara de fazer, e sorriu.

Porque estava sorrindo, Quinn não tinha ideia. Talvez sua próxima sessão de surto fosse rir até alguém achá-la encolhida no canto mais escuro do porão, chorando. Não teve tempo de pensar nisso, no entanto, pois o porão estremeceu novamente, dessa vez com mais força que antes.

A prateleira que não caíra segundos antes se virou com tudo. Ela segurou um grito de horror ao ver Rachel se esgueirando para longe da prateleira com a perna sangrando. Não era um corte profundo, mas aquilo fez Quinn acordar de qualquer surto que seu corpo preparara para uma situação daquelas. Qualquer coisa aos seus olhos parecia dez vezes pior do que a realidade.

— Rachel! — sussurrou alarmada, correndo até a amiga. Ela a levou para a cama, sentindo outro tremor percorrer o porão. Por sorte, nada mais caiu. — Isso não me parece bom.

Rachel revirou os olhos. Seu tom carrancudo estava de volta:

— Fabray, isso não é nada. Não se preocupe comigo. É com você com quem precisa se preocupar. — Quinn franziu o cenho. — Não pode surtar, ok? Eu sei disso mais do que todo mundo. Você ouviu os programas da rádio, decorou eles inclusive, e precisa segui-los estritamente. É preciso ter… — Outro tremor, mais fraco. — É preciso ter sangue-frio. Achei que você tivesse disso aos montes.

Quinn tentou não ver aquilo como um insulto. Rachel tendia a dizer o que pensava sempre que estava nervosa. Quinn também sabia que era uma covarde, pelo menos comparada ao que Rachel tinha passado, embora não precisasse ser lembrada disso.

Ela esperou o cômodo se sacudir novamente antes de dizer:

— Rachel Berry, você é a mulher mais irritante que eu já conheci. — Ela viu Rachel esconder um sorriso e continuou: — Por que você é a única que me vê de verdade. Você é a única pessoa que enxerga minhas fraquezas. Nem minha mãe ou meu marido saberiam dizer isso de mim.

Quase não se via nada no porão, mas Quinn estava tão próxima de Rachel que pôde sentir seu rosto ficar quente com o elogio. Ela nunca tinha ficado tão perto de uma mulher assim antes. Nem com Brittany, sua melhor amiga desde a infância, ela tinha essa intimidade. Quinn se perguntou por que era errado amar Rachel Berry se esse sentimento proporcionava uma proximidade tão boa com a mulher.

Quinn respirou fundo. Esse deveria ser o momento em que diria a Rachel que a amava. Se alguma daquelas bombas caíssem em cima da sua casa, Quinn queria morrer nos braços da mulher que amava, dizendo tais palavras a ela.

— Rachel, eu… — Quinn começou a falar, porém foi interrompida por um estrondo enorme que fez o cômodo inteiro sacudir violentamente.

As palavras não seriam o suficiente para que Quinn demonstrasse o que estava sentindo por Rachel, e se o mundo fosse acabar naquela noite mesmo, ela queria experimentar algo que Brittany tinha falado a ela na noite antes de seu casamento. Como seria beijar Rachel? Como ela reagiria ao beijo? Como Quinn se portaria beijando outra pessoa que não fosse Sam pela primeira vez em anos?

— E-eu... — ela gaguejou, se irritando com a sua falta de prática para algo daquele tipo. Quinn Fabray era uma mulher de vinte e seis anos que nunca se interessou em cortejar alguém. Também não teria ideia nenhuma de como fazer isso durante um bombardeio inglês.

Mesmo com a pouca luz, Quinn podia ver os olhos de Rachel brilhando de expectativa. Será que Rachel também nutria os mesmos sentimentos que ela? O que Rachel estava pensando naquele momento? O que Rachel queria que Quinn dissesse a ela? O coração de Quinn foi parar na garganta — estava com medo de estragar tudo. O que aconteceria se beijasse Rachel para depois descobrir que o sentimento não era recíproco? O que ela faria?

— Fabray, se você não falar logo o que quer e nós morrermos aqui sem eu saber o que você queria dizer, juro que vou...

Quinn não deixou que a mulher terminasse a frase: inclinou seu rosto na direção do de Rachel, fechou os olhos e a beijou nos lábios suavemente. Rachel não tentou se soltar, o que ela achou um grande passo, e sim prolongou o beijo quando Quinn quis tirar um momento para respirar.

Rachel a aceitara, e Quinn não se sentia tão feliz a muito tempo.

Mesmo com o mundo se destruindo do lado de fora do porão; mesmo que Quinn tivesse um marido que a amava incondicionalmente; mesmo que seu pai provavelmente fosse o primeiro a persegui-la e colocá-la numa fogueira por um pecado inexistente, Quinn teve certeza de que aquele beijo fora o melhor de toda a sua vida.


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Notas finais do capítulo

O que vocês acharam do primeiro beijo das garotas? Espero que tenha agradado a vocês, por que eu gostei muito de escrever. Sempre curti muito esse Faberry tímido e demorado para acontecer e espero ter correspondido a expectativas dos leitores. Por isso, se vocês gostaram ou não, deixem seus reviews com suas opiniões, sugestões, críticas e/ou elogios que eles sempre serão bem-vindos!
Um beijão para quem leu e até o próximo capítulo :D



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