1942 escrita por GabanaF


Capítulo 11
Capítulo X — Stalingrado


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo, eu espero que vocês não queiram me matar pela demora desse capítulo, ok? E eu não desisti da fic, gente!!! Mas enfim, olá galera, como vocês estão? Espero que bem. Os motivos da demora são sempre os mesmos: faculdade, falta de imaginação e afins. Porém, eu prometo que serei mais presente aqui, e vou tentar ao máximo intercalar os capítulos dessa fic com a outra que estou escrevendo, para que eu possa postar pelo menos a cada duas semanas.
Eu agradeço a todo mundo que comentou nos últimos capítulos, que estão acompanhando assiduamente a fic, muito obrigada mesmo por tudo, galera, e, bem, vou deixar vocês com esse capítulo, que vai ter algumas surpresas :)



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Julho de 1942

— É melhor que isso seja bom — disse Dieter assim que entrou na casa de Quinn, passando como um raio pela mulher sem cumprimentá-la.

— Peço desculpas, Quinn — Ágata falou ao ficar de frente com a garota. Ela tinha um olhar triste no rosto. — Você sabe o que está acontecendo...

Quinn suspirou e assentiu. Ela ouvira no rádio no dia anterior que o cerco de Stalingrado iria dar início naquele dia. Coincidentemente, Finn marcara a reunião do clube anti-Hitler para aquele dia. Quinn sequer tinha ideia de como seus amigos arranjaram tempo e nervos para visitá-la.

— Eu sei. — Ela abraçou Ágata rapidamente, antes de segui-la para a sala de estar, onde Finn, Wagner e Dieter as esperavam, agitados.

Ela não podia colocar em palavras o quanto estava feliz em ver os outros membros do clube juntos em sua sala depois de tanto tempo. Finn cumprira sua promessa em menos de uma semana, o que significava que ela tinha que ir ao encontro das donas de casa, mulheres de militares, de Strausberg na semana seguinte, mas Quinn não se importava.

— Você escolheu um maldito dia para esse reencontro, Quinn — Dieter disse com um sorriso arrogante. Ele apontou para o rádio enorme ao seu lado. — Posso?

Dieter não esperou resposta e ligou o aparelho sem permissão. Quinn e Finn se entreolharam, preocupados. Dieter sempre fora muito impulsivo, mas pelo jeito a guerra havia piorado essa característica. Ágata apenas lançou um olhar de desculpa à Quinn.

O Führer anunciou que o cerco à Stalingrado começa hoje — dizia o locutor. — A guerra prossegue sem precedentes pelo território soviético. Enquanto isso, a ofensiva estadunidense cresce no lado oeste do continente. Ainda há alertas de ataques aéreos Aliados em cidades próximas a Berlim e outras cidades importantes do Reich.

— Cidades próximas? — murmurou Finn, parecendo confuso.

Ela sabia muito bem o que isso significava. Strausberg poderia ser uma das cidades atingidas pelos bombardeios ingleses. Logo, haveria agentes da SS inspecionando os porões das casas da cidade. Rachel estava em perigo. Quinn estava em perigo se eles a pegassem.

— Vamos ouvir — sussurrou Ágata quando Dieter pensou em responder Finn.

O cerco de Stalingrado — o locutor retomou o assunto, pigarreando. — O Führer está liderando ele mesmo a ofensiva, que pode continuar por meses seguidos. Pelas batalhas que vêm acontecendo nos territórios da URSS, não parece que eles desistirão tão cedo. O cientista político, Victor Klausmann, diz que...

Uma voz sobrepôs a do locutor:

A invasão alemã é um erro. Hitler não aprendeu com Napoleão, não? Nós tínhamos um pacto anti-agressão com a URSS e se continuássemos assim, a Europa estaria aos nossos pés. O Reich está a caminho da derrota, é o que digo. Nós vamos perder essa guerra.

O queixo de Quinn caiu, e ela tinha certeza de que seus amigos estavam tão surpresos quanto ela. Alguém criticando o governo em uma transmissão ao vivo para todo o país? Talvez o mundo estivesse finalmente caminhando para um final feliz afinal, ela pensou.

É... — o locutor fez. Obviamente, ele não estava esperando tal resposta. Quinn sentiu pena de quem quer estivesse chamado o cientista político para dar a declaração: todos os membros da estação seriam severamente castigados após o incidente. — Enceraremos nossas transmissões por hoje. Mas lembre-se que os nossos inimigos não são apenas os soviéticos. Os Aliados estarão à espreita para bombardear nossas casas e matar nossas famílias. A guerra ainda está longe de terminar. Bom dia.

Dieter desligou o aparelho e fitou cada uma das pessoas na sala com um olhar que beirava ao desespero.

— Isso foi... — começou Finn, tentando quebrar a tensão do cômodo.

— Esclarecedor — terminou Quinn pelo amigo, observando o aparelho de rádio. — Definitivamente, foi bem melhor do que eu esperava.

— Do que todos esperavam, pra falar a verdade — concordou Wagner. Ele exibia um sorriso mínimo.

O grupo ficou em silêncio de novo, deixando absorver as notícias. O cerco a Stalingrado tinha começado, e mesmo que Hitler pensasse que conquistaria a União Soviética, havia pessoas — alemães — contradizendo o Führer. A última vez que Quinn se sentira tão feliz em relação a algo relacionado à guerra fora quando Sam contara que salvava o máximo de soldados Aliados que conseguia na França.

Quinn soltou um suspiro aliviado. Talvez a guerra terminasse no ano que vem, quando a batalha na URSS desse fim — ela suspeitava que a guerra lá fosse demorar meses para ter um fim apropriado. Talvez ela pudesse se reunir com o marido em alguns meses, quando as tropas alemãs na França fossem rendidas pelos Aliados incondicionalmente. Talvez ela pudesse finalmente tirar Rachel do porão e tratá-la decentemente, dar a ela o quarto dos hóspedes e apresentá-la a Sam e à família como uma das suas melhores amigas.

Ela queria tanto acreditar nisso que seu estômago doeu.

— Acho que isso merece um brinde — disse Dieter, se levantando e indo diretamente para o armário aonde Quinn guardava algumas garrafas de vinho de antes da guerra. Ele abriu-o, pegou uma e virou-se para a dona da casa com um sorriso. — Posso?

Quinn assentiu, também sorrindo, e correu à cozinha para pegar as taças. Ao voltar, encontrou seus amigos se abraçando enquanto Dieter lutava com a garrafa para abri-la. Ela distribuiu os copos e Dieter ia atrás os enchendo com animação.

— A uma nova Alemanha — brindou Wagner, levantando a taça no ar. — Sem Hitler, sem Reich, sem tortura. Só alemães vivendo suas vidas tranquilas.

— A uma nova Alemanha — repetiu os outros, sorrindo entre si.

A alegria do cômodo era contagiante. Quinn desejou que Sam estivesse lá, assim como Anton não tivesse morto, que Kurt não tivesse fugido. Também quis que Rachel pudesse estar ali em cima com ela, pois Quinn tinha certeza de que a mulher adoraria o grupo revolucionário.

Pensar em Rachel a deixou triste por um momento. O laço entre as duas crescia a cada vez que conversavam. Quinn sabia que iria falar com a judia tão logo a reunião do clube anti-Hitler terminasse, mas ela estava sentindo falta das mãos de Rachel nas suas naquele momento. Apesar de nunca tê-la abraçado, ela queria Rachel em seus braços, queria confortá-la por tudo que tinha acontecido com ela nos últimos anos.

Quinn piscou. Percebeu que não tinha tomado o vinho depois do brinde e rapidamente bebericou. Nenhuma das pessoas na sala tinha notado o devaneio dela. Quinn agradeceu mentalmente por isso e abriu outro sorriso. Rachel iria adorar ouvir aquelas notícias sobre a guerra.

***

— Sra. Evans, o senhor Hudson está aqui — anunciou Evelyn, interrompendo Rachel, que contava uma história de quando ela e Noah tinham se apresentado em um teatro judeu.

Quinn odiou a empregada por alguns segundos. Finalmente conseguira mais detalhes da vida de Rachel depois da morte dos pais — detalhes divertidos, que fazia a mulher sorrir com as lembranças —, que agora estava tudo arruinado por causa da estúpida reunião das donas de casa da cidade.

Ela respirou fundo e agradeceu Evelyn pelo recado. Rachel permanecia a observando com olhos curiosos, aparentemente triste por não poder continuar com sua história.

— À noite estarei aqui — disse Quinn, confiante.

Rachel murmurou que sabia disso e sorriu. Quinn sorriu de volta, e um silêncio estranho foi criado. Ela queria fazer algo que fizesse Rachel ter certeza disso, que as duas estavam juntas naquele inferno e que conseguiriam sair dele juntas. Pensando nisso, ela se inclinou e beijou a testa de Rachel suavemente, surpresa com o próprio ato.

Quinn sentiu o rosto ficar quente e grunhiu uma desculpa. Rachel não respondeu, mas Quinn viu que seu sorriso se abrira mais. Logo depois, Quinn se levantou e saiu do porão, ainda impressionada com seu feito. Por que aquilo tinha sido tão constrangedor?

— Mas o que você estava fazendo no porão? — perguntou Finn assim que avistou Quinn.

— Eu... — Quinn ainda estava vermelha por causa do beijo que dera em Rachel. Ela não conseguiu pensar em uma desculpa aceitável para o amigo, por isso apenas deu de ombros. Quanto menos revelasse sobre o porão, melhor seria para proteger Rachel e ela mesma.

— Grace está esperando por você lá em casa com outras dez mulheres. — Ele balançou a cabeça, incrédulo. Isso, pelo menos, Quinn conseguia entender. — E eu vim buscar você.

Quinn bufou. É claro que ela iria agradecer Finn até o fim da guerra por ele ter juntado o clube anti-Hitler, mas ela precisava mesmo pagar o amigo indo àquela reunião estúpida? Ela sabia que tinha sido sua ideia de barganhar, mas agora tudo parecia bem bobo, para falar a verdade.

— Você vai, sim, Quinn Fabray Evans — Finn falou seriamente, pondo o dedo indicador no nariz dela. — Nem que eu arraste você para fora desta casa, você vai.

— Eu já cumpri minha agenda social essa semana — ela retrucou, embora soubesse que aquela batalha estava perdida.

Finn revirou os olhos e acenou para que a amiga o seguisse. Quinn olhou para Evelyn significadamente enquanto saía. Alguma de suas empregadas faria companhia para Rachel aquela tarde. Ela suspirou e entrou no carro de Finn, se perguntando o que esperar daquela reunião.

***

— Meu marido me informou que a Batalha de Stalingrado será breve — disse Grace pomposamente, sorrindo às mulheres que estavam hipnotizadas por sua fala. — As baixas alemãs na União Soviética são mínimas e estamos ganhando. O Reich se erguerá ao fim desta guerra mais poderoso que nunca!

Quinn arqueou a sobrancelha, tentando se forçar a acreditar no que ela dizia. Não deu certo. Ela observou as mulheres da sala, todas impressionadas com Grace, sorrindo e concordando entre si. Obviamente que, sendo esposas de militares, elas tinham acesso a mais informações que o resto do povo alemão, e Quinn tinha de se lembrar de que seus maridos eram tão obcecados por Hitler quanto elas.

Enquanto Grace continuava a falar sobre o Reich apaixonadamente, ela teve certeza de que a mulher de Finn tinha tanta habilidade com as palavras quanto Hitler — não que pensasse que Grace fosse levantar um quarto Reich na Alemanha ao fim da guerra. Grace simplesmente sabia o que dizer para aquelas mulheres desesperadas para ouvir algo bom enquanto seus maridos lutavam nos fronts.

— Hoje nós temos uma nova convidada — Grace falou quando o assunto da Batalha de Stalingrado morreu. Ela sorria brilhantemente na direção de Quinn. Por alguns segundos, as atenções da sala se dirigiram a ela, que sentiu o rosto ficar quente. — Quinn Evans, mulher do tenente-coronel Sam Evans, antigo comandante da Juventude Hitlerista de Strausberg.

— Ah, ele e Finn eram amigos? — perguntou uma mulher do outro lado da sala em tom fofoqueiro.

Quinn lançou a ela um olhar irritado antes de responder:

— De fato, são. Foi Sam que indicou Finn ao cargo, para falar a verdade.

A mulher trocou olhares com a que estava ao seu lado, e elas assentiram seriamente, como se partilhassem um segredo. Quinn teve vontade de socá-las.

— Stephen me contou que Sam está na França — disse uma mulher que estava de frente a Quinn, perto de Grace.

Ela era muito bonita, talvez um pouco mais nova que a media de idade da sala. A cor de seus olhos era verde-esmeralda, que combinava muito com seus cabelos ruivos. Ela não aparentava estar gostando da reunião, e por isso Quinn se identificou com ela de imediato.

— Sim, ele está — respondeu Quinn. — Sam partiu a pouco mais de seis meses. Ele me manda cartas o quão frequentemente pode e contou na última que os Aliados estão se aproximando.

Quinn não quis estourar a bolha daquelas mulheres, mas pensou que se o fizesse mais sutilmente, aos poucos talvez elas percebessem que o Reich estava ruindo lentamente. Não era isso que Finn queria, afinal? Pelo jeito, ao ver as expressões horrorizadas delas, ela soube que sua missão tinha começado muito errado.

— Meu marido e meu irmão estão na França também! — exclamou uma mulher ao lado das duas fofoqueiras. Seus olhos estavam chorosos. — Você pode perguntar ao seu marido se ele os conhece? O sobrenome é Shuartz. Não tenho notícias deles há meses!

Ela começou a chorar e Quinn não fez nada além de concordar. Grace se levantou e correu para abraçar a mulher, murmurando palavras de consolo a ela e olhando Quinn de soslaio. Entendeu que aquele assunto deveria ser terminado imediatamente. Quinn coçou o pescoço, desconfortável, e começou a falar sobre Hans e Evelyn — a única coisa que conhecia bem e que podia discutir com elas.

Logo, o choro da mulher se dissipou e as outras se animaram para falar de suas empregadas. Quinn se sentiu o centro das atenções de novo ao contar sobre suas companheiras de longa data. Grace e a garota ruiva a observavam com interesse; esta parecia querer memorizar cada detalhe do rosto de Quinn pela forma que a fitava.

Quando o relógio bateu quatro horas, a maioria das pessoas se levantou para ir embora. Elas se desculparam por terem de ir tão cedo, mas Grace não se importava. Ela disse que temia pela segurança das suas amigas e o quanto mais cedo chegassem em casa, melhor seria. Quinn ficou surpresa de ver que ela não era tão bitolada a ponto de ignorar os ataques aéreos ingleses.

— Finn chegará logo para te levar em casa, Quinn — Grace disse ao voltar para a sala de estar. — Não se preocupe.

Quinn sorriu amigavelmente, ainda sentindo o olhar da garota ruiva em seu rosto. Notou que só restavam as três no cômodo e se sentiu desconfortável. De repente, toda a habilidade que tivera para liderar a conversa entre as garotas uma hora antes havia sumido misteriosamente.

— Eu agradeço por ele estar cuidando apenas das crianças — continuou Grace, bebericando um pouco de seu café gelado. — Os homens da Juventude são os únicos que saem no horário por esses dias.

— Invejo você imensamente — retrucou a garota ruiva. — Stephen é o segundo no comando do batalhão. Às vezes, só o vejo nos fins de semana.

— Desculpe, eu não ouvi o seu nome — interrompeu Quinn, virando-se para a garota ao lado de Grace.

— Beatrice — respondeu ela com um sorriso escárnio.

Quinn engoliu em seco. Por um momento, pensou que a curiosidade dela era algo simples, facilmente contornável, mas algo no modo em que Beatrice falara seu nome, a maneira que olhava para Quinn... Aquela mulher poderia fazer parte de uma sociedade secreta de Hitler e podia muito bem seguir Quinn e suas empregadas até Rachel.

— Como eu ia dizendo... — Grace tossiu, percebendo que o clima da sala mudara drasticamente — As únicas horas que Finn não está no quartel ou em casa é quando está com seus amigos.

— Finn preza muito a amizade — concordou Quinn, aliviada por não mais ser o foco de Beatrice. — Acho que é o que eu mais gosto nele.

Grace assentiu, sorrindo. Quinn viu uma sombra de orgulho passar pelo olhar da mulher. Por mais que ela odiasse estar ali, discutindo um governo que detestava com uma mulher obcecada por ele, Quinn não podia negar que Grace era apaixonada por Finn, e que o sentimento era recíproco. Os dois formavam um casal que trabalhava perfeitamente em conjunto, assim como ela e Rachel.

Quinn empertigou-se no sofá. Sam, ela forçou sua mente a pensar. Sam era o seu marido, o único homem por quem tinha se apaixonado em sua vida. Ele estava na França para proteger sua identidade de conspirador. Sam Evans a amava, e ela também nunca duvidou de seus sentimentos em relação ao marido.

Por que, então, ela via o rosto frágil de Rachel na sua mente ao invés do rosto de Sam?

O telefone tocou na cozinha e Grace se levantou para atendê-lo. Beatrice continuou observando Quinn, mas ela já não se importava. Seu coração batia rapidamente; tudo na sala dos Hudson girava. Por que só pensava em Rachel? Quinn não entendia. Nos últimos anos, Sam e o clube anti-Hitler eram as únicas coisas que importavam. A judia em seu porão havia mudado as regras agora.

— Quinn? — chamou Grace voltando à sala com uma expressão confusa. — Era Evelyn no telefone. Ela disse que havia algo quebrado em seu porão.

Quinn ficou de pé imediatamente.

Rachel estava com problemas.

***

Hans assistiu Rachel se remexer em sua cama por duas horas. Ela sabia dos pesadelos da mulher e por isso não se incomodou em chamar Evelyn ou ligar para Quinn na casa dos Hudson. Ela continuou sentada e lendo a revista da Sra. Fabray calmamente.

É claro que a visão do rosto de Rachel se contorcendo de terror e a forma como ela se mexia na cama assustavam Hans, mas não era como se pudesse fazer alguma coisa. Rachel precisava dormir, e ela não seria a pessoa a acordá-la. Com o passar das horas, ela não acordou de supetão ou sentou-se na cama de repente como sempre fazia quando um pesadelo era muito perturbador.

Hans largou a revista que lia e fitou a judia mais atentamente. Rachel tinha começado a murmurar sobre seus pais e o tal amigo chamado Noah. Hans achou isso completamente estranho, pois Rachel nunca falava durante o sono. Ela chamou Evelyn, que faria os serviços de casa naquele dia, para ter certeza de que não estava errada.

— Ela está pegando fogo, Hans! — Evelyn disse em tom urgente ao tocar a pele de Rachel, algo que Hans não tinha pensado em fazer antes. — Precisamos ligar para a Sra. Evans!

— Você acha mesmo? — desconversou Hans, torcendo o pano de prato que estava na mão nervosamente. — Nós podemos simplesmente acordá-la e...

Antes que Evelyn pudesse retrucar ou que Hans terminasse sua frase, Rachel abriu os olhos em pânico. Hans começou a suspirar aliviada, mas então a judia soltou um grito de terror que fez seus ossos gelar.

E que ela teve certeza de que o bairro inteiro escutara.

Rachel ofegava. Ela suava como se tivesse em uma maratona, embora não se levantasse daquela cama a meses. Hans prendeu a respiração ao perceber o que acabara de acontecer no porão. Se algum vizinho tivesse escutado Rachel, elas estavam mortas. Quinn reafirmava que levaria toda a responsabilidade se por acaso fosse pega, mas Hans nunca imaginaria que Rachel teria um ataque quando sua patroa não estivesse em casa.

Ela sentou-se na cama ao lado de Rachel e tentou acalmá-la. Evelyn ainda parecia estar em estado de choque, mas compreendeu o olhar que Hans lhe deu segundos depois.

— Acho que é hora de ligar para a Sra. Evans — Hans disse seriamente, e Evelyn rapidamente subiu as escadas do porão para dizer a Quinn que sua judia havia sucumbido finalmente.

***

— O que aconteceu? — perguntou Quinn assim que entrou em casa. — Como ela está? Está tudo bem?

— Sra. Evans, por favor, acalme-se — disse Evelyn em um tom tranquilo que só deixou Quinn mais nervosa.

Mais tarde, Quinn não soube dizer como conseguiu correr quatro quadras em menos de quinze minutos usando salto alto e um vestido de verão florido. O desespero que sentia ao pensar em Rachel sofrendo de alguma forma fez Quinn ignorar a carona de Finn, os apelos de Grace para que fosse junto e até o olhar desconfiado de Beatrice quando ela saiu porta afora dos Hudson.

— O que aconteceu? — Quinn repetiu a pergunta, ignorando Evelyn e indo em direção ao porão.

— Rachel dormiu o dia inteiro — Hans disse ao ouvir a patroa entrar no cômodo. Ela colocava uma toalha gelada na testa de Rachel, que tinha os olhos fechados e uma expressão sofrida no rosto. O coração de Quinn parecia querer sair pela boca. — Teve seus pesadelos frequentes, mas...

— Eu gritei — completou Rachel em voz baixa. Hans cedeu o seu lugar na cabeceira da cama para Quinn e se colocou ao lado de Evelyn. — Basicamente, eu surtei.

— É possível que os vizinhos não tenham escutado — interviu Evelyn, esperançosa.

Rachel revirou os olhos.

— Claro, por que eu sou sortuda a esse ponto — ela retrucou irritada.

Evelyn sorriu por um instante e Hans a acompanhou. Quinn fitou-as como se elas fossem loucas, mas Rachel também esboçou um sorriso fraco.

— Preciso falar com ela a sós, gente — disse Quinn, tentando não soar tão rude. — Por favor.

As duas assentiram em concordância. Elas saíram e o porão mergulhou num silêncio desconfortável. Quinn e Rachel ficaram se olhando por um tempo até que a segunda finalmente quebrasse a calma estranha do lugar.

— Eu preciso ir embora, Fabray. O que eu fiz hoje... Se eles nos pegarem, vou morrer e algo tão ruim quanto irá acontecer com você e suas empregadas.

— Rachel, por favor, nós não vamos começar com isso de novo... — Quinn tentou argumentar, mas em vão:

— Vamos, sim! Já abusei demais da sua hospitalidade. Está se tornando muito perigoso, isso tudo que está acontecendo... E se o seu amigo decidir descer aqui enquanto você estiver fora? Há tantas possibilidades de as coisas derem errado, Fabray, tantas...

Quinn preferiu não discutir com Rachel. Ela ainda estava fraca, e Quinn sabia como aquela garota poderia ser irritantemente teimosa quando quisesse. Em vez disso, ela apenas segurou a mão de Rachel com firmeza, lembrando-se do beijo na testa que dera nela algumas horas antes.

O que Rachel pensaria se Quinn começasse a falar sobre a reunião que acontecera na casa dos Hudson? Se Quinn falasse que tinha percebido que Sam não era a única pessoa por quem um dia se apaixonara? Quinn não se sentia culpada da mesma maneira que anos antes quando conversara com Brittany na véspera do seu casamento. Será que ela poderia ser verdadeira com Rachel, sem que isso causasse a fuga dela durante a madrugada?

Rachel parecia querer falar algo, provavelmente mais um argumento sem fundamento para que ela pudesse ir embora. Quinn esperou, e contudo a judia permaneceu quieta, com o olhar perdido.

— Você estava tendo pesadelos com o quê? — ela perguntou de supetão.

Quinn sabia a ordem de pesadelos de Rachel de cor: seus pais mortos nas ferragens do carro; Noah não conseguindo escapar para Londres como queria; a vida clandestina que levou por anos e sua captura. Por alguma razão, ela nunca sonhava com os campos de concentração, como revelou um tempo depois de se instalar no porão. Nem ela nem Quinn entendiam muito bem isso, mas não era como se Rachel estivesse reclamando disso.

Sachsenhausen — Rachel murmurou desgostosa.

Quinn ergueu as sobrancelhas, surpresa, e deixou soltar um suspiro nervoso. Rachel não contara muitos detalhes da vida no campo em que viveu por meses, mas para Quinn sempre pareceu uma página virada de sua vida, assim como os pais e Noah. Ela era sempre tão petulante em relação às suas dores... Quinn via que ela sofria, mas se dependesse de Rachel, morreria sem saber dos conflitos e pesadelos que aconteciam na cabeça da mulher.

— Eu tento não pensar muito no que aconteceu lá, porém às vezes é algo inevitável — continuou ela, tirando a toalha molhada da testa e a entregando à Quinn. Rachel se sentou na cama e fitou a outra mulher profundamente. — O que você mais gosta de fazer é me atormentar para que conte minhas histórias. Bem, essa é inédita.

***

— Quando fui capturada — começou Rachel —, eu tinha plena certeza de que iria morrer. Não baixava a cabeça para nenhum dos oficiais, encarava-os nos olhos e se eu fosse mais alta, definitivamente não me forçaria a ficar menor que eles.

Quinn riu. Aquilo parecia ser o tipo de coisa que Rachel faria.

— Houve consequências, é claro. Era uma das únicas que era espancada diariamente. Todos os outros judeus já estavam acostumados com a vida que iriam levar e pareciam aceitar seu fim. Eu não. Eu não viveria daquela forma. Ia ser um insulto à memória dos meus pais.

“Nós podíamos conversar à vontade nos dormitórios — se é que eu posso chamar aqueles barracões dessa forma —, desde que fosse sussurrando. Tentei fazer os outros entenderem que eles não eram pecadores, que não havia nada de errado em ser judeu ou homossexual, mas nunca dava certo. Como eu disse, eles já tinham desistido de tudo.

“Mas eu não. Eu lutava contra os soldados alemães, queria que sofressem pelo menos um por cento do que sofri durante aqueles meses. Sim, eu planejei fugir várias vezes, porém alguém sempre me delatava. Aos poucos, percebi que se não parasse, morreria. As técnicas de tortura deles não funcionavam em mim porque eu não tinha nada a perder. Eles usualmente ameaçavam sua mulher em outro pavilhão, ou um parente seu. Eu não tinha nada disso, o que era uma boa vantagem para mim.

“Acreditava que sairia daquele inferno mais cedo ou mais tarde. E isso me fez continuar suportando as dores que eles me causavam fisicamente. E, no entanto, eu precisava parar de ser menos impulsiva. Isso estava causando problemas para quem conversasse comigo, e a última coisa que eu queria era gente morrendo por minha causa.”

Rachel parou por um instante e olhou para Quinn significadamente, que sentiu o rosto ficar quente. Quinn tentou culpar o cômodo abafado, embora ela soubesse perfeitamente não era isso.

— Fiquei quieta por pouco mais de um mês, quando eles anunciaram que mudariam alguns judeus para outro campo, na Polônia. Eu estava na lista. Os rumores voaram como loucos. Ouvi dizer que era um campo de extermínio, que Hitler assinara uma carta permitindo a aniquilação de todos os judeus presos.

“Perdi a esperança completamente. Não acreditava que poderia viver algo mais que dois meses. Eu estaria morta antes mesmo que pudesse pensar nisso. E todas as pessoas que iam ser transferidas fizeram contato comigo pelo menos uma vez... Hitler estava me punindo pessoalmente agora.

“Então, você entra de novo na minha história, Quinn Fabray.”

Quinn pegou as mãos de Rachel de novo e pressionou contra as suas. Rachel não queria encarar a amiga, mas a outra permaneceu observando-a durante todo o resto da sua fala. Entender Rachel, deixar que ela contasse sua história, fazer parte de seu mundo nem que fosse por minutos, era por isso que Quinn estava vivendo nos últimos meses.

— O cortejo de judeus passou por Strausberg, você me viu e disse que me protegeria. Foi algo que me deu forças, e estou sendo sincera aqui. Por mim, já teria me matado algum tempo antes de chegar à cidade. Mas resolvi sobreviver e, a partir daquele momento em que conversamos, viver. Por esse motivo, Quinn Fabray, eu vou ser eternamente grata a você, pois me libertou do senso comum que persegue os judeus aprisionados.

“Sabia que precisava fugir antes de chegar à Polônia ou morreria de um jeito ou de outro. No entanto, quando consegui enganar todos os guardas que nos vigiavam, estávamos quase lá. Escapei ao me jogar em um rio e fingir que estava afogando. Ao verem meu corpo boiando na água, eles presumiram que eu estava morta. Sequer tentaram socorrer-me.

“A partir daí, minha vida voltou a ser um esconderijo atrás do outro. Eu tomei mais cuidado, dessa vez, e passei mais fome e frio, mas consegui não ser pega. A liberdade que eu tinha perdido há meses estava de volta para mim, mas, como eu estava fraca demais, não consegui aproveitá-la plenamente.

“Foi um longo caminho da Polônia até aqui. Eu sei que deveria ter fugido para qualquer outro lugar, qualquer outro país menos a Alemanha, mas havia algo que me puxava para Strausberg. Por alguma razão, Fabray, queria que você soubesse que eu estava viva, que você tinha me salvado do estado dormente dos outros judeus. É claro, eu também queria saber como você estava.

— Eu precisava de um lar, um lugar calmo, embora eu não quisesse ficar aqui por tanto tempo. Era temporário, e você me forçou a ficar aqui por meses. Você colocou a vida dos seus amigos, parentes e das suas empregadas em risco por mim. Quinn, você é sem dúvidas um dos melhores seres humanos que eu já conheci nessa vida.

Quinn se soltou da judia para que pudesse limpar as lágrimas que caíam pelas suas bochechas. Rachel continuava olhando determinada para a parede. A história toda tinha sido difícil de contar, imaginou Quinn, e no entanto o final fora particularmente doloroso. Ela nunca ouviu Rachel chamá-la pelo primeiro nome, e isso a assustou.

Foi ali que percebeu que o laço formado entre ela e Rachel no Ano Novo de 1936 estava mais forte que nunca.

E, enquanto ela continuava a observar Rachel se encolher em seus braços procurando conforto que ela jamais tinha achado desde a ida de seu amigo para a Inglaterra, Quinn notou que o nome daquele laço estava longe de ser chamado de amizade.

Era amor.

Quinn Fabray se viu apaixonada por uma mulher, uma judia escondida em seu porão, exatamente como não conseguiu se vir anos antes, quando sua melhor amiga levantou a mesma hipótese para ela na véspera de seu casamento.


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Notas finais do capítulo

Então, gente, o que vocês acharam? Eu gostei particularmente da última parte, outra história da Rachel, e como a minha querida Quinn percebeu a mesma coisa que Rachel tinha percebido anos antes. Sim, Beatrice terá alguma relevância na história (eu, pelo menos, acho), embora eu não faça ideia se o clube anti-Hitler terá outra reunião ou não.
Uma coisa que eu dividi nos próximos capítulos são as datas. Fazer uma fic histórica dá muito trabalho - algo que eu deveria ter previsto antes, mas tudo bem - e eu quero seguir a risca as datas para não haver confusão. Em razão disso, cada capítulo a partir de agora vai ser nos próximos meses de 1942 e, se vocês contarem, teremos de seis capítulos até o fim da fic, sem contar mais dois (ou um enorme, ainda não me decidi) capítulos-epílogos que estou planejando.
Bem, por hoje é só. Eu prometo que vou fazer o possível para atualizar a fic daqui duas ou três semanas. Deixem seus reviews com xingamentos, elogios e/ou sugestões por que isso é o que me deixa mais feliz nessa vida.
Obrigada por terem lido mais um capítulo e até o próximo! :D



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