1942 escrita por GabanaF


Capítulo 10
Capítulo IX — Histórias


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente, como vocês estão? Espero que bem. Mais uma vez, quero me desculpar pela demora, mas sabem como é fim de semestre, né, as coisas sempre se complicam e nunca sobra tempo para nada além dos estudos.
Infelizmente, nessa semana, Glee perdeu uma grande inspiração para todos que acompanhavam a série e não vou esconder minha tristeza de quando descobri essa notícia. Por isso, hoje, eu dedico esse capítulo ao Cory, esse grande atrapalhado e péssimo dançarino que me fazia rir sempre. Onde quer que ele esteja, só espero que esteja feliz.



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Rachel tomou um gole da água que Quinn trouxera. Suas mãos tremiam. Ela não queria contar para Quinn o que passara nos últimos anos, mas sentia que devia algo à mulher. Afinal, ela a acolhera e correra riscos apenas para protegê-la. Contar para ela como sobre sobrevivera desde a primeira vez em que tinham se visto parecia ser o mínimo a se fazer.

Ela pigarreou. Quinn a observava com atenção, as mãos no colo batendo em um ritmo rápido. Rachel não gostava do fato de que a mulher parecia mais nervosa que ela própria.

— Fabray... — começou Rachel, tossindo. — Sinceramente não sei como...

— Leve o tempo que quiser, Rachel — Quinn disse gentilmente. E sorriu. Rachel pensou que nunca tinha visto nada tão bonito à meia luz.

Rachel corou sem querer. Seus músculos doíam por estar a tanto tempo deitada e quieta, por isso estava feliz em dividir sua cama com Quinn. Ficar sentada observando a beleza daquela mulher era melhor que qualquer porão por aí.

— Meus pais nasceram em Berlim — iniciou Rachel depois de uma pausa desnecessariamente longa. — Eles se conheceram em um bar, na época em que Berlim era a cidade mais liberal da Europa.

Quinn assentiu, se prendendo a cada palavra de Rachel como se fosse salvar sua vida.

— Foi uma grande festa quando eu nasci. Acho que você sabe, não sabe, que qualquer coisa era motivo para celebrar durante a guerra. — Rachel tossiu, tomando outro gole de água. — Enfim... Foram anos felizes em casa mesmo com a crise na Alemanha.

“Cresci rodeada pela cultura judaica, embora entendesse do cristianismo por causa da escola e da minha mãe. Duas religiões, coexistindo no mesmo lugar, sem causar nenhum distúrbio — Ela riu amargamente. — Irônico, não? Hitler deveria ter aprendido com a minha família como se faz isso.”

Rachel olhou para a parede do outro lado do porão e se imaginou com dezesseis anos novamente, ao lado dos pais, sem guerra ou perseguição para atormentá-los. A lembrança parecia tão distante que ela se perguntou se não era um sonho... A perspectiva de que um dia tivera pessoas que se importavam com sua saúde parecia boa demais para ser verdade.

E, no entanto, Quinn Fabray estava parada ao seu lado, legitimamente preocupada em ouvir toda a sua história.

Ela pensou ter visto Quinn levantar a mão para fazer algum movimento não identificado por ela, mas não durou nada além de alguns segundos. Rachel franziu a testa, porém não disse nada. Engoliu em seco e continuou:

— Quando Hitler se tornou chanceler, ambos sabiam que os judeus não sobreviveriam por muito tempo. Por alguma razão, meu pai lera Mein Kampf assim que fora lançado. Disse que seria importante para descobrir “o que aquele chancelerzinho queria”.

Quinn sorriu com o apelido. Rachel prosseguiu:

— Planejávamos fugir. Não sei para onde queriam ir, mas provavelmente o mais longe possível daqui. Mas, antes que nós pudéssemos sequer pensar em arrumar as malas, os dois se envolveram em um acidente de carro. Morreram na hora.

Rachel piscou várias vezes, tentando conter as lágrimas. Oito anos depois e a imagem dos pais presos nas ferragens do carro ainda a impressionava. Vê-los ali, sem vida, tão machucados que ela teve dificuldade de reconhecê-los, foi definitivamente o pior momento de sua vida — incluindo os horrores que vira nos campos de concentração.

Naquele momento, ela se sentiu como uma criança de novo, sem forças, sem apoio nenhum. Só queria um último beijo de boa noite dos pais. Ela queria acordar pela manhã em sua cama e vê-los preparando o café, como sempre. Ela queria que sua última imagem dos dois fossem ambos sorrindo antes de irem para o trabalho, não dois cadáveres dentro de um carro destruído e marcado pelo sangue dos dois.

— Os amigos deles diziam que fora Hitler que os matara, mas eu sabia que não. Foi só má sorte.

Dessa vez, o movimento de Quinn não fora imaginário; a mulher pegou a mão de Rachel num impulso, na tentativa de consolá-la. Passou seus dedos finos e longos delicadamente pela mão suja de Rachel, que agradeceu em pensamento. Não tinha certeza se continuaria se Quinn não estivesse ali com ela. Nem Noah sabia da história toda.

— O governo tomou nossa casa, nosso carro destruído e a loja que meu pai tinha no centro — Rachel disse. O aperto de Quinn ficou mais firme. — Eu não tinha mais nada. Por um tempo, morei na casa de um irmão da minha mãe, que jamais tinha aceitado o casamento dela. Fuji dois meses depois. O que ele e sua família diziam sobre os judeus...

“Passei a morar na rua. Tinha sorte de arranjar algum bico naquela idade. Ninguém quer uma judia de dezoito anos sem-teto trabalhando para eles, pelo menos não remuneradamente. 1935... Esse foi o ano em que tudo foi pelos ares, tanto para mim quanto para os judeus.”

— Eu me lembro — disse Quinn, interrompendo Rachel pela primeira vez. — Foi o ano em que Hitler iniciou as medidas antissemitas.

Rachel assentiu seriamente.

— Era difícil viver como judia, principalmente uma que não tinha casa. E, naquela época, eu já começara a me esconder da polícia. Geralmente não havia muito para que eles me culpassem, mas eles sempre vinham atrás de mim. Em uma dessas perseguições, conheci Noah Puckerman.

Ela olhou para Quinn por impulso. A expressão da mulher mudara quase que sutilmente. Não sabia o que pensar do semblante um tanto enciumado dela. Estaria Quinn com ciúmes de Noah? De um nome que Rachel apenas citara? Parecia impossível.

— Ele também estava fugindo da SS, então nos demos bem rapidamente — continuou Rachel, tentando esquecer a imagem de Quinn de segundos antes. Suas mãos ainda estavam apertadas uma com a outra, e não queria causar nada que deixasse Quinn inconfortável demais para que o contato fosse quebrado. — Noah deixou que eu me mudasse para o seu apartamento. Apesar de ser sermos da mesma idade, ele já seguia independente pelas ruas. Entre os anos de 1935 e 1938, ele foi como meu protetor, meu irmão mais velho.

— O que aconteceu? — A voz de Quinn estava rouca. Provavelmente tinha achado desnecessário ficar tanto tempo de mãos dadas com outra pessoa, pois se livrou gentilmente de Rachel e as colocou no colo, impaciente.

— Divergências. O que sempre acontece, eu acho. — Ela deu de ombros. — Ele foi embora para a Inglaterra. Eu fiquei aqui. Nunca mais falei com Noah.

Obviamente, ela não iria contar que ficara na Alemanha para mais uma chance com Quinn — talvez mais tarde, por exemplo, quando a guerra acabasse e Rachel não fosse mais uma fugitiva. Mas um pensamento martelou sua cabeça enquanto recordava-se das conversas até tarde da noite com Noah: e se tivesse fugido com ele? Não seria mais tratada como um verme, ela nunca teria passado um tempo nos campos de concentração (eles continuariam sendo uma lenda).

Depois da guerra, poderia voltar a Alemanha — porque Rachel sabia que Hitler iria perder feio — e poderia procurar por Quinn. Encontrá-la e tomar um café com ela na Berlim pós-guerra, destruída por bombas britânicas. Conversar, conhecê-la melhor como sempre quis desde aquele Ano Novo de 1936. Pensar em tudo isso fez a cabeça de Rachel doer.

Rachel engoliu as lágrimas de novo. Dessa vez, Quinn permaneceu onde estava, olhando a outra mulher de soslaio como se sentisse pena dela. Foi ali que Rachel percebeu o quanto sentia falta do melhor amigo. Entendeu que, mesmo se os dois sobrevivessem à guerra, jamais o encontraria novamente. As mesmas emoções que sentira ao pensar na morte dos pais voltaram, com a sensação de que levara um soco no estômago.

— Desde então, tenho vivido de alemães contra Hitler e porões de casas abandonadas — ela concluiu, lembrando-se dos abraços de Noah, de como eles as confortavam, de repente se sentindo extremamente sozinha. — Ainda não sei como sobrevivi tanto tempo.

Quinn passou a mão nas costas de Rachel, consolando-a. Não adiantou muito, mas ela agradeceu a tentativa. Elas ficaram sem falar por alguns minutos. Rachel contara demais por aquele dia. Se Quinn quisesse mais um pouco de sua vida, teria que esperar mais — uma semana, no mínimo; para que ela pudesse se recuperar da traumática experiência que fora reviver aquilo tudo.

— E-eu admiro sua coragem, Rachel — confidenciou Quinn, quebrando o silêncio, que havia se estendido por tempo demais. — Admiro porque eu, jamais, seria capaz de passar por tanto em tão pouco tempo.

Rachel esboçou um sorriso.

— Descanse — disse Quinn, se levantando. — Você não vai sair daqui, vai?

Ela lembrou a primeira vez que Quinn a visitara, no quarto de hóspedes, e informara que suas empregadas passariam de hora em hora para checar e ver como estava. Agora, o tom de Quinn era chegava a beira do desespero, como se fosse se sentir sinceramente decepcionada, e até um pouco deprimida, se Rachel resolvesse fugir do nada.

No entanto, Rachel não sentia mais vontade de escapar da casa de Quinn. Sabia que era horrível depender de alguém, mas ficar perto daquela mulher lhe parecia necessário.

— Não, não vou — Rachel escutou-se murmurando, voltando a deitar na cama. Estava tão cansada que sequer ouviu a resposta de Quinn. Quando notou, já estava mergulhada em mais um de seus sonhos.


— Sabe, Quinn, você deveria ir aos nossos encontros — chamou Grace animada, bebericando o chá que Quinn fizera. Estava horrível, mas pelo menos a mulher tinha o bom senso de não demonstrar isso.

— E o que vocês fazem exatamente nessas reuniões? — perguntou Quinn, fingindo curiosidade.

Finn sufocou uma risadinha. Ele sabia que a mulher do seu melhor amigo não aceitaria ir aos encontros que sua esposa tão apaixonadamente falava — ou pelo menos era o que Quinn imaginava. Grace parecia gostar da atenção que lhe davam, então tentou deixar o assunto fluir, embora fosse complicado. A mulher de Finn era uma aficionada por Hitler, não importasse as atrocidades do Führer que o marido contava para ela.

— Apenas conversamos, naturalmente — respondeu Grace. Seus olhos cintilavam ao tomar outro gole do chá. — Às vezes, nós contamos experiências dos nossos maridos na guerra e, é claro, falamos muito sobre as novas medidas no nosso Führer.

Quinn assentiu, perguntando-se como se deixara convencer por Finn de que iniciar uma amizade com Grace era algo que Sam gostaria. Ela já tinha visto a mulher dele antes, porém suas conversas não passavam de frases educadas em ocasiões festivas, como aniversários e festas de fim de ano. Nunca passara pela sua mente que um dia teria de ser quase obrigada a ser amiga daquela mulher.

— Sabia que sua reputação entre os militares não é lá muito boa? — Finn dissera alguns dias antes, o semblante preocupado. — Você fica o tempo inteiro em casa. Faz semanas que alguém além de sua família te visitou. Quinn, eu sei que você sente saudades de Sam, e eu também sinto, mas não é por isso que nós devemos nos trancar em casa e apenas se comunicar por cartas e telefonemas.

Quinn suspirou, sentindo-se um tanto arrependida. Finn estava certo, mesmo que o amigo não soubesse a razão de seu desaparecimento das ruas de Strausberg. As conversas com Rachel tomavam uma grande parte do seu dia, e ficar sem falar com ela, nem que fosse por um dia, era um pensamento que não entrava em sua cabeça.

Aqueles dois dias em que sua família esteve em sua casa foram horríveis. Ela não conseguia prestar atenção no que seus pais diziam, sempre voltando seu pensamento ao porão e à Rachel, deitada no escuro inerte, como provavelmente havia feito tantas vezes antes, temendo não fazer barulho e não chamar atenção de Russell ou Judy.

Logo depois, Rachel contou parte de sua adolescência e Quinn se sentiu ligada a ela de uma forma que jamais tinha se sentido com Sam. A forma de como elas tinham se conectado, tanto física quanto mentalmente, deu mais forças a Quinn para continuar a mentira gigantesca na qual havia se enfiado.

As duas passaram bons dias conversando no porão, mas Rachel ainda parecia fraca demais para tentar outra conversa sobre sua vida. Quinn respeitou isso. Entendeu, para falar a verdade. Hans e Evelyn às vezes se juntavam às conversas e, por um momento, Quinn praticamente não se lembrava de que tinha um marido na guerra, uma família desequilibrada e grandes chances de ser pega pela Gestapo e morrer em um campo de concentração. Era uma sensação estranha, porém muito boa.

Já era junho quando Finn ligou, pedindo aos gaguejos que ele pudesse levar à mulher à sua casa e que as duas tivessem uma boa conversa sobre “assuntos femininos”. Agora ela estava ali, sentada no sofá desconfortável da sua casa, escutando Grace glorificar Hitler e o Terceiro Reich, talvez dez vezes pior que Russell um dia faria.

— E então, Quinn? — chamou Finn, abrindo um sorriso simpático. — Acha que vai aparecer para as reuniões?

Quinn respirou fundo, deixando o chá intocado de lado. Finn olhava-a com aqueles olhos suplicantes, parecendo uma criança. Ela o conhecia há seis anos e, do antigo grupo Anti-Hitler, ele era o único que continuava com a aparência de um adolescente de dezesseis anos. Parecia um bebê em um corpo de quase dois metros de altura.

Por outro lado, Grace realmente fazia jus ao seu nome — era tão graciosa quanto às bailarinas de O Lago dos Cisnes, que Quinn um dia vira quando era criança. Seus olhos claros brilhavam naturalmente, como se estivesse animada o tempo todo, e seu cabelo era tão escuro quanto à tinta de uma caneta-tinteiro. Grace era linda, e Quinn sabia que por baixo daquela personalidade de doentia apreciação por Hitler, havia uma mulher sincera e apaixonada por Finn.

Esse era o maior motivo para Quinn não expulsá-la assim que entrara na sua casa: os dois se amavam, profundamente. Depois de tantas mortes no grupo Anti-Hitler, e tantas partidas para a guerra, Quinn desejava que pelo menos um daqueles homens que aprendera a amar saísse da guerra plenamente feliz. Pelo jeito, Finn seria esse homem.

Quinn virou-se para Grace e fez um pedido surpreendente até para ela:

— Posso falar com Finn, a sós, por um momento?

Não era de feitio uma mulher casada perguntar a outra se poderia ficar sozinha com seu marido, mas Quinn era uma mulher diferente — sempre fora. Além disso, ela presumia, Grace sequer se importava com isso mais.

— Você perdeu a cabeça — Quinn disse assim que Grace saiu do aposento. — Pensei que seria uma boa ideia, mas isso é...

— Bobo demais para você? — ele completou com um sorriso zombeteiro. — Acredite, Quinn, eu sei disso. É por isso que quero que participe.

Quinn começou a protestar, mas Finn continuou:

— Ágata participa, há anos se nunca percebeu. Quinn, você precisa disso. Estou preocupada com o que está acontecendo nesta casa.

Quinn engoliu em seco. Perguntou-se, por um lapso de segundo, se seria sensato contar a Finn que ela mantinha uma judia em seu porão. Se ele poderia ajudá-la a cuidar de Rachel. No entanto, ela descartou o pensamento no mesmo instante. Finn era legal e prestativo, mas aquele era um segredo perigoso. Além disso, seus vizinhos já suspeitavam de algo entre eles, rumores que iriam piorar se ele viesse mais de duas vezes por semana visitá-la sozinho.

— Não estou sozinha aqui — rebateu ela. — Tenho Hans e Evelyn para me ajudar. Confie em mim, Finn, eu estou bem.

Finn lançou-lhe um olhar descrente.

— Você bem que poderia influenciar aquelas mulheres a pensarem como você — ele disse. Quinn pensou que ele estivesse brincando, mas sua expressão era séria. — Bem, isso se elas não te denunciarem primeiro.

Os dois se entreolharam e riram. Ela nunca reparar no quanto sentia falta de Finn quando estava com Rachel ou suas empregadas.

— Certo. — Ela respirou fundo. — Eu participo, mas com uma condição.

O pensamento veio de repente. Era algo de que tinha saudades, e tinha certeza de que Finn também. O garoto revirou os olhos, mas sorria.

— Qual é?

— Precisamos reunir o que restou do clube. Eu sei que isso é pedir demais, considerando o quanto passamos nos últimos meses, mas... Vai ser algo bom.

Ele fitou Quinn por um minuto, com o semblante confuso. Ela mordeu o lábio, esperando. Se o clube Anti-Hitler voltasse, era óbvio que as reuniões não poderiam ser na sua casa, pensou com tristeza. Mas faria tudo por uma última reunião dos amigos que continuavam vivos, apenas para saber que eles estavam ali, lutando contra Hitler à sua maneira. Era uma das coisas que a incomodava durante suas visitas ao porão e as conversas com Rachel.

Finn suspirou, parecendo desapontado com o pedido, como se esperasse mais de Quinn, algo que ele conseguisse fazer.

— Eu vou tentar falar com Dieter sobre isso — murmurou, parecendo pela primeira vez um homem velho ao invés do menino que sempre fora. — E eu não garanto nada.

Quinn sorriu e o abraçou no momento em que Grace voltava à sala. Finn pareceu constrangido, mas sua mulher nada disse. Parecia ciente que a amizade entre Quinn e Finn era algo duradouro e verdadeiro, mesmo depois de Sam ir para a França. Grace abriu um sorriso ao vê-los, embora fosse menos caloroso.

— Conseguiu convencê-la? — perguntou, animada.

— Incrivelmente, sim — Finn replicou, se levantando. — Mas talvez acho que seja hora de ir.

Quinn tentou não parecer decepcionada. Afinal, ainda tinha a companhia de Rachel e suas empregadas durante o resto do dia. Entretanto, ela sentia falta da movimentação que o clube Anti-Hitler causava em sua casa. Quinn esperava que conseguisse reuni-los logo.

— Tudo bem. — Quinn abraçou Finn de novo com força, ignorando Grace, que os observava fixamente. — Vejo você em alguns dias, certo?

Grace se recuperou a tempo de dar um sorriso a Quinn.

— É claro! — respondeu, se inclinando e beijando as bochechas de Quinn. — Finn virá lhe buscar para o próximo encontro.

Os dois se despediram novamente, e Quinn os guiou à porta de entrada. Ao vê-los partindo no pequeno carro de Finn, sentiu-se estranhamente sozinha.


— Você consegue ouvir tudo daqui, não é? — perguntou Quinn, arqueando a sobrancelha na direção de Rachel.

— Sons indistintos, sim — a mulher respondeu lentamente. — No entanto, se você me perguntasse o que vocês estavam discutindo, eu não saberia dizer.

Quinn assentiu. Fazia algumas horas desde que Finn e Grace haviam ido embora. Ela não partira imediatamente para o porão como tinha planejado, já que Hans avisara que Rachel estava dormindo. Ela resolveu esperar e, quando o relógio bateu meia-noite, saiu de sua cama — incrivelmente fria para uma noite de verão — e desceu as escadas para o porão.

— Finn esteve aqui — ela disse. — E sua mulher. Pediram para que fosse a um encontro bobo de donas de casa.

Rachel riu. A madrugada era um bom momento para ter uma conversa com ela. Ficava mais calma e regia bem às perguntas sobre seu passado. Quinn não se atrevera a questionar porque Rachel gostava tanto da noite, mas parecia meio óbvio: o perigo de ser pega era relativamente menor.

— E você disse sim? — Rachel parecia achar graça da situação.

— Precisei, caso contrário, Finn suspeitaria demais de mim. Eu não posso deixar isso acontecer...

Com você, Quinn completou em sua mente, optando por manter a última parte só para si. Ela continuava com o instinto de proteger Rachel contra tudo e todos que a castigavam. Por alguma razão, era esse instinto que a deixava mais viva para continuar fazendo as coisas comuns de uma dona de casa alemã.

Ao lembrar que Rachel estava escondida em seu porão, era atingida por uma onda de arrependimento e alivio, tudo ao mesmo tempo. Arrependimento por não conseguir dar a ela um lugar melhor para viver, que não podia dar a ela nada além do necessário; e alivio por ter Rachel perto de si, sem se preocupar com o tempo que passaria sem encontrá-la, ou se estaria viva ou não, nas mãos dos nazistas.

— Eu entendo. — Rachel colocou sua mão sobre a de Quinn, que sentiu um choque percorrer seu corpo.

Desde quando Rachel dividira parte de sua vida e Quinn a confortara, os toques passaram a ser mais frequentes. As mãos de Quinn passaram a ter uma utilidade verdadeira quando estava com Rachel. Era estranho, sim, pois Quinn ainda sentia como se estivesse invadindo o espaço pessoal de Rachel, mas era uma sensação boa ter algum conforto.

— Quando são essas reuniões? — Rachel indagou, olhando para Quinn de soslaio. Suas mãos continuavam juntas, não que ela fosse reclamar disso.

— Terças às quatro da tarde — ela respondeu, suspirando. — Não podia ser à noite por causa dos, hm, bombardeios que vêm acontecendo.

Depois que Russell e Judy haviam passado o fim de semana na casa dos Evans, os ataques aéreos só aumentaram. A Inglaterra iniciara uma ofensiva poderosa contra o território alemão. Era uma estratégia inteligente, já que as forças de Hitler estavam concentradas na Rússia e no Leste Europeu. Com o país preenchido praticamente por civis, seria fácil destruir o território.

Ela torcia pela Inglaterra invadir. Eles ganhariam a guerra e Rachel livre para reencontrar seu amigo. Ela estaria livre para voltar e viver sua vida normal com Sam e as reuniões do clube Anti-Hitler nunca mais seriam necessárias. No entanto, a ofensiva levaria um ano todo para cobrir o território nazista e um ano, no meio da guerra, era praticamente uma eternidade.

— Não vamos falar disso, por favor — implorou Rachel. — Existem outras coisas que podemos celebrar.

— Como? — Quinn soltou-se da mulher e a fitou, impressionada.

— Seus pais estão vivos, sua sobrinha também. Sam provavelmente está facilitando para o exército dos Aliados. Você vai ver, essa guerra já está no papo.

Ela considerou a fala de Rachel, até perceber que era informação demais para alguém que passara o último mês trancado em um porão.

— Como sabe que Sam não apoia o governo de Hitler? — ela questionou. Não se lembrava de ter mencionado isso a Rachel.

— Fui pega aqui antes de ir ao primeiro campo. Seu marido conversou comigo pacientemente, mostrando porque eu estava ali. Ele sabia que era errada aquela prisão, e deixou tudo muito claro em sua voz. Guardou meus pertences e disse, que se um dia a Alemanha voltasse a ser livre, eu poderia pegá-los.

Quinn sorriu. Aquilo era mesmo algo que Sam faria. Ela se perguntou quantos judeus ele teria ajudado e porque não mencionara tal fato em casa. Mas, se ela também nunca falara de Rachel para ele, como poderia cobrar que Sam contasse isso? Os dois estavam quites, ela percebeu.

— Você sente muita falta dele. — Não era uma pergunta; Rachel afirmava o que via no rosto de Quinn. — Eu sinto muito que ele esteja tão longe.

— Ele está bem. Sei que Sam vai fazer o melhor para diminuir qualquer sofrimento que o exército alemão queria aplicar nos inimigos.

Não mencionou o pequeno ataque de loucura que Sam dera antes de ir à França, querendo matar Hitler. O que importava era que Rachel achava que ele era um herói no meio de tantos malucos dentro do exército alemão. Ela pensou na possibilidade de Sam e Rachel se encontrarem para uma conversa aberta e riu. Os dois se dariam muito bem.

— Ah, e... — Rachel pigarreou, virando-se para pegar algo escondido. — Eu não queria manter isso em segredo, mas Hans disse que era necessário, pelo menos por hora.

Quinn não entendeu o que a mulher queria dizer. Sua expressão, porém, mudou no momento em que viu um pequeno rádio na mão de Rachel. Ela quis falar alguma coisa, ralhar por manter o aparelho escondido, mas não conseguiu.

— Hans disse que seria bom eu me manter ocupada e ao mesmo tempo ouvir as notícias ao redor do mundo — Rachel parecia desesperada. Quinn não sabia o que dizer para acalmar a mulher.

Os olhos castanhos de Rachel brilhavam de ansiedade e medo. Quinn deu tapinhas solidários em suas costas, e após alguns minutos disse:

— Está tudo bem, Rachel. — Ela tentou usar o tom de voz mais tranquilo que conseguia. — Eu não tive essa ideia, mas com certeza apoio Han. Lembre-se que elas são suas companhias aqui também.

Aos poucos, Rachel pareceu se acalmar. Quinn continuava com a mão em suas costas, e assim que percebeu, tirou-a de lá, sentido o rosto ficar quente. Ela ficou agradecida por estar no escuro.

— Eu falei a Hans que gostava de cantar — Rachel murmurou depois de minutos de silêncio. — Ela perguntou o que poderia fazer a respeito e brinquei dizendo que queria um rádio para voltar a ouvir músicas. Nunca pensei que ela levaria isso a sério.

— Está tudo bem — Quinn repetiu, sorrindo com a coragem de Hans. Um rádio era um achado raro por aqueles dias, especialmente um pequeno e furtivo como aquele. — Não vou te proibir de tê-lo, apenas peço para que...

— Tenha cuidado — a outra completou. O tom desesperado quase sumira de sua voz. — É, eu sei.

Quinn olhou para a janela tampada do porão. Os primeiros raios de luz ultrapassavam as tábuas e iluminavam fracamente o cômodo. Não reparou que passara tanto tempo ali com Rachel.

— Acho que vou para cima, descansar um pouco — anunciou, sentindo um súbito cansaço. Levantou-se e olhou para Rachel, mais forte e mais estável do que estava quando apareceu à sua porta. — Mais tarde eu volto.

Rachel não hesitou nem respondeu com uma piada. Apenas sorriu e disse:

— Eu sei.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Resolvi colocar a Rachel contando sua história aos poucos, assim ela e Quinn vão se descobrindo ao longo dos próximos capítulos. A parte de Finn com a Grace... Uma homenagem de última hora para o Cory, e por isso peço perdão se não ficou tão boa quanto eu desejava.
Mas enfim, por hoje é isso. Agradeço a todo mundo que comentou no último capítulo, que mandou sugestões e críticas, e em especial a uma leitora que recomendou a fic - você não faz ideia do quanto isso é importante para mim :)
Não esqueçam de deixar seus reviews, elogiando ou xingando, tanto faz, e vejo vocês no próximo capítulo!
Beijos e até lá :)



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