A Guerra Dos Seis Mundos - A Batalha dos Magos escrita por VítorXimenes


Capítulo 6
Capítulo Três - Vultos na Escuridão


Notas iniciais do capítulo

Foi um capítulo bem pequeno, esse, mas bem interessante. Finalmente a história começa.



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CAPÍTULO TRÊS

                                                          Vultos na Escuridão

            A tempestade começara durante a alta madrugada, acordando todos os moradores de Porto Kuki com seus trovões e relâmpagos e raios que iluminavam toda a cidade a cada vez que cortavam o céu escuro. A água corria agora através da rua em forma de enxurrada, pressionando as casas e destruindo todo o que restava de jardim pela vizinhança. Arbustos e pequenas árvores flutuavam levadas pela correnteza, cumulando-se às lascas de madeira dos cercados vizinhos que haviam sido arrancados de seus lugares. Um trovão irrompeu o espaço e perdurou por vários longos segundos antecedendo um raio de coloração azulada que atingiu as árvores acima de uma montanha a oeste, fazendo-as explodir em pedaços negros e encharcados. Fora o mais forte e o mais intenso da noite. Fora também o que fizera Robbie acordar assustado de seu sono profundo.

            Ele levantou-se com um pulo e correu até a janela esfregando os olhos. A água corrente arrastava-se pelo calçamento, o suficiente para alcançar os joelhos de um homem de média estatura. Apesar de não se mostrar muito profunda, sua correnteza não deveria ser subestimada. Puxou a cortina para ver melhor, mas não conseguiu ir muito além. Apesar de quase não haver névoa, aos pingos batiam tão forte na vidraça que o impediam de ver qualquer coisa lá fora. Tudo o que podia perceber era um galho de árvore partido que batia insistentemente na parede da casa, fazendo um barulho oco.  

            Depois de algum tempo, Robbie saiu do quarto e desceu vagarosamente os degraus da escada. Na sala-de-estar, encontrou sua mãe sentada no sofá, pensativa, perdendo-se em seus pensamentos sincronizados pela batida da chuva nas janelas. Quando o viu, Kharla sorriu e chamou com a mão para que ele fosse sentar ao seu lado. Robbie deitou-se em seu colo, com os pés para cima do encosto de braço da mobília, fitando a cortina branca que cobria a janela barulhenta. Conversaram e riram durante um bom tempo enquanto os trovões ainda eram audíveis, sua mãe afagando seus cabelos negros como os do pai. A tempestade parecia forte o suficiente até aquele momento, mas mesmo assim continuava piorando, transcendendo o que Robbie achara possível. Os raios cortavam o céu, cada vez mais próximos das casas da cidade e seu barulho era agora quase ensurdecedor. A chuva tamborilava a vidraçaria da janela com tanta insistência que Kharla temeu por um momento que pudesse quebra-lo.

            Em alguma hora da madrugada a água lamacenta começou a invadir o hall da casa, entrando por debaixo da porta para banhar o tapete bem cuidado. Eles levantaram do sofá e juntos instalaram barricadas de panos e lençóis velhos para conter a água, mas essa situação não durou por mais de dez minutos. A água não mais entrava na casa, mesmo assim Kharla concordou em manter a barricada armada, só por precaução. A tempestade pareceu co­­meçar a perder força quando Robbie caiu no sono no colo da mãe. O sonho fora molhado e envolvia muitas pessoas correndo sob a chuva branda.

            — Rob! Rob! — Sua mãe chamou docemente. Ele abriu os olhos esperando levantar-se para ajuda-la novamente com a barricada, mas não havia água inundando o hall e nem mesmo raios azulados cortando o céu.

            O sol despontava acima das nuvens pesadas, despejando um pouco de sua boa luz sobre Porto Kuki. Porém, toda essa sua luz não significava realmente todo o seu calor. Mesmo coberto por dois grossos cobertores e pela capa do sofá, Robbie estava a ponto de começar a tremer de frio.

            Kharla sorria quando o ajudou a sentar-se no sofá, com os cabelos longos e castanhos caindo sobre o rosto do filho. Robbie soprou-os para longe, espreguiçando as costas duras e esticando os braços dormentes. Porém, manteve-se enrolado sob as cobertas. Ela o beijou na testa antes de afastar-se e voltar para a cozinha.

            — Que horas são? — Perguntou ele, ainda um pouco atordoado pelo sono. A leve batida sincronizada da água da chuva no vidro das janelas não o ajudava em nada quando deveria despertar.

            — Dez e meia. Mas não se preocupe! — Apressou-se Kharla em dizer, vendo-o levantar-se apressado. Guardou o queijo de volta na geladeira e virou-se novamente para olhar para Robbie. — Não vai haver aula hoje na sua escola. Ligaram mais cedo para avisar. Você estava em um sono tão profundo que sequer percebeu o telefone tocar.

            Ela olhou para janela, por onde alguns poucos raios de luz entravam. Robbie seguiu seu olhar, mas ela o desviou, tornando a olhá-lo e sorrindo.

            — É melhor que não saia também — Alertou. — A tempestade vai voltar mais tarde, e dizem que não será tão branda como a da madrugada. Pelo menos não teremos nenhum alagamento na rua quando acontecer de novo. Alguns homens passaram há algumas horas para as docas. Vão desentupir cada bueiro da cidade, um por um, antes da tempestade.

            — Melhor assim — Robbie voltou a sentar-se no sofá e puxou os cobertores ao seu redor. — Não acho que a barricada iria suportar mais água que aquilo.

            Ele esticou o braço até a mesa de canto e arrebatou o controle remoto para ligar a televisão quando sua mãe deu as costas para continuar o que estava fazendo. Ficou pulando de canal em canal durante o resto daquela manhã. A maioria não tinha nada interessante passando, apenas de programas de culinária e entrevistas com pessoas desconhecidas; o resto dos canais sequer estava pegando alguma programação além da estática cinzenta e o barulho agonizante de um chiado. Teve que contentar-se, portanto, com um programa de palco que entrevistava professores e mágicos formados nas escolas de Bhalls.

            A manhã passou rapidamente à medida que o sol escondia-se mais por detrás das nuvens pesadas da tempestade que estava por vir. Pouco antes do almoço, bem protegido por uma capa grossa e grandes botas e luvas de plástico, Robbie saiu para o jardim escorregadio para arrancar as pedras brancas que o atravessavam enquanto Kharla colocava o almoço à mesa. No caso de outra enxurrada maior, quaisquer dessas pedras poderiam desprender-se e atingir alguma coisa ao redor. Depois de removê-las e guardá-las com cuidado, Robbie voltou para dentro e tomou um longo e demorado banho para poder descer e almoçar com sua mãe.

            À tarde, a chuva começou a ficar mais intensa. Quando o crepúsculo transformou as nuvens cinzentas em espelhos vermelhos flutuando no céu, a tempestade prometida começou a cair. O telejornal anunciava temporais severos em todas as terras abaixo de Dumed e alertava para os riscos de alagamentos nas cidades perto de rios. Porto Kuki, sendo instalada à costa do brando Mar Livre, parecia estar livre de qualquer problema como esse. De Tosh até o Bloqueio de Pedra, o mar era calmo e lento, o suficiente para fazer uma viajem do continente ao Reino do Céu levar quase o mesmo tempo que se fosse a Superporto cortando pelo Rio Liberdade.

            Antes que a noite pudesse cair por completo, os trovões e raios voltaram a aparecer para iluminar o céu negro. Algum desses primeiros raios devia ter acertado uma torre de transmissão, pois a televisão parou de transmitir qualquer coisa quase que instantaneamente e a energia elétrica começou a falhar. As nuvens piscava a cada longa trovoada que fazia a casa tremer. Kharla sentou-se ao lado de Robbie e o abraçou fortemente. Era engraçado, porém. Ela não iria admitir a ideia tão facilmente, mas ele sabia muito bem que ela tinha pavor aos sons da tempestade.

            A barricada contra a água havia sido mantida e reforçada algumas horas mais cedo, mas aparentemente em vão, pois a rua não mostrava qualquer outro indicio de alagamento a não ser pelas poças que se espalhavam no calçamento e no jardim. Quando a luz da sala piscou uma última vez, deixando-os no escuro, Kharla resolveu subir para tentar dormir.

            Robbie a acompanhou, sentando-se ao seu lado na cama de casal até que ela pudesse pegar no sono. Depois, não ousou mais descer as escadas para o andar de baixo. Ficou lá encima, olhando através da janela do quarto, mesmo sem conseguir discernir nada do que via lá fora. A chuva batia forte já janela e no teto, mais forte que na madrugada anterior. Além de tudo isso, a névoa começava a retornar à cidade, trazendo consigo todo o frio mortal do norte.

            Abrindo o guarda-roupa, ele pegou outro casaco e vestiu sobre o que já estava vestido, depois correu para esconder-se por debaixo dos cobertores da cama. Apesar das duas cobertas que fortemente o enrolavam, todas as extremidades do seu corpo tremiam com o intenso frio que se apossava do quarto. Era tudo aquilo incomum, Robbie pensou quando seus dentes começaram a tilintar uns nos outros. A Terra Livre nunca estivera tão fria quanto naquela noite desde que o rei de Cazä dominava toda a terra com sua bruxaria negra há quase mil anos.

            Um som de madeira partindo o afastou de seus pensamentos. 

            Pressionando os cobertores contra o corpo e prendendo-os ao pescoço, ele levantou-se e caminhou novamente até a janela. Entreabriu a ponta da cortina, e mesmo por entre toda a névoa e a forte chuva, pode ver o vulto anormalmente negro que encontrava-se encostado ao salgueiro destruído pelo temporal, entre a casa e um galpão antigo do vizinho. Robbie cerrou rapidamente a cortina e encostou-se à parede úmida, não ousando olhar novamente através da janela. Não poderia olhar. Mas uma certeza batia fortemente em sua cabeça, extinguindo todo o frio que sentia até agora. O vulto o havia visto, não havia duvida alguma sobre isso. O vulto da mesma pessoa que vira quando voltava da casa de Raffael, poucos dias atrás. Em ação impulsionada pelo medo, Robbie trancou a janela, deixando cair as cobertas pelo chão.

            Antes não o tivesse feito.

            O frio entrou brusco e penetrante por seus pulmões, em forma de dor física. Robbie arqueou a coluna para tossir o ar para fora quando ouviu o vidro quebrar e se estilhaçar ao seu redor. Ainda com o frio perfurando cada canto de sua pele, ele recuou até o guarda-roupa e viu quando a sombra adentrou o quarto através da janela. Sua capa cortou o ar ao mesmo tempo em que um raio cortou o céu e iluminou o quarto escuro. Mesmo assim, Robbie não conseguiu visualizar o rosto encapuzado do sujeito, mas pode ver muito claramente sua espada à mão direita. Ela cintilava até os olhos do garoto, mas era ao mesmo tempo sem cor e coberta por sombras.

            — O-o que...

            Robbie tentou falar, mas as palavras saíam desconexas e gaguejavam em sua boca. O homem moveu-se velozmente, fazendo esvoaçar sua capa escura ao vento molhado que entrava pela janela quebrada. Robbie não conseguiu mover-se. Ficou paralisado de medo, como nunca imaginou que poderia ficar um dia. A reação, quase automática, veio no ultimo instante. Quando o homem sem rosto brandiu sua espada escura sobre a cabeça, Robbie desviou centímetros para a esquerda, o suficiente para salvar-se de ser partido ao meio. Cambaleio três passos de costas e tropeçou no tapete atrás de si. Caiu sentado e sem reação. Viu a espada arrebentar com violência parte do guarda-roupa e seu portador ser lançado por seu peso para frente, até bater de frente na parede. Com um único movimento, desenterrou a espada e a brandiu para o alto na direção do garoto.

            A espada do encapuzado desceu, mas não atingiu o alvo.

            Um raio irrompeu o céu, seguido por um estrondoso trovão que tomou conta do ar gélido da noite. Nesse meio tempo, enquanto o raio se dissipava e a espada descia violenta, uma luz explodiu azul e iluminou todo o quarto. Robbie não entendera o que realmente estava acontecendo, apenas arrastou-se de costas até alcançar a porta. O homem fora lançado fortemente contra a parede, fazendo sua espada ricochetear no chão e cair pesada do outro lado do cômodo. Outra pessoa aparecera na cena, como que surgida do próprio ar. Também usava uma capa negra semelhante ao outro, mas era muito mais baixo e carregava alguma coisa pequena à mão ao invés de uma espada. Seu capuz foi deixado cair para trás, mostrando seu rosto. Robbie não pode vê-lo direito devido ao pavor e ao escuro, mas percebeu que sua arma era como um graveto bem apertado à mão.

            O homem encapuzado levantou-se furioso e correu até a espada, gritando e praguejando em uma língua que Robbie não conseguiu entender. Em um rápido e curto movimento, ele pegou a espada e a brandiu contra o outro. Um segundo lampejo irrompeu do ar e outro homem entrou através da janela com o aspecto de um raio, tão rápido que o garoto mal pode vê-lo, antes que a espada chegasse a atingir o homem pequeno. A arma sem cor caiu da mão do encapuzado e seu corpo tombou, morto.

            Por pouco Robbie não gritou quando o homem caiu sem vida no chão do seu quarto. Olhou ao redor desesperadamente, mas não conseguia ver o outro que o matara. Na mesma velocidade em que aparecera, havia desaparecido. Ele tentou levantar-se, mas caiu novamente com as costas na parede. O homem pequeno, quase do seu tamanho, aparentemente, aproximou-se bamboleante.

            — Vá! — Gritou. — Você tem que ir agora, enquanto tem chance!

            — O que...

            — Vá!

            Robbie levantou-se, mas não se moveu em direção a porta.

            — Vá! — Voltou a ordenar o homem, gritando.

            — Minha mãe...

            — Vá! Agora! Mais virão...

            — Não sem minha mãe! — Robbie gritou em resposta, crescendo em relação ao homem.

            Mas não teve tempo para mais nada. Através da janela, adentraram ao quarto mais homens encapuzados. Dois, três, quarto, cinco, pode contar. O homem baixo posicionou-se entre eles e o garoto, esperando o ataque imediato dos cinco, posicionando sua arma estranha à frente do corpo. Um deles atacou primeiro e um lampejo de luz amarela o fez recuar como que empurrado, depois outro lampejo vermelho saiu diretamente do que parecia um graveto em sua mão e atingiu o oponente, fazendo cair inanimado sobre o chão. Os outros quatro desembainharam suas espadas de uma só vez, e até mesmo Robbie conseguia entender que, por mais poderoso que o seu defensor fosse, não conseguiria combatê-los todos.

            Seu coração bateu com força na garganta e o desespero próximo à morte invadiu sua mente.

            Uma explosão de fumaça negra se posicionou entre eles e começou a tomar forma. O outro homem reapareceu, tão rápido como antes, e deu combate aos quatro atacantes de uma só vez, lutando com ferocidade com sua espada flamejante. Era uma bela arma, grande e de uma coloração vermelha, cravejada de pedras coloridas e gravada com uma caligrafia fina e irreconhecível aos olhos do garoto. Por um segundo, Robbie conseguiu vislumbra-lo, seus cabelos negros e longos esvoaçando a cada movimento.

            O homem pequeno viu então sua oportunidade e a pegou. Virou-se bruscamente e tocou o ombro de Robbie. Ele sentiu a pele queimar ao toque e ser puxada como em um beliscão espalhado por todo o corpo. Um segundo depois, eles não estavam mais no quarto nem ouviam os sons da batalha. O garoto ficou tonto, então caiu de joelhos sobre o chão duro e úmido, sentindo uma dor lacerante e a chuva bater sobre sua cabeça.  


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