A Guerra Dos Seis Mundos - A Batalha dos Magos escrita por VítorXimenes


Capítulo 7
Capítulo Quatro - O Som da Morte




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 CAPÍTULO QUATRO

                                                   O Som da Morte

            Nada podia se ouvir naquelas condições. Além de seus sentidos estarem ainda confusos, o vento soprava cortante como um redemoinho e assobiava alto aos ouvidos de Robbie. A chuva tamborilava em sua cabeça enquanto ele tossia tentando levantar-se, agora totalmente encharcado, fazendo-a doer. A sensação fora horrível e confusa. Por mais que sua cabeça trabalhasse para tentar encontrar algum sentido, nada vinha à mente, a não ser o pensamento de que estaria sonhando. Ficou de joelhos no chão frio e molhado e tentou olhar ao redor. Apesar da névoa e da forte tempestade que caía, Robbie pode ver o seu salvador de pé ao lado, olhando nervosamente para o nada escuro da floresta à frente. O graveto empunhado ao lado do corpo, como que esperando mais um ataque como aquele. O outro homem não estava à vista, então o garoto pensou que ele possivelmente estava morto. Se fosse isso verdade, talvez sua mãe também estivesse.

            Robbie balançou a cabeça e afastou aquele pensamento da mente. Não podia aceitar que ela estava morta. Não queria aceitar. Ele ficou de pé, as pernas tremendo de frio.

            — Quem é você? — Conseguiu perguntar, aproximando-se do homem.

            Tentou dar uma discreta olhadela em seu rosto, mas ele puxou imediatamente o capuz por sobre a cabeça, escondendo-o. Robbie decidiu deixa-lo, então.

            — Temos que sair da rua — Falou ele, ignorando completamente a pergunta.

            — Ainda estamos em Porto Kuki?

            — Sim, mas não por muito tempo.

            Ele olhou bruscamente de volta para a floresta à frente, não desviando sua atenção. Robbie seguiu seu olhar e conseguiu reconhecer o caminho. Estavam a apenas alguns metros do templo da cidade. Atrás, havia uma densa e calma floresta protegida. Olhando para a clareira entre suas árvores e o pomar do templo, Robbie conseguiu lembrar-se. Não fora aquele homem que vira dias atrás ali. Eram seus salvadores. Ainda mais perguntas surgiram em sua mente, mas o homem não parecia estar disposto a respondê-las.

            Mesmo assim, Robbie decidiu arriscar.

            — O que está acontecendo. Quem eram aquelas pessoas?

            O homem o encarou.

            — Eles estão vindo — Anunciou assombrosamente. — Loucura! Loucura e estupidez!

            O medo trespassou Robbie e o fez paralisar onde estava. Teria chorado pela mãe se não estivesse tão assustado. 

            — Você tem que ir. Eu vou atrasá-los — Ele aproximou-se do garoto. — Atrás do templo há um estábulo aberto. Pegue o cavalo mais rápido e vá. Deixe a cidade e não olhe para trás. Siga a umidade do oceano e só pare quando chegar a Portosal. Mantenha-se fora da estrada e longe da praia. Vá!

            Ele o empurrou com força, fazendo cambalear vários passos. Mas Robbie não correu de imediato. Tinha uma coisa que precisava saber antes de partir. Uma coisa que se desesperava para perguntar. Porém, tinha medo da resposta. 

            — Minha mãe... Ela...

            — Ela está viva. Vá! Vá agora e verá sua mãe em dois dias em Portosal.

            Robbie correu. Correu cegamente por entre a névoa e a chuva da tempestade que tentava soprá-lo para longe. Apenas conseguiu chegar ao estábulo tateando a parede de pedra congelante do templo. A porta de madeira batia violentamente com o vento, estourando em lascas molhadas a cada vez que se chocava com a parede. Os cavalos estavam mais que assustados, encolhidos aterrorizados e relinchando uns contra os outros sobre duas patas. Quando Robbie entrou, todos se apressaram em recuar para o fundo do estábulo. O vento parecia tentar levá-los também, mas não tinha muito sucesso com isso.

            Em uma rápida olhada, quase que instantânea, ele percebeu o melhor cavalo. Um corcel marrom de bom porte. A maioria deles estava ali para puxar carga e ajudar ao sacerdote a cultivar o pomar ao lado e levar mercadorias para o centro da cidade, mas não aquele cavalo. Aquele fora exclusivamente tratado para correr.

            O vento soprou forte mais uma vez, fazendo a porta despencar com estrondo sobre uma das cordas que os segurava. Dois deles empinaram-se sobre as duas traseiras quando perceberam que estavam livres e galoparam em disparada para a tempestade afora. Robbie teve que se jogar sobre a pilha de feno ao lado para não ser pisoteado. Depois levantou-se e, sem perder mais tempo, correu até o seu escolhido. Pegou uma rédea e uma cela, ambos pendurados a um canto e os instalou rapidamente sobre o cavalo. Não conseguiu, porém, montá-lo. Era um cavalo muito bom. Forte e bem nutrido, aparentemente, apenas aparentemente, de pura raça. Mas nada disso o impelia o medo. A cada vez que quase conseguia montar em seu dorso, um trovão preenchia o ar e o cavalo o jogava de volta para o chão lamacento do estábulo.

            Estava demorando muito, Robbie pensou em desespero. Se conseguissem passar pelo homem pequeno que ficara para atrasá-los, chegariam até ele antes mesmo de conseguir montar o cavalo. Tentou mais uma vez, agora usando como apoio uma prateleira de madeira velha. Não teve sucesso. A prateleira quebrou com um barulho surdo e o garoto caiu novamente no chão. O cavalo relinchou e afastou-se.

            — Robbie? É você ai?

            Com o rosto ainda coberto de lama, Robbie arrastou-se para trás de um armário velho ao canto. Não era o homem que deixara para trás, isso estava claro. Não conseguia ver seu rosto, mas pode ver por baixo da mobília que não vestia nenhuma capa preta como os outros, mas cinza e que parava ao meio dos tornozelos.

            — Não precisa temer a mim, Robbie — Falou, com a voz mais gentil que conseguiu. — Sou eu. Yuggo, o sacerdote. Pode sair e falar comigo o que precisa.

            O sacerdote caminhou mais para perto e Robbie prendeu a respiração, permanecendo imóvel atrás do armário, o frio fazendo-o tremer. Yuggo, porém, não foi até onde ele estava. Parou frente ao cavalo que ele tentara montar e começara a alisar sua crina, fazendo-o se acalmar no canto em que estava. Robbie não tinha mais outra escolha, sabia. Prendendo a respiração e concentrando-se para parar de tremer, levantou-se vagarosamente e saiu de trás da mobília que o escondia. Yuggo olhou para ele e abriu um largo sorriso.

            — Diga-me o que precisa. Eu sempre estive aqui para auxiliar a todos.

            — Eu preciso do cavalo — Responde ele, apreensivo. — Preciso sair imediatamente.

            — O que aconteceu? — O sorriso morreu no rosto do sacerdote, como se ele pudesse ler a situação nos olhos do garoto. — Eu poderia ajudá-lo.

            O que aconteceu? A pergunta vagou na mente de Robbie por quase um minuto quando ele percebeu que não tinha uma resposta para ela. Tentou falar alguma coisa, mas nada saiu de sua boca. O silêncio perdurou longo, apenas quebrado pela tempestade caindo lá fora e pelo barulho da batida do resto que sobrara da porta na parede. Mesmo assim, a resposta não veio.

            — Eu não sei — Pegou-se respondendo, quase sem perceber. — Mas eu preciso sair da cidade imediatamente. Eu preciso do cavalo!

            — Acho que você deveria voltar para casa Robbie — O sacerdote aproximou-se dele, estendendo o braço até seu ombro.

            Era um gesto a fim de acalmá-lo, o garoto teria percebido não fosse o desespero que o invadira naquele momento. Ele recuou até onde a mão de Yuggo não pudesse tocá-lo, batendo as costas no armário.

            — Não posso voltar para lá! — Explodiu em um grito involuntário.

            O cavalo de tração ao seu lado assustou-se e fugiu até onde a corda o permitia.

            — Eu não posso voltar lá — Repetiu Robbie, sua voz enfraquecendo-se enquanto o sorriso de compreensão deixava o rosto do sacerdote. — Eu preciso seguir em frente, para Portosal. Ou eles irão me matar.

            Os olhos de Yuggo tremeram nas órbitas e suas pálpebras fecharam-se. Era como se ele soubesse algo. Como se ele soubesse algo que Robbie não sabia. Com um longo suspiro, ele falou:

            — Diga-me do que precisa. Apenas diga. E eu o darei.

            — O cavalo — Respondeu o garoto, apontando para o animal bem tratado que continuava no canto do estábulo. — Só preciso do cavalo.

            Sem abrir mais a boca para falar, o sacerdote deu as costas e caminhou até o cavalo. Passou a mão carinhosamente na crina do animal, que se abaixou vagarosamente e deitou-se sobre o chão lamacento. Yuggo fez um sinal para Robbie, que aproximou-se lentamente e montou sem seu dorso. O cavalo pareceu imponente quando ficou de pé e o garoto sentiu-se alto como nunca fora em sua vida.

            — Você vai para Portosal então?

            Robbie anuiu com a cabeça, lutando para controlar o animal com as rédeas.

            — É uma longa viagem até lá — Concluiu o sacerdote, passando a mão no pescoço do animal para acalmá-lo. — Você vai precisar de algumas coisas. Espere o meu retorno.

            Jogando o capuz por cima da cabeça, Yuggo correu para fora do estábulo e sumiu entre a névoa e a tempestade. Um raio iluminou tudo, assustando os animais ao redor, mas não o que Robbie montava. Era como se houvesse perdido todo o medo. Fora por toda a vida treinado para ser um cavalo de justas e corridas. Com alguém sobre o seu dorso, transformava-se em um animal totalmente diferente.

            O garoto começara a ficar apreensivo com a demora quando o sacerdote reapareceu correndo, trazendo uma grande bolsa de couro e mais coisas entre os braços. Parou ao lado de Robbie, ofegante, e balançou a cabeça para que o capuz o descobrisse o rosto. Entregou-o tudo o que trouxera. Dentro da bolsa, comida e água suficientes para dois ou três dias de viagem, além de um compartimento menor com itens de primeiros socorros. Por ultimo, entregou-lhe uma capa e uma faca curta.

            — Você pode talvez precisar dela. A estrada não é segura.

            — Não irei pela estrada — Contou Robbie.

            Yuggo balançou a cabeça assertivamente.

            — Boa sorte, então. Vá com cuidado, e não cubra caminho à noite.

            O garoto tomou o conselho no fundo de seu agradecimento. Tinha que ir agora.

            — Obrigado.

            O sacerdote sorriu.

            — Vá agora. E não tema a escuridão!

            Robbie soltou as rédeas e o cavalo lançou-se em disparada. A chuva cortava-lhe os olhos com violência e o vento fazia-o tremer, mesmo tendo dois casacos e uma capa de viagem sobre o corpo. Quando olhou para trás, não conseguiu mais ver Yuggo nem o estábulo. Depois de um tempo, não pode sequer ver o alto templo. A água chapinhava para todos os lados enquanto o cavalo galopava sem temer a névoa ou a tempestade. Nem as mais altas trovoadas, aquelas que quase faziam o garoto cair de seu dorso, conseguiam assustá-lo.

            Passaram-se dez minutos de corrida intensa, mas o animal ainda não mostrava sinais de cansaço. Totalmente ao contrário de Robbie, que lutava para não cochilar sobre ele. Ainda não dormira esta noite, e sabia que não poderia fazê-lo por enquanto. Mas seguiria o conselho de Yuggo. Quando deixasse Porto Kuki, pararia em qualquer canto entre a mata e dormiria até o despontar da manhã, escondido sobre a capa que ganhara. Não cubra caminho à noite, as palavras dançaram em sua mente. O cavalo continuou seu galope em velocidade, fazendo curvas inesperadas e escolhendo seu caminho sem que Robbie o guiasse.

            Parecera mais de meia hora de viagem quando parou pela primeira vez, mas apenas por alguns segundos, suficiente para que o animal pudesse escolher o caminho a que seguir. A chuva fazia música na cabeça do garoto, fazendo-a latejar incontrolavelmente a cada subida brusca que o cavalo fazia para pular um obstáculo inesperado. A névoa era mais densa e cinzenta como nunca fora na Terra Livre, Robbie pensou. Não conseguia sequer ver a própria mão quando a colocava à frente do rosto. O frio também estava mais presente do que nunca, congelando as pontas de seus dedos mesmo estando enfiados nos bolsos da capa de viagem. Era uma coisa como nunca sentira antes, esse frio. Uma coisa anormal. Maligna.

            Seus olhos fecharam-se e seu corpo pendeu para um lado e depois para o outro. Por pouco não caiu violentamente de cima do dorso do cavalo, mas seu companheiro de viagem conseguiu mantê-lo sobre si. Robbie alisou sua crina em agradecimento.

            Primeiro ficara tudo uma total escuridão e depois sua mãe falava às suas costas. A voz doce dela preencheu seus ouvidos e quase o fez parar de alegria. Apenas quase. Quando Kharla retirou-se para a escuridão e fechou a porta, Robbie viu-se sozinho e desamparado. Olhou para todos os lados e para cima, e só quando virou-se de costas, pode ver o encapuzado negro avançando sobre ele. Não usou sua espada descolorida para atingi-lo, porém. Precisou apenas de um forte empurrão em seu peito...

            Robbie acordou de supetão e abriu os olhos assustado demais para gritar. Sentiu o corpo pender para trás e um frio no peito enquanto caía do dorso do cavalo. Atingiu o chão molhado com um baque surdo. Suas costas pareceram quebrar-se e o sangue acumulou-se na boca. As patas dianteiras do animal voltaram a tocar o chão e ele tentou trotar para longe da confusão, mas algo o pegou primeiro.  Sangue vermelho vivo choveu em toda a parte ao longe quando a espada desceu sobre a garganta forte e musculosa do cavalo. Seu corpo tremeu violentamente em uma convulsão e caiu, mas não antes de atingir por reflexo seu atacante com um coice. O encapuzado atingiu o chão e sua espada perdeu-se através da névoa. Robbie arrastou-se para o lado, tateando o calçamento até encontrar a calçada e subi-la. Tudo agora se resumia em sua dor nas costas. Encostou-se à parede fria que encontrou e lá ficou, incapaz de se mover por mais um instante. Não sabia se havia realmente quebrado alguma costela, mas a dor que sentira era como se houvesse de fato quebrado.

            Levou a mão à boca e mordeu os dedos dormentes para não gritar ou chorar. Não sabia se o encapuzado o conseguira ver escapulindo, pois também não conseguira vê-lo em meio à névoa e à tempestade. Mas sabia que se ele o encontrasse, era seu fim. Perguntou-se o por que. Queria pelo menos saber o motivo daquilo tudo antes de ser cortado ao meio como acabara por acontecer ao cavalo. O que levara àqueles homens a atacá-lo em seu quarto? Quem era aqueles que o haviam protegido? Tantas perguntas, tantas questões sem respostas. Sua cabeça doía muito também, então ele fechou os olhos. Os fechou para não sofrer mais, para não ver o homem vindo até ele quando deveria morrer. No fim de tudo, não queria mesmo saber o motivo daquilo tudo.

            Com os olhos fechados, não viu quando o encapuzado aproximou-se, segurando sua espada ao lado direito. Quando o viu, apenas esperou pela morte, de olhos fechados. Mal viu quando uma luz acendeu-se atrás de si, mas pode ouvir gritos e passos apressados ao seu lado junto ao som característico de espadas deixando suas bainhas. Antes de abrir os olhos, pensou que fosse o mesmo homem pequeno de antes, mas não era. Ele não usara espada alguma antes, apesar de tudo. Três guardas armados correram em direção ao inimigo, atacando-o com os golpes ferozes de suas espadas curvadas. Não usavam grandes armaduras como os guardas da cidade, então Robbie presumiu que eram seguranças particulares.

            O encapuzado era habilidoso, e deu combate aos três de uma vez. Com sua espada longa desarmou dois deles com apenas alguns golpes e matou-os ali mesmo, do mesmo modo como havia feito ao cavalo e faria ao garoto se tivesse a chance. Enquanto o ultimo guarda resistia, Robbie engatinhou em direção à luz atrás de si. Mais dois passaram rapidamente ao seu lado para ajudar o último companheiro, mas foram rapidamente derrotados e abatidos sem piedade pelo homem encapuzado.

            Robbie não mais aguentava arrastar-se. Sua visão ficou embaçada e a dor apenas aumentou para um nível quase insuportável. Tentou mover-se mais uma vez, só mais um pouco, o suficiente para alcançar a luz que se acendera atrás. Atravessou uma porta de madeira, mas não tinha muita certeza de onde estava. Sua visão estava muito turva, quase escura. Viu plantas, árvores em um jardim coberto e bem cuidado e um casarão à frente, além de uma menina de cabelos negros paralisada à sua frente. Era mais branca do que era considerado normal na Terra Livre. Ela vestia um casaco longo e grosso por cima da roupa de dormir e olhava com assombro. Mas não o olhava. Robbie seguiu o olhar de Maryan e viu o encapuzado adentrar o jardim, empunhando sua espada coberta de sangue.

            Ele encarou o garoto, então atacou.

            Robbie ainda tentou buscar uma última força em seu corpo para desviar o ataque, mas não a encontrou. Quando fechou os olhos em um reflexo, ouviu um tilintar de espadas se encontrando e viu Maryan à frente. Com uma espada curvada, ela defendeu o ataque com toda a sua força, quase deixando a arma cair da mão, e deslizou para a direita por baixo do braço esquerdo do homem. Com habilidade, desferiu três golpes cortantes em sua perna. Pela primeira vez o encapuzado gritou e Robbie viu seu sangue ser derramado. Ele desviou e levantou a arma longa sobre a cabeça e atacou com toda a força que tinha. A garota conseguiu aguentar o primeiro golpe, mas o segundo, de baixo para cima, arrancou-lhe a espada curvada da mão e a fez cair sentada no chão de terra do jardim.

            — Não! — Robbie gritou quando o homem levantou a espada, mas sua voz perdeu-se.

            Maryan também gritou. Um grito de horror que o fez querer atirar-se entre os dois. Era tudo sua culpa. Ele levantou-se e tentou correr. Teria conseguido a tempo, mas parou de repente. Aconteceu tudo muito rápido. Uma luz azul cortou a escuridão e Robbie soube de imediato que era o homem pequeno daquela vez. O encapuzado foi lançado para longe, mas conseguiu manter a espada consigo enquanto caía. O bruxo – Robbie o tomara como um bruxo depois de tudo – avançou para dentro do jardim, fazendo dançar o graveto que usava para fazer suas mágicas. O encapuzado, porém, desviou os feitiços e levantou-se para atacar ferozmente. O homem baixo parecia ser poderoso aos olhos do garoto, mas não tinha muita habilidade para combates corpo a corpo.

            Desviou uma, duas, três vezes aos sucessivos ataques, manuseando o graveto para todos os lados. Robbie percebeu as plantas terrestres movendo suas raízes, tentando, ainda sem sucesso, agarrar os tornozelos do homem. O bruxo correu por trás de um carvalho alto e lançou um feitiço que fez a árvore moverem seus galhos para atacar o inimigo. O encapuzado escapou por pouco das garras de madeira do carvalho, cambaleando para trás e caindo, preso aos tornozelos pelas raízes das plantas rasteiras. A espada escorregou de sua mão, caindo ás suas costas, e Robbie viu uma oportunidade.

            Ele enfiou a mão no bolso da calça e tirou de lá o punhal que ganhara do sacerdote. Jogou a bainha para o lado e atirou-se sobre o homem, chutando para longe sua pesada espada. A faca penetrou a barriga do encapuzado, cobrindo as mãos de Robbie com seu sangue. Ele gritou de dor, mas não se rendeu. Tentou empurrá-lo para longe. Robbie retirou a faca vermelha de suas entranhas e preparou-se para apunhalar mais uma vez, desta vez no local certo, mas não conseguiu fazê-lo a tempo. Recebeu um inesperado soco no rosto e desequilibrou-se para o lado, caindo sobre um arbusto rasteiro. Um segundo depois, o inimigo estava sobre ele, com a faca em mãos, pronto para matá-lo.

            Robbie segurou seu braço, o sangue da faca escorrendo e pingando em seu rosto. Pode pela primeira vez ver através do capuz do homem. Era excessivamente branco como um morto e não tinha pelo algum na face nem na cabeça. As orelhas pontudas e os olhos avermelhados e o nariz torto comprovavam uma forma não humana.

            A faca descia com a força do monstro. Robbie resistia firmemente, mas sabia que não aguentaria por muito mais tempo. Ele ouviu Maryan gritar e o encapuzado teve apenas alguns poucos segundos para desviar do ataque da sua espada curvada. Ela atacou uma, duas, três vezes, seus cabelos negros esvoaçando ao vento da tempestade e seu rosto ficando mais vermelho a cada segundo. O inimigo apenas recuava, com a máxima precaução para não tropeçar novamente nas raízes. Na quarta vez, ele conseguiu dominá-la em sua armadilha. Maryan atacou de baixo para cima, com toda a habilidade que conseguiu reunir. Ela era um grande espadachim, Robbie percebera, mas não era boa o suficiente para vencê-lo. Com a ajuda da faca, ele fez sua espada desviar e tomou-a com a mão livre. A garota estava domada, livre e sem defesas à frente.

            Então ele a atacou, e ela jogou-se ao lado para desviar.

            Robbie gritou quando viu o sangue escorrer pelo braço da garota. Se não tivesse desviado aqueles poucos centímetros, a espada estaria agora cravada em seu coração. O inimigo atacaria novamente, e agora não erraria. Maryan caiu de joelhos, com a mão direita pressionando o ferimento no braço esquerdo. Mesmo assim, o sangue ainda escorria por debaixo do casaco. O bruxo reapareceu, correndo e brandindo o graveto em sua mão. A espada foi atirada das mãos do encapuzado, caindo próximo a porta que dava acesso ao jardim. Mas ainda lhe restava o punhal na outra mão. Robbie correu enquanto ele se recompunha para atacar e puxou Maryan para si, abraçando-a e caindo com ela para o lado.

            No segundo seguinte, um jorro de luz vermelha deixou a ponta da arma do bruxo e precipitou-se em direção ao inimigo. Era um ataque certeiro para atingi-lo às costas, que com certeza o mataria. Mas não o atingiu. Robbie sentiu com espanto a terra tremer abaixo de si e erguer-se como um escudo entre os dois que lutavam. O feitiço ricocheteou na parede de pedra e partiu-se em vários fragmentos espalhados para todos os lados. O homem pequeno abaixou-se para não ser atingido pela própria mágica e Robbie empurrou Maryan de volta para o chão. Tudo ficou vermelho quando os fragmentos começaram a chocar-se contra a parede.

            Sem perder tempo, o inimigo avançou novamente.

            Luzes vermelhas e azuis voavam desconexas para todos os lados, nenhuma sem atingir o alvo. A terra voltou a erguer-se entre os dois e Robbie começou a perceber que o encapuzado conseguia mudar sua forma com apenas um gesto com as mãos, sem precisar de qualquer arma como a do bruxo. O garoto pressionou o ferimento de Maryan, que choramingava deitada ao seu lado.

            — Vai ficar tudo bem Maryan — Ele tentou acalmá-la. — Você vai ficar bem, eu prometo.

            Com violência, Robbie rasgou a ponta da sua capa de viagem e a amarrou ao braço da garota. O sangue começou a estancar aos poucos. Ela assentiu com a cabeça em agradecimento, tentando esboçar um sorriso.

            A batalha continuou intensa. Os feitiços vermelhos voavam loucamente para todos os lados e ricocheteavam nas paredes, alguns passando a mínimos centímetros de suas cabeças. Robbie tinha que tirar Maryan de lá, pensou enquanto estacas de pedra emergiam do chão de terra e lançavam-se contra o bruxo. Bastou um único aceno com seu graveto para o carvalho deixar o lugar onde suas raízes estavam instaladas e atirar-se contra as estacas, fazendo-as parar enfiadas em seu corpo de madeira.

            Quando a árvore caiu com estrondo no chão, as estacas de pedras atravessadas por toda a sua extensão, Robbie agarrou Maryan pela cintura e usou toda a força que dispunha para arrastá-la para fora do jardim. A chuva os atingiu com força quando saíram para a tempestade aberta e o frio da densa névoa fez a garota tremer em seus braços. Estavam aproximando-se do corpo caído do cavalo quando Robbie tropeçou, cambaleou dois passos à frente e não conseguiu equilibrar-se mais. Caiu para frente, com o queixo arrastando no calçamento molhado e o sangue da língua mordida enchendo sua boca Por mais que tivesse tentado, não conseguiu manter Maryan em seus braços. Gritando, ela foi lançada para frente, caindo embolando para longe até perder-se na névoa. Levantando-se, Robbie deu uma rápida olhadela em que havia tropeçado. Mesmo entre o denso escuro, conseguiu ver a espada negra do inimigo, longa e sem cor, descansada ao chão. Por um momento de insanidade esquecera Maryan, caída atrás de si, e abaixou-se para erguer a espada. Não conseguiu, no entanto. Era demasiadamente pesada para ele. Conseguiu levantá-la por alguns poucos segundos, mas depois a largou com um baque estrondoso ao cair no chão.

            Antes que pudesse abaixar-se novamente para uma segunda tentativa, ouviu um barulho ensurdecedor e o jardim explodiu. As estacas de pedra estavam trespassadas por toda a sua estrutura, com pouco espaço entre elas. Robbie sentiu o medo invadindo-lhe por completo. Não havia como o bruxo ter escapado desta vez.

            O garoto voltou correndo para perto de Maryan. Ela estava imóvel no chão, com o braço ainda sangrando e parte da sua bochecha e testa direita ralada de quando caíra.
Quando as estacas se retraíram de volta ao chão, a estrutura que cobria o jardim ruiu. As paredes caíram para os lados e para dentro, fazendo o teto em forma de cúpula rachar-se ao meio e cair sobre as árvores, até o momento bem cuidadas. Não havia sinal do bruxo quando o desabamento fez dispersar a névoa, mas Robbie pode muito claramente ver o monstro encapuzado.

            Ele não soube explicar como depois, mas ergueu a espada pesada com as duas mãos e posicionou-se para defender ao ataque. Seu inconsciente procurou medo dentro de si, mas não o conseguiu encontrar. Estava preparado. O ataque, porém, não veio. O inimigo pulou para o lado e fez crescer ao redor de si uma esfera de terra a partir do chão, mas aquilo não o ajudou muito. Algo veio rápido como um relâmpago em forma negra. Em segundos, a estrutura de defesa erguida do chão desmoronava, mostrando o encapuzado novamente, gritando e praguejando. Pegou a espada curva que encontrou deixada ao chão e posicionou-se. O ataque veio de cima, quando Robbie pode ver o mesmo homem que aparecera antes no quarto para combater os cinco inimigos, dando-os a oportunidade de escapar.

            Sua espada estava desembainhada, dançando para todos os lados em sua mão, enquanto o oponente defendia-se sem esperança. A luta era tão rápida que o garoto apenas conseguia ver vultos cortando o ar no lugar das espadas. Quando o encapuzado pensou que teria alguma chance, a batalha acabou. Ele atacou de repente em uma abertura, e tudo explodiu em uma chama intensa que cobriu tudo.

            — Não! — Gritou Maryan, quase sem forças, ao ver sua casa desmoronar com a explosão.

            A poeira tentou espalhar-se, mas acabou por ser contida pela força da tempestade. O fogo esvaiu-se, transformando-se em nada mais que uma fumaça preta e quente. Robbie levou a mão ao rosto para evita-la em seus olhos e largou-se ao lado da garota. Todo centímetro do seu corpo doía, agora que parara para pensar. Não se podia ver nada um palmo à frente do rosto, mesmo olhando com muita atenção. Depois de um tempo, ainda em meio à cegueira, ele sentiu Maryan apertar seu braço.

            Passou-se um longo tempo de silêncio, onde a única coisa a ser ouvida era o tamborilar da chuva no chão e o brusco som dos raios caindo há quilômetros de distância.

            — Acabou finalmente.

            Robbie olhou para trás e pode ver o bruxo de pé atrás de si quando a fumaça começou a se dissipar em meio a névoa. Levantou-se rapidamente, ficando quase ao tamanho do homem. Não sabia se o agradecia ou se partia para batê-lo, mas descobriu-se aliviado ao vê-lo.

            — O que é isso? — Perguntou ofegante, o peito doendo a cada respiração. Lembrara-se agora da possibilidade de ter quebrado alguma costela. — O que está acontecendo hoje? Eu tenho o direito de saber!

            — Foi uma estupidez — Respondeu o bruxo irritadiço, evitando olhar em seus olhos. — Não devíamos ter vindo aqui esta noite. Tudo saiu errado ao planejado. Mas no fim está tudo bem.

            — Que planejado? — Robbie quis saber. Exigiu saber. — O que vocês vieram... Vocês os atraíram?

            — Não há mais o que temer Robbie. Está acabado agora, não há mais nenhum deles vivo neste mundo.

            — Acabado? O que isso significa? Neste mundo?

            Ele olhou para a casa destruída e coberta por fumaça e cinzas virando pasta com a água da chuva.

            — Esperaremos ele vir — Apontou com a cabeça para onde estivera olhando. — Ele saberá o que fazer.

            — Quem é ele?

            Ao ouvir a pergunta, o bruxo calou-se e deu as costas. Isso irritou Robbie.

            — Nós temos o direito de saber! — Gritou. — Eu quero saber!

            — Eu já falei demais Robbie — Decretou duramente o bruxo, aproximando-se tanto que o garoto pode ver todos os detalhes de seu rosto. Não era mesmo tão velho como aparentava por sob a capa negra. — Mais até do que devia. Iremos esperá-lo agora. Em silêncio!

            Robbie o encarou por um minuto inteiro, inflexível, esperando que encará-lo fosse mudar alguma coisa. Mas ele era apenas um garoto, não havia o que um bruxo com ele temer. Depois do minuto passado, desistiu aborrecido, voltando sua atenção para a garota. Ele abaixou-se novamente ao seu lado.

            — Maryan, você está bem? — Perguntou Robbie, seus olhos quase implorando por desculpas.

            Ela sorriu um sorriso fraco.

            — Sim.

            — Desculpe — Pediu ele, desajeitado. — Eu-eu acho que é minha culpa. Não sei...

            — O que é tudo isso? Por que aqueles homens, ou qualquer coisa que eles sejam, estavam procurando por você? Eles queriam... Quero dizer, eles queriam...

            Maryan parou e olhou para ele.

            — Me matar? Acho que sim — Respondeu ele, as palavras quase secas em sua boca.

            — Por quê?

            Ele olhou para o bruxo antes de responder com sinceridade.

            — Não sei. Não entendo nada o que está acontecendo, mas acho está tudo bem agora.

            Uma lágrima escorreu através da bochecha pálida da garota. Robbie não sabia o que fazer. Por mero instinto, envolveu-a com um dos braços em uma espécie de abraço desajeitado. Ficaram naquela posição por um longo tempo, sem proferir palavra alguma, apenas olhando para o local vazio onde antes erguia-se uma grande construção. A casa fora grandiosa antes de ser derrubada pela explosão. Um casarão digno de um lorde pelo menos meio rico. Amarelo e com portas de boa madeira, com um jardim invejável á todos na cidade. Agora nada mais restava. Nem mesmo uma parede para marcar onde estivera.

            Um pensamento desesperador ocorreu a Robbie.

            — Seu pai... Sua mãe... Eles estavam...

            — Não! — Respondeu Maryan prontamente, levando a mão direita ao rosto para enxugar a lágrima que escorrera. — Meu pai viajou para acertar os últimos...  Os últimos processos da mudança. Minha mãe o acompanhou.

            — Então... Não havia mais ninguém...

            Robbie se calou e deixou a pergunta morrer entre o som da tempestade. Maryan soluçou ao seu lado e as lágrimas voltaram a descer pelo seu rosto, misturando-se à água da chuva que molhava seus cabelos e escorria por sua testa até o queixo.

            — Sim. Havia Robbie — Explodiu ela entre os soluços, mexendo-se para que o braço dele caísse de seus ombros. — Havia servos do meu pai. Soldados, cozinheiros, arrumadeiras... Muitas pessoas...

            Não conseguiu terminar. Robbie se manteve em seu silêncio profundo, sem ousar sequer olhá-la novamente. Era aquilo tudo estranho para ele, porém. Apesar de tudo, não vira menção alguma de haver alguém dentro da casa durante toda a batalha. Ninguém apareceu ou gritou de dentro. Ninguém.

            Mas Robbie sentiu aquilo como uma dor profunda no peito. No fundo, ele sabia que era tudo sua culpa. Permaneceu imóvel onde estava, sentindo a água na boca e a costela do lado direito do corpo doer mais do que nunca. 

            Pareceram se passar longos minutos de silêncio e dor quando Robbie ouviu passos afundando na água acumulada no calçamento e virou-se para onde estivera parado o bruxo. Ao seu lado, estava o outro homem. Lançava uma aura forte e imponente, o garoto pode sentir, mas também era uma aura escura que pressionava o ar à volta. Robbie tremeu ao encará-lo melhor. Não por frio, nem por que estava machucado. Tremeu de medo. O homem acabara de salvá-lo, mas ainda o assustava mais do que os outros.

            Ele ficou paralisado com o pescoço virado em sentido contrário ao tronco. A posição começou a incomodar, mas Robbie não ousou mover um único músculo à presença daquele homem. Ele arrastou sua capa negra até parar ao lado do bruxo. Não parecia ter sofrido nenhum arranhão sequer.

            — O que devemos fazer? — Perguntou o homem pequeno. 

            O homem fuzilou Robbie com seu olhar frio. Imediatamente, o garoto desviou o rosto e olhou para o chão. Seu coração bateu acelerado. Mesmo não tendo visto centímetro algum de seu rosto, pode sentir que os olhos do homem não demonstravam emoção alguma.

            Ele girou o corpo, fazendo dançar sua capa negra pelo escuro, e avançou em direção a ele. Robbie estava aterrorizado demais para correr. Seu corpo tremia em cada centímetro e a adrenalina liberada pelo medo pareceu anestesiar a dor na costela. Sua mente não conseguia pensar, deixada entre a neblina de seus sonhos confusos.

            — A história já esperou longo tempo para ter seu início — Falou enquanto caminhava.

            Sua voz penetrou os ouvidos de Robbie como agulhas. Era grave e ecoante, sobrepondo-se mesmo ao barulho da tempestade. O garoto não ouvira nada de tão horrível em toda a sua vida. Soava como saído da boca de um ser sem vida. Soava como a própria morte.

            Ele chegou perto o suficiente. Robbie fez menção de correr, mas seu corpo não obedeceu. Ficou ali, paralisado, esperando a aproximação do homem, com o medo tentando de qualquer modo rasgar suas entranhas. Maryan parara de soluçar ao seu lado. Ele temia por ela, mas agora não tinha coragem de dispor os olhos para olhá-la.

            O homem estendeu a mão e o tocou acima da cabeça.

            Robbie perdeu a respiração permanentemente. Puxou com força até os pulmões doerem, mas nada entrou para eles. Seu corpo queimou e pareceu ter seus órgãos desprendidos e arrancados. Nada poderia ser feito para acabar com a agonia, nem mesmo a morte. No último instante, viu Maryan ao seu lado, antes de ficar tudo escuro e vazio em sua mente.


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