Filha Da Noite escrita por Liza T


Capítulo 2
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas aí esta o capítulo dois!Espero que gostem.



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Sentada em sua nova cama, envolta no silêncio do quarto, Mia lembrava-se da primeira vez que se transformara em lobo. Talvez fosse apenas para recordar-se de como, naquela época, ela pensava que aquilo era bom. De como a imaturidade a trazia a sensação de alívio de que aquilo acabaria em breve. Mas não acabara. E não acabaria nunca.

Ela olhava para o longo espelho pendurado na parte de trás da porta, levando a si mesma de volta ao seu quarto em Nova York. Era noite. Mia tinha apenas doze anos quando tudo começou.

Ela lembrava-se claramente de olhar pela janela e pensar em como a lua cheia estava bonita aquela noite. E então arquejar sem ar, dobrando-se no chão. Ela olhara para o longo espelho pendurado na parede, semicerrando os olhos ao ver o próprio reflexo. Havia algo luminoso no vidro.

Mia aproximara-se do objeto hesitante, arrastando-se desajeitada para perto. Foi quando soltou um arquejo, lutando em busca de ar.

Seus olhos.

Estavam dourados.

Aquele fora o primeiro e o mais assustador dos sinais que surgiram antes de sua primeira transformação em lobo. Afinal, depois de ver o início de tudo, ela sabia que havia que outras coisas estavam prestes a acontecer. Mia já sabia por que certa vez ouvira escondida uma conversa entra sua mãe e sua avó, que também tinha esses dons. Por sua vez, a mãe era humana, pois a avó era paterna. Todavia, Mia nunca conhecera seu pai e sua mãe ocultava detalhes sobre ele.

A garota finalmente olhara de soslaio para sua imagem refletida, abrindo a boca tentando sugar o oxigênio, quando sentiu algo cutucando seu lábio inferior. Presas. Compridas e afiadas, como caninos que de repente haviam dado lugar a peças cortantes como facas.

Então Mia começara a sentir dor. Excruciante, queimando em seu peito, nos braços, nas pernas, na cabeça e até as extremidades do seu ser. A dor era tão intensa que ela esquecera-se de respirar e sua visão ficara embaçada. Fechando os olhos com toda a força reunida que lhe restava, a jovem agarrara as beiradas das cobertas com mãos em garra até os nós dos dedos ficaram brancos, enquanto um comichão espalhava-se por seu corpo e sua pele pinicava insistentemente.

E tudo abruptamente parara. De repente; finalmente liberando o fresco ar para dentro de seus pulmões. E, ao primeiro movimento, o pijama de Mia escorregara por seu corpo esguio agora coberto por pêlos cinzentos e brancos. Ela sentia que sua forma havia mudado. Suas mãos haviam virado patas, havia um longo nariz em frente ao seu rosto; seu molde estava diferente. Até mesmo quando Mia virara a cabeça para trás e vira uma cauda peluda varrendo o carpete do quarto ela não se assustara, pois sabia que aquele corpo lupino era seu. E tudo parecia tão natural. Como uma extensão de sua capacidade que se estendia até algo inimaginável. Surreal. E bela e assustadoramente maravilhoso. Mia teria rido se sua forma permitisse. Porém, quando se olhara novamente no espelho, vira um monstro.

Não era um lobo comum, embora o aparentasse. Sua alma era humana. Mas... Se Mia conseguia virar aquilo que encarava no vidro, sua alma realmente seria totalmente humana?

Novamente a ingenuidade não permitia a Mia todas as respostas. Talvez nem mesmo agora, quatro anos depois, ela poderia afirmar isso.

Oh, como era tola.

Ela balançou a cabeça com força, voltando ao quarto da escola, retornando para a realidade em uma guinada, mas com a pergunta que voltava de tempos em tempos ainda presa em seus pensamentos.

O quão humana ela era?

* * *



O início da tarde passou voando. A manhã fora divertida; Melodie era extrovertida e elas tinham bastante coisas em comum, e Mia tinha certeza de que seriam grandes amigas. Nicholas era absolutamente uma das melhores pessoas que já conhecera. Era contido, tinha um humor discreto e era extraordinariamente paciente. Ele e Melodie haviam se conhecido um ano antes de Mia entrar na escola, o que os tornava mais próximos do que ela jamais se tornaria a qualquer um dos dois. E mais, quando estavam em um dos corredores das salas de aula, o professor James aproximou-se e começou a falar com Nicholas abertamente. Vendo sua visível confusão, sua colega de quarto sussurrou à Mia:

– Ele e Nicholas são irmãos. – Uau. Mesmo depois de ele ter ido embora, ela continuava a assemelhar seus rostos em sua mente. Eles eram realmente parecidos. Todavia, foi assim que passaram a manhã. Conversando, rindo, olhando a escola. Mesmo que não fosse nada assim tão especial, Mia tinha que admitir que fora divertido.

O som de passos ecoando no corredor e o barulho de chaves na porta indicavam que Melodie chegara. A garota irrompeu no quarto radiante e sorridente, e jogou-se ao lado de Mia na cama.

– E então, já arrumou suas coisas? Sabe que metade do armário é seu.

– Ainda não. – respondeu. – Estou tentando me adaptar à escola, só isso. – após uma longa pausa pensando em algo para dizer, continuou: - Tem alguma coisa importante sobre a escola que eu deveria saber?

Melodie parou e pensou por um momento:

– Bom, por aqui ficar no meio do nada e ser cercado por florestas, tem uma espécie de toque de recolher. Ninguém sai dos quartos das 21h30min até de manhã. Sabe, tem vários animais que circulam por aqui, principalmente lobos. A Sra. O’Connell não quer nenhum aluno sendo atacado por lobos aqui. – ela deu de ombros. – Mas eles não têm como passar pelas grades. E se algum conseguir, nossos zeladores dão um jeito neles.

Mia forçou um sorriso com o estômago embrulhado. Ela não poderia transformar-se nessa escola. Como faria então? Ela sabia que o colar que envolvia seu pescoço a ajudava a controlar-se, mas não para sempre. O desejo pela liberdade só aumentaria até que Mia irrompesse. Ao menos que fosse cuidadosa. Muito, muito cuidadosa. E talvez restringisse apenas alguns dias para que pudesse sair à noite e correr pela floresta. E Mia ainda teria duas semanas para planejar suas fugas e pesquisar as fraquezas dos zeladores.

Mia olhou para Melodie de soslaio e a loira começou a gargalhar. Mia ficou completamente confusa.

– O que foi? – perguntou.

– Ora, foi uma piada. Nenhum zelador vai matar lobos. Nunca. Eles são protegidos por serem animais selvagens ou algo assim. – Melodie gesticulava mostrando como a coisa toda era absurda.

A jovem sentiu um peso saindo do peito e riu junto com Melodie. Finalmente, ela levantou-se da beira da cama e recuou para a porta, dizendo:

– Vou me encontrar com Nicholas, ok? Se quiser jantar conosco, vá para o refeitório e nos procure nas mesas do canto direito, lá no fundo. Sempre sentamos lá. Te vejo depois!

Com isso, ela fechou a porta atrás de si com um meio sorriso no rosto. Mia apenas suspirou, sentindo o riso sumir de sua face. Visando a luz da janela, a garota desejou que as coisas não se complicassem nessa escola.

* * *



Obviamente, ela estava errada. O primeiro jantar foi a prova disso.

Mia já pegara sua bandeja e dirigia-se à direita, procurando Nicholas e Mel. E então viu algo piscando no fundo do extenso salão, como um sinalizador. Mas não era um sinalizador. Era o cabelo de Melodie. E apesar de Mia vê-la a mais de cinqüenta metros, ele não brilhava realmente; ninguém mais parecia ver a tal luz dourada.

Mia piscou várias vezes, tentando livrar-se da sensação de que ela realmente via a luminosidade ofuscando sua visão. E então o raio de sol sumiu de repente, e a jovem perdeu a amiga de vista. Apenas via o topo da cabeça de vários alunos movimentando-se para encontrar uma cadeira vazia. A garota localizou novamente a mesa apenas minutos depois, e enfim sentou-se.

Melodie olhou-a de lado:

– O que aconteceu? Você está com uma cara péssima. Parece que viu um fantasma e não dorme há dias.

Nicholas riu quando Mia pegou uma colher para ver seu próprio reflexo. Seus cabelos estavam embaraçados e ela tinha olheiras abaixo dos resplandecentes olhos azuis. Suas sobrancelhas juntaram-se.

– Eu estava assim antes?

Mia falava sério. Apesar disso, Nicholas riu ainda mais e Melodie deixou um riso escapar dos lábios.

Ela recolocou a colher em seu lugar, formando um bico com os lábios franzidos. Deixou essa pequena coisa de lado, e voltou a conversar.

Depois de um tempo, porém, algo começou a zumbir em seu ouvido. E ficou mais alto. E mais alto. Chegou a certo ponto em que aquilo começou a irritá-la, transformando-se em um coro horripilante e barulhento. Mia olhou para trás, intrigada com o som, mas percebeu novamente que apenas ela notava algo de diferente no ambiente. E parou para prestar atenção no barulho.

Primeiramente, parecia rascante. Transformou-se em som de estilhaços destruindo-se. Passou para pequenas vozes que se tornavam gritos. E risos. Algo pareceu explodir ao seu lado, e quando Mia seguiu o som, percebeu que Melodie derrubara seu copo de lado na mesa.

A garota separou os lábios quando a compreensão a atingiu. Era o som ambiente. O que ouvia era o salão em sua atividade normal, mas muitas vezes mais alto que o normal.

Seu peito começou a subir e descer com mais força. Os sons a atingiam de todos os lados, vibrando, suplantando uns aos outros, tecendo-se em sua mente, enroscando-se e enrolando-a até que Mia não ouvia mais nenhum som específico, apenas ruídos e mais ruídos que gritavam ruidosamente em seus pensamentos...

Mia levantou-se da mesa tão rápido que a cadeira quase caiu para trás. Ignorando as objeções e os gritos de Nicholas e Melodie, Mia correu o mais rápido que pôde para fora do salão do refeitório, com as mãos desesperadamente apertadas sobre os ouvidos.

Na porta de saída, ela ainda esbarrou em uma garota ruiva que falava animadamente com uma amiga. Mia saiu sem nem perceber que derrubara o suco da garota sobre a roupa dela.

A forma de Mia diminuiu até sumir entre a escuridão da noite. Os olhos verdes da moça ruiva estreitaram-se até parecerem felinos e brilhantes. Seu nariz se torceu em desaprovação.

Mia entrou correndo no quarto e atirou-se de costas contra a porta, com os cabelos sobre o rosto e ofegando pela corrida. Aprumou-se sobre seus braços trêmulos e olhou pela janela que por descuido fora deixada aberta. Os sons paravam de ecoar em sua mente vagarosamente.

Entre madeixas que lhe cobriam os olhos, Mia encarava pelo espaço envidraçado uma nuvem que se esgueirava preguiçosamente no céu.

Quando finalmente passou pela janela, a lua mostrou-se brilhante e fria, com o formato de um sorriso que ria da garota apoiada na escuridão, debruçada como um animal espreitando um ataque. Como um lobo esperando para ganhar vida.


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