Filha Da Noite escrita por Liza T


Capítulo 1
Capítulo Um




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– Querida, tente se adaptar. Por mim. – a mãe da garota dizia insistentemente, unindo as sobrancelhas e sorrindo levemente.

A jovem suspirou, descrente que tal ação se realizasse algum dia. Ela trocara de escola pelo menos três vezes em um ano, e Mia se considerava um imã de acidentes. Agora se encontrava novamente diante da mesma situação, em pé junto com sua mãe em frente à porta da nova escola, no início de Setembro. O outono estava mais frio que o normal, por isso mãe e filha vestiam casacos pesados, apesar de Mia vestir por baixo o moletom da nova escola. Um vento insistente fazia os cabelos de ambas voarem ao redor de si e em seus rostos.

A menina não queria discutir nem contrariar sua mãe novamente. Então apenas a olhou com seus grandes olhos azuis e deu um leve sorriso, dizendo:

– Eu prometo que vou tentar.

A mãe sorriu uma última vez, a abraçou com força e, ao se afastar, disse baixinho:

– Ligue quando puder.

Mia sorriu de volta e assentiu, olhando a mãe afastar-se até entrar no carro e sumir na rua estreita de pedras que passava entre um mar de árvores. Quando o carro sumiu de vista, o sorriso foi varrido do rosto da garota. Ela observava os outros alunos que entravam na grande porta ornamentada ao seu lado. Ela tinha certeza de que todos tinham suas próprias amizades, e não se envolveriam com a garota estranha, novata e quieta. Principalmente se descobrissem por que ela havia mudado de escola mais uma vez.

Olhando para o chão, garota arrastou a grande mala atrás de si, indo para o enorme saguão logo depois da porta. Logo que passou pelo portão, deu de cara com um enorme balcão onde estava escrito “recepção”. À esquerda, havia duas portas grandes que levavam a algum lugar que Mia desconhecia.

À direita, havia uma gigantesca porta dupla feita de madeira escura como a da entrada, e as paredes do saguão eram de um tom vermelho-escuro vibrante. A multidão de alunos aglomerava-se perto daquela porta, mas a garota não fazia idéia do por quê. Ficou na ponta dos pés para ver melhor, mas a pouca altura dificultava a ação. Então ela abriu caminho em meio à comoção, ocasionalmente pisando em pés e sussurrando desculpas. Ela aprumou-se ao ver quem estava em sua frente: uma mulher de meia-idade com o cabelo ruivo-claro perfeitamente preso em um coque no alto de sua cabeça. Demonstrava autoridade e tinha um ar totalmente controlado e calmo. Devia ser a diretora.

A mulher começou com uma voz macia e calma:

– Bem vindos, alunos. Por favor, os antigos alunos dirijam-se aos seus antigos quartos; as chaves estão no balcão da recepção. Alunos novos, sigam o professor James para seus dormitórios. – ela apontou para um jovem que Mia pensara ser um aluno. Tinha o cabelo escuro e arrumado, olhos incrivelmente verdes e um sorriso descontraído. Depois de um tempo em que a diretora saudava todos e discursava sobre o novo ano que vinha pela frente, Mia pegou-se ainda olhando boquiaberta para o professor. Arrumou a postura e finalmente, após alguns dos alunos terem ido para o balcão e outros para a porta, ela seguiu-os.

* * *

O grupo passou por um longo pavilhão, que James explicou ser a biblioteca e a enfermaria. À esquerda havia um pátio quadrado coberto de grama, onde dois ou três alunos estavam sentados em pequenos bancos. Logo à frente, Mia podia ver a lateral de outra ala, o dormitório feminino. Atrás dele, havia o dormitório masculino e um pouco além, um pequeno gramado e árvores, até chegar às grades que cercavam a escola.

Na frente das portas dos pavilhões, o professor parou e puxou de dentro do casaco uma pequena lista com o nome dos alunos e seus respectivos quartos. Tirou do bolso uma caixa preta e amarrotada onde, após ser aberta, Mia pôde ver uma porção de chaves com quadrados onde estavam rabiscados os números. O estranho é que as chaves estavam todas bagunçadas dentro da caixa, misturadas e, pelo que pode ver, não continham nenhuma ordem de organização. Entretanto, o professor lia um dos nomes e, quando a pessoa apresentava-se com um passo à frente, ele apenas colocava a mão na caixa e pegava a chave certa conforme ele citava sem tirar os olhos da lista. Mia começou a prestar atenção nisso, mas depois de algum tempo, convenceu-se de que aquilo não era importante. Parou com essas besteiras e começou a olhar alguns pássaros voando ao redor da pequena turma, até James falar com uma voz alta e firme:

– Amelia Blake!

Ela hesitou no lugar e depois andou para frente, até o professor que a acompanhava com o olhar. De perto ele parecia ainda mais incrível, e ela sentiu-se estúpida por estar pensando nisso. Então algo estranhamente surpreendente aconteceu: após dezenas de alunos em que James apenas olhava para a lista enquanto botava a mão na caixa, ele olhou cuidadosamente as chaves até achar uma que seus dedos agarraram. Ergueu a pequena peça até o rosto de Mia e disse com a voz baixa:

– Quarto 416.

Ele a olhava com uma estranha insistência que a deixou perturbada, mas Mia agarrou a chave e virou-se para procurar onde ficava o quarto, quando uma mão tocou-a levemente no ombro. Ao virar-se, o braço de James estava esticado, e ele falou com a voz taciturna:

– No final do corredor. – indicou a entrada do prédio. Sentindo-se um tanto titubeante, assentiu e seguiu para a direção que ele apontava. Mia tinha a certeza de que o professor continuava a segui-la com o olhar vidrado que parecia investigar sua alma. E o mais estranho é que ele sabia de sua dúvida sobre onde ficava o quarto, embora ela houvesse sido a única aluna que ele ajudara. E algo sobre James ter escolhido a chave do quarto que ela ficaria também a assustava.

Mia terminou a última dezena de metros antes de fazer uma curva correndo de um modo ridiculamente exagerado. E diretamente a sua frente, de uma distância de pelo menos trinta metros, havia apenas uma porta. Espantada com sua certeza, ela sabia que aquele era o quarto 416. Mesmo com todas aquelas portas dos dois lados do extenso corredor, além de uma escada que subia para o segundo andar que também seria totalmente cheio de quartos, ela andou firmemente até a porta marrom-claro no fim do corredor. Talvez seus olhos a estivessem enganando, mas o número pareceu piscar diante de seus olhos. A chave encaixou na fechadura, e ela girou-a. Ao abrir a porta silenciosamente, o recinto pareceu apenas simples e comum.

Havia uma janela enorme na parede oposta à porta, uma cama encostada nessa parede e outra à sua direita. À esquerda havia outra porta interna entreaberta que levava ao banheiro. Um tapete azul felpudo estendia-se no chão e havia um criado-mudo perto de cada cama. A garota entrou um tanto hesitante, e viu outra garota debruçada sobre a cama da direita. De costas, apenas viu seus longos e charmosos cabelos dourados e perfeitamente penteados; era impressionante ver como o cabelo daquela menina brilhava, mesmo com pouca luz pegando diretamente nela. Mia recuou, mas a mala rangeu e a garota que nem notara nela virou-se e então sorriu abertamente, como se estivesse esperando por sua chegada. Era um sorriso sincero e lindo, combinava com os olhos cinza-escuro da jovem.

Mia sorriu de volta, esperando que a aparência selvagem de seus cabelos escuros não a fizesse parecer uma mendiga. Mas a garota não se importou com isso. Continuou sorrindo e estendeu a mão para ela.

– Melodie Bennet. – disse. Mia apertou sua mão e a jovem apontou para as roupas que estavam espalhadas pela cama dela e por praticamente todo o quarto. – Desculpe a bagunça, é que desde que estudo aqui eu não tenho colega de quarto, sabe?

Melodie pôs-se a pegar seus pertences que estavam na cama vazia, até ela estar livre para que Mia depositasse sua mala ali. Após fazê-lo, ela disse seu nome.

Melodie parou de repente, como se pensasse. Tinha uma expressão confusa que depois passou para intensidade. Começou a agitar-se inquieta e andava de um lado a outro do cômodo, fingindo ajuntar roupas do chão. Mia percebeu isso e ficou desconfortável, mudando o peso de um pé para outro. Mas Melodie continuava a sorrir, e comentou:

– Nome bonito. – depois tentou mudar de assunto: - Por acaso alguém te mostrou toda a escola ou te entregou a grade de horários?

Mia balançou a cabeça.

– Podemos fazer isso à tarde. O primeiro dia é livre, sabia? – mas Melodie tinha certeza que a garota não fazia idéia de nada disso. Nem esperou que ela fizesse negativa com a cabeça novamente. – Vou te deixar arrumando suas coisas, depois posso te mostrar tudo daqui. As salas, os melhores lugares para almoçar... Nos encontramos na frente da biblioteca?

A novata respondeu um “sim” sussurrante e a loira marchou para fora do quarto rapidamente, deixando Mia sozinha com seus próprios pensamentos.

* * *

Mia estava de pé em frente à porta dupla da biblioteca, esperando que Melodie aparecesse como prometera. O jardim interno era muito bonito, e agora que parara e prestava atenção aos detalhes, percebeu que tudo era muito mais organizado do que pensava. Exatamente à sua frente, podia ver a imensa ala do refeitório, que era no mesmo prédio que o ginásio. E tudo tinha um ar glorioso e antigo, como um grande casarão antigo que via nos livros ou em filmes. A parte interna que fechava o quadrado do pátio interno era mais desbotada do que a fachada frontal e tinha um tom rosa antigo meio descascado.

A garota suspirou e começou a voltar para o quarto, quando viu Melodie andando em sua direção meio hesitante. Não sabia o porquê, e uma onda de pavor espalhou-se por seu peito, apesar de saber que conclusões precipitadas não eram boas. Mia já passara por tantas escolas e tantas situações diferentes que qualquer coisa era imaginável. Mas Melodie não podia saber, podia? Era seu primeiro dia ali. Porém...

Mia começou a recuar, esperando que a garota gritasse e a atacasse verbalmente, lembrando-se do escândalo que uma colega de quarto fizera quando descobrira no que ela tornava-se. Entretanto, Melodie olhou para trás e um garoto aproximou-se dela correndo. Tinha cabelos negros despenteados e, mesmo à distância, ela podia ver seus olhos verdes da cor do mar piscando em sua direção. Ambos aproximaram-se dela juntos; Melodie tinha aquele lindo sorriso escancarado, e o garoto novo trazia um riso tímido nos lábios.

– Esta é Mia Blake. – Melodie falou para o garoto como se Mia não estivesse ali.

– Nicholas Miller. – sorriu. - Bem-vinda à nova escola. – ele disse, estendendo a mão para que ela apertasse. O contato da mão enregelada da garota com a pele quente do jovem fez-se perceber. – Não te mostraram a escola ainda, não é?

Mia balançou a cabeça, pensando que o tour pela instituição era apenas uma desculpa para quebrar o silêncio. Mesmo assim, começaram a andar juntos.


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