Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 40
Amarga


Notas iniciais do capítulo

"Não merece o doce quem não experimentou o amargo."
—Erasmo
"Porque o amor e seus sonhos, são a única porta para a eternidade."
—Dulce María
"Eu sei é um doce te amar, o amargo é querer-te para mim"
—(Los Hermanos, música: Condicional)



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Ponto de vista de Renesmee

Ao lado da casa, estava Dulce agachada remexendo na terra escura. Acenei ao sair do carro e fui logo em direção a garagem de Jake, onde podia ouvi-lo, por trás das árvores. Jake abriu um sorriso imenso a me ver e não pude deixar de retribuir. Logo eu estava sendo prensada por seus braços.

Aquele lugar estava mesmo denunciando o abandono. Agora peças da Harley estavam espalhadas em volta dela, o capô do Rabbit estava aberto, enquanto ele mexia por ali, eu organizava tudo, colocando parafusos em potes, limpando prateleiras, separando ferramentas...

_Ficou bem melhor_ falei olhando meu próprio trabalho e em seguida sentando num pneu próximo onde Jake estava agora dando assistência a sua antiga Harley.

_Essa não vai ficar boa hoje, teremos de usar a outra_ disse apontando o robusto veículo prateado, parcialmente coberto com lona preta. Eu assenti.

_Ouça, ontem você disse que não sabia quais eram os planos agora. Quais seus planos anteriores?_ perguntou ele, cauteloso.

_Não voltaria para Paris, por causa de Christopher_ Jake parecia muito concentrado na peça que limpava enquanto eu falava_ Mas não ficaria aqui muito tempo... Eu procuraria você _ admiti por fim.

_Sozinha?_ balançou a cabeça, exasperado.

_Grande coisa! Vampiros fazem isso às vezes, viajam como nômades_ expliquei.

_Claro-claro, vampirinha.

Revirei os olhos e fiquei ali o vendo trabalhar. Sua pele era tão bonita... Os músculos moviam-se perfeitamente por baixo da seda vermelha que era sua pele. Jacob estava meio de lado, de forma que só podia ver parte de seu rosto, mas meus olhos passeavam pelos ombros largos, pelos braços fortes... Até que percebi Jake me olhando de soslaio, um sorriso um tanto inconsciente no rosto, senti minha face esquentar.

_Que foi?_ demandei percebendo seu sorriso ficar presunçoso. Minha mão buscou ao meu lado um objeto redondo, pesado e de ferro, joguei nele, que o interceptou a centímetros de seu rosto. Ele diria algo, mas Dulce nos chamou para o almoço.

Depois do almoço e metade de uma série de TV, Jacob me levou de moto até uma estrada de seixos, sem movimento. Ele me explicou todas as partes e funções.

_Acho que não preciso repetir_ disse ele.

_Entendi tudo_ falei em cima da moto, meio de lado com apenas um pé no chão.

_Dê a partida_ Jake ordenou_ Não, Nessie_ segurou minha mão quando ela se moveu_ A partida elétrica é fácil, tente o pedal_ bufei, porém fiz o que ele disse. O motor rugiu embaixo de mim, Jake fez menção de segurar o guidão, fechei a cara para ele.

_É que Bella conseguiu alguns pontos e hematomas com isso_ ele riu saudoso.

Sentia-me tão leve e divertida que a onda de ciúmes e mágoa me deixou atordoada.

_Ainda não percebeu Black? Não sou a Bella_ soltei a embreagem deixando Jacob para trás. O vento fazendo meus olhos marejados arderem um pouco, manusear a moto era fácil, mas isso ficou ao fundo.

 Eu estava sendo idiota. Fazendo com Jake algo que ele fizera com Bella, uma Bella jovem e humana. A Bella que ele amara e quisera para si, a mesma Bella que agora o repelia fisicamente, uma vampira e minha mãe. Entendi então que foi isso que o mantivera perto antes e agora: a humanidade que Bella perdeu e agora me pertencia. Entretanto eu não podia culpá-la, as coisas eram como eram.

Guiei até conseguir melhorar minha expressão. Não queria brigar com Jake por questões que estavam fora de nosso controle, não era problema dele os meus desejos incestuosos.

_Mais fácil do que pensei_ falei, parando a moto ao seu lado_ Vai chover muito_ olhei as nuvens carregadas sobre nossas cabeças.

_Desculpe-me, juro que não quis compará-la, foi só uma lembrança, não queria que se machucasse. Não se chateie_ pediu Jake, confuso.

_Tudo bem. Só não sou tão frágil quanto pareço, nem humana_ desviei de seus olhos, irritada que ele lembrasse minha mãe sempre que me olhava.

_Não quer andar mais?_ neguei_ Então, vamos, porque vai mesmo chover muito. Acha que pode guiar até minha casa?_ perguntou-me provocando.

_Vamos ver_ respondi enquanto ele subia na garupa.

Fiz o motor rugir alto, quem sabe encobriria as batidas destacadas de meu coração quando Jake envolveu minha cintura. Dividi-me em prestar atenção na direção e manter a aparente indiferença sempre que Jacob me tocava: segurando meus cabelos que chicoteavam em seu rosto, em minha cintura, ou mesmo quando uma de suas mãos desceu ao meu quadril. Isso é normal, repetia a mim mesma. No entanto, meu mantra não tinha muito efeito sobre minhas reações, por exemplo, quando freei bruscamente próxima a garagem... O peito de Jake colou-se as minhas costas por um segundo longo demais, em que parei de respirar. Ele então se curvou sobre mim, alcançando meu pulso no guidão da moto e o erguendo até ele.

_Vai acabar perdendo_ murmurou próximo ao meu ouvido. Sim, o juízo!, pensei, mas ele falava de minha pulseira, cujo alguns fios do padrão intrínseco estavam soltando_ Dê-me, vou reformá-la, devolvo logo.

No dia seguinte eu a tinha de volta, perfeitamente reformada.

Huilen e Nahuel partiram prometendo mais visitas, as Amazonas também, embora ainda não estivessem voltando para sua floresta tropical.

_O híbrido estava flertando com você, não estava?_ perguntou Jake na noite em que o híbrido em questão partira.

_Estava_ admiti.

_Ao menos ele cheira bem_ alfinetou Rose, Jake fez um ruído de nojo e eu suspirei.

**

Eu passava os dias com Jake, embora sempre houvesse mais alguém por perto, assim, eu tinha de me vigiar: meus olhares e meus pensamentos. Nada foi como imaginei, nada mudou. Jacob não voltou a ocupar um lugar fraternal dentro de mim.

Quando estávamos juntos não parecia tão errado, mas eu ficava angustiada depois sabendo quão errado era pensar nele daquela forma...

Quaisquer conceitos por mais sólidos e arraigados, se esvaem como água entre os dedos diante de um sentimento apaixonado, seja de ódio ou amor. Às vezes sentia mágoa de minha mãe, pelo passado com Jake, não que realmente houvesse um motivo, ela não tinha culpa.

No cômputo das coisas eu não ficava muito bem longe de Jake...

_ Em que está pensando?_Perguntou ele enquanto eu o assistia remontar sua Harley. Não sei o que viu quando me olhou nos olhos, mas dor sombreou seus olhos e sua mão suja acariciou meu rosto. Senti a graxa e a fuligem marcarem minha pele e eu não poderia ter me importado menos.

_Não sente falta de ter uma vida? Quero dizer alguém... Sabe, namorar, casar, quem sabe ter filhos_ demandei querendo saber quanto tempo eu teria dele.

_Não se sente falta do que nunca se teve_ ele disse com um meio sorriso. Ele estava errado primeiramente, eu sentia sua falta entre meus lábios, onde jamais o tivera_ E você? Já teve namorado.

_ Não sinto falta dele_ murmurei. Jake tirou a camisa, enrolando-a na mão e se aproximando. Segurou meu queixo delicadamente, sua mão quente fazendo-me aquecer de dentro para fora, enquanto limpava minha bochecha, ele sorriu: eu estava vermelha.

 Fitávamos os olhos um do outro, embora eu estivesse constrangida, não conseguia me mover nem respirar. Jake se inclinou um pouco mais e beijou minha bochecha, onde estivera sujo, momentos antes, ficando ali, alguns segundos, então o senti se mover, mais para o centro de meu rosto... Foi um movimento relutante. Não, ele não ia fazer isso! Jake havia percebido, ia brincar comigo? Ele não seria capaz, no entanto eu já o machucara, não foi? Ele não poderia, eu queria que sim, embora minha mente gritasse que não.

_Jacob?_ a voz masculina veio de muito mais perto do que podia imaginar, nos sobressaltando_ Desculpe, Dulce disse que você estaria aqui_ Sam balbuciou sem jeito enquanto eu deslizava no pneu onde estava sentada, me afastando de Jacob. Quil tentava pessimamente disfarçar o riso. Ótimo! Jake tão imóvel quanto podia encarava Sam com surpresa.

_É melhor eu ir_ murmurei sem tirar os olhos do chão passando por Jacob, que se levantou agarrando meu braço.

_Você acabou de chegar_ alegou.

_Melhor que eu vá, os rapazes querem falar com você_ deduzi, ele ia reclamar, mas Sam interrompeu.

_Na verdade, queremos mesmo. _Jake olhou de mim para os amigos e por fim me soltou.

_Digam_ a voz de Jake soou inflexiva enquanto eu caminhava por entre as árvores que ladeavam a casa.

_Pegamos um rastro desconhecido_ respondeu Sam.

_Leah e eu encontramos outro, encontrei Sam por acaso a caminho daqui_ esclareceu Quil, então suas vozes ficaram distantes enquanto eu dava partida.

 **

Procurando uma lógica para que eu amasse Jake, não havia razão melhor que ele ser simplesmente como era. Talvez eu devesse partir, me afastar dele... Meu peito doeu só de imaginar.

Não, eu tinha que ignorar isso, sufocar. Se ele havia percebido algo, eu mostraria o contrário...

_Renesmee_ chamou Bella, rapidamente limpei as lágrimas de frustração_ Pensei que estivesse na reserva, mas Jake chegou para falar com Edward. Ficamos preocupados, você não saiu de carro?

_Sim... Jake tinha assunto do bando para tratar. Deixei o carro no início da estrada para a casa, eu não ia demorar, mas dormi sem querer_ menti levantando-me da cama.

_Está abatida_ ela me fitou meticulosamente_ Já comeu hoje?_ ela me puxou para a cozinha.

_O que Jake quer com Edward?_ demandei sentando-me enquanto ela remexia na geladeira.

_Quer saber se seu pai reconhece os cheiros_ ela riu_ Para não matar nenhum de nossos amigos_ explicou colocando algo no microondas.

_E quem sabe? Ouvi que são dois rastros quando saí da casa de Billy.

_Seu pai não sabe, embora ache que há algo familiar. Carlisle, Emmett e Jasper foram verificar. _ ela pareceu preocupada no fim, quando colocou na minha frente um prato de uma receita espanhola de enchiladas de frango que eu gostara em nossa viagem.

_Talvez sejam nômades, aqui é um bom lugar para se estar, você sabe, vampiros não chamam muita atenção por aqui_ cogitei.

_Sim, deve ser isso.

Comecei a comer, mais por Bella que por mim, aquilo não sanaria minhas fomes.

**

 Jake retornara há duas semanas e o efeito calmante de sua presença sobre mim nos primeiros dias agora era manchada pela inquietude da perspectiva de perder o pouco que tinha dele... Depois do dia em que Sam chegara na garagem de Jacob eu me vi realmente tentada a investir... Afinal, ter deixado uma criança e encontrar uma mulher, ao menos aparentemente, pode ter mesmo mexido com o Jake homem que há dentro dele, no entanto, e quando sua prometida surgisse?! Não, eu não poderia... Na verdade, ele não enxergava a Renesmee, mas um pouco de sua Bella quando me olhava. Não me sujeitaria a isso.

Ciúmes é um sentimento amargo, sentia-me doente. Sombriamente infectada por uma substância que tinha como efeito colateral o vício. Então lá ia eu outra vez...

_Olá... _ fui entrando na casa de Billy.

_Entre, Renesmee_ disse Dulce, com seu sotaque carregado enquanto saía do quarto que fora de Jake no fim do pequeno corredor_ Jake e Billy não estão, mas espere, ele não deve demorar.

Ela sorriu timidamente indo até os armários e remexendo por lá.

_Está se adaptando?_perguntei hesitante, eu não havia sido mais que cordial com ela.

_ O... Clima é diferente. Estou habituada ao calor_ ela sorriu melancólica_ Mas gosto daqui, das pessoas.

_As pessoas são maravilhosas_ concordei. _ Jake disse que você é enfermeira_ comentei.

_Sim, minha mãe me criou na cidade, então estudei. Meu avô era curandeiro, então me influenciou bastante. _ sorri percebendo que ela me tratava com mais que apenas educação, quase como a uma amiga, talvez eu devesse me esforçar mais para manter de lado o ciúme e ser sua amiga, afinal.

_Jake e você se gostam muito, não é?_ Dulce perguntou então, enquanto cortava legumes.

_Sim_ minha voz soou melancólica agora, Dulce diria algo mais, no entanto Jake irrompeu pela porta, um sorriso enorme estampando o rosto ao me ver.

_Bom que veio_ disse ele após dar um breve sorriso para Dulce. _Dulce, Sue pediu que fosse até lá, acho que é algo sobre o emprego.

Dulce sorriu indo até a capa de chuva atrás da porta e saindo para a chuva fina que caía.

_Parece cansada_ Jake sentou ao meu lado no sofá. Dei de ombros, não era problema dele que eu não estava dormindo muito bem.

_E os nômades?_ mudei de assunto. Jacob comprimiu os lábios, pensativo.

_O último rastro leva ao Canadá, mas não entendo porque vêm e voltam. Estão nos evitando.

_Acha que é problema?

_Não estão de passagem. Se fossem apenas curiosos sobre os Cullen, não se aproximariam?_ conjeturou.

_Talvez sejam jovens_ refleti. Ele deu de ombros e espreguiçou-se, as articulações estalando.

_Acho que sinto falta de minha cama, afinal_ murmurou.

_Não tenho problemas em dormir no chão_ disse eu imitando seu tom ao dizer isso. Ele riu, o som pareceu tenso e um tanto superficial. Seu braço que estava no encosto do sofá desceu me envolvendo contra ele, meu corpo reagiu, abraçando-o, antes que eu pensasse.

_Amo você_ murmurou ele com uma voz baixa e cansada.

Minha respiração ficou presa na garganta: não era como se nunca tivesse ouvido isso dele, mas também não era como se no contexto do momento isso fizesse sentido.

_Sei que sente o mesmo_ continuou ele. Olhei-o aturdida_ Percebo como me olha, como fica quando a toco_ pôs a mão livre em meu rosto.

_Do que está falando?_ minha tentativa de deboche foi lastimável, o falso ultraje mais pareceu pânico.

_Que você me ama e que eu a amo também_ disse ele com naturalidade.

Levantei-me indignada com a audácia com que ele falava, sentindo-me traída, como se aquilo fosse um segredo que ele tinha de guardar, entretanto a indignação era porque ele estava completamente certo.

_Não amo você. Não assim_ isso me soou um completo absurdo.

_Sabe que sim, e que isso pode ser muito fácil_ ele disse me fazendo balançar a cabeça, negando tudo, negando a mim mesma. Aquilo era seriamente doentio.

_Como pode me amar assim?_ falei chocada, ele por fim se levantou, rapidamente tinha meu rosto entre suas mãos enormes e quentes.

_Como posso não amar você?

_É doentio. Chega a ser pecado_ sob a lei de quem?, perguntei-me vagamente.

_Você é meu pecado_ alegou.

Minha capacidade de raciocínio e meus sentidos estavam sendo minados pela confusão e por sua proximidade... Eu só o sentia, o cheiro, o calor, suas palavras ecoando em meus ouvidos. E então, claro que ele me amava! Jacob via em mim tudo o que perdera. Meu coração batia frenético bombeando sangue e corando minha pele, era o que me fazia humana. E havia os olhos - as janelas da alma-, os olhos de Bella, era o que ele via em mim.

 Antes de mais ele me puxou violentamente, com desespero, de encontro ao seu peito. Sua respiração em meu rosto, enquanto minhas mãos pousavam em seu peito, relutantes, ao tentar afastá-lo. Jacob extinguiu a distância entre nossos rostos, eu quase arfava. Um de seus braços envolveu minha cintura como um torno enquanto a outra segurava meu rosto com força. Sua boca úmida e desconcertantemente quente e macia roçou de leve na minha, fazendo meus joelhos cederem, e minha luta hesitante cessou. Porém não me movi um centímetro, tamanha era a força com que me segurava junto de si. Em algum lugar dentro de mim eu sentia raiva por querer aquilo, mas no momento seus olhos escuros exerciam sobre mim a força do sol sobre o universo. Enfim seus lábios se uniram aos meus com sofreguidão, sua mão abandonou meu rosto, emaranhando-se em meus cabelos... Eu arfei com a sensação, minhas mãos avançando em seus ombros fortes, encontrando seu cabelo sedoso. Um gemido baixo saiu dentre seus dentes e o beijo tornou-se ainda mais intenso. Era difícil acreditar que eu havia algum dia gostado de beijar alguém ou mesmo lembrar aqueles rostos. A estranha sede por Jake ardia em minha garganta irradiando por todo o corpo até o cerne de meus ossos. De alguma maneira eu sentia a alegria dele, seu contentamento era inegável, eu o sentia em plenitude, como se partisse de mim, como se fôssemos um.

Então conforme o beijo assumia mais doçura enquanto ele explorava com delicadeza minha boca, havia também dor, e era minha. Eu realmente não me sujeitaria a isso, ainda que eu o quisesse, eu não seria seu prêmio de consolação, pois aquilo que ele dizia sentir era apenas uma projeção do que ele sentiu um dia. E de uma maneira que só pude julgar como instinto, soube que ele também sentia minha mágoa.

Meu coração estilhaçou-se diante do que teria de fazer, havíamos confundido limites, aberto janelas proibidas e estava errado. Como se estivesse adiando o que viria, Jake retornou a intensidade inicial, deixando-me sentir sua língua contornando meus lábios, apertei-me contra ele, sentindo-me completa em seus braços, já estava feito e decidido, adiar um pouco não mudaria nada, nem faria doer menos. Durante os breves instantes que ele deixou minha boca, sussurrou meu nome. Mordi seu lábio inferior, sentindo a textura da pele, enquanto reunia forças para reincidir o contrato que aquele beijo parecia ser.

De todas as razões para o “nós dois” ser absurdo a única pela qual eu realmente não conseguiria passar por cima era o fato de ele ter amado minha mãe.

O beijo longo cessou, ambos ofegantes, seus braços não me deixaram, seu rosto junto ao meu me permitia respirar seu ar. Não queria abrir os olhos, encará-lo.

_Nessie_ me encolhi ao som de meu nome em sua voz.

_Eu... Vou fingir que nada aconteceu_ minha voz era fria e cortante como eu queria que fosse, mas não como imaginei que seria de fato, isso me surpreendeu e abri os olhos, sentindo algo profundo sendo dilacerado. Os olhos de Jake me esperavam e imediatamente bani qualquer instinto de entender o que havia neles.

_Desculpe-me_ sussurrei ao sair cambaleante.

Dirigi automaticamente para casa de meus avós, eu devia ter corrido, guardar o carro era inconveniente agora. Eu não conseguia pensar coerentemente nem mover o ponto de luz em minha mente. Jasper era quem estava na garagem quando desci do carro.

_Quer conversar?_ perguntou ele de repente, enquanto uma sensação de paz me inundava.

_Obrigada_ neguei sua ajuda, dando-lhe um beijo no rosto e partindo.

 Sozinha no chalé, longe da sensação de calma imposta por meu tio, chorei histericamente, concentrada apenas em proteger minha mente de forma regular.

_Renesmee?_ Bella chamou, a maçaneta girou, mas a porta não se abriu. Claro que isso não deteria ninguém, porém estava avisado.

_Renesmee, você está bem?_ indagou Edward a porta.

_Estou_ respondi.

_Meu bem, abre a porta_ pediu Bella ansiosa. Levantei, já era noite, e atendi seu pedido. Fitei as duas estátuas a porta.

_ O que aconteceu?_ indagou Edward. Balancei a cabeça e me esquivei de um abraço maternal.

_Vou caçar_ avisei já no meio da sala, em direção a noite fria.

 Estava escuro, não havia lua nem estrelas, parecia um reflexo de mim. Eu não queria caçar, não queria me desfazer do sabor de Jacob, só queria ir para longe, me afastar de meus pais para não magoá-los...

Tentava não pensar, apenas correr. Eu já corria há um tempo, pouco mais rápido que uma corrida humana, sem me importar com a chuva, apenas concentrando-me nos músculos trabalhando e na sensação do vento frio em minha pele quente. Então ao longe ouvi outra corrida. Corridas, na verdade, vindas de diferentes direções, eram patas grandes e pesadas que faziam o chão vibrar, então eu soube que eram lobos na ronda. Ou caçando? Fosse o que fosse eles se aproximavam a um velocidade incrível, mesmo para mim.

Subitamente um deles irrompeu pelas árvores num salto, rosnados bestiais ecoando, lutando com a chuva por espaço no ar. Ele saltara para mim, uma flecha em direção ao alvo, eu jamais seria mais rápida que ele, porém no milésimo de segundo em que o animal estivera no ar com suas garras a centímetros de mim, pelo lado oposto um lobo ainda maior surgiu. Não tive muito tempo para entender, senti o baque na lateral de meu corpo, mas só percebi de fato quando estava sendo arremessada, caindo na lama enquanto o lobo que por pouco não cravara suas garras em mim também era arremessado para longe. O lobo que interveio rosnava, batendo os dentes, agachado ferozmente para o lobo que identifiquei como Paul e para um terceiro que não estava ali a um segundo, que assistia tudo inquieto ladrando e grunhindo, Brady, reconheci.

Jacob nunca me pareceu tão ameaçador e perigoso, enquanto mostrava os dentes para os irmãos, sua cauda chicoteando nervosamente o ar, as orelhas coladas ao crânio e os rosnados parecendo trovões.

Mal passara um segundo, apoiei-me no solo para levantar e arquejei com o latejar intenso na articulação de meu cotovelo esquerdo. Os olhos do lobo-Jake lançaram-se ansiosos para mim, que com uma careta de dor encolhi o braço junto ao tórax, estava doendo, mas eu não sabia dizer se era mesmo pelo machucado ou se pela falta de costume em sentir dor física. O animal castanho aproximou-se de mim emitindo um som baixo e agudo, fungando ao meu redor, num exame frenético. Atrás dele, Brady oferecia ajuda a Paul que tinha uma das patas dianteiras sangrando.

_Ai!_ gemi quando o focinho de Jake encalcou meu braço. Ele virou-se para os outros com outro rosnado trovejoso rasgando seu peito. Jake correu, sumindo na chuva por entre as árvores, os dois lobos latiram. Eu, confusa, ainda estava sentada no chão enlameado, ensopada. Jacob voltou na forma humana e se agachou diante de mim.

_Desculpe_ disse ele pegando meu braço delicadamente, não deixei de notar que ele não parecia incomodado como eu estava.

_Não foi sua culpa, eu ach... _ a frase foi interrompida por meu próprio e horripilante grito de dor quando ele forçou meu braço, que com um estalo ficou mais confortável, apesar da dor. Se não sentisse dor, o teria socado. Minhas lágrimas misturaram-se a chuva.

_Seria pior se eu não fizesse isso_ seu rosto estava franzido, desculpando-se.

_Desculpe, cara. Renesmee_ Paul, agora na forma humana, mantinha um dos braços da mesma forma que eu, junto ao peito_ Não fiz de propósito, sabe que nunca a machucaria, desculpe-me. Eu esperava um vampiro.

_Vá cuidar do seu braço, Paul_ disse Jake rispidamente.

_Já vai ficar bom_ disse ele_ Renesmee, me desculpe, você está bem?

_O que acha?_ perguntou Jacob irritado levantando e dando um passo em direção a Paul e Brady, que latiu, dando um passo a frente, hesitante. Olhei a cena intrigada, eles brigariam? Foi um acidente.

_Estou bem, Paul, foi um acidente_ afirmei pouco mais alto que um sussurro. Jake bufou, voltando-se para mim e me tirando do chão.

_Deixe-me andar, não quebrei as pernas_ para minha surpresa ele riu enquanto caminhava para longe de seus irmãos, mas também ignorou meu pedido.

_ O que aconteceu, afinal?_ eu não queria dar espaço para nenhum silêncio constrangedor.

_Estávamos caçando os tais nômades_ explicou.

_Juntos? Você não se...

_Eles por determinação de Sam. Eu por minha conta, dei folga para minha matilha_ disse com um meio sorriso.

_Porque Paul quase me matou?_ demandei quase me arrependendo quando sua expressão se nublou com fúria e pavor.

_Ele estava muito focado, você cruzou o rastro perto demais_ o fitei quando sua voz pareceu engasgar_ Acho que posso dizer que é como... Como quando um vampiro fareja sua presa, sabe, só instintos.

Eu entendia, mas não era nisso que estava pensando...

_Você não estava tão concentrado.

_Eu sentiria seu cheiro até de baixo d’água_ ele olhou para cima, para a água que caía em jorros, minha respiração ficando pesada de repente.

_Eles escaparam_ falei sentindo alívio. Não que eu duvidasse das habilidades de Jake, porém meu braço confirmava a permanente possibilidade de acidentes _ Vocês os viram? Quem são?

_Não... Só, os ouvimos correndo, sentimos o cheiro... Então percebi você e o que Paul estava fazendo. Foi por pouco_ ele comprimiu os lábios, lamentando.

_Desculpe_ falei me dando conta de que o atrapalhara. De repente ele me olhou, os olhos irritados eram cortantes.

_ O que pensa que estava fazendo?_ sua voz subiu uma oitava e seus braços se estreitaram a minha volta_ Não devia estar zanzando sozinha pela floresta. Paul foi acidente, mas não sabemos o que esses sanguessugas querem. Não quero você na floresta sozinha_ eu o fitava estarrecida. Ele estava gritando, brigando comigo? Franzi o rosto para sua autoridade, minha boca se abrindo num “o” estreito.

_Seu braço está doendo muito?_ sua voz então era carinhosa, seus pés aceleraram.

_Não _ respondi murmurando. Na verdade, mantendo-o imóvel e encharcado em água fria, eu  não o sentia.

Perto do chalé lembrei-me de silenciar minha mente, perguntando-me o que Jake faria com seus pensamentos sobre esta tarde. Decidi que era problema dele, eu havia renunciado cada parte daquilo. Então corei ao imaginar sua perspectiva de minha reação a ele.

Edward ficou bem nervoso, entretanto nada teve a ver com pensamentos, não os que me preocupavam, na verdade. Ele viu na mente de Jake o que houve com Paul. Bella ajudou-me com o banho, enquanto eu gemia de dor com o protesto de minha articulação, agora que a movia e aquecia.

_Carlisle está trazendo analgésicos _ disse minha mãe_ Jacob tem razão, você não vai à floresta sozinha.

Tentando ser gentil no trato com ela, achei melhor não discutir.

Eu nunca havia precisado, então meu avô não sabia quanto de analgésico seria o bastante. Eu era parte vampira, minha temperatura era alta, meu metabolismo mais rápido... Então ele se baseou um pouco em minhas semelhanças com Jake, o que não era muito um ponto de referência. Meu braço não estava quebrado, já que Jacob reposicionara os ossos que se desligaram, mas ainda havia os tendões que haviam sido forçados, então ele me colocou uma tala.

_Carlisle, acho que foi demais_ meu pai disse na sala, ouvi Bella rir junto de outro riso, um gutural.

_Não demora, ela vai dormir. Não se preocupe_ respondeu Carlisle._ Dei uma risada_ Antes disso faça com que beba o máximo de água.

Eu ri mais, estivera de baixo de toda aquela chuva, beber mais água?

Jacob entrou no quarto trazendo consigo dois copos com água. Sua expressão era divertida. Meus reflexos estavam lentos, acho que completamente humanos.

_Como se sente?_ perguntou me oferecendo um dos copos, que peguei.

_Como acha?_ falei risonha_ Resumindo, eu sou uma vampira drogada, no momento_ eu ri, ele tentou me fazer deitar, mas neguei, entornando a água.

_Está engraçada, tem sorte que Emmett não veio aqui_ ele se sentou na beira da cama.

_Imagino que sim_ falei lentamente, fitando-o com displicência. Jacob moveu-se, levantando e vindo sentar-se ao meu lado, ombro a ombro, ele suspirou, o rosto sereno e resoluto, os olhos mergulhados nos meus.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do beijo? Eu não li porque iria mudar algo, vou ler depois de postado... Mas pelo que lembro foi uma cena bonitinha!

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