A Clarividente escrita por Yuka


Capítulo 6
Capítulo 6




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            Riana havia saído da casa da clareira pouco antes do anoitecer, como costumava fazer, com um sorriso satisfeito. Tinha conseguido invocar um espectro pela primeira vez aquela tarde, depois de falar sobre todas as suas inseguranças com Selene.

            “Não há o que temer” dissera Selene, com o sorriso afável de sempre. “Se seguir em frente é o que você deseja, convença todo o seu ser disso. Só assim você conseguirá invocar os espectros. Não precisa ter medo de Ian ou Hazael, eles não vão exigir nada de você que você não esteja disposta a contribuir. Eles têm seus objetivos e você, os seus, e eles só estão lhe ensinando o que você quer aprender em troca de suas informações.”

            Apenas na quinta tentativa sua magia havia dado resultado. Ela conseguiu livrar sua mente de todas as dúvidas e um espectro tinha atendido seu chamado. Ian comemorou de forma energética, dizendo “Viu só? Eu disse que você tinha conseguia, era só tentar!” enquanto Hazael limitou-se a um sorriso discreto, como sempre.

            Riana se deitou em sua cama. Às vezes sentia vontade de contar para alguém o que havia aprendido, mas não podia. Sua amiga mais próxima era Nirina, e ela não podia saber. Hazael e Ian estavam atrás de informações sobre sua amiga. Por quê?

            Não se sentia no direito de perguntar a eles. Se ela passasse mais tempo com os dois, talvez ficasse sabendo. Achou melhor manter-se em silêncio, por ora. Decidiu que continuaria com os magos até descobrir o que eles pretendiam.

            Deitou em sua cama e olhou para as mãos. A magia negra parecia tão fácil, tão acessível. Será que as pessoas simplesmente deixavam de aprender ela por causa dos riscos? Talvez coisas terríveis tivessem acontecido a magos negros em batalha, desencorajando os novos aprendizes. Resolveu que iria para a biblioteca da cidade no dia seguinte pegar alguns livros para ler. Se possível, alguns sobre magia.

            Sentindo-se cansada, decidiu que ia se deitar mais cedo. Arrumou-se e deitou sob os lençóis, sem conseguir que sua cabeça desligasse. Percebeu que pensava em Ian com mais frequência do que gostaria.

            Nirina se aproximou de Zahra com passos cuidadosos e movimentos lentos. Não conseguia acreditar que era ela, que a clarividente do reino estava ali, à sua frente, em sua casa. Ela estava ali por sua causa. Essa era a parte mais irônica.

            Sentiu-se um tanto decepcionada e surpresa ao perceber como a maga era diferente de suas fantasias. Reconheceu, no entanto, que era melhor que ela não chamasse mesmo tanta atenção. Seu olhar era esperto, ela tinha ar de inteligente; um ar que lhe caía melhor do que qualquer beleza. Zahra não precisava ser bonita: apenas seu olhar era o suficiente para mostrar que ela era uma mulher interessante e forte.

            — Eu sinto muito em lhe decepcionar, pequena Nirina — disse Zahra, com um sorriso fraco como pedindo desculpas. — Sabia que você me imaginaria bonita, toda enfeitada, uma maga que pudesse ser reconhecida em qualquer lugar.

            Nirina a olhou com espanto, depois lembrou: ela podia ler sua mente.

            — Eu não li sua mente para descobrir isso — riu. — Todas as pessoas me imaginam assim, e a decepção em seus rostos é claríssima.

            — Não, minha senhora — disse, reverenciando-a.— Jamais quis ofendê-la. Tenho certeza de que sua aparência é perfeita como é — acrescentou, em tom extremamente polido. — Eram só fantasias bobas. Eu estou realmente feliz por finalmente tê-la conhecido. Sempre fui fascinada pelas histórias de seus poderes.

            — Fiquei sabendo através de Arthus — disse a maga, ainda sorrindo. — Assim que o Rei recebeu a carta do seu mestre, entrou em contato comigo imediatamente. Ordenou que viesse vê-la, e eu me senti curiosa. Reuni uns guardas a mando dele, claro, e vim até aqui. Arthus me recebeu muito bem e me contou sua história. Então você está desenvolvendo habilidades de clarividência?

            — É o que parece, mas sei pouco sobre isso.

            — Não se preocupe, eu vou lhe ensinar tudo o que precisa saber. — Zahra olhou em volta, como se procurasse o que dizer. — Então, quando se mudará para a Corte? — depois olhou para Arthus, como se esperasse a resposta dele.

            — Tão logo quanto você achar melhor, Zahra — respondeu o mestre, sério.

            — O ideal seria que fosse logo. Amanhã, se possível. Assim que eu retornar, cuidarei rápido dos preparativos de seus aposentos, e logo iniciaremos as lições. Você ainda serve ao Rei, Arthus?

            Nirina ergueu uma sobrancelha. Agora ela havia falado como se os dois já se conhecessem.

            — Não mais. Há tempos não tenho sido convidado a ser mestre de aprendizes do Rei.

            — Entendo — Zahra mordeu o lábio inferior. — Então o Rei provavelmente convidará outro mestre. Tudo bem, Nirina?

            A aprendiz ficou em silêncio e olhou para Arthus, que assentiu.

            — Claro. O que for melhor, mas eu acho que vou precisar de um dia a mais — disse ela. Queria contar para Riana e se despedir dela. — Queria ver uma amiga antes.

            — Então está feito. Logo que sua mudança estiver pronta, conversaremos melhor. E rapidamente você conhecerá seu novo mestre. Se não gostar dele, avise-me, assim direi para o Rei que convide outro professor. Meu elemento principal é a terra, então não poderei lhe ensinar na magia de elementos.

            Nirina sorriu. Havia conhecido um mago de outro elemento. Agora faltava ver um mago de fogo.

            — Uau — disse Nirina. — Você é uma maga de terra! É a primeira desse elemento que conheço.

            Zahra sorriu com sinceridade, então se levantou.

            — Bem, é melhor que eu vá. Os guardas me esperam e a Corte também.

            Nirina e Arthus se levantaram para acompanhar a maga até a porta. Antes de sair, ela se virou.

            — Obrigada pela recepção, Arthus. É bom vê-lo novamente.

            A aprendiz olhou para os dois afinando os olhos. Agora teve certeza de que eles já se conheciam.

            — A partir de hoje, Nirina — disse, sem abandonar o sorriso —, considere-se minha aprendiz.

            — Tenha uma boa noite, mestra — assentiu, sentindo o coração doer levemente ao olhar para Arthus.

            — Foi bom reencontrá-la, Zahra. Boa noite — disse enquanto a maga se virava e a via se encontrar com os guardas uniformizados fora da casa. Os dois soldados fizeram uma leve reverência a Nirina e Arthus e seguiram seu caminho, atrás de Zahra.

            Arthus entrou para a sala e sua aluna a seguiu.

            — Devemos começar a arrumar suas coisas?

            — Certamente — disse Nirina. Depois, encarou-o de forma inquisitiva. — Mas antes é bom me explicar direitinho que história é essa de “Foi bom revê-lo, Arthus”.

            O mestre riu divertidamente.

            — Explicarei amanhã enquanto almoçamos juntos.

            No dia seguinte, Nirina dormiu até tarde novamente. Arthus se preocupou levemente, pois a aprendiz nunca havia manifestado esse hábito. Assim que ela acordou, ele se aproximou, abraçando-a de repente. Depois, olhou-a carinhosamente.

            — Você está bem? — perguntou, preocupado. — Você nunca quis dormir até tarde desse jeito.

            — Tudo bem, só tenho me sentindo cansada ultimamente. Acha que pode ter a ver com a magia clarividente?

            — Duvido. Acho que tem mais a ver com a sua consternação.

            — Você percebeu? — disse, com um sorriso sem graça.

            — Claro que sim. Nirina — recomeçou Arthus enquanto andava para a cozinha, fazendo com que ela a seguisse — preste bem atenção nisso. Não é como se não fossemos mais nos ver. Eu ainda serei o pai que você sempre considerou, certo? Mas você é importante agora. Importantíssima, tão importante quanto Zahra. Há diversas coisas novas para aprender e, sim, sua vida vai mudar. Seria tolo dizer o contrário, mas não tema. Confio em você e sei que pode lidar com toda a responsabilidade que ser uma maga clarividente requer.— Pausou por pouco tempo e depois prosseguiu: — Você será a nova Zahra.

            — Obrigada, mestre — disse. — Mudanças sempre assustam, mas eu tenho certeza de que vou me adaptar.

            — Ótimo. Era isso que eu queria ouvir de você.

            Os dois se acomodaram à mesa para o almoço. Nirina não parava de encarar seu professor em silêncio. Por fim, resolveu arriscar.

            — Então — respirou fundo antes de continuar —, qual é sua relação com Zahra?

            — Colegas de trabalho — limitou-se a dizer.

            — Arthus — disse ela, em tom sério. — Você disse que me explicaria tudo.

            — Tudo bem — começou. — Como você já sabe, assim que terminei as aulas com meu mestre, eu fui um mago a serviço do Rei. Morei na Corte por um tempo com outros aprendizes do reino, mais ou menos como você fará. Eu fazia parte do seu exército e, apesar de ter lutado poucas batalhas, trabalhei algumas vezes ao lado de Zahra.

            — Por que nunca me contou?

            — Quis fazer um suspense a respeito dela — riu.

            — Como ela é?

            — Não cheguei a ter uma relação mais íntima com ela, mas no que diz respeito a trabalho, ela é séria. Competente, forte e energética. Quando ela toma uma decisão, é difícil tirar a ideia da cabeça dela. Como maga clarividente, ela geralmente era nossa líder. Existe algo curioso a seu respeito: ela nunca gostou de ficar parada. A maioria dos clarividentes prefere ficar de fora das lutas, apenas dando ordens, mas Zahra é diferente. Ela foi responsável pela morte de vários dos nossos inimigos. Aquela maga já matou vários homens.

            Nirina sentiu um respeito ainda maior por ela. Os clarividentes se achavam assim tão importantes a ponto de não querer arriscar sua vida? Zahra devia ser realmente diferente ou realmente habilidosa a ponto de acreditar que não morreria nas batalhas.

            — Então a relação de vocês se limitou a ser estritamente profissional?

            — Saímos para beber depois de umas batalhas para conversar. Eu sou uns — parou, afinando os olhos, como se tentasse se lembrar — vinte anos mais velho que ela, e ela sempre gostou de conversar com pessoas mais velhas. Isso nunca foi problema, na verdade. Quando eu tinha trinta e cinco anos e ela, quinze, nos conhecemos. E ela sempre foi capaz de sustentar longas conversas comigo apesar de eu ser um adulto e ela, uma adolescente. Mais ou menos que nem você — ele sorriu. — Ela é muito inteligente. Sua aparência é algo engraçado, pois logo associam sua imagem à de uma pessoa fraca e não muito esperta. Devo admitir que umas das melhores armas de Zahra é sua habilidade com as palavras. Mas você a conhecerá bem agora, o que é engraçado considerando como você gostaria que isso acontecesse.

            — É mesmo. Tenho me sentido bem mais animada com a ideia de me mudar para lá. Acha que conhecerei outros aprendizes?

            — Provavelmente — respondeu Arthus, pensativo. — O Rei costumava convidar alguns aprendizes à Corte para que possam servir como feiticeiros do reino depois que terminam o treinamento, como foi comigo. Não ouvi falar que ele ainda faz isso, mas é provável, eu estou desatualizado em relação à Corte. Em breve você descobrirá.

            Nirina sorriu, assentindo, aproveitando uma das últimas refeições que teria com seu antigo mestre.

            — Por que você deixou de trabalhar como mago do reino? — perguntou de repente. Havia imaginado por que ele não poderia ser seu mestre na Corte e resolveu questioná-lo.

            — Eu — começou Arthus, de modo evasivo — fiz algo que não deveria ter feito.

            — O que foi? — disse Nirina, erguendo uma sobrancelha. — Então você não deixou o serviço ao Rei de forma espontânea?

            — Mais ou menos. Eu ajudei um soldado a fugir depois que ele foi acusado de traição.

            — Você — ela se retesou na cadeira, surpresa — foi considerado um traidor também?!

            — Eu fui julgado na época e decidiram que eu não precisaria sair do país. O Rei decidiu, pelos anos de serviço fiel que dediquei ensinando aprendizes e lutando, que eu não receberia a sentença de morte. Mas esse é o motivo pelo qual moro aqui nessa casa, isolada de Ima — continuou. — Eu costumava morar na cidade, mas o Rei ordenou que eu me retirasse às florestas que a rodeiam. Não achei má ideia, visto que eu já não sentia mais vontade de servir como um mago do exército do Rei.

            — O que esse soldado desertor fez foi assim tão ruim?

            — Não. Foi por isso que o ajudei.

            — O que ele fez?

            — Ele se recusou a dar o golpe de misericórdia em um dos magos inimigos que já estava ferido e implorando pela vida.

            — Só isso?!

            — Sim, mas as coisas em uma batalha são diferentes, Nirina. Se recusar a matar um inimigo é como estar ao lado deles. Esse soldado que fugiu tem mais ou menos a idade de Zahra e trabalhamos pouco juntos. Ele era um mago de fogo, um excelente mago. Apesar de novo, era experiente com a magia e muito inteligente. Era sério e sarcástico, no entanto, e eram poucas as pessoas que conseguiam conviver com ele devido à sua personalidade explosiva. Os magos de fogo são assim. Os magos do Rei que lutaram a seu lado nessa batalha começaram a persegui-lo sob ordens de seus superiores — continuou —, e ele foi obrigado a fugir para que pudesse sobreviver.

            — Entendo — disse Nirina, com um sorriso triste. — Ele parecia um bom homem. Eu apoiaria sua decisão, Arthus.

            — Zahra disse o mesmo na época — prosseguiu. — Mas agora não importa mais, isso é passado. A última coisa que soube sobre ele era que ele havia fugido para Earine, talvez depois para Nali, mais distante de Sira. Apesar dos soldados do Rei terem dado ordens expressas aos soldados dos países aliados para que o perseguissem, ninguém o conseguiu encontrar. Nem mesmo tenho certeza se ele ainda está vivo.

            Nirina mordeu o lábio inferior, pensativa. De repente, sentiu-se cheia de carinho por aquele mago. Não era justo que ele houvesse sido acusado de traição apenas por ter se recusado a matar um homem que não queria morrer. É natural que todas as pessoas temam a morte, e por que com soldados seria diferente? Mesmo magos podem ter pessoas que amam e querem proteger, que sentiriam sua falta se morressem. São humanos como qualquer outro.

            — Eu acho, no entanto — disse Arthus —, mas eu posso estar errado, que o responsável por essa perseguição foi um homem de alta patente que não gostava desse mago de fogo. Esse soldado desertor tinha muitos inimigos. Ele era habilidoso demais e não tinha medo de falar o que pensava. Uma atitude corajosa, mas um tanto imprudente. Havia outro mago no exército, um mago de água, que o odiava muito. Mas, como disse, posso estar errado.

            — É mesmo provável. Ainda bem que nosso Rei parece alguém sensato.

            — Ele é. Mas algumas das ordens de seus soldados nem mesmo chegam a seus ouvidos. Ele devia escolher melhor seus subordinados.

            Nirina terminou de comer enquanto ouvia atenta às histórias de Arthus e depois levantou.

            — Obrigada por me contar um pouco mais sobre você e seu passado, mestre — reverenciou-o, sorrindo. — Isso me deixa muito feliz.

            — Achei que merecesse saber. Ah — levantou-se também, lembrando-se de algo. — Você quer se despedir de Riana, certo?

            — Sim. Estou indo para o meu quarto agora me concentrar nos livros e depois irei até sua casa.

            — Certo. Vou terminar de arrumar as coisas aqui e depois podíamos conversar um pouco mais sobre magia de água. O que acha?

            — Perfeito — sorriu Nirina, começando a se afastar. — Arthus — ele a olhou, um pouco surpreso. — Por curiosidade... Você ainda se lembra do nome desse mago que precisou fugir de Sira?

            — Lembro, lembro sim. Era um nome forte, tão forte quanto sua personalidade. Seu nome era Hazael.


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Notas finais do capítulo

Hazael ♥