21 Contos Sobre O Fim Do Mundo escrita por Lara


Capítulo 9
O bichano


Notas iniciais do capítulo

Acho que enlouqueci. Mas, enfim, ousei nesse conto.



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O bichano

O bichano equilibrou-se no muro descascado. As patas negras flutuando no ar, pomposas, com o infinito lhes circundando, em completo estado lindo de inércia. Os pelos, vestidos de cetim noturno, moviam-se desconfiados.

Um elemento X fazia-se presente na quina da lua, bem onde o homem se pendura em sua louca melancolia, talvez a morte, mostrando o quão inútil era o gato caminhar naquele muro bambo, que tremia pelo frio da noite. Parecia que a negritude não via tudo se desmoronando a sua volta.

Desmoronando em preto e branco, em tons de cinza aguados. Mas o gato, quiçá, era a demolição, assim bem calmo, descompassado. Esmagando a poeira do muro, com um prazer extremo, delicado.

(O gato era a demolição. O gato era o fim do começo e começo do fim. Bem, ele era um gato, e isso por si só, diz alguma coisa).

Podia-se ver o horizonte se mesclando o com o nada, deixando de existir lentamente, tornando os artistas saudosos para encontrá-lo novamente. Talvez o gato tivesse se tornado o novo horizonte, inatingível.

As estrelas caiam, numa chuva de raios brilhantes, tentando, futilmente, atingir o bichano, que continuava a andar pela passarela do júbilo, o muro.

O felino tinha os olhos azuis, se tivéssemos que definir em uma cor humana, azul límpido. Da cor de um céu que outrora existira, não aquele que paria a loucura decadente a cada vinte um segundos e se abria para um monstro qualquer, o fim.

É-se um gato. Foi-se um gato. Somos todos gatos demolidores, afinal.

Gato tem sete vidas, esse tinha quatorze, pois era duas vezes mais que o resto.

Quantas vidas lhe restariam se as estrelas conseguissem roubar-lhe o seu negrume cansado e atingi-lo?

Coitado do gato, que pagava os seus pecados a cada vida. Mas quantas vidas já vivera? Será que ainda vivia? Coitado do gato, com sua incerteza e sua morte incerta.

Amo-te gato, amo-te fim. Creio em ti, gato, corre contra o vento, ouriça teu pelo tentando encontrar a vida, ama-te, gato, corre zumbi-gato.

E corria, coitado, eram as estrelas, fogosas e ousadas, tentando pegá-lo para o céu. Não entendiam, as pobres, que ele era o céu. Não viam elas como eram iguais? Os dois labirintos negros, que queriam a vida, mas exalavam a morte?

Meu pobre bichano, foi encurralado, encurralou-se! Eram as estrelas, de novo, deram para correr, viraram felinos sem sombra para alcançar o gato. E o gato? Equilibrou-se e aceitou-se, gato que era. E morreu, colado ao seu muro friorento.

Mas quantas vidas vivera?

''E o que eu quero saber é se gostas do teu rapaz de olhos azuis, Dona Morte" e.e. cummings

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Por favor, necessito de opiniões.



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