A mãe

Sou olho saltante de medo. Sou toda matéria descontrolada e cansada. Sou pintora surrealista do escândalo. Sou mãe.

Agora, em meu espírito tomado pelo enfado, seguro essa carne quente e chorosa; filho meu de aborto.

Sinto as lâmpadas derreterem em meus olhos, e acabo chorando luz. Luz que ser esparrama pelo meu ventre e pelo meu filho abraçado.

O olho, medrosa e amarelada, ainda lambuzada do nosso sangue: matéria toda branca e vermelha, de coração pulsante. Ele cabe em minhas mãos perfeitamente, ou talvez seja eu que caiba nele.

O menino não chora, mas deve sentir frio tremendo. Sou mãe do menino e o sinto. Não pensa nada, só me olha e eu o olho. Não choro.

Vejo a rua sendo plantada por gente, quiçá o pai do meu filho sem nome esteja ali, ou não. Mas creio que sou a única pessoa que meu menino irá conhecer neste mundo.

Encho-me de amor, alguém é meu. Sou ligada a um ser por sangue, carne e carinho. Toco-lhe o rosto, corado e sujo do meu amor incandescente.

Minhas unhas se contraem, aperto a criança. Fantasia minha do descaso: ele se machuca. É frágil todo, e sem futuro: vira monstro.

Minha criança é um monstro sem destino, espera calada o fim, sabe o que vem pela frente: nada. O nada nos devasta, a mim e ao meu filho. Filho todo meu, grandioso ao reinar sobre o mundo.

O último bebê, a última loucura restante. Ele é meu: o amo. O amo porque vai morrer. Quero tremer de medo, entretanto não posso: o amo.

Sei que vou morrer, também. O terei em meus braços: o amo.

Morro.

Deito em meu jubilo, a cabeça cai na lama. Agarro-lhe a mim: o amo. Sou dele, ele é meu.

Chora, o menino chora a me ver cair. Sorriu, e ele chora.

O meu menino chora suas últimas lágrimas enquanto eu morro; pertencendo.