21 Contos Sobre O Fim Do Mundo escrita por Lara


Capítulo 11
Se houvesse um título seria...


Notas iniciais do capítulo

As músicas mencionadas são Dezesseis, de Legião Urbana (vagalume.com.br/legiao-urbana/dezesseis.html)e Só Sei Dançar com Você, Tulipa Ruiz ( vagalume.com.br/tulipa-ruiz/so-sei-dancar-com-voce.html). Só se vocês quiserem ver, porque não é realmente importante.Ando sem muita inspiração... então peguei a ideia da senhorita Mamys_Fortes, e resolvi também usar as hipóteses. Ela não lê a fic, mas esse conto não pode ser comparado ao dela.Quem quiser ler a história dela : Contos de Gaveta.



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Se houvesse um título seria: um amor no depois, mas não há.

Vou fugir do meu clichê entrando noutro: quem vos fala não existe de verdade, mas esse conto é sobre um menino que usava Hollister e tinha amigos, não: ele não era fútil...

Mas você, da camada não-fútil da sociedade pode considerar-se fútil ao julgar-lhe desse modo; sem nem ao menos conhecer o João Roberto.

O nosso Johnny era o maioral, era um cara legal, o rei dos ‘pegas’. Mais ou menos como aquele da música do Renato Russo.

É injusto o fim: o fim do mundo. Bum! Você nem viveu a sua vida, mas e daí? Agora é o fim, você vai morrer. Era assim que o Johnny pensava: e quem vai contradizê-lo? Eu que não vou.

O fim o fazia pensar: por que a raça humana existe? Para que existe? O João nunca fora de pensar nessas cousas, para ele perguntar tanto era cousa de gente que não tinha o que fazer.

(E talvez fosse verdade: o que ele poderia agora fazer além de nada?).

Aquelas perguntas eram tão cheias de possibilidades, afinal. Aquelas probabilidades incertas que nunca preenchiam o vazio totalmente.

Naquele dia de manhã o menino saiu do apartamento, descendo as escadas (porque só o porteiro sabia ligar o elevador, e o tal há muito deixara de trabalhar) para comprar uma última barra de chocolate. E se o Johnny tivesse pegado a moto parada na rua e fugido, como gostaria ter feito, teria ido parar em um restaurante chique que estava invadido por uma turma com garrafas de vodca e cigarros.

Teria conhecido uma garota de vestido rodado, que na boca ao invés de um riso tinha um chiclete de menta. Os dois iriam olhar-se desconfiados, mas depois Johnny sentiria a língua seca e teria que se aproximar do balcão, onde a menina do vestido se apoiava.

Ela diria que se chamava Gabriela, e que ele podia lhe chamar de Gabi. O Johnny se ofereceria para pagar uma bebida, e Gabi aceitaria (ainda que soubesse que não havia ninguém para cobrar-lhes o dinheiro). Ela pediria leite e ele iria preferir a garrafa inteira de tequila.

Os dois não conversariam muito, só que já estariam apaixonados depois de alguns minutos respirando o mesmo ar.

Nenhum dos dois iria lembrar: eram da mesma escola.

(Ela era a garota 'gótica' que lia Camus e que havia tirado o fim para vestir rosa e ele era João Roberto, aquele que sempre tinha com quem conversar no intervalo).

Gabriela beberia o leite todo, e ficaria com o bigode branco. Johnny riria, e se esqueceria de beber a tequila e ficar bêbado.

Ambos se olvidariam das pessoas que fumavam erva ao redor e ficariam felizes, por dois instantes. Então Johnny olharia para ela e veria os olhos negros da garota, que eram totalmente comuns, e os acharia lindos e Gabi deixaria que ele a admirasse, disfarçando o sorriso que acabaria por mostrar o seu aparelho.

Eles fingiriam se conhecer desde sempre e ela citaria Sartre, mesmo que Johnny não soubesse quem Sartre era. Gabi ia reprovar a camisa Aeropostale de Johnny, e ele não iria ofender-se, porque não iria entender.

E em algum momento uma daquelas pessoas da ‘festa’ iria empurrar Gabi, e o lábio dos dois iriam acabar se encostando. Johnny iria ficar com batom no seu, mas não iria perceber e Gabi acharia a cousa mais linda do mundo.

Uma amiga de Gabi chegaria bêbada, e iria obriga-los a dançar. Eles iriam, Johnny no ritmo do vento e Gabi sem entender a dança. João iria conduzi-la, e ela diria que eles estavam parecendo uma música de Tulipa Ruiz. Johhny iria gostar, e de novo, não iria entender. Os dois se abraçariam, e ele diria que iria pegar mais um leite para ela.

Só que não iriam mais se encontrar novamente.

João ia morrer primeiro, quando o prédio inteiro desabasse, e Gabi choraria um pouco, antes de ser engolida pelo oceano (pois moravam numa cidade abaixo do nível do mar) e acabaria por se afogar, perdendo de vista o corpo de Johnny.

Só que Johnny não pegou a moto. E não foi parar em nenhum restaurante e nem conheceu nenhuma garota chamada Gabi de vestido rosado.

Ele foi ao mercado, pegou a barra daquele chocolate caro, que só comprava quando ia para os Estados Unidos, passou direto do caixa vazio, e se dirigiu para casa. Torcendo para que desse tempo de chegar antes do fim.

Correu pelas ruas, que estavam cheias de gente com nome e com possibilidades que não sabiam, ignorando os sinais de trânsito desativados e os carros apressados pelo medo que tinha de não chegar a tempo para ver os pais. Agarrava o pacote no peito, encima do símbolo da Aeropostale, e foi por isso que o chocolate estava meio derretido quando chegou.

Subiu feito um louco as escadas, de um modo parecido ao de um Romeu que havia perdido a oportunidade de conhecer Julieta e não sabia, e foi recebido em casa pelos pais e a irmã pequena.

Os abraçou bem forte, e eles sentaram no sofá de couro para comer o doce.

(Se Johnny tivesse pegado a moto, os pais e Bianca, a menina de três anos, perderiam as esperanças todas depois de duas horas. Achariam que ele havia morrido indo ou voltando, e acabariam por morrer tristes também afogados).

O chocolate derreteu na boca de cada um, e todos sorriram, felizes como dava.

Gabi, a menina de maquiagem rosa e vestido rodado, estava no restaurante, bebendo leite sozinha e sem ninguém para rir do bigode branco. Acabou fumando um pouco de maconha e se juntou a multidão pequena que dançava sem música.

João Roberto fez cócegas na barriga da irmã e morreu afogado, já que como disse: a cidade era abaixo do nível do mar.

Quem sabe seu corpo encontraria a menina que gostava de Camus ali, e quem sabe não. Mas isso só é pergunta para quem quer perder o tempo: por que mesmo o João existia?








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Notas finais do capítulo

A imagem é da Valsa de Erros (página no facebook e tumblr:www.valsa-dos-erros.tumblr.com)
Mereço algum review?
(nunca li nenhum dos existencialistas citados, lerei, mas eles estão aí pra mostrar quem era Gabi)