Por Isso A Gente Acabou escrita por Guess The Riddle


Capítulo 9
Telefonema




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Quando olho para esse bilhete, encontrado no meio de todos aqueles livros, tudo que consigo pensar James, é que ele merece ser seja lido por você, merece que você saiba que eu me senti a pessoa mais especial do mundo quando o li, merece saber que eu o odeio de todas as formas possíveis.



Eu estava com Dominique pregando cartazes pela escola James, e então lá veio você, com aquele sorriso que hoje eu odeio tanto.


– Depois do colégio, você vem ver o meu treino?

— Não — falei. — Eu não vou assistir o treino.

— Bom, então me liga depois — você disse, e passou os olhos pela escadaria. — Deixa eu te passar o número mais fácil — você falou, e, sem pensar, James, aconteceu aquele absurdo, você rasgando uma tira do cartaz que a gente tinha acabado de prender. Você não pensou, James, é claro que não pensou, pois para James Potter o mundo inteiro, tudo que estiver colado na parede. é só papel onde você pode escrever, então você pegou uma caneta da orelha da Dominique antes que ela conseguisse dar um pio e me deu este bilhete com um número atrás que estou devolvendo, este número que eu já tinha, este número que ainda está num cartaz na minha cabeça e nunca vai rasgar, antes de devolver a caneta e passar a mão no meu cabelo e descer a escada correndo, deixando esta metade na minha mão e a outra, ferida, na parede. Quando eu te vi ir embora, a Dominique te olhando ir embora, eu olhando a Dominique te olhando ir embora, percebi que devia dizer que você era um canalha por ter feito aquilo e não consegui fazer as palavras saírem. Porque naquela hora, James, no dia do meu último café depois do colégio com a Dominique - porra, comecei a ficar sentada nas arquibancadas assistindo os seus treinos —, o número na minha mão era a passagem de saída das manhãs de colar cartazes da minha vida, dos meus amigos de sempre, de um cartaz que anunciava algo que todo mundo sabe que acontece todo ano. “Me liga depois”, você disse, para eu poder te ligar depois, à noite, e é nessas noites que sinto a sua falta, James, mais falta, no telefone, seu lindo filho da puta.

– James sempre foi bom com as palavras - foi o que Dominique me disse quando me pegou lendo esse bilhete pela décima vez – na verdade, difícil seria dizer algo em que James não era bom.

Na verdade James você nunca foi bom em muitas coisas, você nunca foi bom em cozinhar arroz, sempre deixava passar do ponto, você nunca foi bom em geografia, mas sempre dava um jeito na hora da prova, você não era bom em não quebrar corações, porem James você era excelente em quebrar o meu coração.

– Diga a Gina que sinto sua falta – foi tudo que consegui responder.

– Tenho certeza que ela sente sua falta também – sabe James caso Dominique não tenha encontrado sua mãe em casa quando lhe entregou esta carta, diga a ela que eu sinto sua falta. Sinto falta dos dias em que ela passava a tarde me contando histórias suas, sinto falta do almoço que ela fazia todo domingo, e sinto falta de você.

Sabe James, foi maravilhoso. Todas às vezes em que te telefonei, ficar gaguejando com você, ou mesmo parar de gaguejar e não dizer nada, era tanta sorte, tão fofo, uma conversa melhor que bater papo com qualquer outro. Depois de uns minutos a gente parava de fazer barulho, a gente se acomodava, e a conversa corria noite adentro. Às vezes eram só as risadas de comparar as preferências, adoro esse sabor, aquela cor é legal, aquele disco é horrível, nunca vi esse seriado, ela é legal, ele é um idiota, você está brincando, de jeito nenhum, o meu é melhor, seguro e hilário, como fazer cosquinhas. Às vezes eram histórias que a gente contava, se revezando e incentivando, não é chata, é legal, entendi, entendi, não precisa ficar dizendo, pode dizer de novo, nunca contei isso para ninguém, não vou contar para mais ninguém. Você contou daquela vez com o seu avô na porta. Contei daquela vez com a minha mãe no sinal vermelho. Você contou daquela vez com a sua irmã e a porta trancada, e eu contei daquela vez com a minha amiga e a carona errada. Aquela vez depois da festa, aquela antes do baile. Aquela vez no acampamento, nas férias, no quintal, descendo a rua, dentro daquele quarto que eu nunca mais vou ver, aquela vez com o pai, aquela vez do ônibus, aquela outra vez com o pai, aquela época estranha naquele lugar que eu já te contei na outra história daquela outra vez, as vezes que se ligam como flocos de neve numa nevasca que nós mesmos fizemos no nosso inverno preferido. James, aquilo era tudo, aquelas noites no telefone, tudo que a gente dizia até tarde, ficava muito tarde e aí mais tarde e aí bem tarde e enfim para a cama com a orelha quente e cansada e avermelhada de segurar o telefone tão perto, pertinho, para não perder uma palavra do que quer que fosse, porque quem ia se importar com o meu cansaço no dia seguinte? Eu acabaria com qualquer dia, todos os dias, por essas longas noites com você, e foi o que fiz. Mas é por isso que já estava condenado, bem ali. A gente não podia ter só as noites de magia zumbindo pelos fios. A gente tinha que ter os dias, também, os belos e impacientes dias que estragavam tudo com os cronogramas inevitáveis, os horários obrigatórios que não se cruzavam, os amigos leais que não se gostavam, os absurdos imperdoáveis rasgados da parede independentemente das promessas feitas depois da meia-noite, e foi por isso que a gente acabou.


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