Naya: Crônicas de Atlas escrita por Antonio Filho


Capítulo 14
Capítulo VIII: Luzes, Música e Dança! parte 2




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Momentos depois das performances aéreas que as sensuais mulheres-pássaro acrobatas apresentaram para a alegria do público, todos os casais começaram a prestar atenção numa voz fina vinda de fora. O apresentador encerrava o intervalo:

‒ E agora, para dar início à segunda etapa, começando com os campeões do ano passado...

Ele estava no lado oposto da sala, quando se levantou, orgulhoso e onipotente, voltando a ser a pessoa que havia conhecido naquela tarde inconveniente. Como de costume, sorrindo, Adan caminhou até a saída, acompanhado de Alice, entregando-a seu braço forte. Por um momento, olhares mortais se cruzaram. A impressão que ela teve foi de que o elfo havia piscado sutilmente em sua direção, mas as pessoas que cruzavam a saleta iam e vinham, impacientes, atrapalhando a visão da Elvellon. “Apenas ignore, respire fundo...”. Deixar ele entrar em sua cabeça só pioraria a situação.

Um a um, casais eram chamados, até que finalmente Ariel e Naya foram. Últimos da lista. Depois de valsas, tangos, salsas e diversos outros estilos musicais, aplateia experimentaria o aleatório.

Para Naya, era o momento de fazer Adan engolir o que havia dito. O momento de provar a si mesma que era boa o suficiente. Ela voltou à realidade apenas quando sentiu seu companheiro tocar-lhe a mão, apertando-a entre os dedos. Ele parecia mais nervoso, engolindo a seco. Uma troca sutil de olhares e sorrisos que os envolvia numa maré de bonança foi o suficiente para que dessem os próximos passos.

A legião de espectadores encontrava-se diferente da primeira recepção. Estava silenciosa, a expectativa pairava no ar. Milhares de olhos curiosos ansiavam por um resultado, já próximo de ser obtido. Os sussurros sobre os outros casais haviam se calado, encerrando os presságios da vitória de Alice e Adan e sua performance magnanimamente divina. Ao chegarem ao centro daquele palco cansado, esperaram o anúncio dos gnomos enquanto os holofotes acendiam potentes em direção aos dançarinos:

‒ De acordo com a ficha de inscrição, a música escolhida pelo casal em caso de chegarem nessa etapa foi uma... Valsa. – Anunciou Claus, auspicioso.

‒ E pessoal, não foi uma música qualquer! Um clássico da compositora Naomi Rosanita: Sinfonia do Último Amanhecer! – Completou Jenny estalando os dedos, dando início a uma das mais famosas árias pandorianas.

Ariel arqueou as sobrancelhas, feliz. Até os ouvidos menos treinados entenderiam o status de clássico da melodia. Todas as notas harmonizavam perfeitamente, transmitindo uma serenidade inabalável para aqueles que a apreciavam. Uma música banhada em sentimento, não apenas em sonoridade.

Feita para ser bailada por uma dança suave e elaborada, Ariel guiava no ritmo da canção, a passos lentos, enquanto Naya o acompanhava olhando profundamente em seus olhos. Não como Adan, que perfurava a alma perturbando até o mais íntegro dos espíritos, mas de modo como se olha para alguém que se tem plena confiança.

Ariel não mantinha mais a mesma concentração inicial, embora isso não atrapalhasse seu desempenho. Tanto o nervosismo que tentava controlar e suas próprias expectativas tomavam espaço em sua mente, mas não conseguiam alcançar seu corpo. Sua técnica em conjunto do talento fazia-o mover-se involuntariamente impecável.

Aquele momento parecia perfeito. Enquanto admirava não apenas o olhar, mas todas as linhas do rosto de Naya, milhões de pensamentos passavam como um filme em sua cabeça. Todas as memórias que tinha com aquela garota vinham à tona, até outras de um passado mais distante. A primeira vez que a vira, o assalto à loja, os ensaios. Todas. Ele havia percebido algo: não queria que esse momento terminasse como todos os outros. Estaria sentindo alguma coisa por ela? Ele não tinha certeza, mas não era de uma que precisava.

Com o ressoar das últimas notas da sinfonia, Ariel lamentou por um instante, mas refletiu. Seria o certo gastar os últimos segundos desse momento com lamentações? Definitivamente não. Oportunidades são como as águas de um rio: correntes, jamais as mesmas e nem se repetem nos mesmo lugares. Se era certo, ele não sabia. Apropriado, muito menos, mas seguiu o que seu coração mandava. A epifania chamada Naya rompera as paredes frias que construía há anos em seu coração, libertando uma onda furiosa de coragem tão absurda quanto perturbadora para seu próprio eu. Com o encerrar da melodia, Ariel surpreendeu a fada carmesim com um beijo, profundo e intensamente apaixonado, enquanto segurava gentilmente o rosto dela contra o seu.

Olhos fechados. Não era necessário ver a perfeição para senti-la. A paixão tomava conta de seu peito. Sentia-se como se finalmente se conectasse com a mulher que estava a sua frente duma forma como jamais acontecera com ninguém em sua vida. Não seu corpo, ou sua mente, mas sua alma caía sob um efeito que não parecia charme ou sedução, mas uma conexão. Como se a fada do norte e o elfo do sul tivessem sido criados um para o outro. Apenas o destino os separava, até agora. A razão dizia que vivia uma loucura, mas não existe coisa como razão quando se trata do coração. Ariel se sentia um completo idiota. Era a melhor sensação que ele já havia experimentado em toda sua vida.

Os lábios macios de Naya e seu perfume natural o faziam perder os sentidos em meio à explosão de sensações que seu corpo jamais havia presenciado. E como um tolo, Ariel deixou-se levar pela voragem sem sequer questionar o perigo de cair sobre a tristeza escondida detrás da felicidade. Então, isso era se apaixonar de verdade? Ele não ouvia a multidão aplaudindo e gritando, muito menos Jenny comentando gritante o acontecimento. Tudo se resumia àquele momento.

O inevitável fim chegara com a lenta e gradual recuperação da visão. Uma visão mais que perfeita. Não havia palavras para serem ditas por nenhum dos dois após seus lábios se separarem. Ambos trocaram sorrisos inocentes sob a luz intensa dos holofotes apontados para o casal.

Os olhos de Naya tremiam tênues como se procurassem palavras para expressar o que não tinha para dizer com verbos, mas poderia definir com tudo o que tinha em si que parecia o correto. Simplesmente esquecera-se da princesa dentro daquela garota na terra da Lua e se sentiu diferente do que aspirara por tanto tempo. Ser alguém normal, livre, era o que ela sempre quis. Mas finalmente Naya entendeu que desejava outra coisa: sentir-se vulnerável.

Sem muralhas, sem exércitos, sem magia: tudo o que era nesse momento era Naya, uma garota que estava à mercê do que o destino reservara em suas linhas tortas e entrelinhas misteriosas. Nada de desculpas e justificativas. Apenas sorriam um para o outro, de mãos dadas seguindo em direção aos assentos reservados aos competidores, permitindo que o tempo voltasse a passar e continuasse com o badalado Festival Oceânico.

Ciente do risco que seu humor corria, Naya arriscou olhar na direção de Adan. A visão foi um tanto estranha. Mesmo tentando fingir, percebia um gritante desconforte, mas ao mesmo tempo ele parecia tão triste e feliz, agridoce. Seu olhar altivo, agora cansado e mesclado com um esboço borrado de sorriso adentrava ermos de tristeza e compreensão.

O rosto normalmente presunçoso e arrogante do elfo estava inclinado para o piso do palco, sustentando um ar sem labirintos ou jogos, mas que parecia sincero. Deveria ser a primeira vez que ela o via sem estar com total controle sobre a situação. Definitivamente estranho. Se não tivesse experimentado o veneno da víbora ainda mais cedo, Naya achava que poderia mudar a impressão horrível que tinha dele. Porém, ainda era cedo demais para perdoar a prepotência do ferreiro.

‒ É isso ai Claus! Com esse final um tanto... Inesperado, encerramos as apresentações. Em alguns instantes serão definidos os vencedores! Aproveitem para experimentar as fantásticas maçãs do amor encantadas da Chocotudo SA, paixões garantidas em no máximo três dias!

Assim como todos os outros que estavam lá, Naya também permanecia inquieta. Batia o pé repetidamente contra o chão, riscava a cadeira com as unhas e desviava o olhar de Ariel quando seus olhos se encontravam. Não havia nada errado, mas pensava no beijo. Já havia provado desse mundo de luxúria durante as evasões para as cidades. A prima não gostava muito de conhecer garotos “comuns”, diversão com plebeus. Sua acompanhante nessas aventuras era outra, Rubi Aimere, da família das fadas do amor. Com a loira, aprendera sobre a doçura do proibido. O prazer dos pecados capitais. Como o beijo, o toque e o corpo de um homem conseguiam construir prazeres diferentes daqueles disponíveis em casa.

Tarefa difícil acompanhar o número de “paixões eternas” mensais de Rubi, mas para Naya, o que faziam durante aquelas noitadas nas cidades não passavam de casos pontuais. Nada nunca podiam durar. No dia seguinte, deveria ser novamente a herdeira do reino. Até então, simplesmente funcionava não olhar para trás. Nenhum dos “namorados” realmente se mostrava valer mais que apenas um dia, no entanto, Ariel diferia.

O beijo dele tinha algo parecido com o que Rubi discursava apaixonadamente ser o que ela procurava nos garotos, “A Essência Ideal”. Achar um nós onde antes havia um eu, fosse por um minuto ou por toda a eternidade.Entretanto, Naya desejava esperar para ver qual seria a duração desse mundo antes que se esfacelasse.

E como prometido, após poucos minutos, consumidos por uma ansiedade monstruosa acompanhada por vendas inteligentes e oportunistas dos caros doces caramelados Chocotudo, lá estava um mensageiro carregando uma carta dourada na mão. Correndo em direção ao apresentador, o centauro cavalgou cheio de suas próprias expectativas e apostas. Claus desceu mais que rapidamente do planador para receber a entrega, dirigindo-se ao centro do palco mostrando ao público o envelope.

‒ Tenho aqui em minhas mãos o resultado! Vamos conferir agora! – Falava enquanto tirava o cartão com os nomes. – E os vencedores são...

Prestes a anunciar em lentas e audíveis palavras, Jenny lançou um feitiço de teletransporte na carta, trazendo-a até suas mãos, elevando-se para os céus do Anfiteatro, acompanhada pelas luzes da cidade. Claus, colérico com a audácia de sua companheira, dava pulinhos e gritava, mas claramente tudo fazia parte do show:

‒ Então pessoal, embora dois casais tenham quase empatado na pontuação, parece que o amor triunfou essa noite! O Rei e Rainha da Lua são Ariel e Naya!

Os espectadores iam à loucura, haviam firmado uma simpatia pelo casal apaixonado. Todos jogavam o que tinham em sua posse para o alto, preenchendo com cores e gritos o Anfiteatro. Orbes explodiam numa chuva de confete e fogos de artifício coloriam o céu, acompanhados pela gritaria alucinante das pessoas. Euforia generalizada, até que os dois foram chamados ao centro do palco pelo apresentador, que disputava voz com as multidões.

‒ E o que seria de uma realeza sem coroa, não é mesmo Jenny?

E ao mesmo tempo em que terminou a frase, o gnomo invocou duas coroas talhadas em verdadeiríssimo falso ouro para os vencedores. Levados ao centro do palco pelos dois grandes astros de Lunara, os campeões subiam num altar que se elevava tão misteriosa quanto repentinamente com magia de terra.

Durante a comemoração do momento da vitória, enquanto Ariel acomodava a coroa em sua cabeça e na de sua rainha, pois Claus não conseguiria sem que a realeza se curvasse, um súbito pensamento abateu-se sobre a mente de Naya.

Essa coroação simbólica a lembrou de que embora agora estivesse confusa sobre o que estava acontecendo, tempestuosamente confusa, sua vida não pertencia a esse lugar. Mais cedo ou mais tarde teria de ir embora para casa. Mesmo que se por ventura desejasse ficar mais tempo, um reino inteiro logo estaria apoiado em seus ombros.

O destino determinava que Naya deveria ser a próxima rainha de Valerian, não a garota que fora momentos atrás durante um desvio das páginas de sua história. Se ficasse envolvida demais, seria muito detestável de sua parte abandonar o elfo sem nenhuma explicação. Melhor não pensar nisso agora, pois se Ariel percebesse que ela estava ficando desanimada, acabaria arruinando o momento que ambos lutaram tanto para alcançar.

‒ Dando continuidade ao show, em trinta minutos começará o espetáculo teatral: O Eclipse do Amor!

Hora de sair do palco. Todos abandonavam seus postos e procuravam seus familiares e amigos para conversar durante o breve intervalo. Os competidores se dispersavam. Alguns iam embora, outros se juntavam à plateia que acompanharia as festas até o nascer do sol. A fada e o elfo haviam se sentado, quando ouviram meio à multidão um doce som:

‒ Naya! Naya! Estou aqui! – Ela procurou de onde vinha voz, até que finalmente encontrou: Adna.

As duas se abraçaram felizes por se reencontrarem. Depois de ser parabenizada dentre longas e polidas palavras, Naya apresentou Ariel à sua prima. Os três conversaram enquanto dirigiam-se à saída, animados com a árdua vitória conquistada. Em busca de um pouco de tranquilidade, chegaram a área dos quiosques, onde podiam se sentar e pedir algo para comer.

‒ Vocês ganharam por muito pouco, sabiam? ‒ Dizia Adna, degustando um gigantesco sundae dos Chocoluna na praça de alimentação.

‒ Nem me diga. Acho que já sabemos quem é o casal que quase empatou. ‒ Naya ria, aliviada por ter vencido esse desafio. ‒ Ainda não entendi como eles perderam com a dança dos Visconti. Dava pra ouvir os gritos lá de dentro.

Adna lembrava. O casal flamejante de fato incendiou o anfiteatro. A música épica decorou os movimentos, embora tivessem sido apenas quase perfeitos:

‒ O bonitão errou dois passos. ‒ Esclareceu ela, suspirando com as memórias em mente.

‒ Sério? Nunca vi o Adan errar nada na vida dele. Que sorte a gente teve...

Naya concordou com conclusão de Ariel, mas discordou de sua primeira ideia. “A personalidade dele já é uma falha do sistema, amiguinho”.

‒ Então comemorem essa sorte, mas não desmereçam o esforço de vocês. Vamos aproveitar a noite! ‒ A fada celebrava, sinalizando para o garçom voltar a sua mesa. ‒ Uma garrafa do seu melhor champagne, por favor. Ah... Mais um sundae e algumas trufas. Se não for incômodo, traga também uma porção de churrasco. E vocês, vão pedir alguma coisa?

Ariel riu com a gula da garota. Ficaria preocupado se ela fosse uma humana, mas fadas e elfos não tinham doenças como diabetes. “Ainda bem”.

‒ Vou querer só água mesmo.

‒ Eu também.

‒ O quê?! E eu vou comer sozinha? Jamais! Garçom, traga o mesmo para eles também. ‒ Ordenou ela, imperativa, fingindo não ouvir os apelos de nenhum dos dois.

Minutos depois, com as taças em mãos e uma montanha de comida a sua frente, a garota propôs um brinde:

‒ Ao rei e rainha e Lua!

Acompanhadas pelos comentários do elfo, as fadas conversaram sobre a experiência na cidade. Alice, Tales, o assalto. Adna não demorou muito para perceber: sempre que sua prima falava, Ariel sorria com mais ternura impossível e, depois do beijo que vira na apresentação, sabia que estava “sobrando”. Eles precisavam de um tempo a sós para conversar.

‒ Ariel, você sabe onde fica o Repouso Lunar?

‒ Claro! É o hotel dos Limon.

‒ Ótimo! Eu vou para lá. Acho que vi Alice indo para a hospedaria. Leve a Naya depois, está bem? ‒ Ordenou imperiosamente sarcástica, como se não fosse prima, mas mãe.

A fada se despediu, seguindo apressada para a cidade, curiosa para saber o que estava perdendo.

Agora estavam sozinhos, quando Ariel sugeriu, gaguejando nervoso:

‒ O que acha de irmos para um local mais calmo?

Naya concordou com a cabeça, esperando pelos espíritos estar fazendo o correto ao prolongar esse “encontro”.


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