Naya: Crônicas de Atlas escrita por Antonio Filho


Capítulo 13
Capítulo VIII: Luzes, Música e Dança!




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‒ Preparada? ‒ Perguntou Ariel, dando a mão. Seu corpo estava um pouco trêmulo, fazendo Naya encará-lo um pouco surpresa.

‒ Eu nasci preparada. ‒ Disse ela, relembrando das palavras de Adan. ‒ Nós vamos conseguir, pode ter certeza.

Ariel acenou em positiva. Sua parceira estava queimando numa vaidade gloriosa. Não parecia estar falando na boca para fora, mas a confiança em sua voz era quase palpável.

‒ Vamos lá, então. Boa sorte para nós. ‒ Ele suspirou, aliviado. ‒ Que Pandora nos ajude.

Naya sorriu, apertando sua mão.

Caminhando em direção ao palco, alguns dos cento e cinquenta casais pareciam nervosos, já suados e com o olhar sem foco. Mas a maioria transmitia serenidade e espírito esportivo, desejando boa sorte uns aos outros antes da saída meio a abraços e apertos de mão. Cortinas subiam, acompanhadas do marchar dos participantes.

A multidão gritou e aplaudiu ao ver os dançarinos entrando, causando arrepios na fada que já acostumada às de Valerian. Naya lembrou-se durante a lenta caminhada dos momentos quando seu pai discursava e, por convenção, precisava ficar ao seu lado junto de sua mãe.

Encarar a multidão provara-se algo tão desconfortável quanto ser o alvo de uma. Mas com tempo, Naya percebeu que não havia nada demais: plateias, grandes ou pequenas, tratavam-se de agrupamentos que esperavam você fazer algo agradável aos sentidos. Seja dar-lhes um discurso que fizessem seus corações arderem por uma causa ou simplesmente entreter mentes tomadas pelo tédio com uma peça ou show mágico.

Nada merecia ser respondido com medo ou pavor. Pois como aprendera com Titânia, que sempre segurava sua mão para aliviar seu imaginário, o medo era apenas uma ilusão, mas sua resposta refletia na realidade. Talvez as únicas diferenças fossem a gritaria e assovios ensurdecedores, raros em plateias valerianas que, pelo que a princesa achava ser alguma razão cultural, mantinham um silêncio fúnebre e limitavam-se apenas a aplaudir com uma energia digna de um grupo moribundo. Mas o que via aqui a beneficiava: Naya se sentia mais conectada ao público com toda essa reação.

Despertando para a realidade, ela percebeu que estava redondamente enganada sobre algo. Haviam dezenas de milhares de pessoas, número infinitamente maior que sua estimativa quando viu o Anfiteatro pela primeira vez. Conseguia perceber também em sua mente, de modo impreciso, a aura de outras milhares de pessoas nos arredores. Naya ficou um pouco assustada com isso, mas precisava manter o foco. Desligar-se de qualquer magia. Ser apenas ela mesma naquele momento.

Permanecendo por mais um breve e imperceptível momento com os olhos fechados, diminuindo o ritmo da respiração, sua mente repetia que estava pronta para tudo que pudesse vir agora. Não era apenas uma simples competição ou favor: seu orgulho estava em jogo.

‒ Como de costume, começaremos com a etapa eliminatória! Nossos juízes estão observando pelas esfecâmeras encantadas que vocês podem ver flutuando por todo o Anfiteatro! Então Jenny, com que tipo de música começaremos hoje?

‒ Bem lembrado Claus! Que tal um pouco de Pandoric Soul pra animar esse pessoal?

‒ Solta o som!

A primeira canção começava com o som de guitarras, baixos e baterias. Naya percebeu que a gnoma estava falando sério sobre “animar” desde o primeiro instante. O ritmo frenético da música contagiava, mas nada que a fada não conseguisse acompanhar, ainda mais com o parceiro que demonstrava ser praticamente um profissional.

As pessoas da plateia acompanhavam batendo palmas e dançando, quando Naya finalmente entendeu o porquê de ser chamada “etapa eliminatória”. Algumas dezenas de casais tiveram a má sorte de escorregar ou esbarrarem uns nos outros, fazendo com que Claus ou Jenny lançassem feitiços de teletransporte, mandando-os sabe-se lá pra onde. Estavam sendo eliminados. Essencial ter cuidado, mas manter o corpo no ritmo enérgico do soul era o mais importante.

Passava-se o tempo, poucos minutos que mais pareciam horas incontáveis.

Ainda que se sentisse como folhas ao vento, as palavras de Lissandra penetravam em sua mente. Naya não conseguia entender o porquê disso. Estava fazendo tudo certo, mas um vazio ainda tomava seu coração. Como se quando olhasse para Ariel dentre os rodopios e levantamentos, conseguisse captar uma veracidade pura nos movimentos dele, mas ao mesmo tempo sabia que o elfo não tinha a mesma sensação. Parecia que tudo ainda fizesse parte de um sonho meramente técnico, mas sabia que estava bem acordada. Foco. Não havia como se entregar de corpo e alma com preocupações nas costas. “Sinta, apenas sinta”.

‒ E o palco tá pegando fogo com todo esse calor da juventude! – Jenny comentava animada enquanto se abanava com a mão, voando pelos ares do estádio em seu planador.

‒ Falando em calor, vamos agora para algo realmente quente, algo muy caliente! Solta o Tango Imperial!

Naya ficou animada, já havia praticado esse estilo nas aulas de dança estrangeira com o professor Eliot, o homem mais sexy que já havia conhecido em toda sua vida, com absoluta certeza.

“O Tango é sobre exprimir agressividade. Fazer o público sentir no corpo a chama e a sensualidade melancólica que arde dentro de todos nós”. Dizia o silfo moreno que, com apenas um movimento suave de seu chapéu negro e uma piscar de olhos, conseguia despertar em centenas de pessoas excitação e libido suficiente para destruir relacionamentos seculares.

O Tango Imperial, dança típica arcadiana muito popular nos bares de luxo por toda Magicália, praticava-se com maestria e teatralidade apenas pelas nobrezas nacionais. No entanto, Ariel demonstrava conhecer bem o gênero musical: seu movimento transmitia exatamente o espírito sedutor e galante exigido em cada nota das orquestras obscuras e lascivas do tango.

Sensualidade compunha algo crucial a ser demonstrado nessa performance, o que Naya achava que talvez fosse seu ponto fraco, pois não tinha noção se realmente inspirava isso em seus passos e expressão facial. Poderia estar fazendo caras e bocas ridículas e nem perceber, mas não tinha como saber. “Ele não tá rindo, isso é bom sinal ao menos...”.

Já por outro lado, seu parceiro não pecava. Sequer parecia o Ariel doce e gentil que havia conhecido. Sua postura e dança estavam tão carnais quanto possíveis. Ela agora entendia ainda mais o porquê desse traje. Se pudesse adivinhar, diria que ele o escolhera especialmente para essa dança. O estilo galhardo essencial para transformar a aparência daquele rapaz gentil num homem feito era tão perceptível quanto a lua reluzente no topo do céu.

O elfo se surpreendeu, embora já soubesse que a fada vinha de Valerian, reino vizinho a Arcádia, sequer desconfiava que ela possuía tanta habilidade sobre esse estilo. Embora seu corpo aparentasse ter dezesseis anos humanos, para ele, Naya movimentava-se como uma mulher adulta, de modo ao mesmo tempo gracioso e arrematador. “Vermelho é realmente ela”. Quem se encontrava na plateia não perceberia, pois prestaria atenção apenas em seu movimento escarlate, mas a distância lhe permitia mirar também o olhar fatal que ofuscava tudo a sua volta. Os olhos amendoados de âmbar eram o cerne de algo que ele não conseguia entender. Ariel sabia que a profundidade que conseguia enxergar naquele mar castanho era por causa do momento. A dança tinha em si tanta magia quanto qualquer feitiço.

O Tango Imperial, diferente do Pandoric Soul, por sua própria natureza, os forçava a manter uma distância mínima entre seus corpos boa parte do tempo, além de impor um contato visual muito mais que prolongado. E, diferente do que ambos esperavam, não se sentiam nem um pouco desconfortáveis. O treino valera a pena. Tudo fluía naturalmente, cada passo, cada ida e vinda. Tudo. Estavam tão envolvidos pelo momento que nem perceberam: não se passara sequer dez minutos de tango e restavam apenas quinze casais no palco. A rigorosidade do júri aumentava com o passar das melodias? Foi o que Naya pensou, mas que Ariel já tinha certeza.

Silêncio. Aplausos. Claus deu sinal para os casais pararem e se reunirem no centro do palco. Enquanto isso, Adna finalmente teve certeza de que a garota de vestido carmesim era mesmo sua prima. Sua procura fora facilitada. Agora restava a ela saborear mais calmamente a caixa de brigadeiros que estava comendo e, claro, observar a competição.

A representante dos Elvellons e o seu companheiro de madeixas azuis estavam se saindo muito bem, mas Alice e Adan pareciam implacáveis. Nunca havia visto fora da realeza pessoas que fossem tão habilidosas na arte da dança. Talvez porque não se dava o trabalho de assistir. Mas a ruiva tinha mais vigor que muitas fadas e silfos que conhecia: não parecia cansada com toda essa disputa, nem mesmo a respirava ofegante.

A garota Elvellon percebera que Alice decidira ser injusta com sua opção de figurino, trajando um vestido verde-jade decotado que combinavam perfeitamente com seus olhos e colares, além de cair muito bem em seu corpo. O elfo de terno cinza que a acompanhava tinha um semblante tão sedutor que parecia impossível tirar os olhos dele. O corpo musculoso na medida perfeita para um elfo combinado com os cabelos e barba flamejantes aumentava ainda mais a impressão de que Adan e Alice compunham um casal. Embora Adna já soubesse que a humana não namorava, assunto tocado durante a volta da sorveteria, algo a dizia que havia mais história ali além do que os olhos conseguiam ver. Intuição, dedução, talvez um pouco de imaginação.

‒ É isso que eu gosto de ver! Nunca tantas pessoas ficaram até o final do segundo nível!

‒ Bem observado Jenny! Essa com certeza vai entrar para os recordes do festival! Agora que a primeira etapa acabou, vamos fazer um pequeno intervalo para dar início à segunda etapa. Nessa fase os juízes darão seu veredito casal a casal!

‒ Ou seja, cada par terá seu momento sob os holofotes! Preparem-se para mostrar o que vocês sabem fazer de melhor!

‒ Voltaremos num instante. Não saiam de seus lugares! Aproveitem para comprar os deliciosos produtos da Doces Chocoluna, patrocinadora oficial do Festival Oceânico de 2001!

Enquanto Claus chamava a bela equipe alada de harpias dançarinas de intervalo, Jenny guiou os casais até a sala de espera, onde podiam sentar e beber. Uma dúzia de serventes distribuía água, tônicos e energéticos para que todos acumulassem disposição para entreter o ávido povo de Lunara e seus milhares de turistas. Deveriam esperar lá até serem chamados, instruiu a gnoma. A maioria ainda estava um pouco ofegante, mas ninguém parecia disposto a desistir. Deveriam ser os melhores dançarinos da cidade, se não do país.

‒ Vocês se saíram muito bem na primeira etapa! – Exclamou Alice, pulando de animação, enquanto se aproximava de Ariel, trocando acenos amistosos com Naya.

‒ Você e o Adan também. Vieram com mais força que no ano passado!

‒ Eu achei que você não viria. Quem é ela?

‒ É uma história engraçada. Eu estava voltando de Sael...

Enquanto o elfo e a humana conversavam, Naya permanecia sentada, apenas observando. Adan mantinha uma postura similar: mirava Ariel e Alice, mas ao mesmo tempo, parecia tão distante. Pela primeira vez e, provavelmente seria a única, ele não aparentava toda a malevolência do mundo. Porém, sua mente a alertava que poderia ser apenas mais um de seus truques para tomar sua atenção e fazê-la perder a concentração agora, durante a etapa mais importante e decisiva. Ele não merecia o mínimo da sua preocupação. Ainda assim, mesmo dizendo a si mesma para não ligar, era difícil não tentar adivinhar o que se passava em sua cabeça. Talvez estivesse aflito, nervoso ou impaciente, embora Naya duvidasse que ele fosse capaz de sentir qualquer coisa do tipo. Não importava qual fosse seu estado de espírito, provavelmente conseguiria forjar uma expressão indecifrável.

‒ Qual a música de vocês?

‒ Ah... Esse ano esse ano o Adan quis escolher. Aliás, outro tango. Lágrimas da Deusa.

Ariel arregalou os olhos, gaguejando:

‒ Você só po-pode estar de brincadeira né? Essa música é impossível de dançar!

‒ Impossível é uma palavra muito... absoluta. Acho que podemos recriar os passos de Ruan e Isabela Visconti. ‒ Disse Alice, sorrindo, pura em confiança.

‒ Ruan e quem Visoque? ‒ Perguntou Naya. Ela estranhava os nomes, mas sentia que também possuía alguma lembrança do casal. Porém, já tinha dificuldade para lembrar nomes de magos ilustres, quem diria de dançarinos.

‒ Os Visconti de Valrose. Simplesmente os maiores compositores e dançarinos da história do Tango. Eles escreveram essa canção quando vieram até Pandora. A inspiração que Talassar dá para os artistas escreverem composições sobre a Lua é infinita...

‒ E assim, nasceu a ária mais épica de todos os tempos. ‒ Encurtou a ruiva, antes que Ariel começasse a discursar.

Estendendo-se por mais alguns minutos, a humana e a fada compartilharam risadas com o nervosismo do elfo sobre a melodia, até ela voltar para seu parceiro. Claro, se a garota demonstrava confiança suficiente para honrar a obra de arte que deveria ser a apresentação dessa balada, isso significava problemas. Precisaria ao menos atingir a completa perfeição para vencer esse desafio, mas algo que percebera durante a conversa a afligiu ainda mais que essa descoberta. Naya não tinha ideia de que música dançaria na final.

Mirando seu parceiro, que entrelaçava os dedos, inquieto, ela perguntou esperançosa:

‒ Qual a nossa música?

‒ Eu não sei. ‒ Disse ele, rindo forçadamente.

‒ Como assim não sabe?! Ela escolheu a dela e nós não podemos escolher a nossa? ‒ Questionou Naya, gritante e demasiadamente assustadora para o tamanho.

‒ Deixa eu explicar... Assim, tem três anos que eu participo dessa competição. Nunca consegui ficar numa posição melhor que a deles dois porque eles sempre aparecem com essas apresentações metódicas e passos perfeitos.

E...? ‒ Perguntou, impaciente. Ariel não havia dito absolutamente nada que justificasse sua falta de informação.

‒ E eu achei que podia enfrentar eles com uma estratégia diferente. Nessa fase nós podemos escolher nossas músicas, certo? Então eu mandei uma lista com trinta músicas para o diretório...

‒ Por quê? ‒ Trovejou a fada, lentamente, acompanhada de um longo suspiro. Era inacreditável. De cabeça baixa, apoiando as mãos nela em desespero, Naya perguntava, mas tentava adivinhar em sua mente qual seria a “genialidade” por trás dessa estupidez.

‒ É impossível vencer eles na base da técnica. Eu sabia que precisava de algo mais espontâneo, mais... Orgânico. Entende? Sem saber qual vai ser a música, fica mais fácil colocar nosso coração na atuação.

Naya o encarou, ainda incrédula:

‒ Como você diria, que Pandora nos ajude.

Naya conseguia ver uma gota de lógica no fim do túnel. “Eu entendi, mas é muito arriscado...”. Seria essa uma estratégia insana para conseguir sentir e transmitir um sentimento, como Lissandra aconselhava? Impossível achar que algo assim daria certo na prática, mas pelo que Naya conseguia perceber, não custava nada tentar. Mesmo que as chances fossem irrisórias, deveria ser a única alternativa que poderia mudar o resultado predestinado pelos ruivos. Ariel soava idiota para ela por acreditar que se jogar às cegas no palco daria alguma vantagem contra qualquer um dos quinze casais, mas se essa era a única opção, orgânica seria a apresentação.

‒ Tá bem... Vamos tentar. Só me prometa que você vai dar o máximo de si. Que você vai colocar sua alma nisso, ok? ‒ Exigiu ela, suspirando novamente, mas como quando se tira um peso das costas.

Ariel sorriu. Naya estava acreditando, mesmo contra todas as chances. Ele só precisava de uma, nenhuma mais. Depois, tudo acabaria e, independente do resultado, teria valido a pena.

‒ Eu prometo. ‒ Respondeu, num satisfeito aperto de mão, espelhando a confiança que sua parceira passava a exibir.


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