Naya: Crônicas de Atlas escrita por Antonio Filho


Capítulo 15
Capítulo IX: Coração Dividido.




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Caminhando pela areia, abandonando a Praia Central e toda a agitação dos arredores badalados do Anfiteatro, nenhum dos dois dizia uma única palavra, apenas seguiam os caminhos indicados pelas brisas frias da noite. Pés cansados por uma vitória gloriosa e coroas em suas cabeças somavam tudo o que carregavam na direção da serenidade jamais alcançada. O silêncio absoluto perturbava mais que a própria algazarra de Lunara. Ambos tinham pontos a levantar, claro, apenas lhes faltavam coragem, que se dispersara junto da explosão de sentimentos no palco.

Ariel já demostrara, mas pensava em declarar seu recente sentimento pela fada. Ele sentia como se seu passado parasse de assombrá-lo. Como se tudo o que já tivesse definido com a palavra “paixão” estivesse tão errôneo, que agora fazia sentido jamais ter se identificado com o que os elfos anciões chamavam de amor. Tudo o que sentira por antigos interesses românticos não passavam de atração física ou afeto comparado a isso, seja lá o que fosse.

Já Naya estava com a consciência pesada, não queria mentir para o elfo. Chegara a um ponto em que a honestidade total surgia como única opção de caminho para seguir. O que estava vivendo aqui deixara de ser apenas uma diversão corriqueira há muito tempo: precisava contar a verdade sobre suas origens antes que se envolvesse mais.

Estavam longe. Mesmo a passos lentos já haviam se distanciado a ponto de ver, quando olhavam para trás, apenas fulminantes fogos artificiais no panorama. A única testemunha a observar, Pandora em todo seu esplendor, duplica-se pelas águas espelhadas e límpidas de Talassar. Sopros. Percebendo que sua companheira estava com frio, pois seus braços estavam cruzados e tremendo em meio a arrepios, Ariel retirou imediatamente seu paletó para envolvê-la. Envergonhado por sua demora, teria feito isso muito antes, mas sua ascendência élfica boreal o retardara. Seu corpo tinha pouca sensibilidade ao frio. A linhagem extremo norte adaptara-se para a vida nos polos, passando a controlar a temperatura corporal de modo natural.

Mesmo com boas intenções, esse ato só fez a fada ficar mais aflita do que já estava. Ultimato. Apesar de ser muito mais doloroso do que estava imaginando, o ato de pensar em pronunciar palavras banhadas em padecimento tinham de sair. Mesmo que doesse ainda mais, Naya sentia que tinha que ser a primeira a falar, mesmo que estivesse inundada pela sensação de que o faria tarde demais.

‒ Ariel me desculpa, não dá mais. Eu preciso, eu... Eu não posso ficar com você. ‒ Desabafou ela, virando o rosto.

As sobrancelhas curvadas e olhos arregalados mostravam claramente a surpresa e decepção que ele experimentava ao ouvir essas palavras que soaram como uma facada de dois gumes no peito de ambos, fazendo-a hesitar, mas ela precisava falar tudo agora. Naya tentava voltar olhar fixamente nos olhos cerúleos do elfo, tentando negar para si mesma tudo o que havia passado ao lado dele:

‒ Eu não lhe disse a verdade sobre quem sou. Meu nome é Naya Elvellon, eu sou a herdeira do trono de Valerian. É uma longa história, mas eu não posso ficar aqui...

O elfo ficou atônito, confuso, não sabia o que falar muito menos o que fazer. Herdeira? Ele sabia que a fada não lhe devia palavras gentis ou promessas, mas sentia como se ela soubesse que seu coração estava agora nas mãos dela e por simples prazer o estraçalhara. A única coisa que conseguiu foi perguntar em baixo tom:

‒ Por quê?

Uma simples questão. Por quê. Ela não tinha certeza. Mesmo que não fosse o seu desejo assumir o lugar de sua mãe, consistia num destino certo, seguro e confortável de certo modo. Costumava ter a atitude um pouco rebelde e dizer para si mesma que era forte, mas a verdade é que sentia medo. Medo de dar seus próprios passos, de escrever sua própria história. Durante toda sua criação fora treinada para que acatasse as escolhas que seus pais impunham, pois denominavam-se sempre “corretas”. Recebia ordens e conselhos o tempo todo sobre o que deveria ou não fazer. Sua verdadeira opinião raramente influenciava em algo.

A única experiência real de liberdade que tinha dentre os muros do castelo seguia com o aprendizado da magia, onde fora ensinada, principalmente por Thargon, a acreditar acima de tudo em sua própria capacidade de moldar a realidade. “Um mago antes de acatar qualquer ordem, deve ouvir seu coração. Acreditar em sua própria determinação e vontade de mudar o mundo”. As palavras do professor voltavam a sua mente como se as tivesse ouvido ontem. Agora, o poder estava em suas mãos e estava hesitando. Jamais imaginara que isso aconteceria.

‒ Porque esse é o meu dever. É o que qualquer princesa faria. ‒ As palavras saíram de sua garganta com dificuldade, artificiais.

‒ É isso que vocêfaria? – A voz de Ariel demonstrava-se indignada, assim como seu rosto, misto da desesperança e desolação que se abatiam sobre seu peito.

‒ Por favor, não...

O elfo aproximou-se e levantou o queixo da fada lentamente com uma das mãos, amistoso, mirando seus olhos. Embora permanecesse tão estático que sequer possibilitava ouvir sua respiração, Ariel parecia procurar a resposta para sua pergunta por conta própria.

‒ Eu consigo ver em seu olhar, não é isso o que você realmente quer. Por que você não me escolhe?

‒ Não faça isso Ariel... Minha vida toda está em Valerian, meus pais, meus amigos... Tudo.

‒ Mas mesmo assim você não está lá. ‒ Declarou, num ultimato melancólico.

Ele estava certo. O que fazia em Pandora se tudo o que tinha estava em Valerian? Suas palavras não tinham o propósito de confundi-la: estavam cheias de sinceridade. Não seria possível tomar uma decisão sensata no estado que se encontrava. A mais promissora das jovens magas encontrava-se sem poder algum. Jamais havia se sentido tão vulnerável como estava agora. Numa situação desesperadora que magia alguma poderia ajudá-la, apenas ela própria.

‒ Por favor, só... Vá embora. Eu preciso ficar sozinha. – Exprimiu Naya enquanto se voltava para trás, numa tentativa de esconder as lágrimas que seus olhos não conteriam por muito mais tempo. Não conseguiria mais olhar para ele sem agir precipitadamente.

Ariel não queria ir, mas o fez. Não adiantaria insistir se ela havia acabado de expulsá-lo, mesmo depois de tudo o que falara e fizera. Ele sabia que Naya estava dividida e que tinha sido tão difícil para ela falar quanto para ele ouvir. “Melhor deixá-la a sós com seus pensamentos, talvez ela seja mesmo uma princesa valeriana”.

Após escutar um longo e deprimente suspiro, a fada apenas conseguia perceber claramente o som das ondas infinitas quebrando na praia. Ao ouvir os passos do elfo se apagando pela distância, ela virou-se num amálgama confuso de sentimentos, desejando que ele estivesse e não estivesse mais lá. Apenas deparou-se com ele a sumir no horizonte, quando não conseguiu mais aguentar e literalmente desabou no chão, chorando como se tivesse apunhalado sua própria alma. Lágrimas de tristeza, por se sentir tão fraca, e de raiva por dito o que disse.

Nada lhe confirmava se o que fizera havia sido certo ou errado. Sua mente dizia uma coisa, seu coração, outra. Seu espírito se calava como se exaurido por fogo negro. Caída na areia sobre o paletó de Ariel, a tristeza a consumiu até que caiu num sono amargurado.

‒ Naya... Está me ouvindo? – A ecoava familiar, ressoando em ecos dentre a chuva que caía triste como um banho de lágrimas sobre as conhecidas relvas vermelhas.

‒ On... Onde eu estou? – A fada não estava entendendo. Há pouco tempo estava numa praia, agora estava num local estranho, translúcido e instável. Tudo parecia tão concreto quanto a realidade de casa. Via-se castelos e florestas como em Valerian, porém, o fator surreal mostrava-se com a lua cheia próxima a Atlas a ponto de tocar as planícies de Lumot, destruindo as implacáveis muralhas da cidadela das fadas. As estrelas caminhavam pelo solo, iluminando a floresta de sangue.

‒ Não se assuste. Estamos em seus sonhos. Sou eu, Sinandrin. Eu não pude olhar por você durante todos os momentos de sua viagem. Estive muito ocupada resolvendo assuntos diplomáticos de Pandora, mas posso senti-la. Seu espírito está fraco...

‒ Não é nada, só estou um pouco confusa...

A rainha tinha vontade de perguntar o que havia acontecido, mas não precisava. A energia que a aura espiritual de Naya apresentava delatava sua tristeza aguda. Seria inapropriado invadir mais ainda sua privacidade. Sinandrin não admitiria, mas estava preocupada com Naya durante toda sua viagem, olhando através de dezenas de olhos lunarianos como a fada estava se saindo durante a estadia em Pandora. A curiosidade que tinha havia sido consumida pelo tempo, mas não podia arriscar que a princesa do reino mais poderoso do Mundo Mágico se machucasse seriamente. Não havia presenciado tudo, mas estivera presente nos momentos em que ela precisou de seu poder, rompendo os selos que havia criado, ainda que temporariamente.

‒ Posso fazer algo por você? ‒ Perguntou a soberana, melodiosa.

‒ Não... Mas acho que voltarei logo.

‒ Quando esse for seu desejo, vá junto de Adna até a entrada de Lunara e esperem frente à estátua do Espírito da Lua. Providenciarei a viagem de volta quando estiverem prontas.

‒ Ok.

‒ Se não precisa de mim agora, é melhor acordar! O dia já amanheceu!

Ao terminar da frase, a garota despertou, abrindo vagarosamente os olhos. Não para acostumar-se com a luz, muito menos por sono: desejou por um momento nunca ter acordado. Ainda estava na praia, a maré crescente logo faria a água tocar seus pés. A noção de tempo num sonho diferia muito da realidade. Isso a impressionaria se tivesse ocorrido dias atrás, mas agora, nem sequer deu importância para o corrido. Mesmo deitada sobre o paletó, estava suja de areia. A atmosfera em que encontrara Sinandrin não sugeria um sonho muito agradável antes de sua chegada.

Limpou a areia que conseguiu e colocou-se a caminhar de volta para a cidade, pensando no que deveria fazer.

Uma noite agitada finalmente terminara, mais cedo para uns, tarde para outros. Durante a manhã no Repouso Lunar, Adna havia encontrado Alice, que voltara para casa depois de passar a noite tentando convencer Adan de que mereceram o segundo lugar, mesmo com todo o esforço que tiveram. As duas estavam na Sala de Refeições, tomando café da manhã meio a usual e apreciada baderna das hospedarias dessa terra onde não existia coisa como ressaca.

‒ Você não parece se importar tanto quanto seu parceiro com segunda a colocação. ‒ Dizia Adna, interrompida por um longo bocejo. Uma xícara de café, duas torradas com geleia.

‒ Realmente não me importo tanto. Ele é competitivo demais, mas espero que um dia ele largue disso. Na verdade, eu achava que ele ia sair furioso do Anfiteatro ou fazer alguma cena, mas até que ficou bem mais comportado do que eu imaginei. Quem sabe é até melhor, pode ser que ele fique mais humilde. A única coisa que eu achei estranho foi a rapidez com que convenci ele a se acalmar. Normalmente quando ele cisma com alguma coisa ou fica indignado, demora semanas para ver ele normal de novo. – Alice explicava enquanto passava goiabada numa fatia de queijo. – Sempre tem o ano que vem, mas acho que o Adan não vê isso direito.

‒ É bom saber que ainda existem pessoas com espírito esportivo... E você, vai para algum evento do festival hoje? ‒ Adna lamentava que embora Adan fosse tão bonito, tivesse a personalidade tão problemática. Ela não costumava aventurar-se romanticamente durante suas aventuras proibidas, mas abriria uma exceção para o charme irresistível dele com certeza.

‒ Embora hoje vá ter rituais de homenagens e a entrega dos primeiros lírios a Talassar no litoral, não. Tenho que preparar algumas coisas para viajar amanhã. Eu, meu pai e alguns amigos vamos caçar animais selvagens numa floresta próxima a Sael, cidadezinha próxima. Se você quiser, pode vir conosco, é muito divertido!

Adna ficou admirada. Alice caçava. Um esporte pouco praticada pelo povo em Magicália, exceto por ramos da nobreza apreciadora, mas ainda assim admirável. Não se surpreenderia se ela fosse uma das melhores da região: visão analítica, inteligência e agilidade. Com certeza a ruiva tinha todos esses atributos e um pouco mais. Seria o couro de sua roupa pertencente a alguma presa abatida? A fada não tinha certeza, mas essa humana deveria ser capaz de transformar os mais rústicos pedaços de pele em roupas finíssimas.

‒ Eu? – A fada riu – Fico lisonjeada, mas não tenho a menor vocação para esse tipo de coisa.

‒ Não? Magia seria de grande ajuda para abater presas! Bolas de fogo, raios, furacões! ‒ Discordou ela, numa euforia cômica.

‒ Eu uso outro tipo de magia. ‒ Explicou Adna enquanto tentava controlar as gargalhadas ‒ Digamos que eu sou do tipo auxiliadora. Meus conhecimentos são focados no caminho da cura e do arcano. Praticamente todos os meus feitiços fortificam o poder de outros, seja com bênçãos e auras para aliados ou maldições e pragas para inimigos.

‒ Então você é uma maga suporte?

‒ Pode se dizer que sim, mas eu posso me defender sozinha, se é o que você está pensando.

‒ Não! Longe disso! ‒ “Já ia perguntar...”.

‒ Mas eu preferiria não sujar minhas mãos, caso um dia seja necessário. Não consigo me imaginar ferindo uma pessoa ou algum animal por simples prazer...

Enquanto conversavam, Adna desviou seu olhar em direção à porta, quando viu sua prima entrar na hospedaria. Certamente havia se guiado seguindo sua aura mágica, já que não estava acompanhada de Ariel.

‒ Aqui!

Indo em direção à mesa, ficaram apenas as três. Naya entregou o paletó de Ariel à Alice, pedindo para que entregasse depois a ele quando tivesse uma oportunidade. Tentou controlar sua expressão, forçando até um sorriso extremamente falso, mas que deveria ser o suficiente.

‒ Claro, me desculpe à intromissão, mas aconteceu algo com você? Parece meio deprimida...

E mais uma vez, Alice provava seu poder de observação. Nem Adna havia percebido à primeira vista que sua prima estava tentando mascarar a melancolia. Talvez estivesse ocupada com uma porção de mousse de chocolate, mas captaria algo se ela tivesse transmitido.

Não havia motivo para esconder, uma das garotas era sua melhor amiga, a outra por algum motivo aspirava ser alguém que se podia confiar. Contou tudo o que havia acontecido na noite anterior, suas aflições e anseios, controlando-se para não chorar de novo, inutilmente. As duas ouviam com atenção, angustiadas, segurando suas mãos, abraçando-a. Adna havia ficado surpresa com a história: nunca havia visto em sua vida Naya tão amargurada.

‒ Eu não sei o que fazer...

Alice pediu a vez para falar quando viu que Naya estava sem palavras:

‒ Eu, como humana, posso não ter vivido nem metade do tempo que vocês já viveram. Mas posso lhes dizer que já experimentei o amor e o sofrimento. Três anos atrás, quando eu tinha meus dezessete anos, conheci o “grande amor da minha vida”, Henrique Clion. Desde a primeira vez que eu o vi, sabia que tínhamos sido feitos um para o outro.

‒ E o que aconteceu? – Perguntou Naya, tentando limpar as lágrimas dos olhos e do nariz.

‒ Nós ficamos juntos por dois anos, até que aquele bastardo me traiu com uma ninfa vadia filha da p... – Alice fechou os olhos. Inspirou e contou até três, enquanto as fadas tentavam conter o riso - Me desculpem pelo descontrole, mas meu ponto é que junto dele eu vivi os melhores momentos da minha vida e se eu tivesse a oportunidade de voltar no tempo, não teria mudado nenhuma de minhas escolhas. Não me arrependo de nada. Quando você sai da sua zona de conforto e se arrisca é sinal que está fazendo a coisa certa: são nesses momentos que percebemos que estamos lutando por algo que é importante para nós.

Alice deu uma pausa para Naya absorver o que ela havia dito, enquanto isso comia o lanche que havia preparado acompanhado entre goles de vitamina de maracujá, voltando a falar:

‒ Eu não estou dizendo que você deveria dar uma chance pro Ariel, mas sim escutar seu coração, porque depois que optar por um caminho, pode não ter mais volta.

Quando a ruiva terminou, o silêncio pairou por alguns segundos. Naya estava pensativa, reflexiva, até que Adna pôs-se a falar:

‒ Eu voltaria para casa, sem dúvidas. Diferente dela, posso não ter tido um amante por quem eu tenha morrido de amor, mas conheço a dor muito bem. Você Naya, tem um pai e uma mãe que te amam esperando ansiosamente pela sua volta. Eu não. Minha mãe pode estar viva, mas desde que meu pai morreu, o espírito dela se quebrou. Ela deixou de ser a mulher graciosa e cheia de amor da época que ele via, quando eu havia nascido a pouco tempo. Tudo o que eu tenho são histórias da minha verdadeira mãe e um túmulo para visitar. Você não. Em Valerian você pode ter uma vida perfeita, a vida que milhões de pessoas desejam. Não vale apena abrir mão de tudo isso por alguém que você mal conhece.

Naya ouviu cada palavra das duas com atenção. Alice acreditava no valor que o amor tinha na vida de alguém, Adna defendia a já conhecida e terra natal. Cada uma tinha argumentos consistentes para defender suas ideias, o que tornava ainda mais difícil pensar em algo que resolvesse de uma vez por todas seus problemas. A dúvida estava corroendo sua mente, mas agradava saber que havia pessoas que se importavam e tentavam ajudar. Tanto uma quanto a outra percebiam a angústia da fada: seu coração estava praticamente travando uma guerra.

‒ Eu aluguei um quarto aqui, se quiser, podemos subir para você tomar um banho e pensar melhor no que deve fazer.

Naya aceitou a proposta sem pensar duas vezes. Não estava em seu melhor estado. Havia limpado o máximo de areia do corpo, mas ainda estava suja. Certamente lamentável se comparado com sua aparência na noite anterior.

Amparando a prima em seus braços, oferecendo a consolação que ela precisava, Adna levou-a até seu quarto, despedindo-se de Alice.

A humana continuou seu lanche. Ela sabia que não convenceria a fada a ficar, nem se falasse sua opinião mais diretamente. Também conhecia bem Ariel. Eles construíam uma amizade de anos e Alice tinha ciência de que o elfo não era a pessoa mais esperta do mundo quando se tratava de relacionamentos. “Ele é uma toupeira mesmo”. O elfo se tratava de um tipo de pessoa que não costumava conseguir se envolver tanto quanto queria num namoro: simplesmente lhe faltava o fogo que descobrira em Naya. Pelo que a princesa havia contado, ela realmente gostava de Ariel, mas o medo a cegava. “É isso. Vale a pena pelo menos tentar convencê-lo a conversarem mais uma vez”. A jovem aprontou suas coisas e saiu apressada do Repouso Lunar.

Disso que precisava. Um banho para esquecer as adversidades por um momento. Pensar mais calmamente, fechar os olhos e sentir ao menos temporariamente seus problemas escoarem junto ao fluxo calmo da água. Sua cabeça estava uma bagunça completa. Não conseguia focar na procura de resoluções para nenhum seus problemas. Apenas duas palavras tomavam sua mente: Ariel e Casa. O primeiro estava abalando as estruturas antes sólidas seu mundo, mas o segundo tratava-se de seu porto seguro, sua garantia de que tudo daria certo. Talvez um fosse a solução para o outro...

Como usualmente acontecia, acabou perdida em seus pensamentos, sem saber quanto tempo passou em meio à água morna, meio a devaneios. Sentada sobre o piso de azulejos, encolhida e regada pela corrente de tristeza que caía sobre si, Naya sabia que ninguém jamais descobriria que lágrimas escorriam por seu rosto, numerosas e silenciosas dentre os pingos d’água. Sentia-se como num daqueles momento da vida em que você tem duas escolhas, mas toda a história adiante se resumiria no caminho tomado. O destino estava sendo escrito, ou talvez não existisse coisas como o destino, mas o livre arbítrio, impulsos e desejos...

Ao sair daquela nuvem de vapor para o quarto, abandonando o cômodo que transformara num templo de meditação e ponderações, Naya tinha tomado uma decisão:

‒ Apronte suas coisas. Vamos voltar a Valerian. Hoje.

Adna surpreendeu-se com a atitude e segurança na voz de Naya. Não teve coragem de dizer nada, apenas sorriu. Não de felicidade, mas por se sentir aliviada.


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