Naya: Crônicas de Atlas escrita por Antonio Filho


Capítulo 12
Capítulo VII: Determinação




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As horas se passavam num instante naquela agitação. Naya e os elfos caminhavam em direção ao Anfiteatro. Como Adna havia dito, as arquibancadas montadas pareciam enormes. Mas o tamanho da cúpula por fora não revelava o quão grande era por dentro.

‒ Nossa, ele é enorme!

‒ Você gostou? ‒ Perguntou Ariel, redundante com a admiração dela ‒ Eles montam todos os anos.

‒ Ah, como as feiras durante Festival do Mago no meu cast.... Cidade. Na minha cidade. ‒ Contou Naya, desatenciosa com as palavras. A grandeza ainda a hipnotizava.

A estrutura feita quase completamente de metal e madeira, claramente construída com auxílio de magia, tinha um largo, porém não muito alto, palco. O piso elevado e branco de dezenas de metros quadrados reforçava a atmosfera de competição, pois as únicas coisas que conseguiria se destacar seriam as pessoas que o ocupavam. Enfeites e decoração tomavam apenas as paredes com a cara e cor do festival. Pensar que esse local estaria lotado em poucas horas assustava: havia espaço para milhares de pessoas.

‒ E não é só aqui em Lunara. Se você for em qualquer lugar vai encontrar coisas do tipo. ‒ Comenta Adan, orgulhoso.

‒ Do tamanho do Anfiteatro? Mas... Não é caro?

Naya indagava certa de que Pandora deveria precisar de quantias milionárias para manter tudo isso.

‒ Sim e não. A maior parte das estruturas são reaproveitadas. Mas ainda assim, os festivais fazem parte da nossa cultura. O governo respeita nossa alegria. ‒ Completou Ariel.

. Os elfos diziam que o estado de bem-estar social, uma das maiores prioridades da rainha, mantinha-se com mão de ferro pela dinastia mais amada de Pandora. Naya apenas ouvia, mas pensava que realmente Sinandrin conduziria seu governo dessa maneira não apenas para agradar as pessoas, como eles deveriam pensar, mas por motivos muito mais individuais.

Sinandrin havia lhe contado que não apenas tinha uma fraqueza pela fama e adoração, mas por causa de uma magia que ela havia desenvolvido, quanto mais venerada fosse, mais poderosa ficaria. Impossível afirmar com certeza a veracidade da informação, ou se era apenas algum tipo de piada mal interpretada. Havia uma certa dificuldade em ter noção do poder da elfa, pois assim como a maioria dos magos experientes, ela ocultava seu poder mágico para dificultar a captura de dados úteis numa batalha.

‒ Do outro lado do palco estão os camarins. – Disse Adan apontando para uma das entradas.

O trio iniciou uma caminhada simples de minutos, mas reveladora. Se fosse um pouco mais alto, o nariz empinado de Adan com certeza tocaria os olhos. Ele não parecia mesmo com Ariel, embora os dois conversassem pelo caminho como se fossem um só. Aquele modo particular que apenas melhores amigos conseguem, em que nada parece sério e mesmo que você fale uma besteira sem nexo ele ri ou simplesmente te insulta.

Naya observava, conversava, mas, ao mesmo tempo, era difícil não se sentir uma intrusa. Tudo bem, estava tentando ajudar Ariel, mas toda vez que o elfo ferreiro comentava algo que apenas algum conterrâneo entenderia, ela era obrigada a silenciar-se até o assunto mudar.

Isso a lembrava de que não pertencia a esse lugar. Não que isso fosse um problema, pois ela sabia que esse não lhe pertencia. No entanto, viera até aqui justamente para fugir desse sentimento de pertinência. A vida que tinha em Valerian podia ser, para muitos, “gloriosa”, mas a alma da fada dizia que estava ocupando a posição de outra pessoa. Que ela não era a peça que se encaixava naquele quebra-cabeça. O papel de princesa valeriana concernia no seu, mas jamais o havia requisitado. Qualquer pessoa em sã consciência jamais imploraria para estar lá se soubesse a quantidade de aulas de história e geografia que teria de estudar.

Mas em Valerian estava sua vida. Deveria encontrar sua felicidade de alguma forma lá. Talvez conseguisse absorver algo dessa liberdade, palavra de ordem em Lunara. Mas para isso, deveria deixar de lado qualquer incômodo.

‒ Então Adan, você vai participar com a Alice, certo? Ela é a sua namorada?

Ariel riu baixo com a pergunta. O elfo de fogo mirou Naya rápido, voltando-se de novo para frente. Se via claro desconforto com a pergunta sua expressão ainda alterosa, mas ele respondeu:

‒ Não. Eu não estou livre atualmente. Ela é apenas uma amiga. E você? Alguém já roubou seu coração?

Naya sorriu, boba. Demorou alguns segundos para pensar em algo:

‒Também não. Meus pais são meio preocupados com isso. Acho que eles têm “garotofobia”.

‒ Ah, problemas com o pai. Isso é sexy. ‒ Acrescentava o ruivo, meio a risadas dos outros dois.

Chegando a entra, um guarda centauro ao ver o grupo se aproximar abriu um sorriso largo e amarelado. O homem metade cavalo vestido com fardamento do exército local empunhava uma lança duas vezes maior que Naya. Parecia guardar algo muito mais importante que simples camarins.

‒ Adan! Ariel! Como de costume, vocês chegaram cedo. Onde está sua parceira, ruivinho? Ela não vai competir esse ano? – A voz do guarda soava grave, áspera como um trovão. Naya não conseguia entender as palavras ditas pelo homem, mas os elfos não demonstravam nenhuma dificuldade para o mesmo. “Orelha de elfo não é só tamanho mesmo, pelo visto...”.

Liberando a passagem, eles entraram sem nenhum contratempo. Os corredores percorridos estendiam-se longos e estreitos, escurecidos pelo teto de lona e falta de iluminação. Dezenas de portas emplacadas com os nomes dos casais tomavam todos os lados. Se estivesse sozinha, provavelmente se perderia nesse labirinto de entradas idênticas. Numa delas estava escrito: “Adan Dirwen e Alice Limon”.

‒ É aqui que eu fico. Até mais Naya, Ari.

Despedida. Porta fechada. Alguns instantes depois, enquanto seguiam procurando o camarim destinado a eles, Naya fala:

‒ Aqui. Ariel Maelthor e Jasmine Rochmar. – ela leu a placa e voltou seus olhos para baixo ao terminar. Sabia que encontraria o nome da outra garota, mas mesmo assim, ao ver os nomes das outras dezenas de competidores, algo dizia que poderia encontrar o seu próprio. Era absurdo despertar expectativas que sabia que não seriam atingidas. Sequer havia dito seu nome completo para ele e já esperava que magicamente estivesse lá, incrustrado pelas forças do universo.

O elfo percebeu que a fada havia ficado triste e também sabia o motivo, respondendo com urgência em sua voz:

‒ Não se preocupe, me espere aí dentro que eu vou cuidar logo que consertem isso!

‒ Não precisa perder tempo, isso não tem importância.

‒ Tem pra mim.

Ele não deixou que ela respondesse e virou-se em disparada numa corrida, gritando que voltaria em menos de dez minutos. Ariel tinha certeza de que se prolongasse a cena por mais tempo a garota orgulhosa tentaria impedir sua ida ao diretório. Como havia saído tão abruptamente, não chegou a ver o sorriso de felicidade e gratidão que se arqueou nos lábios da fada.

Naya esperou que ele encontrasse uma das curvas e desaparecesse de sua vista para se dar conta de que poderia entrar. Engraçado... Coisas pequenas são tão importante quanto as grandes, ponderava ela. Algumas garotas, como Adna talvez, e a maioria dos garotos, não tinham ciência do significado desse tipo de atitude, assim como Ariel também não deveria ter. Algo como o que ele fizera parecia não custar nada, mas valia o mundo.

Sequer havia percebido, mas antes de girar a maçaneta, Naya pensou em sua sorte por ter parado justamente nesse local, dentre todos os reinos e cidades do mundo. Claro, havia quase morrido, mas fora isso, essa era a continuação da aventura que tanto sonhara e sempre acordava na melhor parte. Não sabia como imaginar depois das muralhas do castelo. Magia, uma terra desconhecida, desafios e até o Floquinho! Era tudo isso que faltava.

Entrando no camarim assim como aconselhado, ela se surpreendeu. As paredes se formavam praticamente por espelhos prateados com longas barras fixas e, perto de um deles, havia uma grande estante cheia de produtos, maquiagens, óleos e acessórios corporais, além de estranhas penas exóticas multicoloridas.

Ela conferindo o resto do cômodo. Havia também uma salinha escondida nos fundos. A maçaneta discreta coberta por uma cortina não cedia. Estava trancada para o tormento de sua curiosidade. E, com o final da investigação, o mais importante: uma mesa repleta de aperitivos que a encaravam mais que qualquer outra coisa naquela sala. Talvez fosse melhor esperar Ariel voltar antes de atacar, mas quem sabe? Apenas um pastelzinho não faria mal a ninguém...

Sua atenção estava voltada para uma porção de salgadinhos, quando ouviu a porta abrir, fazendo-a responder ainda de boca cheia:

‒ Realmente foi rápido, Ariel...

Ela esperou. Esperou. Nada. Havia sido o vento que abrira a porta? Mas que vento? Como ele não havia respondido, a princesa voltou seu olhar para frente, pois estava começando a achar que era tudo imaginação de sua cabeça.

‒ Olá, Naya. ‒ Disse o elfo, com a voz aveludada.

Deparou-se com o reflexo de Adan no espelho. Encostado sobre a porta de braços cruzados, com seu sorriso extremamente perturbador, ele apenas observava.

‒ Ah, me desculpe Adan. Pensei que fosse o Ar...

‒ Ok, vamos esclarecer logo as coisas. – O elfo começou a falar cortando Naya bruscamente. – Eu sei que você está participando do campeonato com o Ari por pena ou seja lá o que for, mas eu o conheço a muito tempo e me importo com ele. Perder a competição com uma garotinha mimada como você só o decepcionaria. Então por que não faz o favor de voltar para sua terrinha cheia de purpurina de fada e deixa ele em paz?

Enquanto anunciava, Adan se aproximava, atrevendo-se a segurar o queixo da fada, forçando-a a olhar diretamente para seus olhos alterados. O fato de usar a força daquele modo despertou raiva no coração da valeriana, que sentia mais ofensivamente o toque que as palavras agressivas. Como alguém daquele porte físico conseguia achar que tinha o direito de machucar uma garota? Ela estava certa, o elfo não era uma pessoa confiável e muito menos amistosa.

Estapeando a mão de Adan forçando-o a soltá-la, Naya o encarou, enfurecida por dentro, mas tentando manter-se superior por fora para não fazer algo de que se arrependeria depois. Estava confusa com tudo isso. Não tinha a menor ideia do que fizera para que ele fosse tão ignorante, mas tinha certeza que não transparecia nada menos que ódio:

‒ Primeiramente, o que te dá tanta certeza que vamos perder?

Adan respondeu gargalhando uma risada transbordando arrogância:

‒ Claramente você não sabe de nada dessa terra mesmo. Faça-se um favor e vá embora. ‒ Exigiu ele, apontado para a porta.

‒ Posso não conhecer muito bem você ou essa terra, ou até o mesmo o Ariel, mas posso te garantir que farei tudo que estiver ao meu alcance para nós ganharmos!

‒ Eu não seria tão confiante se fosse você.

Idem. Agora faça-me um favor e suma da minha frente.

‒ Muito bem. Resolveremos da maneira difícil então.

Os dois se encararam por um momento. Não seria possível saber quem ganharia a competição de quem desejava mais que o outro caísse e quebrasse o pescoço. As sobrancelhas curvadas de Naya indicavam seu estado de fúria, enquanto ele mantinha um sorriso estupidamente amigável.

Pronto... Voltei. Agora está tudo certo. – Falava Ariel ao chegar, trocando a placa na porta que já estava aberta. “Ariel e Naya”. Sem sobrenomes. Com um pouco de suor escorrendo pelo canto da testa e a respiração acelerada, tudo indicava que ele havia corrido bastante.

Naya apenas continuou encarando Adan, ignorando o parceiro, tentando não transparecer sua fúria. Impossível: seu rosto se recusava a obedecer sua mente.

‒ Adan? O que faz aqui?

‒ Apenas vim desejar boa sorte para você e sua companheira. Eu já estava de saída, não é mesmo?

Naya ficava indignada com o cinismo, rancorosa por ainda ter que concordar com o que Adan falava, afinal, os dois elfos deveriam se conhecer a anos. Mesmo que ela falasse sobre o que acontecera momentos atrás, era sua palavra contra a dele. Jamais venceria na argumentação, também não ganharia nada com isso.

Verdade. Como Ariel havia dito horas atrás, Adan se tratava de um "artista incrível”, até demais. “Melhor me concentrar em vencer a competição e esfregar a vitória na cara desse idiota”. A discussão despertara uma determinação Naya que nunca havia sentido antes. Agora não era mais apenas por um amigo, estava nesse jogo para vencer.

‒ Até mais tarde e boa sorte para os dois. – Falou Adan enquanto se despedia de Ariel, dando um empurrão amigável em seu ombro.

Ariel havia estranhado o aborrecimento de Naya, mas ela fizera de tudo para desviar do assunto. Ele respeitara, temendo ser algo sério. Talvez ela tivesse recebido algum recado mental de sua família com alguma notícia desagradável. Seria desrespeitoso de sua parte se meter em algo do tipo.

‒ Vamos ensaiar mais alguns passos?

Duas horas se passaram. Nesse horário todos os casais já haviam chegado e provavelmente estariam revisando suas performances. Os espectadores estariam pelas redondezas comendo e bebendo na infinidade de quiosques espalhados pela praia, ou já procuravam garantir os melhores lugares do Anfiteatro.

Os holofotes e as plataformas luminosas flutuantes dentro e fora da estrutura transformavam a noite em dia na Praia Central. O silêncio se preenchia com músicas eletrônicas, amplificadas por potentes magias sonoras. Deslumbrava a habilidade com magia de entretenimento em Lunara, baseado na premissa de que era apenas numa cidade comum, não uma metrópole.

Naya e Ariel haviam praticado bastante naquele dia, mas continuaram ensaiando para manter o máximo de conexão e corrigir falhas de sincronia. Os dois já carregavam bastante experiência consigo, nada além disso os atrapalharia. Faltava apenas uma hora para começar a abertura, quando ela lembrou de um detalhe:

‒ Que tipo de roupa devo conjurar?

‒ Não precisa gastar energia com isso, olhe aqui.

Dirigindo-se à porta que estava trancada, o elfo sacou uma chave do bolso. Finalmente descobriria o que havia lá. Nem lembrava mais de sua curiosidade após a discussão com Adan, mas a expectativa voltara toda de uma vez ao ver Ariel encaixando a chave na fechadura.

A passagem dava acesso a uma escadaria caracol que parava num andar subterrâneo. A sala embora fosse abaixo da terra, era iluminada e resfriada magicamente por esferas rúnicas, caso contrário seria um ambiente insuportável. Repleta de vestidos e ternos, Naya ficou surpresa, arregalando os olhos. Dezenas ou até centenas de roupas preenchiam o cômodo, uma mais perfeita que a outra, penduradas nos cabides que sustentavam um mar de vaidade pura. “Adna mataria um para estar no meu lugar.”.

‒ Eu conheço um dos organizadores do evento. Ele sempre reserva esse camarim especial para mim, que agora é nosso. Aqui também tem um banheiro, vou me aprontar enquanto você escolhe um vestido.

Ariel escolheu um dos ternos sem demora. Mesmo com tantas opções, ela viu bastante segurança em sua escolha. “Ele tem bom gosto”, pensou. Com certeza ficará muito bonito naquele traje.

Ao vê-lo entrar no banheiro e ouvir o barulho de água jorrando, a fada começou a procurar uma roupa que fosse atraente e ao mesmo tempo combinasse com a vestimenta do companheiro, o que não seria muito problemático. Cada vestido era mais deslumbrante que o anterior e havia facilidade em encontrar algo que combinasse com um elegante terno negro.

Após quinze minutos Ariel saiu do banheiro já arrumado. Terno, gravata e cartola, camisa anil igualmente escura quanto seus cabelos penteados com gel. A elegância lhe caia tão bem quanto os olhos azuis.

‒ Então, o que ach... – Falava ele enquanto ajustava a manga no pulso, quando direcionou seu olhar para Naya, caindo o queixo.

‒ Ficou bom?

Naya estava vestida literalmente como uma princesa. A roupa de tom carmesim extremamente garbosa em sua silhueta ressaltava seus traços físicos valerianos, afinal, vermelho era a cor mais simbólica de seu reino. A cauda, a saia e o corpete justos delineavam as curvas de seu corpo de maneira inocente e ao mesmo tempo luxuriosa.

Ariel apreciou a visão daquela beldade tão pura por alguns segundos, ainda boquiaberto.

‒ Você está linda. Não, você está maravilhosa... ‒ Ainda assim não achou que fosse o suficiente para descrever, mas estava encantado demais para raciocinar algo que caracterizasse a magnificência celestial que estava presenciando. Uma venustidade tão grande que poderia dizer ser digna da comparação com a beleza de Pandora, se falar isso não fosse um pecado.

‒ Obrigada, você tá muito elegante.

O elfo continuou olhando a fada, admirativo, até que ela quebrou o silêncio antes que começasse a ficar desconfortável:

‒ Vamos subir, irei terminar de me arrumar.

‒ Pode ir na frente. Te alcanço logo.

Voltando ao primeiro andar, Naya se sentou frente a um dos espelhos para maquiar-se. Ela não gostava de usar esses produtos, cedendo apenas em raras ocasiões quando Adna ou mãe insistiam muito. Mas estava disposta a fazer qualquer coisa para ganhar, então valeria a pena o sacrifício para agradar aos olhos dos juízes.

Naya enxergava bem o que tinha de melhor e pior, mas não gostava de se dar o trabalho de esconder seus defeitos como todos eram mais que acostumados em seu reino. Não adotava o hábito de alisar os cabelos ou usar salto para esconder a verdadeira altura. “Isso é tudo uma perda de tempo. Mas por agora eu serei a princesa que minha mãe sempre quis”.

Naya não desenvolvera o hábito de se embelezar por simples preguiça, mas por real falta de necessidade. Pois, independente do evento, fosse casual, de gala ou aparição nacional, a tradição do reino obrigava que a herdeira direta sempre mantivesse sobre seu rosto o importuno Véu Régio. Fosse na refeição que tivera com Anthor ou nas aulas de magia arcana. A identidade da princesa deve ser preservada até que a mesma assuma o trono. Ordens milenares, dogmas ultrapassados. Então, qual a necessidade de encobrir defeitos, se nunca ninguém jamais os notaria?

Naya sempre subestimou a si mesma quando se tratava disso, assuntos de garota, mas hoje estava mais confiante do que nunca. Em alguns minutos, delineador, lápis e rímel destacavam fatalmente seus olhos amendoados, de forma que até ela mesma se orgulhara do resultado.

Faltam trinta minutos para a abertura, todos os casais dirijam-se a sala de espera”. Uma voz falava pelo sistema de comunicação interna.

Era a hora.

Chegando com Alice ainda uma hora antes da competição, Adna não resistiu e comprou uma infinidade de doces com o dinheiro que sua amiga havia lhe devolvido. A ruiva contou que o bracelete de ouro que ela havia entregado ao recepcionista da hospedaria de seu pai poderia valer até milhares de lunis. “Seria desonesto por parte da família Limon se aproveitar dessa maneira de uma forasteira”.

Após sair de um dos quiosques, Adna entrou no Anfiteatro e procurou um assento vazio perto do palco, uma tarefa já difícil, mas que facilitaria caso visse Naya na multidão. Mesmo usando um encantamento para melhorar sua já apurada visão, ela não encontrou sua amiga, mas sentia que sua aura estava por perto. Não conseguia localizar exatamente onde, pois haviam milhares de pessoas naquele local. Seria como procurar uma agulha num palheiro usando as habilidades limitadas que tinha a sua disposição. Não conseguia também contatá-la psiquicamente, pois algo bloqueava a conexão: algo estava causando interferência ou ela não queria receber mensagens agora. Decidiu esperar. Alice havia lhe dito que a competição seria interessante e que ela também participaria, não custava nada conferir.

Finalmente, estava começando. Dezenas de holofotes iluminavam o centro do Anfiteatro, roubando as atenções do gigantesco público. As poucas pessoas desavisadas que continuavam no palco corriam para se sentar enquanto dois gnomos de terno subiam com microfones em suas mãos ao rufar dos tambores e uma salva de palmas calorosas.

‒ Boa noite pessoal! – A multidão vibrava com a voz fina e infantil do gnomo, mas sua barba longa e rosa que mais parecia algodão doce indicava se tratar de um adulto. – Eu sou Claus Belfolk, como a maioria de vocês já deve saber: O Apresentador!

‒ E eu sou Jenny Bonero, A Comentarista! – Embora também estivesse de terno branco, sua longa cabeleira roxa prendida em dois coques e seu rosto fino evidenciavam sua feminilidade.

Os gnomos fizeram uma breve introdução do espetáculo e a cada frase que terminavam, a multidão gritava vibrante. Eles dominavam completamente a arte da presença de palco, fazendo piadinhas, envolvendo a multidão e demonstrando uma confiança completamente desproporcional ao tamanho gnômico.

‒ Agora vamos acabar com essa enrolação Claus? É hora do show!

Correndo com suas perninhas curtas, Belfolk e Bonero subiram em plataformas no chão e de maneira muito sutil, recitando um encantamento que os elevou em planadores mágicos para o céu. Jenny, sentava de pernas cruzadas de modo involuntariamente sensual, flertava com o público, quando o Apresentador anunciou num tom que elevou tudo que estivesse sentado na Praia Central:

‒ E agora, que se inicie o primeiro espetáculo da noite: A Competição Anual de Dança do Festival Oceânico!

Agora ou nunca. Todos os casais estavam posicionados numa fileira atrás de Adan e Alice, que tinham o privilégio de serem os primeiros a entrar por ostentarem o título de atuais campeões. A visão colocava em prova a habilidade que o casal possuía. O elfo não estava blefando horas atrás, mas isso não era um problema. Naya se sentia ainda mais motivada a dar seu melhor. Em momentos como esse, onde apareciam desafios, a fada tinha um ritual para focalizar toda sua atenção no momento.

Fechando os olhos, inspirando e expirando lentamente, tudo desaparecia. Palavras surgiam em sua mente. A ocasião evocava as declarações de Lissandra Nagel, a mais experiente das bailarinas de toda Valerian, também sua mestra. “Dançar nunca foi sobre se mover com perfeição. Dançar é sentir a música, sofrer no ritmo da melodia. Amar e transmitir esse sentimento com a leveza de seu corpo”.

A fada lembrava como se ela estivesse ao seu lado, dentre jetés, echappés e cabrioles. Ela dizia que a jovem conseguia dominar com proficiência as artes do corpo, mas faltava “sentimento” para captar. Se esse era o problema, não havia mais com o que se preocupar. Determinação para inundar o Anfiteatro inteiro queimava em seu peito.


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