Universo Em Desequilíbrio escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 17
Surgem algumas desconfianças


Notas iniciais do capítulo

Foi mal a demora, gente. Mas é que tinha umas coisas na história que não estavam agradando e precisei mudar.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/334247/chapter/17

O jogo já tinha sido encerrado há vários minutos, mas ele continuava ali pensativo. Como aquilo foi acontecer? Pensando bem, o que tinha mesmo acontecido? Tudo estava caminhando tão bem!

Dentro do jogo, Cebola observava Mônica usando seus privilégios por ser o rei. Ele podia, se quisesse, observar os outros jogadores sem ser visto e até criar algumas situações, como ajudá-los a encontrar algum objeto mágico, tesouro, escapar de algum perigo ou até mesmo criar situações de perigo. Foi o que ele tinha feito ao ver que Mônica estava andando em um bosque.

Ele sabia que alguns jogadores saqueavam os outros e por isso tinha colocado a moça no caminho deles. Ela seria atacada e no momento certo, ele ia aparecer para salvá-la e assim se tornar seu herói. Essa parte do plano tinha funcionado muito bem. Ele afugentou os saqueadores sem nenhuma dificuldade e chamou a atenção dela.

Tudo parecia bem quando o bate-papo do jogo foi acionado.

– Espero que eles não tenham te ferido, bela senhorita. – Ele teclou tentando ser galanteador. A resposta foi algo que ele não esperava.
– Cebola? Ué, você tinha falado que não jogava muito!

Se eles estivessem cara a cara, ela teria visto seu rosto ficar mais pálido que de costume e seus olhos se esbugalharem. Felizmente ele estava protegido pela tela do computador e conseguiu digitar.

– Deve haver algum engano, senhorita. Eu não me chamo Cebola e sequer conheço tal cidadão. Eu sou o Rei de todas essas terras e...
– Hahaha, sem essa! Eu sei que é você!

O rapaz gelou por um instante. “Como é que ela sabe? Não, peraí! Tenho que fazer alguma coisa!”

– Posso lhe assegurar que eu não sou quem você pensa.
– Ih, que bobeira! Não precisa fingir comigo não, tá?
– O que eu devo fazer para lhe provar que estou falando a verdade?

Após alguns segundos sem resposta, ela disse.

– Então fala comigo no viva voz. Aí eu vou saber se você é ele ou não.

Ele hesitou um pouco e acabou concordando. Bastava disfarçar um pouco a voz e ela nunca ia desconfiar. O viva voz que o jogo disponibilizava para melhorar a interação dos jogadores foi ativado e Cebola falou tentando engrossar a foz e tomando todo cuidado para não trocar as letras.

– Muito bem, senhorita. O que eu preciso fazer para provar que eu não sou quem você pensa? – ele falou procurando enfatizar os erres.
– Uma coisinha de nada.
– Então diga.

Ela deu uma risadinha e disparou pegando-o de surpresa.

– Repita três vezes: o rato roeu a roupa do rei de Roma.
– Quê? Isso é...
– Vamos, bem rápido!

O rapaz engasgou várias vezes, se atrapalhou e falou todo afobado.

– O lato loeu a loupa… não, pelaí! Quer dizer, peraí... o rato loeu…. O rato roeu... – Ele tentava desesperadamente falar e sempre trocava as letras. Não tinha jeito. Apesar de ter se recuperado da dislalia, ele sempre trocava as letras quando ficava nervoso. Como diabos aquela garota tinha percebido?

Do outro lado ela dava risadas, o que o deixava mais nervoso ainda.

– Hahaha, essa foi boa! Eu sabia que era você!
– Mas como você descobliu (cof cof!) descobriu?
– Digamos que eu tenho boa intuição, né? Mas que foi engraçado foi! Eu queria ter visto a sua cara!

Por mais que ele perguntasse, ela acabou não esclarecendo como tinha descoberto sua identidade e aquilo o deixou totalmente perplexo.

– Que coisa... será que ela invadiu meu computador? Ah, claro que não! Droga, como ela descobriu? Eu tenho que saber!

__________________________________________________________

Ela ainda ria ao lembrar do que tinha acontecido minutos atrás. Como ele se atrapalhou todo, coitado! Paciência, não havia como ela não descobrir.

Quando aquele personagem apareceu na sua frente, usando aquelas roupas, Mônica não teve mais dúvidas. Era praticamente a mesma fantasia do Fanstasma Vigilante. As cores eram as mesmas, embora a fantasia do avatar tivesse mais detalhes como medalhas, uma capa bordada a ouro e outros acessórios. Ele também usava uma coroa ao invés de uma cartola e não tinha máscara. Não precisava, já que o rosto do avatar não era igual ao do Cebola.

Dias depois daquela festa, enquanto tentava descobrir a identidade do Fanstama Vigilante, Mônica acabou conseguindo arrancar a resposta da boca do Cascão. Mesmo sabendo da verdade, ela decidiu não falar nada esperando que o Cebola falasse pessoalmente, o que nunca chegou a acontecer.

– Puxa… então o Cebola daqui não é tão diferente do de lá. O que mais ele anda escondendo? – ela se perguntou surpresa ao saber que ele tinha se curado do troca-letra. Se era assim, por que ele fingia na escola?

__________________________________________________________

– Tá olhando o quê? – Cascão perguntou vendo que o amigo o olhava de forma acusadora.
– Você andou abrindo a boca pra Mônica, não foi?
– Eeeeeeu?
– Não… eu... claro que foi você, cabeção! Contou pra ela que eu sou o Fantasma Vigilante.
– E você é mesmo? Bem que eu tava desconfiando... – Magali falou com a mão na cintura.
– Porcaria, agora eu vou ter que explicar muita coisa pra Mônica! E pra que ela foi falar isso pro meu duplo? Agora ele vai ficar desconfiado!

Ao ouvir aquilo, Astronauta balançou a cabeça.

– Desconfiado com o quê? As chances de ele descobrir a verdade são praticamente nulas. A Mônica jamais falaria a verdade e mesmo que falasse, ele nunca ia acreditar.

Cebola voltou a olhar para o monitor ainda com algumas dúvidas. Seu duplo tinha ficado intrigado demais com aquele mistério e ele sabia que aquele sujeito não ia sossegar até descobrir a verdade.

__________________________________________________________

D. Cebola procurou no pacote pelos últimos salgadinhos. Como não encontrou nada, virou o saco sobre a boca para poder comer os farelos e depois o jogou no chão para que Cebola apanhasse depois. Na mesa ao lado, onde seu filho sempre colocava suas guloseimas, ela viu que ainda havia algumas coisas ali e escolheu um pacote de biscoitos recheados.

Ela colocou um na boca e ficou mastigando. Uma onda de prazer e tranqüilidade foi varrendo seu corpo, como se todos os seus problemas estivessem sendo mastigados junto com o biscoito. Aquilo era tão bom! Talvez a única coisa boa que tinha sobrado em sua vida desde o acidente.

Lembrar daquilo fez com que ela colocasse dois biscoitos na boca numa tentativa de afastar aquela tristeza. Mas não teve jeito. Havia momentos em que as lembranças insistiam em lhe atormentar não importando o que ela tivesse dentro da boca.

Seu marido dirigia o carro cantarolando uma música que tocava no rádio. Cebolinha olhava a janela, admirando a paisagem assim como ela também fazia. Maria Cebolinha estava sentada no banco de trás, na cadeirinha de bebê e devidamente presa com o sinto de segurança.

Em certo ponto, eles viram muitos bois e vacas pastando quase perto da estrada e acabou achando aquilo engraçado.

– Cebolinha, me dá a Mariazinha para ela ver os bois.

O garoto tirou a menina da sua cadeira e depois de se contorcer um pouco, ela a pegou no colo e ficou lhe mostrando a paisagem.

– Olha lá as vaquinhas!

A menina batia palmas e ria olhando para os animais. Alguns eram brancas com pintas pretas, outras eram malhadas, pretas e de outras cores. Muitos tinham até chifres.

Foi quando ela ouviu seu marido frear o carro de repente, chiando os pneus. Mesmo assim ele acabou batendo na traseira de uma caminhonete. Só que as coisas não pararam por ali. Um carro que veio atrás em alta velocidade bateu na traseira deles, fazendo com que eles se chocassem ainda mais contra a caminhonete. Ela ouviu gritos do Cebolinha, do seu marido e muito barulho. E tudo ficou escuro.

D. Cebola acordou somente no hospital, cheia de ferimentos e com um braço quebrado. Foi quando recebeu a notícia mais chocante da sua vida: seu marido e sua filha tinham morrido no acidente, sobrando apenas seu filho porque com o choque ele tinha sido arremessado no chão do carro e aquilo lhe deu alguma proteção. Já seu marido não teve a mesma sorte, assim como sua filha que acabou sendo prensada com o peso do seu corpo na hora do impacto.

Quando saiu do hospital, ela encontrou apenas seu filho, também ferido e traumatizado com o acidente. Enterrar seu marido e sua filha foi como esfaquear o próprio coração várias vezes. A dor foi algo descomunal, algo que ela jamais seria capaz de descrever. Sua família foi destruída e em parte por culpa sua.

Por que ela teve que tirar Mariazinha do lugar dela? Por que foi inventar de fazê-la olhar um bando de bois fedidos? Se não tivesse feito aquela loucura, pelo menos sua filha ainda estaria viva, o que ajudaria a diminuir sua dor.

A culpa lhe perseguiu por vários anos e não teve terapeuta que ajudasse.

– Vocês querem que eu esqueça, mas eu não vou esquecer! – ela falava. – Não é justo eu ser feliz depois de tudo!

Com isso, ela passou a recusar qualquer tipo de ajuda e foi se afundando cada vez mais na depressão, deixando de cuidar da casa e até de si mesma. Se não fosse a pensão que o marido tinha deixado, os dois estariam passando fome porque ela sempre foi dona de casa, não tinha profissão e muito menos vontade de aprender algo. No fim, todo o cuidado com a casa ficou nas costas do Cebola. Ela não se importava com mais nada.

– Cebola! – Ela chamou alto e o filho a atendeu rapidamente. – Me traz uma taça de sorvete para eu comer com esses biscoitos.

Sem responder nada, ele foi até a cozinha e voltou logo com o seu sorvete. Daquela vez sem reclamar como sempre fazia. E daí que ela estava comendo demais? Comida foi feita para comer, não foi? Era seu único prazer na vida, uma espécie de anestesia que ajudava a abrandar sua dor. Não era justo tirar aquilo dela.

Não, ela não merecia nada mais além daquilo. Era seu destino viver ali pelo resto da vida, pagando pelo seu erro e nada do que Cebola tentasse fazer ia mudar aquilo.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!