Como Se Tornar Completamente Irresponsável escrita por isafelix


Capítulo 2
A Introdução




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22 de Janeiro. Segunda.

    Sabe onde eu estou agora? Numa sala de aula. Ó, extremos da vida. Num dia, você se encontra No Paraíso junto a seus melhores amigos, uma garrafa de vodka e o limite sendo o quanto você pode aguentar acordado. No outro dia, você está em um inferno cheio de idiotas que só sabem te julgar.  Os professores te julgam como um pirralho infantil e idiota que precisa da salvação. Os seus colegas te julgam porque você peca diferentemente deles (li essa frase na internet, achei legal).

     Pois é. O que mais descrever? Eric falou para eu descrever absolutamente tudo.

Carteiras enfileiradas, todas de madeira, todas ocupadas por um aluno infeliz. Eles fazem silêncio, usam nosso uniforme: camisa de botões branca, nome da escola no lado esquerdo do peito, seu nome no lado direito, e calça jeans azul. Parecem muito concentrados em seus livros, porque não têm opção. Como virarão bons trabalhadores, bons médicos e advogados, se não estudarem muito? Seja uma parte feliz da população economicamente ativa até a morte (Eric quem me disse isso, achei legal). O professor nos observa, corrigindo umas provas. É “a hora de estudar”. Somos trancafiados três horas por dia aqui, no mínimo, para isso (são apenas três para minha turma, pois não estamos nem no ensino médio ainda, mas para o último ano são seis horas).  Mais as cinco horas de aula. E as outras duas horas de exercícios físicos. Nenhuma hora para chorar.

       Estou me distraindo. Há o ar-condicionado ali na parede marrom. E a porta. Isso não está dando certo.

      Porra.

     É. Isso aí. Vou começar assim para que desde o início você saiba com quem está lidando.

    Olhe... Desculpa, é só que eu já tentei começar de muitas maneiras. Desde “oi” até “morra, idiota, por que está perdendo tempo, escrevendo isso?” (pois é, eu falo sozinho também).

    Sou imbecil até no meu diário.

    Diário, diário. Lá, lá, lá. 

     No começo, fiquei preocupado caso alguém lesse isso. Mas eu descobri que ninguém jamais o fará simplesmente porque não tem nenhum sentido. Por que alguém iria querer ler meus pensamentos chatos, sendo que existe vodka no mundo? Claro, as pessoas são burras. Elas poderiam continuar a ler para se intrometerem no que não são chamadas, mas elas não aguentariam até o final. Passariam o olho pela página e jogariam numa poça de urina. Então, me espancariam até a morte por ter um diário.

     Por isso eu comecei daquele jeito. Xingamentos apelativos aumentam reputação! Elas parariam de ler no “porra” e me olhariam com caras safadas, eu tomaria o livro de suas mãos e elas nem perceberiam o ouro puro de chantagem que acabaram de perder.     Ou leriam “diário” fortuitamente. E eu teria que: 1- Brigar;

2- Inventar qualquer desculpa monossilábica que seria prontamente engolida. Porque as pessoas são burras.

    Tá vendo? Tudo faz total sentido.


    Eu não sou uma garotinha assustada pra escrever um diário, mas não pensei em outra solução. Até cogitei postar vídeos na internet comigo conversando, mas eu provavelmente me distrairia ao mostrar meus músculos e esquecer-me-ia de falar.

Brincadeira.

    Só quero ratificar: faço-o contra a minha vontade. Eu poderia até dar outro nome ao o que venha a ser isto, como “agenda” ou “bloco de notas”, sei lá, mas pioraria mais ainda. Como se eu quisesse amenizar por vergonha. Ridículo.

    Meu nome é Leonardo Müller Schwening, mas me chame de Ly (ou de “Schwening”, se conseguir pronunciar).

    Uhu! Um cara desconhecido falando. Deve ser um saco, vamos ler!

    Pelo menos pode ser engraçado zoar da minha cara.

    É tudo culpa de Eric.

     Eric, meu amigo de dezoito anos e cabelo cor de rato, edita uma revista pseudoanarquista que circula apenas nessa joça de cidade e, se dermos sorte, vende cinco exemplares por mês. Eu ajudava o jornal da escola ano passado, então ele me convidou para fazer parte de sua revista. Eu tinha muita inspiração. Até que ela, um dia, sumiu. Então, quando meu amigo Eric entrou em meu quarto num dia do ano passado, carregando uma garrafa de vinho em uma mão e um livro gigantesco na outra, com o resto de cabelo despenteado, gritando sobre um novo livro de Neruda que estava lendo, pensei “que cara doente, escrever não leva a nada, vá embora”.     


     - Estou pronto para escrever um novo livro, jovem Werther, mas não o farei! Dedicarei tudo a nossa revista – falou, caminhando em círculos pelo quarto. Eu o acompanhava com o olhar, deitado na cama. – Tenho certeza, nossa revista ficará fenomenal!       

      - Não sei se posso continuar te ajudando, amigo – exclamei. Ele imediatamente parou de rodar em círculos e me encarou.        

     - Como assim? Não! Isso é um desastre, jovem Shakespeare! Não aceitarei desculpas, você continuará escrevendo, quer queira, quer não. Seu talento é enorme para ser desperdiçado.

       Essa conversa já havia ocorrido uma vez. Eu falei a mesma coisa, ele retrucou da mesma forma.

     - Não consigo. – suspirei, tentando não encará-lo nos olhos. Eu quero muito, Eric, mas não consigo.

     - Ora, rapaz, você só precisa treinar. Acha que Victor Hugo escreveu “Os Miseráveis” sem ter treinado antes? Tente criar um rascunho de livro! – sugeriu – Um diário!

     - Diário?! Jamais eu criaria um diário. Que coisa mais boiola. – protestei, com escárnio.

     - Grandes nomes da história tiveram diários, meu amigo. Você é muito bom para desistir assim. – disse, sem querer saber de mais nada. – Quero ver um texto seu até semana que vem, sem desculpas.


      Estou tentando, Eric, juro. Mas este lugar mata minha alma de escritor, afoga minha criatividade e ânsia por melhorar o mundo.

        Pedi um tempo para ele, antes de voltar a ajudá-lo. Ele disse que quanto mais escrever, mais melhorarei. Procurei por uma história, para treinar. Não achei nenhuma. Ah, diário. Metalinguismo (tive aula disso esses dias).  Uma história sobre mim e meus problemas. O que pode ser mais fácil do que isso? Falar sobre si mesmo por linhas e linhas e linhas. Esse é o sonho de qualquer um! Talvez eu devesse mesmo fazer isso.        

        Então, por isso, estou aqui. Pensei em fazer algo formal, muito formal. Algo lindo. Obra-prima. Algo que valesse a pena tanto tempo perdido. Está meio que um desastre até agora. Mas tentarei, voltarei a tentar.

       Afinal, não tenho absolutamente nada para fazer durante as aulas.

Até agora levei duas horas e meia para terminar essas páginas.  O tempo passou bastante rápido. Talvez nem devesse reclamar tanto por eles nos revistarem e arrancarem nossos celulares antes do começo da “hora de estudar”.

      Te vejo amanhã, mein freund.


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Notas finais do capítulo

este capítulo é uma 'parte esclarecedora' mesmo... não acontece nada



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